"Meus amigos não andam, eles correm
Entrando em tocas de coelho por diversão
Estourando, estourando balões com armas
Ficando chapada com hélio
Nós pintamos rosas brancas de vermelho
Cada tom veio do sangue da cabeça de alguém diferente".

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***

— Papai estava repassando seu repertório de piadas, ele era o palhaço. Trazia alegria e sorrisos, não choros.

Taehyung enxugou os olhos enquanto permaneci encolhida no fundo da van. Estava me sentindo nauseada, o cheiro metálico do meu sangue seco pesava ao meu lado, além disso, estava com muita vontade de fazer xixi.

Assim que o algodão doce acabou – para meu alívio –, o estranho entrou meio que em seu próprio mundo, que consistia em murmurar para si mesmo, chorar e encher alguns balões com gás hélio. A van estava novamente cheia das coisas flutuantes. A cena era quase a mesma de quando eu escolhia o balão antes de ser sequestrada, uma mistura de cores.

— Eu amo balões. — ele falou voltando sua cabeça em minha direção. Devagar, engatinhou até parar ao meu lado. Me empertiguei quando o vi pegar uma faca de cabo vermelho e dourado, era grande e aparentava estar afiada. Eu não queria descobrir se estava.

— Você conhece os Park's, Alice? — perguntou mexendo a faca entre os dedos, mas seus olhos negros estavam fixos em mim.

Engoli em seco.

Eu mentia ou falava a verdade?

Respirei fundo e respondi:

— N-Não. — prendi a respiração esperando que ele estourasse um balão ou fizesse algo pior. Mas ele apenas sorriu aproximando-se ainda mais de mim, como se fosse uma criança prestes a ouvir um conto de fadas.

Não, a contar...

— Tudo bem, eles não eram famosos mesmo! Nós que éramos, o Kim's Circus, você ouviu sobre nós, não ouviu, Alice?

— Sim. — falei por ser verdade. Lohanna havia contado da chegada do circo de Daegu que passaria uma temporada de apresentações aqui em Seul.

Ele pôs a faca nas pernas e me aplaudiu com um sorriso que se alongava de maneira esquisita.

— Papai infelizmente devia muito dinheiro. — seu rosto murchou consideravelmente. — Sabia que nossos shows destinavam dinheiro para lares adotivos?

Neguei da melhor maneira que pude. Seu rosto se fechou completamente, ele se aproximou lentamente, inclinou a cabeça e falou em um tom de voz baixo e ameaçador:

— Aprenda isso. — e estourou um balão. Meu grito foi rápido e abafado por sua mão.

Novas lágrimas começaram a descer pingando nas mãos do garoto. Ele a puxou com rapidez, como se o queimasse.

— Não chore, ninguém chora no meu show. — disse encostando a faca na minha bochecha. Minha respiração acelerou enquanto eu tentava segurar as lágrimas e não gritar. Com a ponta da faca, o garoto afastou as lágrimas que ainda escorriam pelo meu rosto, senti minha bochecha ser arranhada. Sim, o objeto era afiado.

— Repita comigo, Kim's Circus destinava dinheiro para lares adotivos.

Forcei minha boca a abrir, mas não consegui, pois sabia que se o fizesse, as lágrimas que eu segurava seriam soltas. Por fim, fiquei calada.

— REPITA COMIGO! — gritou estourando dois balões seguidos, minhas orelhas zumbiam com um apito constante. Aquele som, eu odiava aquele som. Eu odiava balões.

— Aish! — ele olhou em volta segurando a própria cabeça com força, seu corpo tinha leves espasmos. — Balões, balões, balões, voam sem parar, chame a mamãe e o papai e vamos todos brincar, eu tenho verde, vermelho e laranja, mas prefiro as amarelas porque me lembram as bananas. — ele murmurava a música como uma prece, aquilo parecia o acalmar.

Quando finalmente parou de tremer, me encarou.

— Repita comigo, Alice. — ele tocou na ponta da faca, distraído. — Kim's Circus destinava dinheiro para lares adotivos.

Respirei fundo e dessa vez repeti. Ele sorriu em aprovação.

— Como eu dizia, estávamos todos nos preparando para nos apresentar. Lembro que estava no portão de entrada quando vi o carro negro estacionar em frente as lonas da entrada. Dois homens saíram do carro, um parecia velho, tinha cabelos loiros escuros e segurava uma bengala de ferro, o outro era um garoto loiro baixinho com bochechas e lábios fartos, lembro porque ele tinha uma feição triste quando olhou pra mim.

Eu não sabia em quê aquilo ia me ajudar, minha cabeça estava focada na faca que agora estava próxima aos pés do garoto. Se eu pegasse ela...

Um balão estourou, tremi com uma onda em forma de dor de cabeça que surgiu.

— PRESTE ATENÇÃO NA HISTÓRIA! — gritou voltando a segurar a faca e apontar para meu queixo. — Crianças levadas ganham punições dos pais nos nossos espetáculos. — murmurou me encarando intensamente. Senti meu corpo se retesar.

— Continuando, — ele sorriu. Senti náusea com aquele gesto, o humor do garoto variava a cada instante. — o homem mais velho – que momentos depois eu soube se tratar de Park Jihyon, um antigo empresário –, entrou na lona do meu pai. Eu sabia que tinha algo errado porque ninguém além de mim e minha mãe tinha permissão para entrar na grande lona. — ele encheu as bochechas e chacoalhou a cabeça. — Ninguém, ninguém, NINGUÉM!" — gritou socando alguns balões.

Será que alguém tinha notado minha falta? Será que papai estava me procurando? Será que mamãe tinha chamado a polícia? Será que minha irmã se sentia culpada por me fazer comprar balões?

Se ela tivesse todos os balões para a decoração, se ela tivesse a conta certa... a menos que... ele tirou os balões da caixa?

De repente senti meu braço arder. Não uma ardência normal, ela se intensificava cada vez mais, foi apenas aí que percebi que minha visão estava um pouco desfocada, eu só conseguia ver o borrão do Taehyung e... a faca.

Ele estava me esfaqueando...

Ele estava me esfaqueando, e eu gritava...

Ele acertou minha mão...

Eu estava morrendo? Porque tudo estava escuro, ele gritava algo pra mim...

Mas doía tanto...

Aos poucos a voz dele foi sumindo. Meu braço queimava, eu sentia o sangue quente escorrer livremente, mas eu não conseguia estancar aquilo porque eu não sentia meu outro braço...

Eu estava morrendo?

Eu odeio balões... eu odeio balões... eu odeio balões... eu odeio balões... eu odeio balões...

— Balões, balões, balões, voam sem parar, chame a mamãe e o papai e vamos todos brincar, eu tenho verde, vermelho e laranja, mas prefiro as amarelas porque me lembram as bananas...

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Cuidado com os balões!🎈