• QUATRO •
Phoenix, Maryland.
20 de Maio de 2020; 07:45 da manhã.
As duas irmãs se arrumavam para sair. As roupas haviam secado durante o dia anterior e Angela já as guardava com cuidado dentro das mochilas, checando mais uma vez se tudo estava em ordem. Angela olhou para o lado, vendo a comida que Rowen havia cedido a elas. A mulher tentou negar, mas o homem insistiu que elas levassem os poucos suprimentos que ele podia ceder. Com um suspiro de alívio por saber que teria mais alguns dias de comida sem que precisassem procurar desesperadamente por mais, Angela guardou a comida em sua mochila, livrando a irmã do peso extra que a elas dariam.
Angela olhou para Esme por um momento, vendo a garota conversar com Rowen com um pequeno sorriso em seu rosto. Esme finalmente teve uma boa noite de sono, suas olheiras haviam diminuído graças a isso e seu humor estava melhor. A atenção da mais velha, no entanto, mudou para as escadas do bunker quando ela percebeu o alçapão abrindo, sua mão indo direto até a arma no cós de sua calça, até que percebeu uma mulher a encarando com as sobrancelhas erguidas ao perceber o que Angela estava pronta para fazer.
— Eu não atiraria se fosse você. Vai atrair os Executores. — a mulher falou numa voz macia e agradável que deixou Angela ainda mais confusa com a simpatia que ela parecia lhe passar.
— Karen... Obrigada por vir...
A mulher sorriu, assentindo e olhando para as irmãs por um momento antes de voltar o olhar para Rowen.
— Já estou a caminho de Washington de qualquer jeito... Companhia é sempre bom.
— Você é quem vai nos acompanhar até Washington?
Karen se virou para Angela para encarar a mulher, vendo que Angela duvidava dela. Karen era mais magra que Angela, e alguns centímetros mais baixa também, não parecia ter força alguma para se manter naquela viagem que faziam. Mas, ao mesmo tempo, carregava uma mochila que parecia ser pesada nas costas. Suas roupas eram claramente pensadas para uma viagem longa e cansativa: as calças legging a permitiriam correr mais rápido do que Angela nos jeans que vestia, as botas pareciam ser feitas para aguentar qualquer terreno em que ela passasse mesmo estando visivelmente gastas, suas mãos estavam protegidas por luvas pretas que ainda deixava parte de seus dedos para fora mas protegeria a palma e as costas das mãos além de parte de seu pulso, e a camisa branca era folgada em seu corpo magro, o que, de certa forma, ajudava contra o calor. Até mesmo seu cabelo loiro, curto como o de Angela, era bom para as condições que eles viviam agora, onde nada em seu corpo poderia lhe atrapalhar ou lhe atrasar.
— Karen Meyers. — a mulher estendeu a mão para Angela que logo a segurou.
— Angela Carlson.
— Estou indo encontrar meu grupo em Washington. O Rowen aqui disse que vocês pretendem ir para lá em busca de segurança? — Angela apenas assentiu, fazendo Karen sorrir. — Ótimo. Posso guiar vocês e ir para Washington ao mesmo tempo. Não é bom viajar sozinho no Estreito de Caça. Você fica louco muito fácil, a paranóia é a pior parte.
— É bom ter alguém novo pra conversar de vez em quando... — Esme falou, olhando para Karen com um sorriso no rosto, fazendo a mulher sorrir de volta.
— Acho que devemos ir logo. Os Executores vão passar por aqui em poucas horas... — Karen suspirou e deu um último sorriso para Rowen. — Tem certeza de que não vem?
— Não posso. Tenho que ficar aqui e tentar ajudar quem passar por esse caminho. Infelizmente você e seu grupo tem que ficar com o trabalho duro...
Karen assentiu, fazendo Angela franzir o cenho. Ela não sabia o que Rowen queria dizer com "trabalho duro", mas, o que quer que fosse, havia feito Karen endurecer sua expressão por alguns momentos. Antes que pudesse perguntar algo, Karen já subia as escadas, chamando pelas irmãs. Esme deu um último "tchau" para Rowen antes de seguir Karen, mas Angela permaneceu ali, olhando para o homem e vendo-o olhar de volta.
— Posso mesmo confiar nela? — a mulher perguntou, fazendo Rowen assentir.
— Karen é esperta e sabe como sobreviver nesses tempos. Chegou ao nosso grupo sozinha, havia fugido de todos os Executores antes de aparecer. Ela é de confiança, eu prometo.
Angela assentiu, suspirando e começando a subir as escadas antes de se virar e lançar um sorriso a Rowen que o fez sorrir de novo.
— Obrigada por tudo...
— Não há de quê. Agora vão. Os Executores vão estar chegando nessa área a qualquer momento.
Angela assentiu novamente e subiu as escadas, saindo para o mundo desolado que ela conhecia novamente. Karen fechou o alçapão, que se misturava com o chão da pequena área arbórea do lugar e olhou para as irmãs antes de começar a andar, fazendo Angela hesitar por um momento.
— Não vai olhar um mapa?
— Eu sou o mapa, Carlson. Vamos, não temos muito tempo para ficarmos conversando...
Angela hesitou novamente, mas acabou a seguindo assim mesmo.
Limites entre Phoenix e Cockeysville, Maryland.
20 de Maio de 2020; 11:28 da manhã.
As três mulheres andavam calmamente pela estrada que levava à cidade vizinha de Phoenix, Karen na frente com Angela e Esme lado a lado atrás dela. Angela acompanhava Karen ainda temerosa de que estivessem indo para o lado errado, mas tentava não pensar nisso. Ela havia olhado o mapa mais cedo, não dizendo nada para Karen, e vendo que elas estavam, de fato, no caminho certo. Era apenas sua paranóia atacando novamente.
Tudo parecia quieto e vazio, o silêncio sendo apenas quebrado pelo vento que balançava o mato alto que crescia dos lados da estrada de asfalto. Foi então que Karen parou de caminhar, parecendo ficar alerta e alertando Angela e Esme ao mesmo tempo.
— O que houve? — Angela sussurrou, olhando para ao mato alto que Karen parecia encarar atentamente.
— Corram...
— O que-
— Corram!
Angela não teve tempo de dizer mais nada antes que ela começasse a correr o mais rápido que podia. A mais velha segurou o braço de Esme, começando a correr atrás da mulher, seu coração batendo a mil enquanto corriam para longe do que quer que tenha alertado Karen.
As três correram pela estrada, entrando na cidade e vendo um prédio próximo. Angela tomou a frente, vendo que Karen não ia entrar no prédio, correndo mais rápido para alcançar a mulher e a puxando na direção do que iria ser o esconderijo delas. As três entraram, cada uma se escondendo em um canto e escutando atentamente por algum barulho. Angela tomou um segundo para olhar para Karen, assustada, silenciosamente perguntando o que ela havia visto, e Karen apenas sorriu e sentou-se no chão, subitamente relaxada, fazendo Angela franzir o cenho.
— É, vocês até que são boas. Podem sobreviver.
Angela piscou algumas vezes, sem entender por quê a mulher havia ficado tão tranquila após toda aquela correria. Karen apenas deu de ombros.
— Não tinha nada lá, eu só queria ver como vocês reagiriam caso alguém estivesse vindo. — Angela congelou, a raiva ficando aparente em seus olhos uma vez que Karen levantou os braços e suavizou a expressão. — Tenho que saber com quem estou viajando, Carlson. Além do mais, estamos seguras aqui.
— Você é maluca?
— Um pouquinho.
Angela grunhiu e se levantou, saindo do prédio enquanto batia os pés, Esme a acompanhando, levemente irritada também. Karen as seguiu, suspirando.
— Olhe, eu sinto muito. Não quis assustar vocês mas-
— Nada de "mas". — Angela se virou para a loira, fazendo com que Karen levantasse as sobrancelhas e a olhasse com certo medo assim que viu o olhar da morena sobre ela. — Faça algo como isso mais uma vez e eu juro que te deixo pra trás sem remorso algum. Nós temos corrido por nossas vidas por tempo o suficiente para você nos fazer de idiotas assim.
— Você não é a única nessa situação, Angela... — A voz de Karen se tornou séria. Angela ainda não havia ouvido esse tom nela. — Já disse que sinto muito.
Angela pensou em responder mas se conteve, apenas lançando mais um olhar irritado para a mulher e voltando a caminhar para longe. Esme, por sua vez, olhava tudo com atenção e certa hesitação.
— Vamos achar um lugar para almoçar. Depois continuaremos a caminhada. — Angela falou, já andando a caminho das casas mais próximas, fazendo com que as duas outras a seguissem.
Cockeysville, Maryland.
20 de Maio de 2020; 07:40 da noite.
Enquanto Karen e Esme vigiavam o local, Angela estava arrumando as coisas para que elas dormissem dentro de uma das muitas casa abandonadas da cidade. Karen havia discutido, dizendo que deveriam continuar andando, mas — após alguns bons argumentos de Angela — acabou cedendo à ideia de passar a noite ali e voltar a andar pela manhã, quando o sol nascesse.
Se você não conhecesse Angela, não veria nada de mais no jeito em que ela arrumava as camas do quarto em que ela e Esme iriam dormir, mas, ao passar pelo quarto, Esme notou de primeira que a irmã estava estressada pelo jeito que arrumava as coisas com certa agitação. Ela conhecia a irmã bem, e sabia que Angela sempre fazia suas arrumações calmamente, a não ser quando estava com raiva ou apreensiva com algo.
Esme suspirou, entrando de vez no quarto e ganhando a atenção da mais velha.
— Está tudo seguro. Não há ninguém por perto. — Esme falou prontamente e Angela assentiu, sorrindo fracamente para a irmã antes de voltar seus olhos para o lençol cor de rosa que haviam achado no guarda roupas da casa. — Vai me dizer porquê está com raiva?
Angela levantou os olhos novamente, levemente surpresa com a percepção da irmã, que apenas soltou uma pequena risada.
— Sim, eu consigo perceber quando seu humor muda.
Angela suspirou, assentindo. As vezes, por se sentir responsável pela segurança de Esme, Angela esquecia que a garota tomava conta dela também de certa forma. Era fácil esquecer que Esme a observava todo dia e provavelmente conhecia sua linguagem corporal melhor que ela mesma.
— Não é nada importante, Esme. Não precisa se preocupar.
— Angie, por favor... — a mais nova deu um passo a frente, conseguindo toda a atenção da irmã que não havia conseguido antes. — Precisa de muito pra você ter raiva ao ponto de você começar a ficar agressiva na sua arrumação. É por causa do que aconteceu mais cedo com a Karen?
Angela suspirou, desistindo de terminar de arrumar a cama e cruzando os braços, olhando para o colchão com uma expressão séria.
— Ela não deveria ter nos dado aquele susto. É irresponsável e poderíamos ter acabado fazendo algum barulho que realmente nos colocasse em risco.
— Eu não acho que é por isso. — Esme cruzou os braços como a irmã, levantando uma de suas sobrancelhas e sorrindo esperta para Angela, que apenas franziu o cenho. — Eu acho que é porque você não aguenta saber que tem alguém que saiba mais do que você
Angela fez uma expressão ofendida, fazendo com que Esme gargalhasse e sacudisse a cabeça. No fundo, irritar Angela ainda era seu passatempo favorito.
— Eu não ligo pra isso.
— Liga sim. Você passou a manhã inteira olhando para o mapa e tentando achar alguma coisa que a Karen estivesse fazendo de errado pra chamar a atenção dela e poder tomar o controle de novo. — Esme balançou a cabeça quando Angela a lançou um olhar levemente irritado. — Você não aguenta saber que ela não errou uma vez sequer o caminho que tomamos para essa cidade. Tem certeza que é a irmã mais velha?
— Eu vou olhar o perímetro. Você arruma o quarto. — Angela disse num tom seco, começando a sair do quarto e fazendo Esme a olhar surpresa.
— Angie, eu não-
— Tente dormir, tome os remédios. Boa noite, Esme.
Angela não deixou que Esme respondesse novamente, saindo do quarto apressada, sem notar que Karen estava perto dali, ouvindo tudo. A mulher desceu as escadas do primeiro andar da casa, indo até a parte de fora e respirando fundo enquanto começava a caminhar. Talvez o que mais a irritasse naquele momento era que Esme estava certa. Ela não suportava não estar cem por cento no controle.
Não era uma questão de querer estar no controle apenas por querer, era uma questão de querer estar no controle por precisar. O fato de que estava confiando sua vida e a de Esme à uma garota que horas atrás as fizera entrar em pânico para testar as garotas não a deixava nem um pouco menos apreensiva. Ela havia desenvolvido aquele hábito durante os oito meses em que estivera fugindo da morte. Antes disso, Angela era feliz em abrir mão do controle e deixar que os outros tomassem conta de tudo. Era assim que ela era com as pessoas, inclusive com Meghan.
Angela então parou, estremecendo com a lembrança da ex-noiva, sentindo sua aliança apertar em seu dedo um pouco mais. Era uma sensação de agonia por não saber o que havia acontecido com Meghan depois de toda aquela bagunça. Se a mulher estivesse ali, talvez tudo fosse mais fácil. Talvez Angela não precisasse estar no controle toda hora.
Seus pensamentos foram cortados quando uma mão pousou em seu ombro, a assustando e fazendo-a recuar de quem quer que fosse. Karen levantou as mãos levemente ao ver a reação da mulher, tentando mostrar que não a machucaria.
— Desculpe, não quis assustar... — Angela levantou as sobrancelhas, os eventos de mais cedo voltando à memória das duas. —...Dessa vez...
— O que houve? Você já devia estar dentro da casa.
— Você também, e no entanto, aqui estamos. — Karen falou, dando um sorriso esperto enquanto a mulher apenas a encarava, a fazendo suspirar. — Eu quero pedir desculpas. Eu ouvi o que você estava falando com Esme, e não era minha intenção lhe irritar. Você provavelmente deve estar acostumada a estar no controle a esse ponto, não gosta de alguém chegando e tomando ele desse jeito. Principalmente alguém que você nunca viu na vida...
Angela a olhou curiosa, se perguntando como a mulher sabia aquilo, e vendo Karen rir, balançando a cabeça.
— Eu sei como você se sente porque é o mesmo comigo. Venho me cuidando sozinha por muito tempo, não há ninguém que eu confie mais do que eu mesma. — Karen deu de ombros, continuando a manter o olhar em Angela. — Talvez possamos chegar a um trato e dividir o controle. Acho que faria bem a nós duas...
Angela a olhou por um momento, analisando o rosto da mulher a sua frente. Karen parecia estar sendo sincera, e Angela apreciava aquilo. Talvez fosse a chance dela de não estar alerta a cada segundo e poder dividir o fardo com alguém sem ter que abrir mão dele completamente. Ela estava mais do que agradecida por Karen estar sugerindo aquilo, fazendo com que ela sorrisse para a mulher a sua frente, vendo Karen a olhar surpresa por um momento.
— Podemos conversar sobre isso amanhã pela manhã. Acho que nós duas precisamos dormir.
— Seria uma boa ideia. Aquela corrida me deixou cansada. — Karen se espreguiçou exageradamente, brincando com a situação que aconteceu mais cedo e fazendo Angela rolar os olhos antes de começar a se afastar da mulher. — Não acha, Carlson?
— Boa noite, Meyers.
— Mas foi uma boa corrida! Você é realmente muito rápida!
— Boa noite, Meyers!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro