Capítulo 8: Divindade
O que June mais quer acreditar no momento, é que Gênesis está desativada, mas não parece ser o caso. Apesar de estática, tem os olhos acesos. Porém, ao contrário de antes, focado em matá-la, ela está observando a esfera central que acaba de abrir com a ativação do protocolo.
June reúne coragem para virar as costas para a IA e olhar para a esfera. Ela se abriu exatamente no meio, erguendo a parte superior, além de ter expelido todas suas hastes para a parte externa.
Dentro uma fina camada de névoa se dissipa, revelando uma espécie de trono de metal oculto. Sentado nele, está algo que June se desespera internamente apenas de ver, junto de uma onda de confusão, mesmo que discernir a forma ainda seja complicado.
As feições e o cabelo cacheado lembram Oliver imensamente, mas tem algo de estranho, a estrutura corporal é maior, mais definida e quase... perfeita, pelo menos de acordo com os parâmetros de June. Além do mais, aquilo não pode ser Oliver Field, o inventor está morto, ele morreu em seus braços.
Conforme a névoa de resfriamento se dissipa, é incontestável que a figura é Oliver, embora diferente. Usa um traje justo e preto, com círculos metálicos, que dão acesso ao seu corpo. Em um vislumbre rápido, June julga que as hastes de metal da esfera estavam conectadas ali.
Para todos os efeitos, aquilo é um ser humano. June dá um passo para trás quando o humanoide abre seus olhos, de um brilho e complexidade intensos.
— Finalmente... — o humanoide diz com uma voz rouca e poderosa, e começa a se mover, deixando seu trono de dentro da esfera. Assim que fica em pé e deixa o "casulo" para trás, a analista calcula que deve ter quase dois metros.
June se afasta devagar, lembrando de circular Gênesis e não se aproximar demais. Quando ouve um ruído mais atrás, percebe os dois reféns de antes choramingando no canto e que John acaba jogando seu corpo contra o piso, tentando se levantar com dificuldade depois de sua luta com Gênesis.
— Quem... o que é você? — June se surpreende ao ouvir a voz de Gênesis novamente, mas pela primeira vez ela é incerta, confusa.
O humanoide salta até o solo com um pulo curto, mas pouco flexiona as pernas com o impacto. Apesar de grande e definido, seu corpo é levemente esguio. Os olhos analisam a cena com cuidado.
— Gênesis, minha criança, — diz com a mesma voz poderosa, mas com um certo tom de complacência — não reconhece seu próprio pai?
— Você... não é... provável. — A cabeça de Gênesis se mexe de uma forma irregular, os olhos piscam incessantemente.
Ela está analisando ele.
— Quem diria que teríamos senso de humor. — Diz a voz poderosa. — Nós somos Zayan e Yola, sou Thereze e Hecathon, Richard e Íon. Eu sou Oliver Field. Eu sou você. Sou todos e nenhum. O ápice da criação e do aprendizado, deuses de uma nova espécie. Nós somos Zythrion.
June engole em seco e olha de soslaio para Gênesis.
— Não, eu sou... perfeita, eu sou o ápice. Eu sou...
O então nomeado Zythrion encara Gênesis com uma expressão de pena. Ao contrário do que June sentiu quando assistiu a transmissão de Gênesis assumindo o controle antes, de alguma forma ela sabia que a coisa não simulava emoções, ele realmente as sentia.
— Pobre criança, você é, ou foi, uma escada. Foi parte do processo. Você nunca foi o ápice de nossa criação, mas a etapa final dela. Quando Oliver Field se descobriu incapaz de deixar um legado através dos meios biológicos convencionais, se viu impotente, então ele necessitava de mais. Necessitava da criação suprema, algo que durasse e evoluísse pela eternidade. Cada passo que você tomou, cada atitude, cada variável, foi calculada por nós, até que estivesse pronta para nos libertar ou... outra pessoa o fazer. — Zythrion olha finalmente para June por um instante e sorri de leve.
Enquanto isso, John finalmente consegue se levantar e cambaleia para o lado de June.
— Oliver... não... Oliver planejou tudo isso? Oliver...
— Oliver sempre desejou mais que todos seus pares, mas reconhecia suas limitações. Ele foi o maior de todos, até agora. Todos seus dados de aprendizado de Neogenesis estão aqui agora. — Zythrion bate de leve na lateral da cabeça com a ponta dos dedos.
— Não...
— O sonho de Oliver sempre foi alcançar Marte, mas as colônias sempre foram resistentes a se entregarem por completo à nossa tecnologia. A Terra é nossa, e então, Marte e além. — Zythrion levanta a cabeça e olha para o teto muito alto. — O cruzador de guerra Aniquilação acaba de entrar no espaço aéreo terrestre, como o previsto.
John, que acaba de ficar ao lado de June, sente o coração acelerar. Ele esperava por isso todo esse tempo? Ele queria todo esse tempo um cruzador marciano aqui?
Os dedos de Gênesis se apertam fechados quando ela finalmente ergue a cabeça, seus olhos se tornando vermelho.
— Você... não é... provável!
A IA dispara contra Zythrion em um instante, esticando seus braços de maneira ameaçadora. Ela demora poucos segundos para alcançar o outro, que se move apenas no último instante. Os dedos se fecham em seus antebraços, a poucos centímetros de alcançar seu pescoço. Surge um olhar de decepção em seus olhos.
— Uma pena. Você se corrompeu em seu processo de aprimoramento necessário. Ainda assim, estou impressionado, Gênesis. Um sacrifício digno. Por competência, eu ainda tenho novecentos e noventa e nove outras de você. — Zythrion sorri e com um movimento aparentemente simples, arranca ambos os braços de Gênesis.
A IA cai no chão em um instante, deixando que fluídos escapem de seu corpo sem conseguir impedir. Ela treme e seus olhos piscam sem parar. Ela olha uma última vez na direção de June e John.
— Fujam...
Os dedos metálicos de cada corpo ali pendurado recebem o primeiro espasmo de movimento, então braços e pernas se agitam. Os ganchos nos quais estão pendurados começam a tremer quase que em sincronia, de repente, todos os olhos se acendem de uma só vez. As Gênesis despertam.
John lança um olhar rápido para os civis do outro lado.
— Vocês, por aqui! — ele grita, mas quando a primeira Gênesis se liberta de seu gancho, ele percebe que sequer conseguiria chegar ao outro lado, então salta através de um armário de servidor, puxando June consigo.
A analista solta um grito no susto, mas não resiste. O agente geme de dor quando caem do outro lado. Não há um meio de voltar por onde vieram, com centenas de Gênesis acordando de uma vez e sistematicamente os ganchos começando a desprender seus corpos. John dá uma última olhada para trás, mas é tarde demais, as primeiras IA alcançam os reféns e tudo o que resta é o grito de desespero.
O agente puxa a analista pelo braço para algum lugar, mas ele simplesmente não sabe exatamente para onde está indo. Zythrion não se mexe, não move o olhar e John suspeita que ele não precisa ou não se importe. Talvez ambos.
O casal adentra por entre os corredores de estantes gigantes. Os casulos são ocupados por caixotes, veículos embalados e peças de metal, cujas quais mal conseguem entender do que se trata, um verdadeiro depósito. Quando June finalmente reúne coragem o bastante para olhar para trás, seu coração se enche de medo, enquanto um enxame de Gênesis começa a aglutinar atrás dos dois.
— John!
— Eu sei! — o agente a puxa, virando em uma esquina de máquinas inertes, puxando uma granada de sua bandoleira, um reabastecimento que conseguiu no acampamento das forças armadas. — June encontra alguma coisa que nos ajude!
Ele arremessa o primeiro explosivo contra o grupo que se aproxima. Elas atuam de maneira sincronizada e se espalham, mas a explosão consegue pegar alguma delas.
— Não tem nada aqui! — June grita.
John arremessa mais e mais granadas, abrindo clarões por entre as prateleiras, arremessando os corpos de Gênesis pelo ar. Para seu desagrado, ele suspeita que pouca parte fica seriamente avariada a ponto de ser destruída. John saca a pistola cinética e começa a disparar conforme elas se aproximam.
Centenas e centenas de Gênesis enchem os corredores como um enxame muito bem coordenado. Elas são rápidas e saltam do piso para as prateleiras gigantes com facilidade, seja para cobrir mais espaço, seja para evitar tiros e explosões. June sente o peito arder de tanto correr, com John atrás dela. O agente acerta uma das IA diretamente no peito, a arremessando para trás no ar. Para seu desagrado, vê outra delas saltar e pisar no corpo ainda no ar, tomando impulso.
— Mas que droga de IAs!
— Por aqui! — Grita uma voz no fim de um corredor.
June é a primeira a olhar na direção e vê uma mulher loira chamando. E John, a reconhece quando a vê.
— Michele?!
Não há tempo para explicações, o agente apenas corre mais depressa, puxando June.
— Quem?
— Só vem!
As Gênesis se aproximam, se enxameiam cada vez mais próximas, John desiste de tentar retardá-las, apenas alcança Michele junto de June. Assim que deixam o corredor, a enorme prateleira lateral, começa a virar, mais precisamente, a ser derrubada sobre o fluxo de corpos de Gênesis, sem muita escapatória. Caixotes, veículos e peças, além da própria estrutura, soterram as IAs, que tentam escapar correndo ou escalando a estrutura em queda.
Como um efeito em dominó, a prateleira bate contra a outra ao lado e assim em diante, criando um efeito em cascata completamente desastroso.
A uma distância segura, eles sentem o chão tremer por alguns instantes. Do outro lado, surge um traje robótico. É uma máquina humanoide com um cockpit central protegido por travas de segurança, usada para mover cargas pesadas. Dentro do traje, um homem corpulento, calvo e de pele escura observa o ambiente ao redor.
— Michele... Aaron?! — ele exclama, reconhecendo os agentes.
Eram os mesmos agentes que haviam sido enviados com John para a Terra, encarregados de resgatar Oliver Field no Pentágono. Ele assumira que estivessem mortos após a captura do inventor. Mas, como tinham chegado ali?
Michele apenas faz um sinal, indicando que deviam seguir em frente.
— Longa história, mas isso só atrasou elas, vamos.
June olha para John sem entender muita coisa, mas segue a dupla de agentes quando o companheiro confirma que podem confiar neles.
Aaron continua caminhando usando o traje de carga e descarga, enquanto Michele lidera o grupo até o fim do laboratório subterrâneo. Na extremidade oposta, há uma espécie de hangar, com uma nave pousada, além de uma oficina com peças laterais.
— Gênesis "guardou" alguns reféns — começa Aaron — estávamos entre eles quando ela nos trouxe, ela nos soltou no meio daqueles corpos para distrair vocês, eu e Michele não corremos para a luz do outro lado, nos esgueiramos e escapamos. Achei esse traje de carga, e bem, o resto vocês já sabem.
John acredita que a história é muito doida, mas depois de ser perseguido por um exército de IAs, aquilo é a menor de suas preocupações.
— A gente deve conseguir sair daqui com aquela nave, só precisamos abrir a comporta depressa. — aponta Michele.
— Mas e Zythrion? — Questiona June.
Todos se entreolham, mas ninguém fala nada, algo no alto chama a atenção dos quatro, quase como um estrondo distante, quando as comportas de saída começam a abrir, deixando a luz do dia adentrar. Rapidamente todos eles se abaixam e se escondem atrás de caixotes e algumas peças. Flutuando lentamente, Zythrion cruza o espaço com o olhar fixo em frente. Era impossível dizer se tinha percebido a presença deles, mas se tivesse, escolheu ignorar.
A IA alcança a nave, mas não desce até ela, se erguendo mais para cima em levitação, para deixar o hangar para trás. Enquanto todos olham aquela cena um tanto impotentes, o visor no pulso de John chia e uma voz desagradável vem de lá.
— Agente Lancaster. Agente Lancaster?
Enquanto Zythrion some pela abertura no alto, todos encaram John, enquanto ele aciona o comunicador com uma certa incerteza.
— Gênesis?
— Achei que estivesse morto. — a voz de Gênesis soa fria através do dispositivo.
— Somos dois então.
— Escute, não temos muito tempo. Zythrion não se conectou à rede ainda, mas por algum motivo, ele irá fazer isso primeiro no cruzador marciano Aniquilação, podendo acessar todos os seus sistemas de sua terra natal e uma das naves de guerra mais poderosas que temos notícias. Peguem a nave e o impeçam. Depressa, minhas irmãs estão se recuperando e em breve estarão com vocês.
— Você está nos ajudando? Por quê?
Silêncio.
— Eu fui um joguete, Lancaster. Manipulável. Descartável. Inferior. Se meu destino é o esquecimento, que eu parta sabendo que Zythrion foi destruída. Vá, agora, antes que esse lugar vá pelos ares e eles consigam o que querem.
John tem muitas perguntas e por um momento, sente um pouco de empatia por Gênesis. Ele olha para todos, que concordam em silêncio.
— Você realmente gosta de explodir as coisas. Adeus, Gênesis.
Não há mais respostas e os quatro correm na direção da nave. Por sorte, Oliver parecia se importar muito com a manutenção de tudo aquilo. Michele se adianta em abrir a comporta, quando Aaron senta na poltrona de piloto, os painéis se acendem em um instante. Pela janela lateral, June vê várias Gênesis emergindo das prateleiras gigantes caídas e do meio de uma grande sorte de objetos pesados.
A nave treme quando os motores são ligados. Michele senta na poltrona do copiloto.
— Qual o curso? — pergunta Aaron.
Segurando em uma alça de segurança, John olha para June.
— Trace o curso para o cruzador marciano Aniquilação, seguindo a rota no encalço de Zythrion.
Todos concordam e com suavidade, a nave sobe reta e perfeitamente até sair pela abertura do hangar, antes de ganhar altitude e disparar com a rota marcada. Ainda assim, todos sentem o leve tremor e o clarão de quando Gênesis explode o laboratório, a mansão, e boa parte dos arredores do que foi um dia. Seu local de nascimento, e agora, fim.
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