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43- I Will Survive - Gloria Gaynor




Já tinha começado bem a minha viagem a Milão, com tensão no ar por causa da roupa da rapariga. Burke é muito conservador, e Viviane parece ser rebelde!

"Quem diria que Burke teria uma filha assim?" — soltei um sorriso.

— Pai, as pessoas evoluem e eu evolui. — ela cruzou os braços. — Obrigada, Cristina, mas não necessito de uma advogada de defesa, ainda por cima... Só porque quer agradar-me! — eu franzo o cenho.

— Engana-se! É-me indiferente o que pensa acerca de mim. Agora vamos jantar! Que eu tenho fome!
Não tenho paciência para adolescentes, nem quando a minha filha for dessa idade vou ter paciência, quanto mais os filhos dos outros.
Viro as costas e vou para a sala e eles vão atrás de mim, Marie se levanta do chão onde fazia o desenho e apresenta-se a filha do Burke.

— Olá, meu nome é Marie e sou a filha da Cristina! — dizia ela esticando a mão a Viviane.
— Que gracinha! Parece uma boneca! — dizia Viviane.

Sentamos à mesa, e Burke serve a todos, mas ele estava claramente chateado com a filha Simone que faltou e com Viviane, que estava vestida de uma forma que não o agradava. Eu tento descontrair o ambiente, mudando o foco da conversa.

— Então, Viviane, está a tirar direito? — pergunto, tentando puxar conversa.

— Não, quem tira direito é a minha irmã. Eu, como estou a recuperar, ainda não posso entrar. — ela responde com desinteresse. — Pensei em tirar educação, mas não sei... — Viviane para de falar quando percebe o olhar do pai sobre ela.

— Como assim não sabe? Viviane, o que pensa fazer da sua vida? Essa roupa, esses brincos na cara... — Burke começa a falar com um tom autoritário.

Viviane revira os olhos, claramente incomodada com as críticas do pai.

— Pai, a minha roupa e os meus piercings não têm nada a ver com a minha escolha profissional. Sei muito bem o que quero fazer da minha vida, mas não preciso da sua aprovação para isso. — ela responde, com a voz firme e um olhar desafiador.

— A tua mãe morreria de desgosto se te visse assim! — disse Burke, desiludido.

— Burke! — exclamei, tentando chamar a atenção dele. — Cada um veste-se como quer. Não vejo a necessidade de invocar pessoas que já morreram para o jantar. Além disso, ela já é maior de idade, então se quiser andar nua, anda!

Honestamente o Burke estava pior que a minha mãe, está bem que eu não era uma adolescente assim, só sabia estudar.

— Você sabe e não quer dizer? — perguntei, já me envolvendo demais na situação de pai e filha, mas incapaz de tolerar a atitude antiquada de Burke. Viviane olhou para mim aflita e eu me calei. Não tinha nada a ver com a vida deles.

— Realmente, ainda estou a pensar. Eu gosto de música! — disse Viviane com um sorriso.

"Mais valia estar calada!" pensei, enquanto observava a cena. Marie, sentada ao meu lado, fez uma cara de asco com a afirmação de Viviane.

— Música? Desde quando música é uma profissão? — perguntou Burke com um tom autoritário, aparentemente insatisfeito com a escolha de carreira de Viviane.

Senti um arrepio subir pela minha espinha enquanto esperava pela resposta de Viviane, perguntando-me como ela responderia às críticas do pai. Finalmente, ela respondeu com a voz firme e um olhar desafiador.

Burke parecia estar prestes a argumentar, mas decidi intervir antes que a situação ficasse ainda mais tensa.

— Burke, cada um deve seguir o caminho que acha melhor para si. Não há problema em escolher uma profissão que seja diferente do que você esperava. E, além disso, Viviane é uma adulta, ela tem o direito de fazer suas próprias escolhas. Vamos mudar de assunto, por favor.

— Sim, mãe, é melhor. Mas a verdade é que, tendo um pai médico, Viviane devia seguir as pisadas dele. Ao menos a sua outra filha segue direito, já não está mal! — disse Marie com um sorriso enquanto dava de ombros e voltava a comer.

Depois da intervenção de Marie, senti um clima tenso na mesa, mas decidi manter a conversa fluindo para evitar conflitos.

— Este prato está ótimo, não sabia que os italianos cozinhavam tão bem! — disse eu com um sorriso forçado. Mas fui interrompida quando Viviane se serviu de um copo de vinho e a expressão de Burke mudou.

— Cristina, a minha avó diz que foi namorada do meu pai antes da minha mãe... Como se sente sendo a segunda opção? — perguntou Viviane a mim.

Fiquei desconfortável com a pergunta, mas tentei manter a compostura e responder. Por dentro, eu estava fervendo de raiva ao lembrar da mãe do Burke.

— Bem, que eu saiba nunca fui segunda opção de ninguém, e quem vive de passado é museu. Mas eu e o seu pai estamos juntos agora e isso é o que importa. Sua avó deu-lhe bem a lição, Burke, não há possibilidade que a sua santa mãe tenha posto veneno na comida? — falei, com um olhar cheio de ódio.

Viviane ria-se enquanto Marie ficava assustada.

Burke pousa a sobremesa e fala isso à filha:

— Viviane, eu adoraria que além da aparência física, você fosse igual à sua irmã. Educada... — Viviane se levanta e vai até a varanda chorar.

Observo-a sair e não consigo deixar de sentir pena. Ela perdeu a mãe e ainda tem de lidar com o preconceito do pai, além das comparações constantes com a irmã, o que deve ser difícil para ela.

— Você é mesmo um idiota, Burke! — digo, olhando-o seriamente nos olhos. — Vá com Marie e bebam algo juntos.

Marie e Burke saíram para passear na cidade e eu decidi aproximar-me da filha dele, indo até à varanda. Ao ver Viviane sentada na varanda, distraída com um cigarro na mão, perguntei educadamente:

— Posso sentar-me aqui contigo?

— Claro, faz favor — respondeu Viviane, apagando o cigarro no cinzeiro.

Sentei-me ao lado dela e, ao sentir o cheiro do cigarro, fiz uma careta.

— Sabes que fumar faz mal à saúde, não sabes? — comentei.

— Eu sei, mas às vezes é difícil resistir. O meu pai nunca me deixou fazer nada do que eu gostava, então agora sinto-me livre para tomar as minhas próprias decisões, mesmo que isso signifique fumar um cigarro ou outro — explicou Viviane.

Ponderei por um momento e disse:

— Eu entendo como é difícil lutar contra a vontade de se sentir livre. Mas, às vezes, é preciso pensar nas consequências a longo prazo. Tu tens um sonho de ser música, certo?cantar, Tocar instrumentos de sopro? Fumar pode prejudicar as tuas cordas vocais e, consequentemente, a tua carreira. Não vale a pena arriscar algo tão importante por um cigarro.

Viviane refletiu sobre as minhas palavras e, lentamente, apagou o último cigarro. Sorri para ela, esperançosa de que tivesse tomado a decisão certa.

— Estás a querer fazer o papel de madrasta, é isso? — perguntou Viviane, com uma expressão desconfiada.

— Claro que não, esse papel não me encaixa. Mas fiquei surpreendida por Burke ter uma filha "rebelde", pensei que fosse mais recatada.

— Ah, então deves gostar da minha irmã! Ela é a perfeição da família, sempre agradando a minha avó e os meus pais. Vou embora para casa! Tentei ser simpática ao vir! Já que Simone não quis...

— Definitivamente, não estou interessada na tua irmã... — respondi, interrompendo-a.

— É por causa da minha avó? Ela é muito difícil...

— Vamos mudar de assunto. Já chega de tristezas. — disse eu, tentando quebrar a tensão entre nós. Sabia que teria que passar o dia seguinte com a avó de Viviane e já esperava que fosse uma experiência desgastante.

— Concordo. Falar de coisas mais leves pode ser bom. — respondeu Viviane, aliviada. — Eu adoro música. Sempre sonhei em ser cantora e tocar instrumentos. Mas, infelizmente, o meu pai nunca me apoiou muito nisso.

— É uma pena. A música é uma forma de expressão maravilhosa. Já pensaste em tentar seguir esse sonho sozinha? — perguntei.

Viviane hesitou por um momento antes de responder.

— Sim, pensei, mas sempre tive medo de falhar. E o meu pai sempre me disse que não tinha talento para a música. Por isso, nunca tive coragem de tentar.

— Não acredites nisso. Acredita em ti mesma e no teu sonho. Se tens paixão pela música, segue-a. Acredita que podes ter sucesso se trabalhares arduamente para isso. — encorajei-a.

Viviane sorriu para mim, agradecida pelas minhas palavras.

— Obrigada, Cristina. Acho que preciso de mais pessoas assim na minha vida. — disse ela.

Sorri de volta, feliz por ter ajudado de alguma forma.

— Apesar de ser uma mulher da ciência, acredito que cada um deve lutar por aquilo em que acredita. Mas acho que estás a tornar tudo muito difícil e não estás a saber lidar com o teu pai... — fui interrompida pela abertura da porta. Burke e Marie entraram e logo nos calámos. Viviane perguntou a Burke se podia ficar a dormir.

E assim foi, montou-se uma cama na sala e Viviane dormiu lá. Dormimos até tarde, apesar de eu estar com insónias. Não sei quantas vezes dei voltas naquele colchão confortável ou quantas vezes me levantei para beber água. O silêncio era avassalador, não duvidaria que, se estivesse em Zurique, já teria ido para o instituto. Quando não durmo, fazia isso constantemente. Acordei-os às 11h da manhã, depois de ter tomado um duche relaxante.

Como uma noite sem dormir pode parecer uma eternidade, essa sensação pode ser comparada com a passagem do tempo em um relógio que parece andar para trás, como se cada minuto durasse uma hora. Foi assim que me senti nessa noite.

Saímos todos juntos para a casa do Burke, não posso negar que estava super nervosa. Somos recebidos pelo pai dele, e ao entrar na casa, a mãe de Burke e a sua outra filha, que era exatamente igual à Viviane com a diferença da roupa, apareceram.

O pai dele recebeu a minha mala e casaco e pendurou no cabide que existe no hall de entrada. O senhor tentou cumprimentar Marie, que esticou a mão porque não gosta de beijinhos.

— Menina, quando alguém cumprimenta, só tem que cumprimentar! — disse a mãe de Burke, olhando para Marie e forçando-a a dar dois beijinhos.

— Com o COVID, não é bom cumprimentar com beijinhos. — disse Marie, tentando se afastar da mãe de Burke, enquanto seu tom de voz e linguagem corporal sugeriam que ela não estava muito confortável com a situação.

Ela olha para mim e cumprimenta-me.

— A sua filha é a sua cara, espero... — ela dá-me um sorriso cínico. — Bem, não interessa!

— A minha filha é igual a mim! — eu respondo, devolvendo o sorriso.

— Mamã, visto que já se conheciam, apresento a minha outra filhota. — Dizia Burke, tentando aliviar a troca de olhares entre mim e a mãe dele. — Simone querida, vem cá!

— Prazer, dra. Cristina! — dizia ela rudemente. — Tal como a sua filha disse, não é bom cumprimentar em tempos de pandemia! Se me der licença, vou ver da comida...

Ela sai, e o pai de Burke nos encaminha para a sala de estar e serve uns aperitivos, enquanto a mãe de Burke chama Viviane e Marie para ajudar, mas Marie recusa-se a ir.
Ela não está habituada a essas tarefas domésticas.
— Marie tem 6 anos e não gosta de brincar na cozinha. — digo sem pudor. Somos convidadas, não escravas. Viviane pisca-me o olho em sinal de concordância.

Este namoro está muito dividido. Gosto do pai dele e da Viviane, sua filha, mas, para contrapor, detestei a outra filha e odeio a mãe dele.

Continua...

"O conflito entre gerações é tão antigo quanto a própria história da humanidade"
- autoria desconhecida

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