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Vislumbre


☼ Além do Sol | Capítulo 6

Sábado:

    Durante a noite eu costumava ser mais sereno e criativo. Antes de pegar no sono, passava uns vinte minutos tentando descrever o meu dia através de poemas.
    Naquela noite em específico, fiquei no quarto observando uma chuva tranquila cair sob a rua. O calor ainda era presente, mas deu uma aliviada, se tornando mais refrescante. Aproveitei o clima para deitar no chão, absorver meus pensamentos e transferi-los para o papel, enquanto Yoda destroçava seu coelhinho de brinquedo.
    Minha mãe guardou a rosa amarela em um jarro de água bonito e o pôs em cima da geladeira, ao lado do pinguim de porcelana. Estava visivelmente abalada, mas também parecia contente por aquele agrado.
    Desci para a cozinha e lhe avistei tomando um whisky, coisa que jamais imaginei vê-la fazendo. Logo ela que por frequentar a igreja, aparentava ser contra esses hábitos... um tanto inusitado, eu diria. Ela levantou-se e disse que não ia preparar o jantar, portanto eu teria que ficar esperando a Maria Lúcia aparecer ou fazer alguma coisa.
    Meu estômago roncava, era impossível esperar. Para minha sorte, haviam pequenas coxas de frango armazenadas no congelador. Foi isso mesmo que eu fritei e levei para o quarto com uma garrafa de refrigerante.
    Falando na minha irmã, ela chegou pouco depois e se deparou com o buquê. Sua expressão genuína de felicidade tornou aquele sábado um pouco melhor. Ainda bem que havia surgido depois da confusão, ou nem as flores teriam lhe feito sorrir.
    Dona Telma devia não estar em casa, senão provavelmente ligaria para a polícia ao ouvir aquela briga.

     Eu ainda me sentia frágil e covarde por não ter interferido naquela desavença, pois o desfecho podia ter sido uma tragédia. Mas eu não consigo, já que em situações extremas sinto meu corpo todo paralisado, como em um estado de choque que me impede de reagir.
    Talvez se algum maníaco me ameaçasse com uma arma, eu ficaria tão apavorado a ponto de não correr ou lutar. Acabaria levando um tiro simplesmente por permanecer imóvel.
    De qualquer maneira, ter me divertido com a Joice e feito minha irmã sorrir, fizeram aquele dia valer a pena e ser mais agradável.

—  Onde conseguiu essas rosas? — Sorria, sentindo o perfume do buquê.

—  Segredinho — Pisquei — Você gostou mesmo?

—  Eu AMEI, Dani! Muito obrigada, mas qual o motivo desse presente? — Mesmo feliz, ela parecia não entender o quanto eu estava preocupado.

—  Nada demais, eu só queria te ver alegre... e estou feliz por ter conseguido.

—  Besta — Riu-se, me abraçando em seguida — Você é o melhor irmãozinho do mundo, sabia? Sortuda é a garota que tem o seu coração.

—  Ah, para com isso. — Disfarcei meu sorriso.

—  Tô falando sério. Você é mais que especial, Dani.

—  Não concordo, mas se você diz... — Sorri.

—  Vamos assitir alguma coisa? Ouvir música? Deixo escolher o que quiser. — Por um instante, a velha Maria Lúcia tomou conta dela. Era exatamente o que eu queria.

—  Tá falando sério?

—  Sim — Sentou-se no beliche e fez uma pequena expressão de dor.

—  O que foi?

—  Nada, só senti um desconforto — Sorriu, tentando descontrair — Se quiser, podemos apenas ficar jogando conversa fora. Como nos velhos tempos.

—  Eu adoraria, Lúcia. Mas é que... preciso sair.

—  Sair pra onde nessa chuva?

—  Combinei de ver um amigo — Desviei o olhar — Foi mal.

—  Não quer nem uma partida de damas? Ou Uno? Você adora esse.

— Desculpa mesmo, mas agora não vai dar — Lhe encarei.

— Ah... tudo bem, Dani. Eu não vou sair daqui mesmo — Pareceu decepcionada, mas ainda assim, contente por mim.

    Me senti meio mal por deixá-la tristonha daquele jeito, mas ainda não tinha certeza se era o melhor momento para conversarmos. Ainda estava absorvendo os acontecimentos anteriores daquela casa.
   Ficou feliz com meu presente, pelo menos. Não soltava aquelas rosas por nada.

—  Eu não vou demorar, prometo. Vamos assistir todos os filmes da caixa quando eu voltar.

—  Ok, mas não fica até tão tarde na rua.

—  Eu não demoro — Lhe beijei a testa e saí.

—  Tchau, maninho... até logo — Deu um pequeno sorriso.

   Assim que deixei a casa, o temporal já havia cessado. Entretanto, depois de virar uma esquina, resolvi voltar e levar um guarda-chuva, para não andar tão desprevenido.
   Olhando pela porta entreaberta, me deparei com meu pai cochilando em sua poltrona novamente. Foi o bastante para me fazer desistir e seguir andando sem nada em mãos.
    Fiquei pensando se havia desperdiçado uma chance de ouvir o que Lúcia tinha a dizer. Talvez aquele fosse o momento perfeito para ela se abrir e desabafar, mas desperdicei.
    Mesmo querendo saber o que lhe afligia, acabei fugindo da conversa, meio que automaticamente igual sempre faço. De qualquer forma, cansei de sempre fugir dos diálogos complicados. Estava determinado a ouvir tudo o que ela tinha a dizer quando voltasse para casa, por mais embaraçoso que fosse.

—  Oi, Dani — Igor abriu a porta.

—  Eai, amigo? Posso entrar?

—  Claro — Sorriu — Pensei que não viesse por conta da chuva. Não precisava ter vindo, aliás... já tá meio tarde.

—  Até parece — Lhe abracei — Eu não quero ficar em casa.

—  Eu sei...

    Sua casa era repleta de decorações. As paredes eram coloridas com desenhos de flores e corações, haviam tapetes por toda a parte e diversas plantas espalhadas ao redor.
   Tropecei em um pequeno vaso de samambaias ao cruzar a porta, mas disfarcei. Toda aquela extravagância eram méritos de sua avó, dona Ofélia, uma simpática senhora.
    Ela era gentil e amorosa, principalmente com o neto, pois o tratava feito um príncipe. Dona Ofélia frequentava a igreja da minha mãe, então sempre acabavam se encontrando por lá. Igor tinha uma avó coruja, que zelava ao extremo pelo seu bem estar.
    Fiquei reparando discretamente nos quadros espalhados em cada canto, com inúmeras fotos do Igor bebê e de sua família. Nos guiamos até a cozinha pelo cheiro maravilhoso de biscoitos assando no forno. Lá estava ela, com seus óculos exuberantes iguais ao dele e um sorriso que contagiava.

—  Boa noite, meninos! — Nos cumprimentou, retirando os biscoitos do forno — Servidos?

—  Vamos subir para o quarto primeiro, vó.

—  Mas que garoto bonito! — Sorriu ao apertar minhas bochechas — Você é uma gracinha, rapaz.

—  Ele é mesmo — Riu-se.

—  Obrigado, senhora Moreira — Sorri um tanto envergonhado.

—  Pode me chamar só de dona Ofélia, meu amor. Iguinho, meu bebê... sua mãe disse que vai voltar tarde, então não precisa ficar esperando.

—  Tudo bem, vovó. A gente já volta para pegar uns biscoitos, ok?

—  Claro, querido.

   As poucas lembranças que eu tinha da minha avó antes dela falecer, era passar os fins de semana no sítio onde morava, junto com a Maria Lúcia. Nos divertíamos muito cuidando dos animais e entrando em contato com a natura. Quando veio a óbito, aquele sítio se tornou propriedade da tia Clarice. Ficaria contente se fosse passada para minha mãe, sempre gostei de ar fresco.
    Morar em um sítio ou fazenda estava na minha lista de desejos, sem dúvidas.
    O quarto do Igor era tão organizado que até senti medo de tocar em alguma coisa e acabar bagunçando. Ele tinha muitos bichos de pelúcia em cima da cama, muitos mesmo.

—  Esse é o meu favorito — Mostrou um sapo de gravatinha.

—  Não lembro de ter visto TANTOS ursinhos da última vez.

—  Eu os escondi, não queria o Vitor me zoando depois — Riu.

—  Achei muito fofo e nem é brincadeira — Olhei em volta — Mas se estivesse aqui, com certeza iria te zoar. Sua avó é tão bacana, né?

—  Ela é um amor, mas podia ser menos controladora. Acha que sabe de tudo sobre a vida e o que é melhor pra mim.

—  Bom, ela teve tempo para saber sobre a vida. Nós sim, não sabemos de nada.

—  É, você tem razão — Sentou-se.

—  Cadê a sua mãe?

—  Saiu com o novo namorado — Disse revirando os olhos — Mais um, ninguém merece.

—  Acho que não consigo imaginar a minha mãe com outro homem. Infelizmente.

—  Com licença, meninos? — Ofélia abriu a porta, nos assustando — Vim trazer os biscoitos.

—  Vó, não entra assim sem bater. Já conversamos sobre isso, lembra!?

—  Desculpa, meu amor. Se quiserem mais, é só me chamar — Sorriu deixando dois potes cheios em cima da cama e se retirou. Nos encaramos até ele me pedir para fechar a porta.

—  °Igor, que susto° — Sussurrei, com o coração acelerado — °Puta que pariu°.

—  Ela vai voltar.

—  O quê?

—  Já ia me esquecendo, olha que loucura — Disse dona Ofélia, abrindo a porta novamente, com dois copos de leite nas mãos — Aceitem, por favor.

—  Obrigado, vovó.

—  Este é o seu, querido — Ofereceu — Morninho, do jeitinho que você gosta.

—  Vovó, pelo amor de Deus — Igor tapou o rosto.

—  Fiquem à vontade, prometo que vou deixá-los em paz. Juízo, em? — Sorriu, saindo e deixando a porta aberta. Igor levantou-se para fechá-la.

   Foram os biscoitos mais saborosos que já comi na vida. Eram crocantes, recheados de chocolate e caíam muito bem com aquele leite morno. Mesmo ele parecendo desconfortável com a falta de privacidade, no fundo gostava de receber tanta atenção e cuidados. Eu não reclamaria no lugar dele.
   O importante é que ela não precisava se preocupar, não estávamos fazendo nada de errado ou imprudente. Se fosse o Vitor, aí sim eu entenderia a preocupação.
    Igor me mostrou sua coleção de quadrinhos, pois assim como eu, era fascinado por super heróis. Ele parecia inquieto, como se quisesse me dizer alguma coisa. Não ia aguentar mais uma pessoa agindo desse jeito.

—  Você tá bem? — Perguntei.

—  Eu? Sim, e você?

—  Mais ou menos.

—  Posso ajudar em alguma coisa?

—  Acho que não — Lhe devolvi a revista — Igor... você já se imaginou levando uma vida diferente?

—  Hã?

—  Tipo... já se sentiu deslocado? Como se talvez aqui não fosse o seu lugar?

—  Que papo doido é esse? — Riu-se — Claro que não, eu amo morar aqui

—  Pois eu sinto — Nos encaramos — Às vezes eu penso que posso arranjar uma vida melhor longe daqui.

—  Do que você tá falando?

—  É muito mais que só uma vontade de sumir — Eu continuava falando sem quebrar o contato visual — Quero muito arrumar minhas coisas e ir embora, começar uma jornada nova em outro lugar distante.

—  Como assim, Dani!? — Parecia aflito.

—  É brincadeira, amigo — Sorri e lhe dei um empurrão — Tô te zoando, não tá vendo?

—  Ah... não teve graça. Fiquei com medo.

—  Foi só uma piadinha — Suspirei  — Mas falando sério agora e mudando de assunto... você já gostou de alguém?

    Igor pareceu surpreso com a pergunta e até hesitou um pouco para responder. Disse que sim, em um tom de voz baixo e tímido, enquanto tomava seu leite.

—  E como foi a sensação!?

—  Aonde quer chegar com esse assunto?

—  Não sei se você percebeu, mas eu estou apaixonado — Sorri.

—  Pela loirinha? Todo mundo já percebeu — Respondeu meio indiferente — Mas o que tem?

—  Eu me sinto tão seguro ao lado dela. Não sei se estou ficando doido, mas acho que ela também gosta de mim — Continuei a sorrir — Tem noção disso!? Parece um sonho.

—  Foi pra isso que você veio? Ficar falando da Joice? — Desviou o olhar — Já não foi suficiente ter deixado a gente sozinho por causa dela hoje?

—  Deixa de ser dramático, nós andamos bastante com vocês.

—  Só porque o Vitor e eu fomos te procurar.

—  Eu não sabia que ela ia aparecer e muito menos que você ia se afetar tanto com isso.

—  Não é que me "afetei", mas era pra ser um dia entre amigos, sem menina nenhuma no meio! — Levantou-se, indo em direção a janela.

—  Pensei que gostasse de falar sobre meninas — O encarei.

—  Eu... gosto — Respirou fundo — Mas não preciso ficar falando sobre elas o tempo todo.

—  Então você não sabe como é se apaixonar.

—  Sei sim, pode ter certeza...

—  Você não está com ciúmes da Joice, né? — Sorri.

—  Sim, Daniel. Eu estou com ciúmes da Joice, era isso o que queria ouvir? Pronto, falei. — Nos encaramos em silêncio enquanto eu pensava seriamente no que responder.

—  Como é que é?

—  Eu não gostei de hoje, Daniel. Nem um pouco — Cruzou os braços — Se ainda nem estão juntos e você já nos deixa de lado, imagina se estivessem? Pensei que a nossa amizade fosse mais importante que uma garota idiota.

—  Credo, Igor. Também não precisa falar assim, quanto drama — Me levantei — Pensei que não tivesse nada contra ela.

—  Eu não tenho! — Tapou o rosto — Eu só... você entendeu. Não gosto de quem vira a cara para os amigos por causa de uma namoradinha.

—  Prometo à você que NUNCA vou fazer isso — Segurei sua mão, a apertando sem quebrar o contato visual — Eu prometo.

—  Desculpa, acho que exagerei. Vamos chamar o Vitor para nadar amanhã, talvez o Adriano também — Deu um pequeno sorriso — Meio que fizemos amizade lá no shopping.

—  O Gugu?

—  Sabia que ele é alemão? — Sorriu, apertando minha mão também — Eai, vamos?

   Hesitei uns segundos para responder, olhando discretamente ao redor enquanto ele seguia aguardando a resposta. Fiquei sem graça, mas acho que ele já imaginava, pois desfez o sorriso e soltou minha mão.

—  É que... bom... eu, sabe... combinei de...

—  Relaxa, cara. Tá tudo bem.

—  Me desculpa, mesmo. Desculpa por você ter se magoado.

—  E estou de boa — Respondeu, ficando de costas para a janela e me abraçando em seguida. Nunca o vi tão grudento daquele jeito, foi até estranho.

—  Você é como um irmão que eu nunca tive.

   Igor não disse nada. Apenas permaneceu ali no abraço, tentando me apertar mais forte e bagunçando meu cabelo por trás. Fechou seus olhos e os abriu assim que dona Ofélia, novamente, surgiu no quarto.
    Mesmo após tantos anos de amizade, nunca o vi agindo daquela maneira. Assim que nos resolvemos, me despedi e fui embora. Dona Ofélia me deu carona até em casa, pois já estava um tanto tarde para andar na rua sozinho.
    Ela puxava assunto comigo o tempo todo. Perguntou sobre família, escola, o que eu gostava de fazer, enquanto ouvia músicas da década de setenta no rádio do carro. Aquela conversa com Igor grudou na minha mente a noite toda.
    Eu ainda pretendia conversar com a Maria Lúcia, mas quando entrei no quarto ela já estava em um sono profundo na minha parte de baixo do beliche. Mesmo com o clima ameno, puxei o lençol e a cobri.
    Pela primeira vez, experimentei a "adrenalina" de dormir na parte superior. Não foi tão interessante assim.

    Manhãs de domingo são tão preciosas, mas costumam ser esnobadas pela maioria. No entanto, eu era apaixonado em acordar cedo, tomar meu café da manhã e ficar assistindo desenho animado na tevê, como de costume.
     Antes de deixarmos o shopping, Joice aceitou meu convite para mais um passeio de bicicleta no dia seguinte. Portanto, naquele domingo eu acordei cedo e fiz pequenos alongamentos no chão do quarto, enquanto Lúcia ainda dormia.
    Comi uma banana, duas fatias de pão integral, tomei uma xícara de chá e depois passei outro perfume do meu pai. Era tão forte que chegou a me dar dor de cabeça. Ainda me espantava ele estar em casa mesmo após os eventos do dia anterior.
    Montei em minha bicicleta e saí pedalando pelas ruas desertas enquanto o sol ainda surgia timidamente, iluminando os céus. Haviam poças de água por conta da chuva e o cheiro de terra e grama molhada predominavam em cada canto. Dias assim traziam uma sensação de paz.
     De longe a vi acenando para mim, com seu belo sorriso e cabelos esvoaçantes. O que me surpreendeu foi vê-la ao lado do Pedro, também montado em sua bicicleta. Acho que esqueci a parte em que eu também havia lhe convidado.

—  Oi, Dani — Sorriu.

—  Oi, Joice...  — Não tinha ciúmes dele, mas mesmo assim, queria que fosse um passeio só entre eu e ela —  Eai, Pedro.

—  Tudo bom, Danizinho? — Me cumprimentou. Queria muito acreditar que ele tinha várias camisas do Black Sabbath iguais — Meu Deus, mal começou o dia e já tá quente.

—  Pra caralho — Completou Joice, me fazendo arregalar os olhos.

—  O que foi isso!?

—  Isso o quê?

—  Que você disse.

—  Nada demais, Dani — Riu-se — O que tem?

—  Eu não sabia que você falava essas coisas — Lhe encarei — É estranho.

—  Deixa de ser careta, Danizinho — Respondeu Pedro, começando a rir.

—  Bom, agora você já me conhece um pouco mais além. Vamos pedalar?

—  Vocês se encontraram agora? — Tossi.

—  Ela disse que iam dar um passeio hoje, então eu simplesmente apareci também. Você não se incomoda, né?

—  Não, não. Claro que não. Eu só...

—  Então vamos nessa — Ele ouviu feito um lobo e saiu pedalando em disparada.

—  Vai ter que nos alcançar — Brincou Joice, saindo logo atrás.

—  Só se for agora... — Descontraí, saindo com a bicicleta rapidamente.

    Aquele lance do palavrão me pegou de surpresa. De fato, eu estava me aproximando cada vez mais da Joice e conhecendo aos poucos sua personalidade. Não demorou para eu conseguir ultrapassá-los.
    Ia pedalando na frente, deixando os dois a uma certa distância de mim. Pedro não aparentava ter dificuldades mesmo com o braço engessado. Esse não tinha medo de mais nada.
    Depois de um tempo, chegamos ao parque e resolvemos dar uma pausa. Apesar de ser mais velho, Pedro aparentava ser um crianção, literalmente. Não demorou muito para ele começar a brincar na grama com alguns pequeninos.
    Joice e eu nos sentamos no banco, observando tudo ao nosso redor. Ela parecia exausta por conta do calor, mas se refrescava com uma garrafinha de água gelada.

—  Quer?

—  Não, obrigado.

—  Precisa se hidratar ou vai ter um ataque.

—  Aceito só um pouco então — Peguei a garrafa de suas mãos.

—  Uma boa notícia: já terminamos o trabalho do Esdras, agora é só entregar — Sorriu.

—  Ainda bem, eu já não aguentava mais.

—  Não aguentava mais o trabalho ou passar o tempo comigo? — Me deu uma cutucada.

— Só o TRABALHO, eu adoro passar o tempo com você!

—  Adora mesmo? — Me encarou.

—  Sim... isso aí — De rosto vermelho, respondi com sinceridade — Você gosta da minha companhia também?

—  Claro que eu gosto. Você é muito divertido, Daniel.

—  Obrigado, eu acho — Fiquei olhando em volta, pensando em algum assunto — Antes de nos falarmos, eu pensei que você e o Pedro tinham alguma coisa. — Obviamente, não ia dizer nada que preste.

—  Alguma coisa?

—  É, você sabe... pensei que estavam juntos.

—  Nada a ver, somos só bons amigos — Riu-se — Igual a gente, Dani.

—  Verdade. Mas você nunca quis ter algo a mais com ninguém?

—  Nunca — Nos encaramos — Eu já disse que não tenho nenhum interesses assim no momento. Eu nem sequer beijei alguém, diferente das minhas amigas.

—  Eu também nunca beijei — Virei o rosto por conta da timidez.

—  Isso não é um fim do mundo — Respondeu acariciando meu cabelo — Um dia você vai encontrar alguma menina legal e vão dar muitos beijinhos. Ou menino, vai saber.

—  Eu não estou tão desconstruído a esse ponto — Fiz uma expressão confusa.

    Se dependesse de mim, já teria a beijado. Não me importaria nem um pouco em trocar milhares de bactérias com ela.

—  Minha mãe namora outra mulher, sabia? Elas vivem juntas há uns dois anos.

—  Sério?

—  Sim — Sorriu — Elas são muito felizes juntas e eu sou feliz por elas.

—  Acho que não conheço ninguém assim.

—  Assim como?

—  Igual sua mãe — Eu não sabia exatamente como me referir.

—  Sempre tem alguém. Mas enfim, eu quero passar bem longe desses assuntos por enquanto.

—  Romance? — Lhe encarei — Mas você disse que gostava.

—  Em livros é diferente. Não me imagino sendo uma dessas protagonistas.

—  Pois eu imagino — Sorri.

—  Eu sinto que não sirvo para isso, que ia acabar magoando a pessoa. E também acho difícil alguém querer algo comigo.

—  Por quê!?

—  Eu sou chata demais — Começamos a rir juntos, até Pedro se aproximar.

—  É verdade — Respondeu.

    Voltamos a pedalar novamente e agora eu estava todo pensativo, mas odeio ficar desse jeito, pois costumo me fechar e ficar calado. Talvez eu não seja tão diferente quanto minha mãe ou Maria Lúcia.
    Ficamos dando voltas ao redor do parque, observando as árvores, a grama, o lago municipal, as pessoas fazendo piquenique e as crianças correndo.
    Era confortante saber que Joice nunca havia beijado ninguém, assim como eu. Mas o que incomodava, era o fato dela preferir continuar assim. Se eu ao menos tivesse coragem de dizer tudo o que venho guardado nesses últimos tempos....
     Pedro alegou estar se sentindo mal, então desceu da bicicleta e sentou-se embaixo da sombra de uma grande árvore para tirar um descanso. Também era um ótimo lugar para fugir do calor. Resolvemos dar um pausa, próximo à uma área onde velhinhos escutavam música e até dançavam.
   Observando não tão de longe, deixei escapar alguns sorrisos enquanto Joice parecia estar gostando. Ouviam em um rádio, algum cd aleatório do Roupa Nova.

—  Aquele ali tá arrebentando — Apontei discretamente para um senhor — Está tentando impressionar as velhinhas, igual a um pássaro fazendo dança do acasalamento.

—  Que horror — Riu-se, tapando a boca.

—  Por quê faz isso? Seu sorriso é tão bonito.

—  Para com isso, Daniel — Continuou a sorrir, tentando colocar o cabelo na frente da minha visão.

—  Estou falando sério. É o sorriso mais lindo que eu já vi na minha vida.

—  Pareço um cavalo sorrindo, para de mentir — Começou a gargalhar, deitando-se na grama e me puxando para fazer o mesmo ao seu lado.

—  Acredita em mim, estou falando sério — Sorri, olhando para o céu azul — Aquela nuvem é igual a um tucano.

—  O céu é uma verdadeira obra de arte, não é? Amo dias assim, são alegres.

—  Dariam uma bela pintura.

—  Caralho, é verdade.

—  Ainda não me acostumei a te ouvir falando isso — Virei o rosto para ela.

—  Tem tanta coisa que você não sabe sobre mim, Daniel Rodrigues... — Ela sorriu e trocamos olhares.

—  Então estou louco para descobrir — Permanecemos assim até eu levemente segurar sua mão e acariciá-la com o polegar. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Joice se levantou rapidamente.

—  Meu Deus, eu amo essa música.

—  Eu também gosto. Ei, onde vai?

—  Dançar, não é óbvio? — Prendeu seu cabelo.

—  Agora? No meio dos velhos!?

—  Eles estão se divertindo, qual o problema? Deixa de ser careta, mocinho.

—  Vou ficar te admirando.

—  Nem pensar, vem logo — Determinada, puxou meu braço e me levou bruscamente.

—  O que está fazendo!?

—  Vamos, você vai gostar!

—  Mas eu... não levo jeito pra dançar, não sei fazer isso — Que mentiroso. Ela puxava meu braço até me arrastar no meio dos idosos.

—  É só sentir — Me deu um beijinho na bochecha e começou a dançar junto com eles.

  Fiquei parado lhe observando enquanto ela dançava com muita vontade e alegria. Quando estávamos juntos, sentia que se um dia eu fosse mesmo atrás do meu verdadeiro lugar, ela estaria junto comigo.
   Como eu queria parar o mundo e me ajoelhar, para pedí-la em casamento ali mesmo. Joice sinalizou mais uma vez para mim, que comecei a dançar bem desengonçado ao seu lado, enquanto mais pessoas se aproximavam. Algumas tiravam fotos, outras gravavam e nós dois continuamos no ritmo.
    Após rirmos bastante, descansamos mais um pouco no gramado. Senti um pouco de sono, até ela me cutucar dizendo que queria voltar a dar um passeio. Pegamos nossas bicicletas e ela me desafiou em uma corrida. Foi assim que começou um duelo rápido e feroz em alta velocidade.

    Seguimos aumentando a ritmo das pedaladas, indo mais depressa através da ciclovia. Havia um pequeno morro no gramado onde as crianças iam brincar, algumas até desciam rolando.
     De longe eu conseguia ver. Via também a barraquinha de sorvete, a de maçã do amor, de algodão doce, o pipoqueiro, entre outros.  O que eu não conseguia enxergar era a Joice, que apenas vinha me seguindo. A vitória era minha.
    Será que o Igor tinha razão? Eu estava mesmo muito obcecado por aquela garota? Sei que ele não havia dito isso, mas foi o que a minha cabeça interpretou. De qualquer maneira, eu já havia me envolvido demais e a cada vez que nos víamos, parecia mais especial.
    Era como uma conexão. Se ela apenas me desse a certeza de que correspondia meus sentimentos, eu nunca mais pensaria sobre abandonar tudo e fugir para longe, pois finalmente teria um bom motivo para ficar.
    Dois irmãos de uns cinco ou seis anos, corriam freneticamente em volta daquele morro, atirando folhas e galhos um no outro. Mesmo de uma certa distância, consegui observá-los e ouvir a mãe dando bronca por estarem perto das poças de água.

   Outro detalhe era que estávamos sem proteção. Eu achava perigoso andar naquela velocidade sem capacete, joelheira ou coisa do tipo, mas quem não adora um bom desafio?
    Tentei olhar bruscamente para trás e ver a Joice. Ela pedalava no mesmo ritmo que o meu, de olhos entreabertos, sentindo o vento tocar seu rosto e balançar o cabelo. Como podia ser tão linda? Ao desviar a atenção por meio segundo, acabei saindo da ciclovia e entrando no gramado úmido em alta velocidade.
    Joice por estar me seguindo na mesma intensidade, também desviou o caminho meio que por impulso. Me deu um desespero gigantesco estar se aproximando das crianças, então sinalizei gritando para que saíssem e elas obedeceram.
   Rapidamente, tentei frear a bicicleta e fui arrastando meus pés pela grama, o que manchou todo o meus tênis. Consegui parar a tempo, bem na beirada daquele morrinho. Suspirei aliviado.
    Joice mal conseguia ver o que estava acontecendo, portanto, continuou vindo em minha direção. Não tive tempo suficiente para reagir, pois quando me deparei, Joice acabou me atingindo acidentalmente. E foi assim que nós dois batemos e caímos rolando morro abaixo, levando as duas bicicletas junto, até chegarmos na parte debaixo daquele gramado.

—  Puta que pariu... — Eu sentia meu corpo todo doer. Joice parecia estar achando graça da nossa situação, mas também havia se machucado.

—  Vamos de novo, Dani? — Deu um pequeno sorriso, acompanhado de uma expressão dolorosa — Foi divertido.

—  Ah não, a bicicleta... — Levantei levemente a cabeça e vi o pneu rodando pela grama até cair. Em seguida, estendi os braços e fechei os olhos, suspirando.

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