Epílogo🎈
"Eu acho que minha mente é uma prisão e eu nunca vou conseguir sair"
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***
● Alice Kim ●
A sala de julgamento está lotada. Meus olhos permanecem baixos, focados nas minhas unhas roídas. Os flashes das câmeras acertam meu rosto com grosseria, meus olhos doem, assim como minha cabeça.
Faz duas semanas que fomos presos. Ficamos nas celas escuras do departamento de Seul. Aquelas celas pareciam a van, mais uma vez eu sentia as paredes se fecharem sobre mim, me sufocando enquanto eu tentava manter os olhos abertos, me convencendo de que não estava dentro do veículo.
Afastei todos os tipos de pensamentos sobre minha escolha. Eu sentia uma grande parte amargurada comigo mesma, essa parte estava arrependida do que eu havia feito, eu a deixo de lado com facilidade, me agarro ao medo daquela cela, é horrível, mas me mantém longe desses pensamentos.
Meu olhar se eleva quando a porta é aberta. Uma sucessão de flashes acontece assim que Taehyung, em seu macacão laranja – assim como o meu –, entra na sala. Se está perturbado pelas luzes ofuscantes, não demonstra. Meu corpo congela quando ele olha pra mim, os policiais o forçam a continuar andando até o outro lado da sala. É a primeira vez que o vejo desde que fomos presos. Parece mais magro, tenho certeza que rejeitou a comida da prisão, mas eu entendo, aquela gororoba rosada que eles nos davam não tinha uma cara boa. Principalmente quando eles cuspiam nela na minha frente.
Foram duas semanas assustadoras. Fui intimada para vários interrogatórios, a maioria realizados por Kim Namjoon. Ele parecia cansado, o cabelo escuro sempre estava espetado, como se ele o puxasse com frustração. Nesses interrogatórios havia sempre a presença de outro homem, eu não o conheço, mas deve ser alguém importante. Seu olhar de nojo pousava em mim sempre que eu entrava na sala. Aquilo me tirava do sério, eu sentia aquela energia percorrer meu corpo, eu sabia o que ela significava.
Eu poderia matá-lo se tivesse como.
Eles me fizeram contar tudo o que eu havia feito, coisa que recusei na maioria das vezes, eu não sentia a mínima vontade de falar com eles. Uma vez, Namjoon trouxe uma enorme lista e a colocou na minha frente. Era o nome dos adolescentes que havíamos sequestrado e matado.
Me perguntaram o porquê deles, acho que esperavam um motivo chocante, digno de uma mente infectada e perversa. Talvez tenha sido por isso que se decepcionaram quando eu falei que só sequestrávamos aqueles adolescentes para que eles pegassem os suprimentos que necessitávamos, já que não podíamos andar nas ruas com frequência.
O homem que eu não conhecia bateu na mesa, me assustando, ele gritou por horas, dizendo que deveria haver outro motivo, Namjoon tentou acalmá-lo, mas o homem era orgulhoso demais para deixar que alguém lhe dissesse o que fazer. Mais tarde descobri que ele era um agente do FBI. Namjoon me perguntou por que os corpos eram achados abertos, com balões dentro. Lembro que tremi com a lembrança de fazer aquilo, então contei que Taehyung achava que salvava aquelas crianças se colocasse balões em seus corpos, assim como fez com meus pais e minha irmã.
Eu sabia que estavam decepcionados, acho que contar algo doentio para a família das vítimas ajudaria a diminuir a dor, mas o fato de terem sido mortos banalmente parecia uma péssima maneira de morrer.
Os três toques do martelo chamam minha atenção. Levanto a cabeça e pisco para os flashes que me acertam. Varro a sala com meus olhos na tentativa de ver quem foi intimado a comparecer ao julgamento final. Há vários repórteres que filmam ao vivo para milhões de pessoas o que acontece na sala. Ouvi pelos corredores que pegaríamos pena de morte, aquilo me assustou no início, eu havia feito tudo isso porque tinha medo de morrer, e no final lá estava eu, com aquele destino iminente. Mas com o passar dos dias deixei de me importar, talvez eu encontrasse minha família, por mais que se realmente houvesse o céu e o inferno, tenho certeza que não estaríamos no mesmo lugar.
O juiz começou a falar, mas eu não prestava atenção no que dizia. Há alguns dias atrás Namjoon me falou de um advogado de defesa, o governo iria pagar por um, eu só precisava me encontrar com o homem, ele me defenderia, e Taehyung também. Eu sabia que mesmo o mais sério dos crimes requeria a presença de um advogado de defesa e um de acusação.
Mas não deu certo, porque eu não falava nada quando estava na presença do advogado Jang Fei, eu apenas o encarava, era engraçado ver como engolia em seco. Eu via suas mãos tremerem, sabia que ele não queria me encarar, mas tinha medo de desviar os olhos. Acho que foi a mesma coisa com Taehyung, ou talvez tenha sido pior. Ele desistiu da defesa do nosso caso. Namjoon até procurou outro advogado, mas não deve ter achado, não que importasse. Não íamos colaborar.
Por isso somente o advogado de acusação de cada família das vítimas está em pé, eles apresentam cada crime que cometemos para o juiz. Com o dedo, faço desenhos preguiçosos na pele da minha mão. As algemas seguram meus pulsos já frágeis, posso ver minha pele irritada pelo material.
Inconscientemente dirijo meu olhar para Taehyung, ele ainda me encara, duvido que sequer tenha desviado o olhar desde que entrou na sala. Meu estômago afunda, como sempre acontece quando o olho. Mas não posso ler seu rosto, Taehyung carrega uma expressão vazia, e isso me assusta mais ainda. Um assassino sem expressão é ainda mais perigoso.
Ele se apruma na cadeira, o único movimento que faz, seus olhos continuam fixos em mim. Talvez esteja pensando em todas as oportunidades que teve de me matar. Não importa, agora estamos perdidos, fico feliz que minha morte não virá através de suas mãos.
Desvio o olhar quando Jimin se põe de pé. O loiro está fardado com o uniforme da polícia, a calça azul marinho, a camisa branca por baixo do colete da mesma cor da calça, usa um chapéu que cobre seus cabelos, sua postura é ereta, mas vejo a sombra do medo que passa pelo seu rosto, não chega a ser aquela que carregava enquanto via Jungkook sendo torturado, mas é uma expressão parecida.
Por falar em Jungkook, o homem está sentado ao seu lado, parece bem, mas duvido que esteja. Enquanto Namjoon me interrogava, me atrevi a perguntar como Jeon estava. Não que eu me importasse, era pura curiosidade, já que minha escolha o salvou e me levou até aquele lugar. O policial não me deu muitos detalhes, apenas disse que tinha sido socorrido e passava bem.
Toco a cicatriz na minha bochecha, parece que Jungkook também ganhou a marca de Taehyung. Sei que ela o acompanhará para sempre.
— Peço perdão por interrompê-lo, meritíssimo, — começa Jimin, as câmeras são apontadas para ele. Vejo ele se encolher minimamente, mas quando a coxa de Jungkook encosta em sua perna, o loiro parece ganhar uma nova energia. — antes que a sentença seja anunciada, há coisas que precisam ser esclarecidas, e eu realmente espero ter essa oportunidade aqui e agora. — Taehyung joga a cabeça pra trás enquanto analisa Jimin da cabeça aos pés, não sei o que o faz ficar tão calado, já que eu sempre conseguia ouvir os gritos vindo de sua cela. Me pergunto se cortaram sua língua, eu não duvidaria, nosso tratamento aqui tem sido um dos piores. Não que eu esperasse o contrário.
O juiz parece surpreso e irritado ao mesmo tempo com a interrupção de Jimin, mas acena com a mão para que o loiro continue.
Jimin respira fundo e começa a falar. Para minha surpresa, ele conta sobre o dia do assassinato da família de Taehyung. Ele conta que a ideia de queimar o circo surgiu dele, quando o pai o forçou a pensar em algo que destruísse a carreira dos Kim's devido a sua dívida. O policial conta como foi feita a execução do plano, e como seu pai fugiu antes que a polícia e os bombeiros chegassem. Ele tambem conta sobre a gravação que fiz para meu falecido psiquiatra, sobre o que Taehyung havia me contado na época. A cada desabafo feito, os ombros de Jimin relaxam, como se tivesse tirando um peso de muito tempo. Quando finalmente termina, seus olhos estão marejados, vejo sua mão trêmula antes que a coloque no bolso da calça.
— É tudo que tenho para dizer, aceitarei as consequências dos meus atos. — Jimin encara o chão, nervosamente.
— Você mencionou em seu depoimento que há uma gravação em que a réu Alice Kim conta a verdade sobre o acidente com o circo... — o juiz balança a cabeça, pensativo. — mas não foi encontrada nenhuma gravação do gênero. — o juiz ergue uma sobrancelha.
Acompanho curiosa Namjoon levantar, pelo olhar que Jimin lança ao parceiro, parece estar surpreso também. Taehyung assiste a cena com a mesma curiosidade que deve estar estampada em meu rosto.
— De fato não há gravação. — Namjoon pisca os olhos afetado, depois de um olhar de desculpa para o policial que lembro se chamar Jin, ele continua: — Eu escondi a gravação há cinco anos atrás... — um arquejo coletivo parece vir de todos os presentes. — vejo que foi uma coisa horrível que fiz, a verdade é que eu conhecia Jimin... — ele faz uma pausa e seu cenho se franze. — ou ao menos pensei conhecê-lo... — Jimin abaixa a cabeça enquanto morde o lábio. — achei que Alice estaria enganada, afinal, ela estava contando o que um louco havia lhe dito. Qual a possibilidade daquilo ser verdade? — Namjoon faz uma careta. — Vejo que errei, e estou pronto para aceitar quaisquer que sejam as consequências, além do mais, trarei pessoalmente a gravação.
— Está me dizendo que ocultou uma prova de um crime? — senti vontade de rir quando as bochechas do juiz inflaram pela raiva. — Voltaremos daqui a pouco, tudo que nos foi dito aqui será usado para nossa decisão, e será investigado mais profundamente assim que a sentença for dita. — porque eles precisam acabar comigo e Taehyung o mais rápido possível, consigo ler esse motivo que se oculta. A população está mais que contente que estamos sob vigilância, mas é óbvio que querem uma ação definitiva, que os mantenham seguros. Não os culpo, eu provavelmente iria querer a mesma coisa.
***
Depois do que pareceram horas, o juiz retornou para seu assento. Pensei que eu estaria nervosa, ou até mesmo inquieta, mas me deparo calma, eu diria até paciente, se restara alguma parte de mim que adiava aquilo, ela havia sumido em algum momento. Encarei Taehyung, eu me odiava por olhá-lo, era como se eu estivesse tentando descobrir se ele aprovava minhas reações. Mas o moreno olhava para as unhas, parecia a ponto de revirar os olhos, ou talvez dormir de tédio.
As conversas somente cessaram com as batidas do martelo, parecia que todos prendiam a respiração. Um policial fez sinal que eu deveria levantar, do outro lado o mesmo acontecia com Taehyung. Fomos deixados lado a lado em frente para a banca do juiz, este começou a citar todos os crimes que estávamos sendo acusados, mas novamente minha mente pareceu ser arrastada para longe, para o policial que segurava as algemas de Taehyung, no caso de algum movimento repentino. Eu sentia a tensão palpável por estar novamente ao seu lado.
— Sendo assim, eu declaro Kim Taehyung e Alice Kim culpados, sob pena de prisão perpétua. A pena deverá ser paga no Hospital de Custódia Bujang Sanatorium's e Askang Sanatorium's, respectivamente. — mantenho meu rosto impassível, o que não é muito difícil. Tento debater comigo mesma a tão esperada sentença, mas não chego a nenhuma conclusão. Os flashes recomeçam.
— Para Kim Namjoon, pela ocultação de provas criminais, declaro oficialmente o seu afastamento permanente do Departamento Seul's crimes. — indicia o juiz, não posso ver o policial, mas seguro minha vontade de rir.
— Para Park Jimin, pela ocultação de informações cruciais para a investigação do caso dos balões, declaro um afastamento de quatro anos de suas atividades no Departamento Seul's Crimes. Além de seis meses em prestação de serviços à comunidade por ser cúmplice do acidente com o circo Kim's Circus há cinco anos atrás. — ao meu lado, Taehyung bufa baixinho, seu primeiro e único sinal de irritação pelo que acontece. Arrisco dizer que está frustrado pela declaração de Jimin como cúmplice do assassinato das pessoas do circo não ter tido uma pena mais severa. Talvez ele não tenha percebido que o foco somos nós e que essas últimas confissões não estão sendo realmente levadas a sério, duvido que as sentenças de Jimin e Namjoon sejam reavaliadas corretamente.
— Sendo assim, caso encerrado. — o juiz bate o martelo uma última vez.
Antes que nos puxem até a saída, uma mulher segura meu braço, me encolho com o toque repentino. Ela tem cabelos castanhos, estes estão presos em um rabo de cavalo. Sinto uma súbita vontade de vomitar, eu não a conheço, mas também a conheço. Os olhos, olhei para olhos parecidos durante longas tardes sentada em um sofá daquele sanatório. Eu vi quando olhos semelhantes perderam o brilho da vida.
— Meu nome é Robin, — ela verbaliza meus pensamentos, a filha de Robert se parece muito com ele. — você não deve me conhecer, mas vamos nos ver bastante no Hospital de Custódia. — com o canto do olho vejo Jimin e Jungkook se aproximarem. Taehyung observa a garota com desinteresse. — Meu pai acreditava que podia te ajudar, estou fazendo isso por ele. — ela desvia o olhar para Taehyung, vejo a raiva contida em suas feições antes que ela se afaste.
— Você parece ótimo, Jungkook. — provoca Taehyung, dando um largo sorriso.
— Estou, lamento não poder dizer o mesmo, Taehyung. — Jungkook desvia o olhar para Namjoon que abraça Jin no fundo da sala.
— Acabou. Tudo o que eu tinha que fazer... esse foi o fim. — Jimin diz em tom moderado. — Fico feliz que o juiz Chae ouviu meu apelo para não levar em frente a pena de morte.
— Então está esperando que eu te agradeça? — Taehyung mostrou os dentes, feroz. — Hoje não, assassino! — a palavra faz Jimin se encolher. Ele olha pra mim, mas antes que abra a boca, o interrompo:
— Poupe-me de suas palavras. — reviro os olhos.
— Achei que não queria ser como as estrelas. — franzo o cenho para Jungkook, não achei que ele estivesse acordado quando eu disse aquilo, não que isso importe mais. Em resposta, cuspo no pé de Jeon, recebo um puxão do policial que me segura. Sinto meu pulso arder.
— Adeus, Taehyung. — diz Jimin e repete o mesmo pra mim.
— Fique de olho aberto, Jimin, eu gosto de fugir dos lugares. — Taehyung sorri maldosamente.
Jimin apenas agita a cabeça antes de segurar a mão de Jungkook.
— Você não vai sair do lugar que está indo, Kim Taehyung. — o sorriso de Taehyung diminui um pouco.
Por fim, depois de alguns minutos, somos puxados em direção a porta. O policial que segura Taehyung o empurra para a esquerda do corredor, enquanto o meu me puxa para a direita.
— Não sinta minha falta, eu não vou sentir a sua. — diz Taehyung uma última vez.
— Vá pro inferno. — retruco e o ouço gargalhar.
Sei que essa vai ser a última vez que verei Kim Taehyung, respiro aliviada e não olho para trás nenhuma vez.
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