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54- Creep - Radiohead

— Já passou um ano desde que a Marie foi raptada e eu continuo aqui consigo. Ela até já teve alta do psicólogo! — digo a ele.

— Não vejo qual é o problema, Cristina! Só porque a psicóloga deu alta à Marie, não significa que eu, como seu psiquiatra, tenha que lhe dar alta...

— Ainda acho que tudo tem a ver com dinheiro! — digo-lhe o que penso.

— Quer dizer que a Dra. Cristina Yang ainda não está pronta para ter alta da psiquiatria. — ele revira os olhos. — Continua a sonhar com o pai da Marie?

— Não é assim, Dr. — fico irritada. —  Não tenho sonhado com ele!

Eu sei que lhe menti, quase todas as noites sonho com Reddington. O psiquiatra olha-me desconfiado.

— Cristina, você já é minha paciente  muito antes do rapto da Marie. — ele para de falar nisso e muda de assunto. — Então, e o seu namoro?

— O meu namoro está indo bem, obrigada por perguntar. — respondo, tentando mudar o foco da conversa. — A mãe dele continua a não gostar de mim. E eu tornei-me conselheira de uma adolescente... É uma seca!

— Entendo. E como tem lidado com essas situações? — ele pergunta, interessado.

— Bem, tenho tentado não deixar que os comentários da mãe dele me afetem, ela passa mais tempo na Suíça do que em Itália. — suspiro. — Acho que sinto saudades de ser solteira.

— Cristina, isso é normal numa relação que está crescendo. O seu medo é que a família dele invada o seu espaço?

— Sim, é isso mesmo. O pior é que ele mudou-se lá para casa.

— O que acha de marcar uma consulta conjunta? — ele sugere.

— Credo, não! Ninguém pode saber que sou acompanhada por si!

— Compreendo a sua preocupação com a privacidade, Cristina. Talvez possamos marcar a consulta para um horário em que não haja risco de encontrar conhecidos na clínica.

— Não! Eu, Cristina Yang, não vou me sujeitar a algo assim! Ninguém sabe que eu consulto um psiquiatra, nem mesmo o Shane sabe, imagine só!

— Tudo bem, Cristina. — ele sorri.

— Amanhã, o meu hospital termina a obra! Só falta a decoração. — Sorrio. — É um projeto muito importante para mim. Espero que corra bem.

Ao sair da clínica, sinto um arrepio na nuca. Desde que comecei a ser seguida pelo homem de Reddington, não consigo evitar essa sensação constante de que estou sendo vigiada. Mesmo que ele nunca tenha entrado em minha casa, a ideia de que alguém esteja sempre me observando é assustadora. Tento afastar esses pensamentos da minha cabeça e seguir em frente, mas a sensação de estar sendo perseguida persiste.

Ao chegar à porta de casa, encontro a filha de Burke, Viviane, chorando na entrada. Percebo que não lhe dei as chaves da casa, e começo a questionar se tenho a obrigação de fazê-lo.

— Tudo bem? — perguntei-lhe e ela abraçou-me, deixando-me incomodada. — Não devias estar em Milão?

Ela soltou-me para que eu pudesse abrir a porta de casa.

— Tenho estado aqui em Zurique! — ela limpou as lágrimas. — Tenho saído com um rapaz há dois meses e ninguém deu por minha falta em Milão, nem aqui!

— Fico feliz em saber que estás conhecendo alguém novo. Mas, Viviane, não achas que deverias ter avisado o teu pai e a tua avó sobre ficar em Zurique em vez de ir para Milão? Eles devem estar preocupados.

Ela deu de ombros.

— Cristina Yang, não deram conta. A minha avó está preocupada com a faculdade da Simone e o meu pai está mais preocupado contigo do que connosco, as filhas.

Suspirei e abanei a cabeça.

— Isso não justifica desapareceres sem dares notícias, Viviane. É importante manter as pessoas próximas informadas sobre as nossas decisões. E eu não roubei o pai de ninguém. Tens 19 anos, idade para ter juízo!

Entrámos em casa e ofereci-lhe uma cerveja, mas ela recusou.

— Então, esse rapaz estuda o quê?
— Nada... Trabalha no Burger King.

Dei uma gargalhada.

— Espero que seja só sexo mesmo. Um rapaz sem projetos futuros não será um bom partido.

Viviane ficou vermelha e desviou o olhar.

— Não é só isso, Cristina. Ele tem planos de abrir o próprio negócio no futuro. E, além disso, é um cara legal e trata-me bem.

— Conversa para boi dormir... Já ouvi isso muitas vezes. Se ele tivesse planos, estaria a tirar um curso superior. Acho que fazes isso para provocar o teu pai.

Viviane pareceu surpresa com o meu comentário e franziu a testa.

— O que queres dizer com isso? — ela perguntou, um pouco irritada.

Expliquei-lhe:

— Viviane, sabes que o teu pai valoriza muito a educação e acredita que é importante ter um bom futuro financeiro. Se realmente queres mostrar-lhe que podes ser independente e ter sucesso, precisas esforçar-te para construir a tua carreira e ter planos concretos para o futuro. Namorar alguém que não tem ambições pode ser visto como uma forma de rebeldia, mas, no final do dia, quem perde és tu.

Mas a Viviane ainda não tinha explicado por que estava chorando tanto, e eu já estava ficando extremamente irritada. Se a minha filha chegasse aos 19 anos desse jeito, juro que a deserdaria.

— Viviane, mas tu ainda não me contaste por que estás chorando? Não acredito que seja por ter um namorado.

— Estou há três semanas com a menstruação atrasada. Não tenho ninguém para falar.

Não pude conter a minha expressão de admiração.

— Mas usaram preservativo?

— Não... Não usámos. Ele disse que não gostava e que se cuidaria, mas eu não pensei que isso pudesse acontecer comigo.

Suspiro e coloco a mão no ombro dela.

— Viviane, precisamos resolver isso o mais rápido possível. Precisas fazer um teste de gravidez. O que tinhas na cabeça? Não gosta de preservativo, arranjava outra ou utilizava a mão...

— Cristina, sei que fui irresponsável e estou muito assustada com tudo isso. Preciso fazer o teste de gravidez e ver o que fazer em seguida. — Levanto-me sem dizer nada, vou à casa de banho e trago um teste na mão. — Porque tens testes em casa?

Respondo:

— Sempre é bom ter um kit de emergência em casa, nunca se sabe quando se pode precisar. Agora, vai fazer o teste e vamos ver o resultado juntas. Uma mulher prevenida vale por duas.

Sorrio enquanto ela fica em pânico.

— O que faço se estiver grávida, Cristina? Não estou pronta para ser mãe.

— menos conversa e mais ação, lágrimas a essa hora não resolvem nada.

Ela vai até ao WC e faz o teste, onde esses jovens têm a cabeça,  aos 19anos a minha vida era só faculdade .
Ela sai com o teste na mão e me dá para ver.

— Parabéns! Estás grávida! — faço uma expressão de pesar. — Viviane, não é hora de parabéns. Precisamos ser práticas agora e pensar no que fazer a seguir. Já pensaste nas tuas opções?

Viviane começa a chorar novamente.

— Eu não sei o que fazer, Cristina. Não quero ter um filho agora, mas também não quero abortar. Sinto-me perdida.

— A tua obrigação agora é falar com o pai da criança. — reviro os olhos.

— E se ele não quiser assumir a responsabilidade? — ela pergunta.

— Bem, se ele não quiser, terás que seguir em frente sozinha ou considerar outras opções, como a adoção ou o aborto. Também podes assumir sozinha. Mas primeiro precisas ter uma conversa com ele. Não há outra forma de resolver essa situação.

— E o meu pai? — diz ela em prantos.

— Eu sei que é difícil, mas tu também precisas falar com o teu pai. Ele tem o direito de saber o que está a acontecer e pode oferecer algum apoio emocional e financeiro. Não tenhas medo de falar com ele.

— Eu não quero falar com ele... Por favor, Cristina, não contes!

Eu não poderia obrigar a Viviane a falar com o Burke, não é? Ela é maior de idade e não é minha filha, então a minha responsabilidade em relação a ela é nula. Mas essa carência toda dela me lembra a Meredith. Eu, como pessoa pragmática e distante, confesso que tenho dificuldade em lidar com esse tipo de situação. Porque, por mais que a gente tente, não dá para ajudar todo mundo.

O que mexe comigo é que muitas vezes as pessoas precisam de um ombro amigo, mesmo que eu não saiba como oferecê-lo.

— Tu é que sabes, tens 19 anos, soubeste fazer o filho, tens que saber decidir o que fazer com a tua vida!

Marie entra em casa com Yuna. Marie fica a olhar para Viviane.

— Quem morreu? — pergunta Marie, mas eu ignoro.

— Tu precisas descansar, Viviane. Vou deixar-te sozinha por um tempo para pensares no que fazer a seguir, mas sabe que estou aqui para ajudar no que precisares. — Digo para que Marie não faça mais perguntas.

Deixo-a descansar na minha cama.

— Porque não vais para a tua casa? — diz Marie enciumada, apontando para a porta.

— Se o tio mora aqui, é normal que as filhas também... — falo firmemente com ela para mostrar que a presença de Viviane é importante naquele momento.

Marie resmunga algo inaudível.

— E nada de resmungar, tu aqui ainda não mandas nada, minha menina.

— Eu só não acho justo. — ela revira os olhos. — Onde vai dormir?

— Contigo! Pare de reclamar! — digo-lhe firmemente. — A minha reunião com a tua professora...

— Sim? — ela encara-me.

— Vou matricular-te no 5º ano, a professora já está a pedir o processo, porque já atingiste as metas necessárias para seguir em frente.

— Ah, ok. — ela responde sem muito interesse.

— Ela acha que isso está a frustrar-te porque as coisas que ela ensina já sabes. — olho para ela que parece não estar a dar grande novidade. — Sim, ela mencionou isso na reunião. Mas também disse que precisas de um desafio maior para continuar a progredir. E é por isso que vamos procurar uma escola com um programa mais avançado para o próximo ano.

— E o Klaus e o Geovane? — pergunta ela pelos amigos.

— Sei lá, eles não são meus filhos.

Marie fica a olhar para o vazio, sem mostrar grande expressão.

— Eu sei que sou muito inteligente, mas não queria me separar deles. Não sou sentimentalista, mas...

— Mas em primeiro lugar está o teu futuro. Eu também tive que deixar amizades para trás quando vim para a Suíça. A vida é assim, uns vão e outros vêm.

— Eu sei, mãe. Mas é difícil. — Marie diz em tom de resignação.

— Eu não entendo, não vais mudar de país nem de cidade, estás tão dramática!

— Desculpa, mãe. Tens razão! Em primeiro lugar está o meu futuro!

Sorrio.

— Exatamente.

A professora alertou-me sobre as frustrações de aprendizagem que Marie tem sofrido, como se não estivesse a ensinar nada à minha filha. Ela tem dificuldades em fazer amizades, mas a professora acha que algumas adaptações no método de ensino poderiam ajudar.
Estou a ficar mais velha e Marie já tem 8 anos. Daqui a 10 anos, ela terá que aprender a voar sozinha, sem saber se eu ainda estarei aqui ou não. Mesmo tendo tudo combinado com Shane, Marie precisa aprender as leis da sobrevivência e deixar para trás os dramas. Eu sei que isso pode ser difícil para ela, mas é um processo de crescimento necessário. Como sempre digo, é preciso ser forte para sobreviver neste mundo. E eu quero que Marie seja forte o suficiente para enfrentar qualquer desafio que surgir em seu caminho.

— Então é isso, Dona Marie. Ouvi falar de um colégio muito bom, mas ainda vou estudar as opções. — digo, vendo-a sorrir. Acho que ela deve ter pensado melhor, pois parecia entusiasmada com a ideia de mudar de escola e ano.

— Realmente, estou cansada. Acho que parei no tempo... E a escola está muito positiva, não sei explicar melhor.

— A escola falha porque o ser humano falha. O lugar de amor é em casa, e não na escola. Mas há crianças que não recebem amor em casa, o que acaba criando uma bola de neve de positividade em vez de aprendizagem.

— Escrever uma carta de amizade no dia de São Valentim? Isso é patético. — Diz Marie.

— No meu tempo, não havia tempo para essas coisas. A vida era mais dura, mais exigente. — Digo, dando uma risada. — Mas, eu entendo que para algumas pessoas, é importante demonstrar seus sentimentos.

— Eu valorizo os meus amigos. Mas acho que este tipo de coisa não precisa ser forçado, percebe? — Continua Marie.

— Sim, concordo. Forçar sentimentos nunca é bom. É melhor deixá-los fluir naturalmente. — Respondo.

Marie sorri e concorda comigo.

— Bom, eu preciso ir tomar banho. Estou animada para conhecer o novo hospital amanhã. — Diz ela, correndo pelas escadas.

— Bom banho! — Grito para ela enquanto ela desaparece da minha vista.

Aproveitei a serenidade da noite para apreciar um bom vinho no alpendre. A abertura da clínica estava a deixar-me nervosa, afinal, estava prestes a iniciar uma nova etapa na minha carreira. Tudo estava em jogo e eu precisava manter a calma e a compostura.

No entanto, não pude deixar de pensar na reação do Burke à notícia da sua filha. Ele é conhecido por ser bastante conservador e puritano, o que me deixava preocupada com a possibilidade de ele não aceitar facilmente a situação.
Lembrei-me do meu próprio susto quando descobri a gravidez da Marie. Naquela altura, senti que o mundo estava a ruir à minha volta. Agora, no entanto, eu não era a personagem principal da história, mas sim a namorada do Burke. Ainda assim, não pude deixar de sentir uma certa responsabilidade em relação ao desfecho da situação.

Mas, por outro lado, Marie pareceu ter aceitado bem a ideia de mudar de escola.

Alguém interrompeu os meus pensamentos.

— Cristina, está tudo bem? — perguntou-me o capanga de Reddington, que veio viver na minha rua para me vigiar e a quem tive que arranjar trabalho como segurança no instituto.

— Sim, porquê? — perguntei admirada.

— A minha mulher veio do trabalho e viu a luz acesa e resolvi dar uma olhada, como faço sempre.

— Isso deve ser saturante, homem, relaxe! — disse-lhe. Odeio ter gente sempre em cima de mim.

— É o meu dever cuidar de si e da sua família. Já arranjei alguém para trabalhar na sua nova clínica. — disse-me. O pitbull dele começou a ladrar, o que me assustou.

— Honestamente, não gosto nada disso! — disse-lhe, e ele fez uma expressão de tanto faz. — Já agora, o seu chefe está bem? Já faz algum tempo que não o vejo...

— É porque ele não quer que você o veja.

— Como assim? Por que ele não quer que eu o veja? — perguntei, sentindo uma pitada de curiosidade.

O capanga olhou ao redor, como se quisesse ter certeza de que ninguém estava escutando, e então se aproximou de mim.

— Ele está trabalhando em um projeto secreto. Não quer que ninguém saiba. — disse em um tom baixo e misterioso.

Fiquei intrigada com essa informação e não consegui evitar a curiosidade.

— E o que é esse projeto secreto? — perguntei, tentando disfarçar o meu interesse.

Mas o capanga simplesmente sorriu de forma enigmática.

— Se eu lhe dissesse, teria que matá-la. — brincou, mas sua expressão era séria.

Engoli em seco, lembrando-me de que estava lidando com um capanga de Raymond Reddington.

— Tudo bem, entendi. Acho que é melhor eu voltar para dentro. — disse, tentando encerrar a conversa.

O capanga de Reddington olhou para mim com um sorriso ameaçador e um brilho perigoso nos olhos. Ele se aproximou, como se fosse compartilhar um segredo importante.

— Outra coisa, Cristina... Red não sabe que você está vivendo com esse homem aí, e ele não vai gostar nada disso! — disse, fazendo um gesto com a sua unha gigante, apontando para o pescoço. — Tudo na vida tem um preço, você sabe disso.

Senti um arrepio na espinha e percebi que estava lidando com um homem perigoso. Seu tom de voz e sua postura deixaram claro que ele não estava brincando e que qualquer afronta a Reddington poderia ter consequências graves.

— Eu entendi a mensagem. Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo. — respondi com firmeza, tentando passar confiança e tranquilidade, mas por dentro, estava preocupada e pensando em como lidar com essa situação.

Continua...

"O segredo é a alma do negócio, mas também pode ser o veneno da confiança."
- Charles Caleb Colton

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