7. His body is like an art
❝ O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na fisionomia e nos movimentos do corpo as paixões da alma.❞
- Leonardo da Vinci
Termino de organizar todas as louças nos armários de madeira da cozinha. Me espreguiço enquanto ouço a voz de Ann Peebles sair da vitrola que ainda está na sala.
— Como estou? — Jungkook aparece desfilando na cozinha vestido com várias peças de roupas que deveriam estar na minha mala, ou no mínimo, guardadas no meu guarda-roupa, já que foi o que eu falei pra ele fazer.
— Parece aqueles modelos de desfile de grifes esquisitas. — ele roda e põe a mão na cintura enquanto faz carão pra mim.
— Já viu aquele que o cara parece um cosplay de minecraft misturado com um acordeão? — Jungkook ri alto tirando um dos quatro cachecóis que estão enrolados no seu pescoço. — Será que alguém usa essas roupas mesmo?
— Gosto de pensar que eles têm senso de não usar aquelas coisas. — dou de ombros. — Dá pra você tirar essa calça? Eu gosto dela! — Jungkook ergue a perna na cadeira e desliza a mão por toda a sua extensão enquanto joga a cabeça para trás.
— Man i feel just like a rockstar.⒈ — jogo o pano de prato na cabeça dele.
— Meus olhos queimam. — ele ri e joga o pano de volta, o seguro e coloco no meu ombro. — Você sequer colocou alguma coisa dentro do guarda-roupa?
— Todas, — ele olha para o corpo. — bem, com exceção dessas aqui. — cruzo os braços e aponto para que ele saia da cozinha. — Aish! Não sabe apreciar a verdadeira moda! — ele empina o nariz e sai desfilando da cozinha. Sorrio, porque Jungkook é o tipo de pessoa besta que deixa seu dia melhor.
Nos conhecemos quando morávamos em Busan. Naquela época, meus pais não tinham nenhum plano de se mudarem para a Califórnia, evento que aconteceu quando eu tinha doze anos, e foi, sem dúvidas, uma das partes mais difíceis da minha vida. Estudei com Jungkook desde o ensino básico em uma escola que ficava dois quarteirões da nossa casa, já que, na época, Jeon era meu vizinho.
Gostávamos de brincar na casa da árvore que ficava nos fundos da mansão dos pais de Jungkook, aquele era nosso QG, foi lá que fiz meus primeiros desenhos, tendo Jeon como avaliador das minhas obras infantis. Eu pintava, ele tocava e cantava. Meu amigo sempre foi bom com instrumentos, e desde criança tinha uma bela voz, coisa que ficou melhor conforme ele foi crescendo. Era muito divertido, ficávamos naquele lugar até tarde da noite, só saíamos quando nossos pais praticamente nos arrastavam para casa.
Como os médicos mais respeitados da cidade, meus pais achavam que tinham o dever de passar tais dotes para mim, coisa que eu nunca pedi. Desde os seis anos meus presentes de aniversário eram livros de medicina. Eu nunca cheguei a lê-los, só retirava o plástico que encapava o livro e colocava na estante do meu quarto, que enchia cada vez mais.
Quando eu fiz onze anos, a mãe do Jungkook comprou uma pista de carrinhos para mim. Acho que foi o melhor aniversário que eu tive, mas também acho que foi o estopim para os meus pais se mudarem. Para eles, qualquer tipo de jogo era distração, e meu futuro brilhante como médico dependia do meu desempenho desde a infância. E foi com um coração partido que, um ano depois daquele dia, nos mudamos para a Califórnia, onde morávamos até eu me mudar.
Jungkook e eu continuamos a nos falar, mas não era a mesma coisa, ele tinha os novos amigos dele, já que sempre foi desenrolado para fazer amizades, mas eu... bem, não acho que eu tenha feito muitos amigos ao longo dos anos que se sucederam.
— No que está pensando? — Jungkook reaparece na cozinha, dessa vez, usando apenas suas próprias roupas.
— Eles não deixaram eu levar aquela pista de carrinhos, — Jungkook sorri pequeno. — me pergunto o que aconteceu com ela.
— Sua mãe devolveu pra mim uns dias antes de vocês partirem. — ele senta na cadeira e olha para a janela. — Eu fiquei puto, tinha gastado toda a minha mesada naquele presente. — sorrio.
— O que fez com ela? — insisto.
— Pisei em todos os carrinhos até quebrarem, depois joguei no lixo, aí fiquei triste por ter feito aquilo, fui no lixeiro e peguei tudo de volta e tentei consertar, mas não consegui. — ele faz uma pausa e olha para as unhas. — Então fiquei puto de novo e taquei fogo em todas as peças. — ele mostra a mão esquerda, há uma cicatriz meio enrugada na pele. — Queimei quando o fogo ficou alto. — arregalo os olhos e toco na cicatriz.
— Doeu muito? — sussurro.
— Doeu mais quando você foi embora. — ele passa a língua pela parte interna da bochecha e desvia o olhar.
— Mas agora estou aqui. Estamos juntos de novo. — sorrio e bagunço os cabelos dele. — Terminei as coisas aqui embaixo, que tal irmos organizar o estúdio?
— Pode ser. — ele fala ao levantar.
— Vou acabar pintando alguma coisa hoje, meus dedos não param de formigar. — digo enquanto subimos as escadas.
— Que tal me pintar? — Jungkook abre a porta do estúdio que se encontra vazio, com exceção de algumas caixas com tintas e algumas telas. — Me desenhe como uma de suas garotas francesas, Taehyung!
Gargalho e o empurro.
— Por que cita Titanic se nunca assistiu o filme? — Jungkook ajoelha na frente de uma das caixas e começa a mexer nos potes de tinta.
— Não me julgue, você também nunca assistiu! — reviro os olhos e caminho até a janela para abrí-la. O sol da manhã entra assim que a deixo totalmente aberta. Quase inconscientemente olho para a casa do outro lado da rua, apesar dos carros e motos que passam constantemente, a casa branca parece imperturbável. E como um pensamento leva ao outro, a imagem de Min Yoongi volta a minha mente, mas especificamente a tatuagem do pescoço dele, um polvo. Porque esse é o verdadeiro motivo para meus dedos formigarem, aquele desenho negro em contraste a pele branca do rapaz está me inspirando para pôr algo na tela.
— A casa vai ficar envergonhada se você continuar encarando ela tão fixamente. — Jungkook sussurra no meu ouvido, me assustando.
— Eu realmente preciso pintar algo. — falo e caminho até uma tela em branco, rasgando o plástico que a cobre. Aquele sentimento de urgência formiga na minha pele, é o mesmo que sinto antes de passar o dia inteiro pintando.
— O que você viu de tão inspirador? — com o canto dos olhos vejo Jungkook se inclinar sobre a janela.
— Uma vez, Van Gogh disse: "eu sonho minha pintura, e então eu pinto meu sonho". — olho para Jungkook e sorrio. — Talvez eu esteja pintando algo que sonhei.
— Entendi, — ele põe as mãos no bolso. — vou deixar você sozinho com suas ideias, não quero te atrapalhar.
— Você nunca me atrapalha, Jungkook. — digo, mesmo que não seja totalmente verdade.
— E o sol é verde! — Jungkook ri e revira os olhos. — Depois eu te ligo. — ele bate na minha bunda e sai correndo antes que um dos meus pincéis acerte sua cabeça.
Apoio a tela no cavalete e puxo uma cadeira, derramo algumas tintas na paleta e escolho o pincel mais fino. Antes que o pincel toque a tela, respiro fundo, o sol aquece minha bochecha e ilumina o objeto até então em branco na minha frente, mas em uma fração de segundos ele não está mais em branco, porque consigo visualizar exatamente o que quero pintar.
Imagino o pincel como uma extensão do meu braço, e não como algo a parte. Ele toca a tela e se move levemente, projetando o que imagino. E então é fácil, não consigo parar, minha mão se move com agilidade, um rosto sem nome ganha vida com o dourado da tinta, enormes tentáculos azul-cobalto se fundem com os olhos e bochechas da pintura. Gasto mais tempo neles enquanto as horas se passam, por um momento eu os vejo se mexerem, como se o verdadeiro animal estivesse envolvido na obra.
Estou entregue a pintura de novo, aquela euforia parece ter sido espalhada pelo meu corpo como uma tinta sendo derramada em um quadro. Eu continuo a pintar mesmo que a luz da manhã dê o seu adeus e a luz da tarde dê o seu olá.
***
— Que dor! — me espreguiço ao entrar na cozinha e encher um copo de água, meus ossos estalam audivelmente com o movimento. Esfrego as juntas dos meus dedos que estão sujas de tinta, resultado de pintar o dia inteiro.
Ao abrir a geladeira vejo uma última fatia do bolo de cenoura, meu estômago ronca feito um animal esfomeado quando retiro o boleiro da geladeira e devoro o bolo quase sem mastigar, resultando em um engasgo digno de morte.
Lambo os dedos e faço uma careta ao sentir o amargor da tinta seca misturada ao chocolate. Ponho a vasilha na pia e começo a lavá-la. Ao olhar para o relógio no meu pulso, vejo que já são 19h:20. O tempo passa voando quando estou pintando alguma coisa.
Cantarolo enquanto faço mais bolhas com o sabão, esfrego o boleiro com cuidado, a todo momento tendo a impressão de que vou derrubar a vasilha e ela vai rachar. Pensar nisso me faz segurar o boleiro com mais força enquanto eu o seco meticulosamente.
Equilibro a vasilha debaixo do braço e rodo a chave na fechadura, o ar gelado de Daegu acerta meu rosto e sacode minha camiseta branca. Atravesso a rua e alcanço a calçada em poucos passos. O jardim está cuidadosamente cortado, ao olhar para a esquerda, vejo um pequeno balanço de cor avermelhada, sorrio ao lembrar de me divertir em um desses enquanto minha "infância" ainda podia ser chamada assim.
Subo os três degraus e toco a campainha, e talvez seja nesse momento que eu percebo que ainda não tomei banho desde que cheguei ontem. Arregalo os olhos e vejo uma mistura de cores na minha camisa branca furada que uso sempre que vou pintar, honestamente eu não lembro do momento exato que eu troquei de roupa, mas tenho certeza a-b-s-o-l-u-t-a de que eu não entrei debaixo de um chuveiro. Eu dou meia-volta.
Estou no último degrau quando a porta se abre e um pigarreio é dado atrás de mim. Me sentindo um ladrão pego em flagrante, me viro vagarosamente. Talvez se eu não estivesse segurando o boleiro com tanta força eu o teria soltado quando o vi. Min Yoongi tinha apenas uma toalha branca enrolada na cintura, seu peito tatuado estava exposto enquanto ele me olhava com uma sobrancelha erguida em confusão.
— Já está de saída? — perguntou, inclinando a cabeça para o lado.
— Eu... achei que não tinha ninguém em casa. — minto, tentando consertar meu erro.
— Desculpe, eu estava tomando banho. — meus olhos voltam para os desenhos na pele do homem, reconheço a flor de lótus tatuada em seu peito esquerdo. Forço meus olhos a se fixarem nos deles, porque não reconheço essa atitude pervertida que estou tendo.
— Percebi. — engulo em seco quando um meio sorriso toma conta do rosto dele.
— Como estava o bolo? — sim, o bolo! Foi isso que eu vim fazer aqui, devolver a vasilha e agradecer, vamos lá, Taehyung! Não é tão difícil assim.
— Estava muito bom mesmo, — levanto o boleiro limpo. — de lamber os dedos! Obrigado por ter feito. — agora um sorriso completo preenche seu rosto, mas ele desvia o olhar, parecendo envergonhado.
— Entre, — ele abre a porta ainda mais. — preciso me vestir. — completa apontando para o próprio corpo, o que faz com que eu o observe pela terceira vez só naqueles minutos de conversa. As linhas negras das tatuagens parecem ter sido feitas com pincéis, na verdade, artisticamente falando, o corpo dele é como uma obra de arte, acima de tudo, impressionante. Não que ele seja o tipo de cara musculoso com formato de pizza, Yoongi passa longe disso, mas ainda assim há uma certa definição no abdômen do homem. Não que eu seja um admirador de corpos masculinos! Só estou fazendo uma observação.
Antes que eu possa retrucar algo, Yoongi sai, me deixando parado nos degraus. Olho para minha camiseta outra vez, há três furos seguidos próximos ao meu umbigo, alguém poderia pensar que andei brigando com os pincéis. Cheiro minhas duas axilas o mais disfarçadamente possível, só para garantir que não estou tão ruim quanto pareço estar. Amaldiçoo meu eu porquinho por sempre aparecer nos piores momentos da minha vida, subo um degrau, depois o outro. Passo pela porta e a fecho.
Então estou dentro da casa.
***
GLOSSÁRIO
⒈Cara, eu me sinto tipo um astro do rock [trecho da música Rockstar do Post Malone Ft. 21 Savage].
***
Gente a fic se passa em 2015, mas só notei depois que a música rockstar foi postada em 2017, então relevem esse furo no tempo pelo amor de Deus kkk
Esse capítulo é minha segunda jóia preciosa, o próximo também está divino.
Sei que uma atualização por semana pode parecer pouco, mas é porque eu demoro muito pra escrever um capítulo, aí se eu postar todos os que já fiz pode acontecer de eu ter que fazer uma pausa mais longa quando faltar as ideias. Pra evitar que isso aconteça, vamos de att nas terças.
Esse era o modelo que o Drama King estava falando, super adorei esse look:
Lembrem de votar!
Até terça-feira!💙
Beijinhos!💙
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