A escolha final🎈
"Por que você gasta seu tempo liderando o refrão
Quando a guerra estava apenas esperando diante de nós?
Como se você não soubesse
Você ignorou todos os avisos mais sombrios
Encontrou nosso fim no silêncio da manhã
Caiu sob o frio
Eu vou pegar o deserto, você pega a costa
Mas cada um na sua".
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***
● Park Jimin ●
Jungkook havia tentado de tudo.
Ele até mesmo havia contado as minhas histórias! Foi algo que me pegou de surpresa, mesmo que eu soubesse que não causaria remorços em Taehyung.
Toda noite eu contava para Jungkook de quando eu assistia as apresentações do Kim's Circus em Daegu. Eu era muito novo, talvez com catorze ou quinze anos, ainda não conhecia Jeon, só nos conhecemos quando eu me mudei para Seul.
Eu queria tanto poder voltar no tempo, não ter entrado naquele carro com meu pai, ou quem sabe ter ficado de boca fechada enquanto ele me pressionava com aquele olhar maníaco. Eu não devia ter me importado com o que aconteceria comigo na época, porque sei que agora é dez vezes pior. Eu não sabia que minhas palavras queimariam vidas de verdade. Não achei que ele fosse realmente capaz.
Jungkook paga por um erro meu, e acho que não consigo mais consertar.
Estou paralisado. É como se meu cérebro estivesse mais lento, como se meu coração estivesse bombeando menos sangue para meu corpo, como se meu pulmão se recusasse a pegar todo o oxigênio que necessito para respirar.
Meus olhos estão secos. Não há mais lágrimas para chorar, eu nem sei se conseguiria, é como se eu tivesse forçando algo, não sei bem o quê. Estou uma bagunça.
Talvez tivesse sido melhor que eu não tivesse atendido a ligação, pensar que minha última lembrança de Jungkook será de seu rosto e corpo ensanguentado parte meu coração.
— Talvez você queira brincar um pouco, não quer?
Alice caminha até Jungkook, não consigo ler a expressão em seu rosto. Meu corpo treme uma última vez quando ela afasta o cabelo ensanguentado de Jeon, seus olhos vidrados no meu namorado. Mais uma vez ela parece distante, talvez esteja sendo arrastada para sua mente estilhaçada.
— Isso é por tudo que nos fizeram passar. — sussurra Taehyung colocando o bastão na mão da mulher. — Um único golpe. O último golpe. — aquele sorriso maníaco preenche sua boca. Taehyung não tem salvação, eu poderia mentir para mim mesmo, torcer para que tivesse restado alguma parte boa naquele homem, mas acontece que não importa. Ela será perdida, porque ele quer, porque ele precisa que ela se perca, porque não há sentido em parar tudo o que começou há cinco anos atrás.
Porque esse é quem ele é agora.
— Eu andei em vários psicólogos depois do que fiz naquele dia. — começo. Minha voz soa como um eco distante, ainda assim audível, até firme, eu diria. — Meu cérebro era um caos, minha mãe não entendia o porquê de seu único filho estar tão mal, ela não conseguia compreender, até porque eu nunca disse. Eu nunca confessei o que fiz.
— Todos eles diziam a mesma coisa, eu estava sofrendo devido a algum trauma, mas ninguém sabia que trauma era esse. E mais uma vez... eu nunca disse. Eu guardei pra mim, eu me torturei com isso, eu me machuquei com isso. Um dos meus psicólogos recomendou que eu conhecesse um psiquiatra, minha situação requeria medicamentos que me acalmassem, e somente um psiquiatra poderia receitá-los.
— O psiquiatra receitou o remédio. Apenas um. Tomado na hora certa ele prometia diminuir minha dor, seja lá por qual motivo ela era causada. E, merda... aquilo funcionava mesmo, eu ansiava pela hora de tomar aquele comprimido vermelho, porque era o único momento que eu esquecia o som do corpo de bombeiros, o cheiro da fumaça, os gritos, o contorcionista, a tenda, o fogo, os noticiários, as mortes, tudo. Eu me distanciava de tudo.
— Mas era curto demais. Os efeitos pareciam passar rápido, eu precisava de mais, eu precisava não sentir dor, o garotinho egoísta não suportava a dor do sofrimento que havia causado para os outros, porque a merda da dor agora fazia parte dele, entrelaçada na merda da sua vida. E então em uma noite, quando o efeito do remédio estava quase no fim, eu pensei: eu não quero sentir isso de novo, talvez se eu tomar um pouco mais, tudo fique bem. Dois comprimidos? Seria o bastante? Não, melhor não arriscar... quatro? Faria minha dor sumir? Não, ainda eram poucos. Oito? Com certeza eu não sentiria aquele peso nos ombros. Mas por que não a cartela toda? Sem dor pra sempre? Era possível? Sim, a cartela inteira parecia a melhor das opções.
— E eu tomei. — sorri amargo. Taehyung me encarava, os olhos estreitos na minha direção. Alice permanecia focada em Jungkook, que tinha a respiração tão lenta que parecia quase inexistente. — Acordei quatro dias depois, eu estava em um hospital. Minha mãe chorou muito naquele dia, eu também chorei, mas por outro motivo, o noticiário da TV daquele quarto falava de uma garota de dezessete anos que havia sido sequestrada, não tinham muitas informações sobre ela, apenas seu nome, Alice Kim, e que permanecia internada no mesmo hospital que eu. Eles deram outro nome também, Kim Taehyung, seu sequestrador.
— Eu corria do passado, mas o passado corria atrás de mim, se tornando o presente, ameaçando virar meu futuro.
— Um dia, esbarrei com um homem no corredor. Ele era bem alto, tinha alguns cabelos grisalhos, mas sua expressão cansada o deixava mais velho. Suas olheiras negras deduravam sua tristeza e noites sem sono, eu soube imediatamente quem era. Eu corria do passado, mas o passado já era presente.
— Ele pediu desculpas, disse que estava distraído, disse que estava péssimo, seus ombros se curvaram sobre um peso invisível, mas existente. Eu perguntei seu nome, Otto, estava com sua filha no hospital. Perguntei o nome da garota, Alice, estava em uma cama de hospital, em coma induzido. O que será que ele faria se soubesse que estava na frente do garoto que ajudou a arruinar a sua vida? Otto perguntou por que eu estava no hospital, eu disse que meu coração doía. Ele perguntou se eu estava me tratando corretamente, eu disse que não. Não falávamos da mesma coisa, claro. Ele pediu que eu tivesse cuidado, fizesse tudo que os médicos recomendassem.
— Pedi autorização para ver sua filha, ele não respondeu de primeira, acho que tinha medo que eu fosse fazer algo, talvez nunca confiasse que alguém chegasse perto da sua filha outra vez, mas ele deixou. Juntos, fomos até o quarto cinquenta e cinco, o ambiente era muito gelado. A garota na maca tinha uma pele pálida, o cabelo escuro estava espalhado no travesseiro branco. Engoli em seco ao ver as faixas que cobriam seu rosto, me perguntei o que estava por baixo delas. Os braços estavam cobertos por gases, essas ficavam avermelhadas devido ao sangue que insistia em não coagular.
— Um espirro chamou minha atenção, sentada em uma poltrona, uma mulher sorriu tristemente pra mim. Seu rosto era uma réplica da garota na cama, o mesmo nariz, as mesmas sobrancelhas...
— "Ela vai ficar bem", disse a mulher segurando a mão da garota, "ela é forte, sabe que estamos aqui, sabe que estamos esperando que acorde". Eu concordei, o que mais eu poderia fazer? Saí daquele quarto antes que vissem minhas lágrimas.
Olhei para Alice. Seus olhos estavam fixos em mim, o queixo tremia, mas ela não parecia prestes a chorar, parecia perdida. Era igual a garota que eu havia visto na maca.
— Sua mãe disse que você é forte, — as palavras arranhavam minha garganta. — está na hora de você acordar, Alice. Está na hora de você ficar bem. — engoli em seco quando uma sombra passou pelo seu rosto, escurecendo seus olhos ainda mais.
Jungkook tremeu no chão, e meu corpo tremeu com ele.
— Você arruinou minha vida. — Alice sussurra, os olhos fixos no bastão enquanto levanta. — Você acabou com tudo, com tudo! — ela ergue o bastão.
Eu fecho os olhos, porque não posso vê-lo morrer, porque não posso vê-lo mais, estou falhando com você, Jungkook, eu sei que estou, mas não posso abrir meus olhos.
Ouço meu coração bater alto e rápido, tenho certeza que eles podem ouvir. Sentado na cama sinto que estou prestes a desmaiar, a escuridão que enxergo parece aumentar conforme os segundos passam. Mordo o lábio com força, uso a dor para me atrair para a realidade.
Então ouço.
Alice grita em fúria quando acerta o bastão no corpo. Ouço o baque do movimento, bile sobe pela minha garganta, estou prestes a vomitar, mas não quero abrir os olhos.
As lágrimas que pensei que não existiam descem pelos meus olhos, silenciosas, dolorosas. Por um momento esqueço como se respira, minha cabeça parece rodar, mas não quero abrir meus olhos. Não posso abrir meus olhos.
Alice me chama, deve querer que eu veja o que fez, mas não quero ver. Não quero saber em que parte do corpo aquele bastão acertou Jungkook.
Ela me chama de novo. Meu corpo treme, eu não vou olhar. Não quero ver. Será que vão deixar que eu enterre o corpo? Ou será que Taehyung irá queimar Jeon até ele virar cinzas? Estou sendo tragado pela escuridão, Alice diz coisas que não entendo, minha cabeça está se afastando da superfície, caindo em um labirinto de escuridão, já estive lá antes, não quero voltar, mas estou sendo puxado.
— Precisa tirá-lo daqui! — ouço ela dizer. Sim, eu preciso, mas será que tenho coragem? Vou ter que puxar uma lona negra em cima do corpo de Jungkook? Do mesmo jeito que fiz com todos aqueles adolescentes que eles mataram?
— Jimin, abra a porra dos olhos, ele pode acordar a qualquer momento! — do que ela está falando? Como Jungkook poderia acordar? — Merda, Jimin! Abra os olhos, abra logo os olhos, precisa tirá-lo daqui.
— Não quero ver. — consigo sussurrar.
— Jimin, Jungkook está vivo! — por um momento não consigo entender o que aquelas quatro palavras significam. Então abro os olhos...
Alice está em frente a câmera, o rosto pálido se afasta para o lado, resisto a vontade de fechar os olhos. Mas lá está ele, Jungkook continua respirando lentamente, os olhos fechados enquanto o corpo treme.
Ao seu lado está Taehyung, o corpo caído no chão, sua franja cobre seu rosto, o bastão está ao lado. Taehyung também respira, mas o corpo permance imóvel.
— Precisa tirar Jungkook daqui. — Alice diz entrando no foco da câmera, ela pega o celular nas mãos trêmulas. — Estamos no circo, a cabine que foi criada em homenagem ao pessoal do circo! Tem que vir logo, ele pode acordar. Estamos no circo.
Ela diz e desliga a chamada. Por um momento entro em pânico, tenho medo do que pode acontecer enquanto o celular estiver desligado.
Obrigo minhas pernas a me erguerem. Olho ao redor do apartamento esperando que tudo se desmanche, que aquilo seja um pesadelo, mas não é.
Estou ganhando uma segunda chance?
Antes que eu possa perceber, estou fechando a porta do apartamento. O celular está no ouvido, não lembro quando disquei a chamada, nem pra quem estou ligando, mas no terceiro toque uma voz atende, e eu não perco tempo, não dessa vez.
— Hoseok, sei onde está Taehyung, preciso que venha até minha casa com seu carro. Seja rápido, Jungkook não tem muito tempo. — desligo o celular antes que ele possa responder.
Faço outra ligação, dessa vez para o departamento de polícia. Namjoon atende antes do segundo toque.
***
Hoseok me passa uma de suas pistolas quando saímos do carro. O lugar onde ficava o circo agora serve de memorial para as vítimas do incêndio, várias cabines foram criadas, tanto para as famílias, quanto para os membros do circo. Por isso o eco que ouvi na ligação parecia familiar, eu já havia estado naquele lugar. No caminho expliquei tudo o que havia acontecido nas últimas horas. Hoseok havia dito que deveríamos tomar precauções, aquilo poderia ser uma armadilha. Eu pensava o mesmo, mas precisava tirá-lo daquele lugar.
Enquanto nos aproximávamos da cabine dos membros do circo, ouvi várias sirenes soarem.
Namjoon havia mandado o reforço que eu pedi.
Parado ao lado da porta, engatilhei a pistola, meu chute a abriu sem encontrar dificuldade, o cheiro metálico de sangue invadiu minhas narinas, senti minha cabeça rodar, mas continuei firme, o dedo no gatilho. Hoseok entrou logo atrás de mim.
— Polícia! Mãos na parede! Mãos na parede! — Alice, que era a única em pé, obedeceu.
Outros polícias começaram a entrar na cabine. Alice tinha os olhos fixos e arregalados em Taehyung, que continuava caído. Mas eu não olhava para ele, meus pés me guiaram até Jungkook. De perto ele parecia pior, o corpo todo ensanguentado, o queixo tremia.
— Estou aqui, Kookie. — passei lentamente o polegar pela sua bochecha. Seus olhos tremeram e se abriram, ele lutava para me enxergar, mas não conseguia. — Está tudo bem, acabou, a ambulância está vindo, você vai ficar bem. Eu vou cuidar de você.
Uma sombra de um sorriso cruzou os lábios de Jungkook, ele abriu a boca para falar, mas tudo o que saiu foi sangue. Segurei sua mão e pedi que não se mexesse, ele iria ficar bem.
Ergui a cabeça e me deparei com Taehyung. Seus olhos piscavam para ficarem abertos, sua testa estava ensanguentada. Ao perceber que estava algemado, ele passou a se debater, soltava gritos furiosos enquanto me encarava. Namjoon surgiu pela porta, dando instruções para colocarem Alice e Taehyung em viaturas separadas. Ao me ver, seus olhos ganharam um toque de preocupação, ele deu um passo para frente, mas agitei a cabeça. Namjoon escoltou Taehyung até a porta, os gritos do moreno desapareceram conforme ele se distanciava.
— Acabou, Kookie. — repeti ao ouvir a sirene da ambulância, não demorou muito para que os paramédicos entrassem na cabine.
— Acabou. — experimentei dizer a palavra para mim mesmo, mas ela soou vaga, porque nem tudo havia acabado. Eu ainda precisava fazer uma última coisa.
Só pude respirar aliviado quando os paramédicos colocaram Jungkook na maca.
Fim.
Assim que eu terminar o epílogo eu posto!
Não há mais balões para serem liberados🎈
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