A escolha das lembranças🎈
"Não, eu não nasci sem um coração
Eu nem sempre fui assim
Não, vi você me quebrar
Não, agora você me culpa
Não, eu não nasci com todas essas cicatrizes
E isso me tornou assim
Não, você pode me culpar?
Não"
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***
● Alice Kim ●
Me encolhi na parede quando a faca quente como brasa encostou no braço de Jungkook. Um chiado doentio acompanhou seus gritos que saiam estrangulados de sua garganta, reverberando pelas paredes de metal.
O ar da sala era opressor, a história daquele lugar era opressora, eu me sentia inquieta enquanto tentava não pensar na dor que Jungkook sentia. Meus olhos se erguem para Taehyung, mesmo sobre o tecido vermelho consigo ver seus ombros largos tensos.
Ele não gosta daqui, mas gosta do que está fazendo aqui.
O celular de Jungkook está apoiado na parede, em cima da mesa. Jimin tem o maxilar travado, está em silêncio há alguns minutos, seus olhos se apagaram quando Jeon pediu que desligasse o celular. Ele não ia, Jungkook sabia, Taehyung sabia. Eu sabia.
— Preciso que grite mais alto, — Taehyung sorri. — aquelas crianças na lona gritaram mais, Jungkook-ssi! — sua voz é carregada de ódio e desprezo. Mas suas mãos tremem, como se uma parte dele não quisesse fazer aquilo, como se estivesse lutando incansavelmente para não fazer. Essa parte é fraca, a raiva de Taehyung é mais forte que isso. Ele põe o isqueiro embaixo do metal da faca, a aquecendo outra vez. Jungkook soluça se encolhendo, sua voz fraca pede que pare, mas nós dois sabemos que Taehyung não vai parar.
Penso em sair do ambiente, mas não quero ficar lá fora olhando para aquela van negra. Estar dentro dela foi sufocante, eu sentia o automóvel se fechar sobre mim, arrancando o ar dos meus pulmões. Eu ouvia balões estourando, mas aquilo sim estava na minha cabeça, porque não havia balões na van e Taehyung tinha as mãos no volante.
Às vezes, ele me olhava, suas pupilas negras fixas em mim. Eu tentava não me encolher, mas era quase impossível, eu estava esperando o momento em que ele pegaria a faca azul e abriria os cortes outra vez.
Me senti tentada a descer da van diversas vezes, mas eu não conseguiria escapar de Taehyung, foi algo que eu soube desde que ele me tirou do sanatório, quando cortou a energia e assassinou Robert, meu psiquiatra, o único que fingia entender minha dor.
Mas como ele entenderia? Contar algo não é o mesmo que passar por isso. Ele nunca entenderia minha mente. Ninguém entenderia.
— S-Seu pai não g-gostaria que fizesse isso. — prendo a respiração ao ouvir a voz de Jungkook. Ele ergue a cabeça e encara Taehyung, seus olhos estão inchados pelas lágrimas, o nariz escorrendo. Tenho pena, se ele acha que bajular o homem com palavras envolvendo seu passado vai fazer Taehyung parar, ele está muito enganado.
Taehyung solta uma gargalhada fria enquanto caminha até a maca. Jungkook engole em seco, as mãos tremem, o sangue seco escorre pelo seu pescoço e braço, a pele avermelhada na carne viva. Teatralmente, Kim pega um chicote que roubou em uma de nossas rondas atrás de suprimentos. Toda a sua extensão é coberta por espinhos, outrora deve ter sido usado para domar animais selvagens em circos, mas agora, nas mãos de Taehyung, eles ganham uma função mais sombria.
— Costumávamos ir ao circo, — Jungkook continuou corajosamente, troquei o peso de uma perna para a outra. — eu e o J-Jimin, ficávamos s-sempre no fundo, p-porque... porque tínhamos medo que nossos p-pais nos encontrassem lá. — a maneira como conta é esquisita, como se estivesse inventando, ou apenas lembrando uma conversa que não é sua. Olho para Jimin, sua expressão é penosa. Jungkook o encara também, quase sinto algo passar pelos dois, um olhar significativo, como se estivessem combinando alguma coisa. Park agita a cabeça minimamente, como se estivesse dizendo que aquilo não funcionaria.
— P-Primeiro um garoto de chapéu de r-raposa entrava na lona. Ele era baixinho, m-mas sua voz era p-potente, ele sempre ria t-tímido antes de f-falar no microfone. — a expressão de Taehyung endurece, seu queixo treme. A pessoa de quem Jungkook está falando... tenho certeza que o Kim conhece. — Ele falava o que veríamos, dizia que seria um show inesquecível. — Jungkook continua firme, agora que tem a atenção de Taehyung para si. — E era! Jimin entrava... — ele pigarreou, o som pareceu irritar Taehyung, que parecia ansiar por mais do que o prisioneiro falava. — nós entrávamos desanimados, mas... alí dentro tinha magia, não havia sequer uma apresentação que não houvesse nos animado.
— Éramos de Daegu, acompanhamos o circo crescer, vocês ainda não faziam performances fora da cidade. Nossa parte favorita era o... contorcionista. — por uma fração de segundo penso que Taehyung vai sorrir, mas o momento passa, e sua máscara de pedra toma conta de sua expressão inescrutável.
— Era incrível o jeito que entrava confiante no palco, um sorriso retangular no rosto após a primeira salva de palmas. O contorcionista emanava f-felicidade. E então, em suas roupas enfeitadas por estrelas, ele fazia seu espetáculo. Tinha tanto controle sobre o corpo! Jimin sempre subia na cadeira para observar melhor. Aplaudiamos antes da hora, porque era impressionante. Horas mais tarde, tentávamos imitar os movimentos do contorcionista. — Jungkook sorri, e só então percebo que também estou sorrindo. — mas não conseguíamos nada, a menos que um osso deslocado conte. — Taehyung fez um barulho com a garganta, não era bem uma risada, mas se assemelhava a uma.
Um raio de esperança cruza rapidamente o rosto de Jimin. Meu sorriso morre, porque a parte viva de Taehyung é pequena demais. Antes que Jungkook possa continuar, Kim estica o chicote, o prisioneiro se encolhe.
— Fazíamos shows únicos, eu sei. — sua voz se torna um sussurro ameaçador. — Mas ele... — Taehyung aponta para Jimin. — ELE ACABOU COM TUDO! — grita erguendo a mão e baixando o chicote nas costas de Jeon.
Os espinhos se enterram na pele de Jungkook, ele treme descontroladamente, a boca aberta em um grito que não deixa sua garganta. O queixo de Jimin treme, seu rosto forma uma careta de dor, como se o chicote tivesse acertado ele também.
Taehyung puxa o chicote de volta, a camisa de Jungkook se rasga, pendendo inútil nas suas costas. Sangue escorre do ferimento, o vermelho escalarte manchando suas costas e a cadeira. Algumas gotículas pingam no chão através do chicote.
Jeon volta a chorar, a cabeça baixa enquanto encara o chão. Sua respiração está desregulada, os joelhos tremem por baixo da calça negra.
— Yeochan. Esse era o nome do garoto que você falou, ele era o nosso apresentador! — Taehyung joga o chicote no chão e tira uma faca do bolso, usando para cortar as cordas dos pulsos e pernas de Jungkook. O Kim agarra a gola da camisa do outro, puxando Jeon para que fique em pé. Lado a lado, percebo que Taehyung é mais alto que Jungkook, porém mais magro. Jeon cai no chão com o empurrão que o outro lhe dá. Taehyung recupera o chicote e o observa por um tempo. Com o pé, empurra a cadeira para o lado, o ferro range penosamente.
— O que aconteceu com ele, Jungkook? — Taehyung pergunta, um silêncio esmagador preenche a sala, este só é interrompido pelo grito de Jeon quando o chicote acerta a lateral do seu corpo, os espinhos agarrando seu braço e sua perna direita. — ELE MORREU! — grita o Kim, o peito subindo e descendo apressadamente. Novos ferimentos se abrem na pele do prisioneiro. Jeon se encolhe em posição fetal, o corpo tremendo insistentemente.
— Taehyung, por favor! — o moreno encara o celular. Jimin tem o rosto pálido, os lábios sangram de tanto mordê-los. Ele repete o pedido, na esperança que o mais alto volte atrás.
— Yuri e Yuko, os gêmeos eram os equilibristas. — Taehyung continua, sua voz grave me dá calafrios. — O que aconteceu com eles, Jungkook? — Jeon funga, os olhos fechados esperando a nova chicotada. Ela não demora, descendo próximo ao lugar que havia acertado antes. Jeon grita outra vez, sua voz rouca quase sumindo.
— ELES MORRERAM! — grita o Kim. — Chin-Sun, Choon-Hee, Bong-Cha e Haneul, todos trapezistas! Alice... — Taehyung sorri pra mim, embaixo do casaco meu corpo treme, seu sorriso é lascivo e maldoso. — o que aconteceu com eles?
— Morreram. — sussurro.
— MORRERAM! — Taehyung chuta a coluna de Jungkook. Jeon inspira profundamente quando o ar deixa seus pulmões, seu rosto fica vermelho, e por um momento acho que aquele golpe foi fatal. Mas logo ele tosse, as mãos se enterrando no chão enquanto pisca os olhos diversas vezes.
— Minha mãe, — sua voz treme e fica mais baixa. — Kim Mi-Cha, ilusionista. — Taehyung caminha até a mesa.
— Me ajude. — quase não ouço o sussurro vindo de Jungkook. Desvio o olhar de sua situação lastimável. Taehyung se inclina sobre a mesa, encarando Jimin nos olhos, o loiro não consegue manter o contato por muito tempo.
— Jimin, sabe o que aconteceu com a minha mãe? — vejo as mãos de Taehyung apertarem a borda da mesa. — Kim Young-Soo, meu pai, palhaço... você sabe o que aconteceu com eles, Jimin? — o loiro permanece em silêncio, Jungkook retorna a me pedir ajuda, eu o ignoro outra vez. — Vamos Jimin, diga o que você fez, porque aparentemente a ideia não veio do filho da puta do seu pai. — Jimin levanta a cabeça, o cenho levemente franzido. Taehyung ri baixinho. — Ele era tão invejoso, não era? A primeira coisa que fez quando nosso circo queimou foi criar o próprio, que falta de consideração! — Taehyung ri outra vez.
— Um erro, não acha? Vi aqueles panfletos, Park's Circus, eu já sabia quando e onde ele estaria. Eu pretendia assistir ao show dele, Jimin. Eu assisti. Aquele burro confiava tanto no FBI e na polícia de Seul que nem se deu o trabalho de mandarem vigiar a merda do ônibus de turnê, e naquela noite, quando eu mexi no freio sabendo que ele usaria o veículo de madrugada, eu senti que aquela era minha vingança.
— Mais tarde, eu segui o ônibus, só para ter certeza que daria certo. Além do quê... eu queria ver aquilo com meus próprios olhos. E então aconteceu, o ônibus capotou! Eu sai do carro, queria ver a vida deixar o corpo do seu pai. — Taehyung faz uma pausa. — Ele estava vivo ainda, tinha muito sangue ensopando o rosto, quando me viu, ele riu. Sempre tão arrogante, não é? Ele perguntou como meus pais estavam, mas logo riu, parecia uma piada pra ele. Eu disse que ele estava pagando pelo que fez, que aquele jogo sem graça havia virado, ele riu outra vez. "Então está procurando vingança? Talvez goste de saber que a ideia não foi minha, meu filhinho esperto me deu umas dicas. Deu certo, não foi? Todo aquele fogo, um show em tanto!
Jimin parecia prestes a desmaiar, o rosto impossivelmente mais branco.
— Eu sei que errei, — ele se pronuncia. — m-mas você não conheceu m-meu pai. Eu era um tolo m-medroso e egoísta, se eu pudesse voltar no tempo n-nada disso teria acontecido. Taehyung, eu posso te ajudar agora! — Taehyung ri. — Eu quero te ajudar, quero me redimir com você. Eu sei que ajudei a arruinar sua vida, sei que fez o mesmo com a Alice, sei que quer fazer isso comigo, mas não precisa ser assim. Deixe-me te ajudar. Deixe o Jungkook, ele não precisa passar por isso. Ele não tem nada a ver com isso.
— Nada a ver? Você se engana, Jimin. — Taehyung para de rir. — Eu vou acabar com ele, porque isso vai acabar com você! — Taehyung dá as costas para o celular e agarra um bastão apoiado na mesa, em poucos passos fecha a distância entre ele e Jungkook.
O som de ossos se partindo chama minha atenção. Taehyung joga o bastão no chão depois de acertar as costas de Jeon. Os gemidos e a respiração chiada são os únicos indícios que Jungkook está vivo. O homem se desmancha no chão, seu sangue, suor e lágrimas sujando o piso, ele mantém seus olhos fechados.
Não percebo que estou tremendo até Taehyung me encarar. Ele caminha lentamente na minha direção, mas não consigo afastar meus olhos de Jungkook, porque aquele lugar escuro parece uma van. Aquele sangue parece o meu. Jungkook parece comigo. Ergo os olhos e encontro as pupilas negras e alucinadas de Taehyung me encarando.
— Talvez você queira brincar um pouco, não quer? — suas mãos sujas de sangue se fecham sobre as minhas. Ele me puxa até estarmos perto de Jungkook.
O cheiro metálico de sangue preenche minhas narinas, Jeon tem a bochecha encostada no chão frio. A camisa rasgada já desprendeu do seu corpo, mostrando os cortes ensanguentados em sua pele alva. Quase inconscientemente me abaixo e afasto seus cabelos dos olhos, Jungkook treme sob meu toque, um gemido doloroso escapando de sua garganta.
Minha visão escurece por um momento, ouço o som de balões estourando, mas dessa vez ouço algo a mais...
Os gritos de Jungkook. Eu odeio ambos os sons.
***
Eu juro que gosto do Jungkook!
Enfim né...
Lembrem de votar!
Liberem seus balões!🎈
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