• CINCO •
Cockeysville, Maryland.
21 de Maio de 2020; 06:21 da manhã.
Quando Angela acordou, seus olhos demoraram para se acostumar com a luz. Era um dos poucos dias em que ela desejava dormir um pouco mais. Descansar o corpo para mais um período de caminhada e a brincadeira de esconde-esconde mortal que ela brincava todos os dias enquanto andava pelo Estreito de Caça.
Infelizmente, como todos os outros dias em que havia acordado assim, ela não tinha tempo para dormir mais um pouco, então logo estava de pé e pronta para começar o dia.
Ela olhou para a cama ao seu lado, vendo Esme dormindo calmamente e sentiu alívio mais uma vez pela garota estar finalmente conseguindo ter algumas noites de sono. Precisaria estocar mais dos remédios que ela tomava agora, até que chegassem em Washington. Ela esperava que lá iriam encontrar os medicamentos sem problemas.
Angela se levantou da cama preguiçosamente, saindo do quarto sem fazer barulhos que pudessem acordar Esme e indo diretamente para a cozinha, fazer o café da manhã. Mas, para sua surpresa, o café já estava pronto e em cima da mesa, apenas esperando para que ela o comesse. Junto à mesa, Karen tomava uma xícara de café quente enquanto lia um livro qualquer, completamente alheia à presença de Angela. A mulher já estava vestida para a caminhada que fariam novamente, completamente concentrada nas palavras que lia, e tomou um leve susto ao perceber Angela se aproximando.
— Ei, bom dia... Fiz um café da manhã para nós, espero que não se importe...
Angela apenas assentiu, caminhando para perto e sentindo sua barriga roncar ao ver a comida.
— Onde está Esme? — Karen olhou para trás de Angela, como se procurasse a mais nova.
— Dormindo.
— Ainda?
— Ela precisa de um pouco mais de sono que nós... — Angela olhou para Karen com um certo aviso no olhar de que prestasse atenção no que ela dizia, conseguindo a atenção da loira. — Esme apenas dorme sob o efeito de medicamentos. Fazem meses que ela não tem uma boa noite de sono, e acho que você deve saber o quanto isso prejudica a viagem.
Karen assentiu, entendendo a situação e sentando mais relaxada na cadeira, apontando para a comida antes de olhar novamente para Angela.
— Nesse caso, vamos comer calmamente. Temos até as dez da manhã para sairmos daqui sem nos importar com os Executores.
Angela deu de ombros, não vendo problema em ter um café da manhã tranquilo daquela vez, e se sentou perto de Karen, pegando uma torrada e colocando um copo de café para si mesma. Então ela olhou para Karen, que ainda lia o livro distraída.
— Por que chama eles de Executores? — Angela perguntou, fazendo com que Karen voltasse sua atenção para ela novamente.
— É o nome que eles mesmos se deram. Algumas pessoas que conseguem escapar deles sabem disso e acabou se espalhando pelos grupos de resistência que existem.
— Grupos de resistência?
— Sim. Ao todo são trinta grupos espalhados pelo país, todos com bases subterrâneas na área do Estreito de Caça. Algumas bases apenas tem uma pessoa, como a de Rowen. Ele é quem cuida de boa parte da comunicação entre os grupos e de um local seguro para ficar quando estamos viajando, assim como os outros nove que vivem sozinhos como ele.
Angela tomou um tempo para ouvir a explicação de Karen, sentindo sua curiosidade aumentar ainda mais com cada palavra que a loira dizia.
— Se existem esse grupos de sobreviventes, por quê está indo pra Washington? Rowen disse que preferia ficar no Estreito a ir para a Zona Segura...
— Somos um grupo de resistência, Carlson. Vamos resistir. — Karen levantou as sobrancelhas, vendo Angela franzir o cenho levemente. — Existe um plano para derrubar quem fez isso com nosso mundo. Meu grupo está em Washington agora mesmo, começando as preparações para darmos começo ao plano. Eu não pude ir, infelizmente. Estava ocupada servindo de ponte entre um grupo e outro então estou tendo que fazer a viagem agora.
— Não é perigoso? Digo, olhe o que eles fizeram com cidades inteiras... E a carta que Rowen tem de um ex-funcionário da Área 51 também mostra que eles podem controlar os humanos facilmente...
— Não podemos apenas ficar sentados e assistir eles nos matarem, não é mesmo? — Karen falou e Angela pôde notar a leve melancolia por trás de suas palavras. — Perigoso ou não, eu ao menos quero morrer lutando.
Angela apenas assentiu, tomando um gole de seu café e olhando para a madeira da mesa enquanto processava tudo o que Karen havia dito.
— Desculpe se foi informação de mais... Achei que gostaria de saber. — a loira olhou para Angela como se analisasse sua postura, tentando saber o que ela sentia naquele momento.
Mas Angela apenas sentia o mesmo de sempre: confusão e medo. Antes de saber que tudo o que havia acontecido era pelos planos de alienígenas, Angela já tinha medo. Vivia se perguntando por quê fariam isso com o mundo e com as pessoas que foram mortas meses atrás. Agora, ela apenas se perguntava por quê alguns humanos se submeteram a isso, e — o pior de tudo — se Meghan estava envolvida de alguma maneira em tudo que aconteceu.
Sua ex-noiva era general de brigada, um dos postos mais altos do exército, logo após de Melany K. Webber — que Angela havia conhecido apenas uma vez — que assumia o posto de general do exército. A mulher não conseguia deixar de se perguntar se Meghan sabia sobre isso antes daquele dia em setembro quando a avisou para sair dos limites da Zona de Eliminação em Harrisburg.
Sem perceber, Angela havia começado a girar o anel em seu dedo novamente, e Karen percebeu, olhando por um momento para o anel dourado antes de olhar para o rosto de Angela novamente.
— Quem era o sortudo?
Angela franziu o cenho, percebendo que estava girando o anel novamente e logo parou, suspirando e olhando para Karen com as sobrancelhas levantadas.
— Minha ex-noiva foi quem me avisou para sair de Harrisburg onde morávamos e me deu o mapa que eu uso até hoje. Não a vi ou ouvi falar dela depois da destruição que aconteceu. Até onde eu saiba, deve estar morta...
Karen assentiu, sorrindo gentilmente para Angela e tirando de dentro da camisa um colar que ela usava, escondido pelo tecido branco da camisa. O pingente era metade de um coração que provavelmente se completava com outro colar.
— Comprei isso no dia da catástrofe. Ainda tenho a outra parte. Leah e eu estavamos juntas a um tempo, conheci ela quando saí de um relacionamento abusivo com um cara idiota que não sei o que vi nele... Leah foi meu porto seguro. Achei que ia passar o resto dos meus dias com ela, mas não foi bem assim... — a voz de Karen se tornou mais baixa e a expressão de Angela se tornou tristonha. — Ela e eu eramos para ir para o mesmo grupo de sobreviventes. Estávamos fora dos limites da explosão e íamos sobreviver, mas ela viu uma criança presa num carro bem na área que iria ser destruída. Ela sempre foi uma boa pessoa, e morreu por tentar ser uma boa pessoa...
— Eu... Eu sinto muito, Karen...
Karen sorriu tristemente, guardando o colar novamente e suspirando.
— Tudo bem... — ela falou, sua voz tremendo levemente. — Ao menos foi uma morte rápida.
Angela observou enquanto Karen voltava seus olhos para o livro que lia, mas ela podia ver que a mulher não se concentrava nas palavras que estavam no papel. Era um aviso silencioso de que o assunto acabava ali, e Angela respeitou aquilo, voltando a comer seu café da manhã.
Cockeysville, Maryland.
21 de maio de 2020; 03:47 da tarde.
As três mulheres andavam em silêncio, avisadas por Karen que ali era uma área infestada de Executores. Nem Angela nem Esme queriam arriscar a sorte de descobrir se aquela era mais uma mentira de Karen ou não.
Angela sentiu Esme a cutucar no braço, chamando sua atenção enquanto ela sinalizava que queria água e a sua havia acabado. Angela assentiu, pegando sua garrafa d'água e percebendo que havia no máximo dois goles nela, entregando-a para Esme e andando um pouco mais apressadamente para alcançar Karen, tocando em seu ombro para chamar a atenção da garota.
— Precisamos de água... — Angela sussurrou, vendo Karen assentir e parar sua caminhada, apontando para um posto de gasolina próximo dali.
Angela caminhou com ela para o local, sendo seguidas por Esme, e perceberam todos os vidros da loja de conveniência quebrados. Ao entrarem na lojinha, puderam notar o sangue seco que manchavam o chão amarelado de azulejos. Angela engoliu em seco, indo atrás da água e suspirando aliviada ao ver que havia o suficiente para encher as garrafas e um pouco mais para estocar nas mochilas.
Ela começou a pegar as águas e encher a própria garrafa, sendo seguida rapidamente por Esme e Karen, que logo também colocavam algumas garrafinhas dentro de suas bolsas. Elas estavam prontas para continuar a caminhada quando o barulho de motor se fez ouvir no silêncio que preenchia a cidade. As três entraram em alerta, se abaixando atrás das prateleiras e espiando com cuidado enquanto viam o caminhão dos Executores se aproximando e parando no posto em que elas estavam.
O coração de Angela bateu mais rápido e logo procurou um meio de sair daquela viva e proteger Esme ao mesmo tempo. Ao olhar rapidamente, a porta do que deveria ser a sala de quem comandava aquele lugar estava entreaberta. Angela sinalizou para as outras duas aquele detalhe e logo elas se moviam rapidamente para se trancar lá dentro.
Elas ainda podiam ouvir as vozes do lado de fora quando fecharam a porta silenciosamente, a trancando e se encostando no canto do cômodo. Esme rapidamente se abraçou à Angela, que a segurou perto dela da mesma maneira, enquanto Karen estava de pé ao lado das duas, encostada na parede como Angela.
— ...vivos? Eu duvido! — uma voz masculina falou, abafada pelo fato da porta estar fechada. — Eu não acho que ainda exista alguém vivo por essas bandas, Payton. Estamos gastando gasolina por nada.
— Não é como se pudéssemos parar, Otto. — dessa vez, a voz era feminina e parecia cansada. — Isso nos mantém vivos, longe do controle daquelas... coisas... e paga por nossas casas em Washington.
Karen e Angela se encararam, franzindo o cenho ao ouvir a menção de Washington.
— Talvez você tenha razão... Ei, você acha que esses doces ainda estão na validade?
Angela tentou ouvir por alguma informação importante, notando que a conversa agora não se passava de uma discussão idiota, e logo voltou a sua esperança de que eles não abririam a porta que elas haviam trancado. Elas puderam ver sombras passando pela janela de vidro opaco que ficava na porta, mas — para a sorte delas — uma voz irritada gritou para que os dois voltassem para o caminhão logo e assim o fizeram. O barulho do motor voltou antes que o silêncio fosse restaurado.
Só então Angela percebeu que não havia respirado direito todo aquele tempo, respirando pesadamente e finalmente soltando Esme de seu abraço. Ela estava prestes a comemorar ter sobrevivido mais uma vez, quando notou Karen esmurrando a parede com raiva, fazendo-a franzir o cenho.
— Karen, o que-
— Não percebeu? — a mulher falou com o que parecia ser raiva e ressentimento em seus olhos e sua voz. — Eram humanos! Os Executores são humanos. Eu tinha esperança que... Eu não sei, que humanos não fariam isso com os outros...
Angela engoliu em seco, assentindo e se aproximando da mulher, colocando a mão em seu ombro levemente, fazendo com que Karen a olhasse. Angela normalmente diria que as coisas já eram assim antes daquela bagunça, e que aquilo era apenas o normal, porém ela podia ver que não era aquilo que Karen queria ou precisava ouvir.
— É deprimente, eu sei... Mas temos que continuar andando. Ainda temos um pouco de humanidade em nós. Não sei se posso dizer o mesmo sobre eles.
Karen a olhou por alguns segundos antes de assentir, pegando sua mochila e dando um leve sorriso para Angela antes de destrancar a porta.
— Vamos lá... Temos que levar vocês à segurança e derrubar um governo.
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