28. Taking him home
No refeitório os enfermeiros sussurram com as cabeças abaixadas enquanto enchem o prato de comida.
Mesmo sendo hora do almoço, peço um copo de café para o funcionário que trabalha na cozinha. Ele resmunga que o café acabou, mas desaparece da minha vista e volta minutos depois com um copo fumegante nas mãos.
— Do que todo mundo está falando? — pergunto forçando uma expressão casual.
Na mesa estão alguns cirurgiões que não sei o nome, mas minha pergunta é direcionada a Yoon Kyong. Meu assistente fofoqueiro parece feliz em provar sua única capacidade notoriamente visível: repassar fofocas.
— Hoje faz quatro dias que a Jennie não vem trabalhar. — ele sussurra com uma expressão de reprovação.
Achando engraçado, mas sem mostrar, aproximo meu rosto do dele. Kyong parece surpreso e nervoso com meu gesto, como se achasse que eu fosse lhe dar uma bronca por falar besteiras durante o almoço. Mas depois parece achar interessante que Yoongi, o médico sério e extremamente profissional, esteja interessado em um assunto como aquele.
— Jennie? — demoro um tempo franzindo teatralmente a sobrancelha. — Ah, aquela enfermeira! Ela está doente?
— Ninguém sabe, ela ainda não apareceu, estão dizendo que foi demitida. — ele ergue as sobrancelhas como se esperasse que eu desse minha opinião.
— Nenhum atestado? — pergunto. Ele agita a cabeça em negação. Tento não rir. — Hm, ela parecia uma mulher responsável, talvez tenha encontrado um novo emprego. — dou de ombros.
— Bem, se esse for o caso, ela deveria pedir demissão aqui, é muita falta de consideração com os outros enfermeiros que estão tendo que cobrir as horas dela. — ele diz com a boca cheia de arroz.
— É, você tem razão. — digo pacientemente enquanto bebo meu café.
O peito de Kyong infla feito o de um pavão ao interpretar minhas palavras como um elogio.
Checo meu celular para ver se Taehyung mandou alguma coisa, mas não há nada. Quando saí de casa hoje de manhã ele finalmente havia conseguido pegar no sono, o que era bom. Taehyung estava ficando com os olhos inchados e não demoraria muito para olheiras imacularem seu belo rosto.
Mas eu estou pronto.
As coisas não estavam acontecendo no ritmo que eu queria, mas isso não significava que eu não podia dar um jeito e acompanhar o novo ritmo.
Está na hora de levar Taehyung pra casa.
— Ouviu o que eu disse? — pergunta Kyong.
Olho para meu assistente estúpido e inútil e finalmente vejo uma oportunidade. Um álibi para meu plano.
— Desculpe. — digo esfregando o rosto. — Hoje à noite tenho que visitar a esposa de um dos meus pacientes, eu só... não sei, ele tem agido de forma esquisita nas minhas últimas visitas, sempre fazendo muitas perguntas sobre mim e o cara com quem estou saindo. Eu só... — forço um suspiro. — quer saber, deixa pra lá. Tenho que terminar umas coisas no escritório, se a Jennie aparecer me avise. — levanto da cadeira. — Ou não, acho que se ela aparecer eu provavelmente vou ver. — deixo uma risadinha escapar.
Em resposta, Kyong sorri, mas seu cenho está franzido em confusão. Ótimo.
Está na hora de pegar o formol.
Está na hora de sumir com o médico Min Yoongi também.
***
Taehyung está sentado no sofá quando chego em casa de noite.
Ele parece ter saído faz pouco tempo, seus cabelos ainda estão bagunçados pelo vento. Os olhos vermelhos estão secos enquanto ele encara sem piscar a tela do celular.
— Oi. — digo agitando o gelo que ficou preso no casaco e fechando a porta. Minhas mãos tremem, mas não por causa do frio.
— Ah, você chegou. — Taehyung faz um esforço para tentar sorrir. — O supermercado ainda está fechado, o pai do... Jungkook disse que está pensando em abrir apenas próxima semana.
Assinto com a cabeça e sento ao seu lado no sofá, tomo as mãos dele entre as minhas e observo seu rosto cansado.
— Como está se sentindo? — afasto a franja dos olhos dele.
— Está perguntando como médico ou namorado? — ele arregala os olhos tendo a primeira emoção diferente das últimas horas que passamos juntos. — Ah, eu não quis dizer que... que estamos... namorando.
Aprecio o temor em seu rosto, é melhor do que a tristeza que ele carrega. Suas bochechas estão vermelhas, dando cor a sua face.
— Pergunto como seu namorado médico. — pisco um olho e beijo sua testa demoradamente.
Meu namorado.
Meu.
Só meu.
Taehyung esboça um belo sorriso, infelizmente ele não dura muito. Pela sua expressão vejo que está se punindo, como se não fosse merecedor de um bom momento agora que Jungkook está desaparecido.
— Fui hoje na ponte. — diz ele com os olhos perdidos na minha tatuagem. — Os bombeiros ainda estão procurando pelo... corpo dele. — Taehyung engole em seco e segura minha mão. — Não sei o que é pior a essa altura: o enterro de Jungkook, ou um enterro sem o corpo dele.
— Taehyung...
— Eu tentei me manter positivo, Yoongi, eu juro que tentei, mas se não acharem o corpo de Jungkook até o fim dessa semana as buscas vão se encerrar. Sabe o que isso quer dizer? Vão esquecer completamente do meu melhor amigo, como se ele não fosse ninguém.
— Taehyung...
— Mandei mensagem pra minha mãe hoje de manhã. — ele continua. — Eu jurei que não ia mais tentar manter contato, mas tive que falar. Ela nem se deu o trabalho de visualizar!
— Eu sinto muito. — digo baixinho para que pareça que estou sentindo sua dor.
— Por que isso está acontecendo comigo? — a voz dele embarga e seus olhos se enchem de lágrimas.
— Sinto muito, Tae. — murmuro o puxando para meus braços.
Taehyung soluça no meu ombro enquanto conto os segundos. Preciso levá-lo para o carro. Essa noite vai ser a mais longa da minha vida. Não sei como está Jungkook já que não o visitei hoje, mas temo que esteja definhando.
— Vem, vamos pegar um ar. — afasto Taehyung gentilmente.
— Está um gelo lá fora. — ele responde limpando as lágrimas.
— Tudo bem, ficamos no carro, vou dirigir pra você esfriar a cabeça. — faço uma careta com o péssimo trocadilho. Mas Taehyung ri um pouco, o que considero razoável.
— Não precisamos ir, você parece cansado. — ele diz com um suspiro.
— Quero fazer isso. — respondo levantando do sofá e estendendo a mão para Taehyung.
— Obrigado. — ele aperta minha mão.
— Não precisa agradecer, Tae. — fecho o zíper do casaco dele. Em resposta, Taehyung segura minhas mãos fazendo com quê eu erga a cabeça para encará-lo.
— É serio, não sei como eu estaria se você não estivesse aqui.
Acaricio sua bochecha sentindo a pele lisa em contato com meus dedos. Taehyung fecha as pálpebras e suspira baixinho. Fecho os meus olhos e deixo meus lábios falarem tudo que não pretendo dizer em voz alta. Beijo a ponta de seu nariz. Você é meu. Depois beijo seus lábios macios. Você será feliz. Em seguida, levo a boca para o ponto macio debaixo de seu maxilar. Eu quero você. Encosto a boca no lóbulo de sua orelha. Eu te amo. Desço para seu pescoço. Vamos ficar juntos.
— Vamos. — digo me afastando e segurando seu rosto em minhas mãos.
— Vamos. — ele sorri e pega seu gorro no sofá.
Destranco a porta e antes que Taehyung passe por mim, checo a rua. Os postes e a lua iluminam as casas da vizinhança deixando elas com uma aparência fantasmagórica. Essa hora não há ninguém nas calçadas, o que é bom. Abro a porta para Taehyung e espero agitado enquanto ele demora ao lado do carro amarrando o cadarço do tênis.
— Você está bem? Parece preocupado. — diz ele ainda do lado de fora.
Mordo o interior da bochecha e aponto para o céu.
— Não é nada demais, só espero que não neve a noite toda, caso contrário, amanhã vou ter que acordar mais cedo pra tirar a neve da frente da garagem. — sorrio amarelo e entro no carro.
— Você está tremendo. — constata Taehyung batendo a porta do carro. Ele franze o cenho na minha direção e coloca as mãos sobre as minhas. — Estão suadas, acho melhor ficarmos e...
— Não! — digo de repente. Alto demais. Praguejo baixinho. — Meu corpo nunca reage bem ao inverno, é só isso.
Ligo o carro antes que ele peça para descer. Preciso distraí-lo. Ele ainda está com o cenho franzido.
— Meu assistente está deixando o hospital. — invento rapidamente, minha voz soa um pouco fina por conta da tensão que se acumula no meu corpo. — Ele disse que vai fazer intercâmbio.
— É mesmo? — ele pergunta parecendo relaxar um pouco. — Pra onde ele vai?
— França. — continuo com a mentira. — Devia vê-lo falando francês, ele faz parecer fácil.
— Talvez um dia você possa aprender. — ele diz olhando pela janela.
— Ah, não sei, não acho que conseguiria tempo, o trabalho no hospital é puxado demais. — aperto a mão no volante quando ela recomeça a tremer.
— Só precisa organizar seu horário, usar algumas horas nas suas folgas e assim por diante. Posso te ajudar a montar um! — ele diz.
Pelo espelho forço um sorriso para Taehyung.
— Vou cobrar. — pisco pra ele.
— Estamos indo para algum lugar? — ele diz voltando a atenção para a estrada.
— Não exatamente. — minto. — Tem um lugar que minha mãe me levava sempre que eu estava triste, quero ver se ainda está de pé.
— Me fale sobre ela. — lanço um olhar confuso em sua direção. — Sobre sua mãe.
Engulo em seco. Faz tempo que não penso nela.
— Ela se chamava Min Soyeon. — minha garganta fica seca. — Todos diziam que eu me parecia muito com ela, acho que por causa dos olhos e do nariz. — limpo a garganta e manobro o carro seguindo pela estrada. Só mais um pouco. — Ela vivia usando cachecóis porque não gostava do formato de seu pescoço. Tinha um sorriso bonito e uma risada engraçada. Quando ela se concentrava em alguma coisa uma linha surgia entre as suas sobrancelhas. Ela amava a primavera e odiava chuva. Ela fazia perguntas demais, isso não era bom. Ela se preocupava demais comigo, se tivesse ficado de fora só daquela vez... talvez...
Mordo a língua e aperto o volante com força.
Se ela tivesse ficado de fora daquela vez talvez eu não tivesse precisado fazer o que fiz.
— Ela deve ter sido uma mulher incrível. — diz Taehyung apoiando a mão na minha coxa.
Não respondo, ao invés disso, apenas digo:
— Ela gostaria de você. — porque sei que é o que ele quer ouvir.
Taehyung sorri pra mim em resposta e ficamos em silêncio por alguns minutos.
A casa de bonecos surge lá na frente. Meu coração acelera tanto que temo que Taehyung possa escutá-lo. Estaciono em frente a propriedade e tento regular minha respiração. A seringa está no porta-luvas, eu deveria ter colocado em algum lugar mais fácil de pegar.
— Que lugar é esse? — Taehyung olha pela janela para a paisagem a nossa frente.
Tiro o cinto de segurança e me inclino na direção de Taehyung.
— Esse é o lugar que falei. — aponto para a casa.
— Aquela casa? — assinto com a cabeça enquanto abro o porta-luvas o mais disfarçadamente que consigo. — Por que vocês vinham pra cá?
— Só coisas bonitas podem entrar naquele lugar. — Taehyung ri baixinho como se eu lhe tivesse contado uma piada. — É sério! — seguro a seringa entre os dedos, longe de sua vista. — Você vai entrar lá também.
— Então sou bonito o suficiente para ter a passagem livre? — ele brinca ainda olhando a construção.
Seguro o queixo dele e faço com quê olhe para mim.
— Você é perfeito, Taehyung.
O sorriso de Taehyung é hesitante, mas novamente sua testa se franze. Ele observa meu rosto atentamente e parece ver alguma coisa, pois seu olhar muda.
— Quero ir pra casa. — ele diz baixinho.
— Você está em casa. — respondo sorrindo. Finalmente ele está aqui. É meu. Só meu.
— Yoongi...
Enfio a seringa em seu pescoço e empurro o êmbolo. Os olhos de Taehyung se arregalam e ele empurra minha mão, mas o líquido já está dentro de seu corpo.
— O que você fez? O que está fazendo? — sua voz carrega o mesmo horror que está estampado em seus olhos.
Taehyung não espera uma resposta e abre a porta do carro, jogando seu corpo pra fora e caindo no chão cheio de neve. Ele levanta cambaleante e começa a correr.
— Socorro! Alguém me ajuda! — ele grita contra o vento e a neve da noite.
Saio do carro e caminho vagarosamente na direção que ele corre. Os passos de Taehyung começam a vacilar quando o sedativo começa a fazer efeito.
— Não há ninguém por aqui, Tae. — aumento a voz para que ela não seja levada pelo vento forte.
Taehyung tropeça e dessa vez não consegue se segurar, caindo no chão logo em seguida.
— Socorro! Por favor, socorro! Alguém?! — seu tom de voz diminui.
Ele rasteja quando chego ao seu lado, tentando se afastar de mim. Coloco a mão no bolso para aquecer meus dedos e abaixo a cabeça para olhá-lo.
— Está tudo bem, Tae, vou cuidar de você! Vamos ser uma família perfeita. — digo.
— Se afaste de mim! — ele sussurra, a cabeça caindo na neve enquanto suas pálpebras lutam para ficar abertas.
— Você vai me agradece depois. Vou cuidar de você, Tae. Vou cuidar de você e você vai cuidar de mim, como as famílias perfeitas fazem!
— Yoongi...
É a última palavra que ele diz antes de apagar.
***
Oiê, como vocês estão?
Esse foi o antepenúltimo capítulo de Dollhouse! O penúltimo e o último (epílogo) serão postados juntos, então pode ser que demore um pouco.
Vou embora antes que vocês venham me caçar🏃
Lembrem de votar!
Beijinhos!💙
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