┃ 𝟎𝟐 : 𝐍𝐎𝐓 𝐀 𝐋𝐎𝐓, 𝐉𝐔𝐒𝐓 𝐅𝐎𝐑𝐄𝐕𝐄𝐑.
Trafalgar Law
Os dias de viagem seguiram tranquilos, apesar do tédio e do cansaço que me perseguiram durante 5 dias inteiros. Sem falar da fome que sentia por só ter me dado o luxo de parar para tomar café da manhã e almoçar nos 2 primeiros dias na estrada, porque depois eu só parava em lojas de conveniência para comprar um pacote de biscoitos e um copo de energético para me manter acordado. Vez ou outra, também parava para dar um trago e não me deixar levar pelo estresse de ficar o tempo inteiro com a bunda colada no banco de um carro por horas e mais horas, sem um descanso que pudesse durar mais de 2 horas de cochilo.
No entanto, para minha felicidade, enfim havia chegado em Sandpoint após dias viajando ── poderia finalmente ter um pouco de sossego se encontrasse alguma pousada que não estivesse caindo aos pedaçosou com risco de invasão de, sei lá, escorpiões ou qualquer bicho que seja atraído pela mata. Havia tentado ligar para Lammy várias vezes durante meu trajeto, criei contas fakes com IP falso, mas nada adiantava e eu sabia que teria que encarar a fera pessoalmente, o que seria muito mais fácil se o filhote não estivesse acompanhada pela mamãe e pelo papai no ninho de feras em que eu teria que me enfiar para tentar não só a reconciliação com minha irmã, como também teria que tentar o mesmo com meus pais ── o que, sinceramente, acho difícil.
Quer dizer, já fazem 7 anos que eu não entro em contato com os dois; o que diabos eu devo esperar além de rejeição e um esporro deles? Flores que não é. Até se eu levar uma surra dos dois vai ser justificável.
Estacionei o carro em frente a uma loja de conveniências que eu sequer lembrava de existir ou ser daquele jeito. Parecia nova e um pouco mais moderna que as outras construções e estabelecimentos da região, o que me causou um certo alívio, de certa forma. Querendo ou não, nasci no interior e, para muitos, eu sou um caipira, mas não consigo mais me acostumar com a simplicidade do campo, meu Deus.
No instante em que entrei, meu olhar bateu logo na pessoa que estava no caixa, com as pernas apoiadas no balcão e dormindo de boca aberta, todo babado e roncando alto. Franzi o cenho e um sorriso puxou o canto dos meus lábios com diversão. Anos se passaram e aquele idiota continuava idêntico.
- Ace? ─ falei, empurrando seu pé de cima do balcão e fazendo-o rodar na cadeira. - Dormir em horário de trabalho deve ser seu esporte favorito, hein?
- Trafalgar!? ─ os olhos dele se arregalaram assim que me viu, sua pele bronzeada ficando pálida como se estivesse cara a cara com um fantasma e, sendo honesto, talvez eu fosse um para todos. - Caramba, cara! Eu vi que você havia entrado em hiato, mas não imaginei que fosse aparecer justo aqui depois de tanto tempo!
- Então somos dois...
Apesar do sorriso largo estampado em seu rosto, o susto e o desconcerto na linguagem corporal de Ace eram óbvios até mesmo para quem não o conhecesse. Ele estava nervoso, não olhava diretamente nos meus olhos e parecia evitar fazê-lo, como se minha presença fosse um verdadeiro incômodo ali. Isso não me chocou nem um pouco, uma vez que ele e Lana costumavam ser muito amigos naquela época, e não me surpreenderia se ele guardasse algum tipo de ressentimento pela minha pessoa pelo que fiz com sua "melhor amiga".
- E aí, cara, como você tá? Eu realmente tô surpreso com você aparecendo por aqui. Como estão as coisas? Muitos shows? ─ seu sorriso alargou quando ele se levantou e estendeu a mão para mim, que não tardei em apertar. Olhando com atenção, notei uma aliança em seu dedo.
- Ah, você sabe, a imprensa sempre no meu pé, muitas entrevistas e outras coisas da vida de uma "estrela", como eles dizem. ─ retribuí seu cumprimento com um sorriso e acenei com a cabeça. - E você?
- O mesmo de sempre, no corre e lutando pra encher o rabo de grana. Inclusive, essa loja aqui é minha mesmo, hein? Eu sou meu próprio patrão.
- Isso explica o ronco quando cheguei... ─ ri fraco, meu olhar mirando sua aliança novamente, a curiosidade fazendo um frio familiar na minha barriga me incomodar. - E essa aliança aí? Quem foi a maluca?
Minha pergunta o fez engasgar com o nada, que apenas arregalou os olhos ao escutá-la e tossiu algumas vezes antes de me responder com a voz desesperada e cheia de cortes:
- Quem... quem foi!? Ah! Você não conhece. Ela... ─ ele engoliu seco. - É isso aí, você não conhece! Simples assim. Sacou?
- Saquei, eu acho.
Eu e Ace passamos boa parte do dia conversando e jogando papo fora. Fomos almoçar em um restaurante local e, em nenhum momento da nossa conversa, consegui descobrir com quem ele estava de noivado. Confesso que essa curiosidade estava conseguindo me deixar alucinado, como se minha vida dependesse daquela informação que, por algum motivo que eu não queria perder tempo e nem me estressar para tentar descobrir, estava me causando um desconforto irritante na boca do estômago e irritando minha garganta.
Fiquei surpreso, pelo menos ao notar que havia alguns hotéis e pousadas com boas estruturas para passar uma temporada. Porém, preferindo mil vezes o meu conforto e privacidade, optei por ficar no hotel que havia inaugurado há alguns meses na região.
O quarto era grande, bem mobiliado com móveis de luxo e madeira branca. As paredes eram da mesma cor, com detalhes pretos e outras coisas que quem olhasse para mim iria dizer: "você é muito fresco".
Contudo, minha preocupação, depois de procurar um lugar para me fixar, voltou para a inicial: tentar falar com minha família.
Eu sabia muito bem como chegar até minha antiga casa, porém o medo da merda que poderia dar falava mais alto do que qualquer resquício de coragem que eu pudesse ter no corpo. Uma vez que eles teriam toda a razão do mundo em querer criar uma confusão comigo, meu pai tem todos os motivos existentes na face da Terra para querer me agarrar pelo pescoço e me quebrar no tapa. Assim como minha mãe estaria no direito de dizer que está decepcionada e que sou uma vergonha como filho ── vai doer? Vai. Mas segui meu sonho sabendo do preço que teria.
E cá estava eu, de frente para a porta da casa dos meus pais, com as mãos trêmulas como as de uma criança prestes a enfrentar um quarto escuro para ligar a luz. Já faziam 15 minutos ou mais que eu estava parado em silêncio, pensando no que iria dizer assim que tocasse a campainha e fosse atendido, pensando em quem iria me atender, o que iriam dizer e o que eu deveria falar para tentar amenizar as coisas, mesmo que um pouco.
Um suspiro fraco escapou de meus lábios e respirei fundo, arrumando a postura e erguendo a mão na direção da campainha para, enfim, pressioná-la e escutar o ding-dong ecoar pelos meus ouvidos. Isso me fez arrepiar e engolir em seco ao escutar passos se aproximando da porta: passos rápidos, ágeis e pequenos.
Assim que a porta se abriu, minha respiração trancou ao não ver ninguém, até que senti algo cutucar minha perna e, assim que olhei para baixo, arregalei os olhos e franzi o cenho ao ver uma criança totalmente desconhecida segurando a maçaneta e me encarando tão surpresa e curiosa quanto eu.
Seus olhos eram cinzas, grandes e redondos; seus cabelos eram pretos e fatiados na altura das orelhas, que estavam com dois brincos grandes de estrela, iguais aos broches que seguravam sua franja, que parecia cortada de maneira errada e torta. Seu corpo era pequeno e magro, a pele era bem branca e seus lábios possuíam um formato engraçado e arrebitado em um tom avermelhado natural. Mas o que realmente havia me chamado a atenção era o vestido que ela usava: o mesmo de flores que eu havia dado para Lammy há anos atrás, quando entrei no meu primeiro emprego.
- Olá! ─ a menina disse de repente, soltando a maçaneta e olhando para mim com aquele par de olhos brilhantes fixos em mim. - Você veio trazer a pizza que a vovó comprou?
- Vovó..? ─ franzi o cenho e senti a pressão cair. Como assim, "vovó"? A Lammy só tem 13 anos... que diabos essa garota aprontou?
- Ela disse que vai pagar no cartão de crédito! ─ ela continuou, mostrando um cartão e sorrindo, me dando uma clara visão da janelinha entre seus dentes.
- Eu não... eu não trouxe pizza nenhuma...
- Ah... então tchau! Não posso falar com estranhos! ─ a menina estava prestes a fechar a porta quando coloquei o pé e consegui impedi-la, o que lhe arrancou um olhar curioso e até mesmo assustado.
- Escuta... cadê sua avó? Chama ela pra mim? Diz que é o...
- Ava, com quem você está falando? O entregador já foi? ─ assim que minha mãe colocou o pé na entrada e me viu, nossos olhos se arregalaram ao se encontrar.
Nós dois ficamos em silêncio enquanto nos olhávamos, a passagem de tempo de 7 anos finalmente vindo à tona quando notei as mudanças da velhice aparente em sua aparência, depois de quase uma década sem vê-la. A presença de mechas grisalhas em seus cabelos castanho-claros, as rugas leves em seus olhos e testa que pareciam se aprofundar conforme os minutos de silêncio aumentavam, junto da tensão que parecia apenas não se tornar pior pela presença da garotinha que havia se tornado uma espécie de muro entre eu e ela.
Foi então que mamãe deu um passo e afastou a menina, colocando-a para trás de si e ficando de fato em minha frente, restando apenas dois ou três passos de distância entre nós.
Engoli em seco quando ela levantou a mão. Eu já estava preparado física e psicologicamente para levar um tapa no rosto, mas, diferente de absolutamente tudo que eu imaginava que pudesse acontecer e que me surpreendeu de maneira genuína, foi ela ter apenas tocado meu rosto e segurado com cuidado, como se estivesse tentando assimilar que eu era mesmo real e estava ali, na frente da sua casa, depois de anos.
- Meu bebê... ─ ela murmurou, com os olhos se enchendo de lágrimas, o que me deixou desconcertado o suficiente para me arrancar qualquer coisa que pudesse sair da minha boca. E, antes que eu pudesse sequer reagir, fui novamente surpreendido, dessa vez por um abraço apertado o suficiente para me fazer arfar. - Que saudades, meu amor...
- Também senti sua falta, mãe... ─ resmunguei, um pouco constrangido, mas não tardei em retribuir o abraço com a mesma força e apertando os olhos.
- Você está cheio de tatuagens e... piercings... você está com as unhas pintadas de preto? Achei que tinha parado com isso...
- Isso... isso é só meu estilo de vestir, mãe. ─ respondi a ela da forma mais calma que pude; tudo o que eu menos queria naquele momento era que brigássemos. - Você continua tão bonita, seu corte de cabelo... combinou tanto com seu rosto.
- Você acha? Lammy diz que me deixou com cara de velha. ─ ela riu.
- Lammy... cadê ela? E o pai? Cadê eles? ─ tentei entrar no assunto, mas ela segurou meus ombros e olhou nos meus olhos com uma tristeza que me fez gelar. - E essa menina, quem é!?
Ao olharmos para baixo, vimos a garotinha ainda nos encarando com curiosidade em seu olhar, suas bochechas sendo mordidas por dentro, como se ela estivesse se segurando para não falar e nos interromper naquele momento que, mesmo aos olhos de uma criança, era marcante e caloroso.
- Law... querido, vamos entrar? Você esteve fora por muitos anos, aconteceram muitas coisas sobre as quais nunca conseguimos entrar em contato com você para conversarmos... ─ ela falou em um tom quase sussurrado, me segurando pelo braço e puxando para dentro.
Andamos em silêncio até a cozinha, me dando tempo de olhar em volta na casa que eu costumava chamar de minha há anos, a casa onde eu passava o dia inteiro estudando ou ouvindo música quando não estava com meus amigos na garagem ou brincando com Lammy em seu quarto, caso minha mãe ou meu pai não estivessem precisando de ajuda com alguma coisa. Tudo parecia diferente ao mesmo tempo que parecia igual. Talvez fosse a pintura retocada, os móveis, a maioria novos, ou a falta do meu rosto nos quadros pendurados na parede, que agora estavam substituídos por fotografias da menina.
Passamos pelo corredor e, em frente à porta do meu antigo quarto, que estava meio aberta, pude dar uma olhada rápida no interior, notando que havia uma decoração completamente diferente, com uma cama de casal com lençóis e travesseiros da Barbie, algumas bonecas na prateleira e papéis coloridos espalhados pelo chão. Eu sabia bem a quem agora aquele lugar pertencia.
Olhei para a frente e vi minha mãe ainda andando em direção à cozinha, em passos lentos e silenciosos, iguais aos meus. O som dos passos e da música cantada pela garotinha era a única coisa que preenchia o ambiente, que agora parecia ter um ar melancólico e deprimente ── o que quase me fez rir amargamente, uma vez que aquela casa costumava ser agitada com os sons da minha guitarra, da cantoria de Lammy e dos meus pais fazendo suas coisas.
- Ava, amor, você pode pegar o jarro de água para a vovó, por favor?
- Sim, senhora! ─ ela disse sorridente, correndo até a geladeira e fazendo o que lhe foi solicitado de maneira cuidadosa.
- Senta aqui, querido. Precisamos conversar sobre muitas coisas agora que você... resolveu vir nos visitar. ─ mamãe sussurrou cabisbaixa, sentando-se na ponta da mesa, o lugar do meu pai.
- Você parece... triste. O que aconteceu? Cadê a Lammy e o pai?
- Law, bebe um pouco de água, querido. ─ um sorriso fraco, mas acolhedor se formou em seus lábios e um copo d'água me foi entregue. - Você precisa ficar calmo, tudo bem? Eu tentei contatar você várias vezes, Lammy tentou falar com você diversas vezes sobre isso, porém... você nunca deu tempo a ela.
- Sobre isso o quê, exatamente?
- Seu pai faleceu há dois anos, de parada cardíaca.
Assim que aquelas palavras deixaram sua boca, meus olhos se arregalaram no mesmo instante, como um efeito dominó que me deixou estático no lugar, apenas a encarando como se tivesse ouvido o maior absurdo da face da Terra. Ouvir aquilo foi um choque que eu não esperava receber e, pior ainda, não esperava descobrir que havia me autoimpedido de receber aquela informação pelo meu desleixo e ausência na vida de Lammy, que estava sempre disposta a falar comigo, a me ligar independente da hora ou lugar, enquanto eu apenas a ignorava e deixava para falar com ela de vez em quando.
Senti um aperto forte no peito e um nó se formando na garganta quando a ficha começou a cair. Meu pai estava morto. A doença em seu coração, que nunca lhe fora um incômodo ao longo de sua vida, da minha infância e adolescência, havia-o levado embora justo quando eu não estava por perto para fazer alguma coisa ou, ao menos, tentar ajudar.
Eu sabia que não podia chorar, ao menos não na frente dela. Seria hipocrisia da minha parte chorar pela morte de uma pessoa que eu simplesmente deixei para trás como se não importasse e, também, porque eu precisaria ser forte pela mãe. Eu não consigo imaginar a dor que ela deve ter enfrentado ao perdê-lo e as dificuldades que deve ter passado para criar Lammy sozinha, que deveria ter 11 anos naquela época. Deus, eu sou um miserável.
Engoli em seco, sentindo a garganta ainda querendo se fechar pelo nervosismo e a vontade quase insuportável de me acabar em choro em seu colo, mas fiz o que pude para tentar me acalmar e sussurrei:
- Eu sei que nada do que eu disser vai trazê-lo de volta ou aliviar sua dor por ter perdido o pai, mas... eu sinto muito, eu sinto muito de verdade. ─ apesar de serem palavras que ela provavelmente já tenha escutado e continue escutando por onde for, tudo o que falei foi de coração. - Deve... deve ter sido difícil para vocês duas... a Lammy... caramba, ela... ela era muito grudada com ele.
- Eu fui casada com seu pai por quase 40 anos, querido... mas acredite, Lammy sofreu a perda dele mais do que eu. A coitada ficou dias sem comer e dormir; foi um período muito difícil porque eu precisava cuidar dela, mas não tinha quem cuidasse de mim.
Assenti às suas palavras em silêncio, sentindo o peso daquela frase como milhares de tijolos caindo excessivamente em minhas costas. A culpa me corroía como uma praga espalhada pela minha carne, destruindo cada mínimo pedaço do meu corpo ── o que, de fato, eu merecia mais do que nunca naquele momento.
A simples imagem de minha mãe sofrendo sozinha em silêncio enquanto precisava lidar com o sofrimento da minha irmã foi algo que me atingiu como um punhal de chamas no meio do peito e me causou uma dor que conseguia ser pior do que um ferimento físico, porque era pior que qualquer arranhão ou hematoma que pudesse me incomodar. Era uma dor na alma, bem no fundo dela, que conseguiria acabar comigo aos poucos, e eu apenas aceitaria aquilo sem reclamar porque era o que eu merecia, pelo meu egoísmo de querer seguir um sonho egoísta.
- Não chora, vovó... O vovô tá no céu brincando com os anjinhos. ─ a menina Ava falou em um tom doce que quase me fez derreter por um momento, suas mãozinhas agarrando o rosto da minha mãe com tanto cuidado que quase pareceu que ela estava segurando uma flor.
- Ele está, não está? ─ ela sorriu, pegando a garota e colocando-a em seu colo devagar. Meu olhar e o da menina se encontraram no mesmo instante. - Law, essa é a Ava. Ava, esse é o Law.
- Oi, Law!
- Oi... Ava. ─ olhei de soslaio para minha mãe, uma pergunta silenciosa de onde diabos aquela menina havia saído. Ela pareceu entender o recado, pois suspirou em derrota, sabendo que não poderia mais me esconder sabe-se lá o que estivesse escondendo. - A Lammy..?
- O quê!? Pelo amor de Deus, garoto! Tudo bem, você virou um cantor famoso, mas isso custou sua inteligência? As costas simplesmente não batem, criatura...
Antes que eu pudesse respondê-la, escutamos a porta da frente sendo aberta e fechada, logo seguida por passos arrastados e lentos. A batida cuidadosa dos pés no chão fez meu coração disparar ao sentir uma forte nostalgia ao reconhecer aquele som e o ritmo certeiro produzido por ele. Aquele caminhar sempre me fora intrigante, pois sempre me lembrava a batida do início de "We Will Rock You", do Queen.
- Dona Frida, desculpe a demora... tivemos um problema na loja e eu precisei fazer hora extra. ─ seu olhar estava fixo no chão, quase choroso, seus olhos brilhando de culpa como se tivesse cometido um crime.
Assim que ela levantou a cabeça, ambos arregalamos os olhos ao darmos de cara um com o outro. Lana. Bellerose Lana. Ela estava parada há apenas alguns metros de distância de mim, com o semblante assustado e chocado ao me ver, assim como o meu estava da mesma forma que o dela, pois esperava tudo, menos encontrá-la aqui, na minha casa, mesmo depois do que aconteceu. E pela forma como ela me encarava, nem ela parecia esperar me encontrar aqui.
Lana estava diferente, mas ainda parecia a mesma pessoa que eu havia conhecido, que eu havia me apaixonado, que eu havia levado para a cama e amado como se fosse maluco. Seus olhos castanhos ainda eram brilhantes e doces como eu lembrava; seus cabelos agora estavam mais curtos, na altura dos ombros, e seu corpo parecia não ter mudado nada. Ela ainda era pequena e magra como uma serpente de escamas coloridas o suficiente para fazer algum desavisado tentar tocá-la e ser surpreendido por um bote doloroso.
Olhei melhor para ela, notando seu uniforme um pouco sujo de sangue, sua mão enfaixada e um arranhão que parecia ter sido cicatrizado há pouco tempo em sua bochecha, como se tivesse sido atingida de forma certeira por um caco de vidro que não foi nada generoso com ela.
- Mamãe voltou! ─ a garotinha gritou animada, saltando do colo da minha mãe e correndo até Lana, se agarrando a ela como um filhote.
O simples grito de comemoração da garota pareceu piorar a tensão no ar, e as peças finalmente se encaixaram na minha cabeça, me fazendo ficar pálido e prender a respiração na garganta ao entender o que havia acontecido e o que estava acontecendo ali, diante dos meus olhos. Tudo estava explicado e, talvez, minha ignorância em ter assimilado Ava a Lammy tenha sido uma maneira estúpida do meu cérebro tentar me preparar para o choque quando tudo começasse a se desenrolar de forma passiva, o que não aconteceu, pois tudo veio à tona tão rápido quanto uma criança fugindo do Papai Noel no shopping.
Isso explicava o meu quarto modificado para se adaptar à menina, os brinquedos espalhados pela casa, as fotografias, as roupas, o cabelo preto fatiado e a franja torta, os olhos acinzentados - explicava a porra toda, e eu apenas fui burro para não perceber logo de cara. Ava era minha filha e eu sequer tinha todo o conhecimento sobre isso.
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