Something
Ele ainda podia sentir os lábios formigando horas depois do beijo que havia dado em Anja. Era para ter sido um selinho simples, apenas para que aquele cara todo de branco parasse de fazer sinais obscenos sobre o formato do corpo dela ou sobre a sexualidade dele. Mas então ela correspondera e ele não teve alternativa a não ser prolongar ao máximo aquele beijo. Passou os dedos pelos lábios delicadamente, perdido naquela memória quando o grupo russo finalmente chegou ao aeroporto.
Sorriu sem jeito quando os cumprimentou. Aproveitou que Anja parecia tão constrangida quanto ele para observá-la de longe. Usava óculos de sol grandes, escondendo os olhos, mas dando um ar de elegância que combinava perfeitamente com o cabelo solto em cascata por cima do casaco branco que ela usava. Estava muito bonita apesar de parecer bem cansada.
– Olá, meu nome é Alex. – se apresentou o irmão dela, algum tempo depois, já acomodados dentro do avião. Jimin sorriu empolgado ao perceber que ele estava falando coreano.
– Muito prazer, Alex. Finalmente podemos nos apresentar formalmente, então. – respondeu sorrindo. Mas foi só isso o que conseguiu do rapaz. Ele sorria sem jeito porque não sabia mais nada de coreano além do que havia dito e foi só nesse momento que Jimin percebeu o dicionário que ele segurava discretamente. Deu uma risada discreta, sem saber o que fazer dali em diante.
Decidiu que a melhor saída era ensinar Alex um pouco de hangul e aprender um pouco de russo no processo. Começou a apontar para o que estava em volta, as poltronas, os travesseiros, o cinto de segurança, a janela, um copo de água, os sapatos que usava, o livrinho que o rapaz segurava. Cada vez que apontava alguma coisa, dizia seu nome em coreano e esperava Alex repetir. Este por sua vez, entendendo a dinâmica e a estratégia do coreano, repetia as palavras em russo para que ele também aprendesse.
Como os objetos foram acabando, decidiu apontar para si mesmo e partes do próprio corpo e dizer seus nomes em coreano. Depois apontou para as pessoas ao redor deles, fazendo a mesma coisa.
– Alex-hyung. – apontou para o rapaz. – Hyung. Brother. – repetiu, tentando explicar o que aquela palavra significava. Alex entendeu imediatamente, levemente decepcionado por já ser taxado como irmão ao invés de algo a mais. Sorriu sem jeito e concordou com a cabeça. Depois Jimin apontou para Anja.
– Bonita. Beautiful. – Alex concordou. Apontou para a irmã também.
– Bailarina. Diva. Rainha. – falou em russo e esperou Jimin repetir.
Anja olhou para os dois naquele momento, pegando-os no flagra falando dela, mas sem ouvir exatamente o que. Jimin e Alex arregalaram os olhos ao mesmo tempo, caindo na gargalhada em seguida.
– Aposto que ela está tentando adivinhar do que estamos falando.
– Será que ela percebeu que estamos falando dela? – respondeu Jimin, esquecendo completamente que nenhum dos dois entendia a língua do outro. De alguma forma, no entanto, havia entendido o que Alex havia dito e pelo sorriso do rapaz, achou que ele também tinha entendido. Foi só então que ficou confortável em viajar com ele também, ansioso por aprender mais palavras que pudesse dizer para Anja mais tarde sem passar vergonha.
***
Anja apenas relaxou realmente quando desfez as malas numa suíte privada num hotel que ela nem sabia que existia. Aparentemente ela era a única criatura na face da terra que não tinha visto Jimin antes do dia em que se conheceram. Reparou em como as pessoas paravam e apontavam discretamente para o garoto. No hotel – que mais parecia uma mansão alugada apenas para ele e seus convidados – o tratamento era para com um príncipe. Aonde ia, os empregados e funcionários estavam prontos para atendê-lo sem que realmente precisasse dizer muita coisa.
Por serem convidados dele, o tratamento especial do hotel se estendia a ela e Alex. Alyona decidira ficar num hotel a parte, cuidando dos pormenores do contrato e da chegada a Seul quando as férias de Jimin finalmente acabassem. Passava o dia fora, falando ao telefone e comprando coisas para o apartamento que havia alugado para eles, enquanto Anja passava o dia passeando por Paris.
Amava museus, teatros e galerias de arte. Passava o dia indo de uma a outra, até que finalmente encontrou Jimin por acaso numa galeria restrita. Era uma exposição de esculturas representando a dança e um conhecido dela havia indicado por conta do ballet russo. Jimin não parecia o tipo que gostava de galerias de arte e museus, tinha quase certeza de ouvir Alyona dizer que isso era um hobby de outro membro do grupo dele. Não esperava encontrar o garoto ali, sozinho, observando a escultura de um casal em posição de "fish dive" – quando o parceiro segura a bailarina pela cintura, que depende completamente desse suporte para executar o passo, enquanto o próprio bailarino também participa da dança.*
– Jimi! – chamou se aproximando dele e da escultura. Assim como nas outras vezes, ele estava vestido como um ícone fashion. Secretamente ela amava reparar em como ele ia se vestir sempre que saía para andar pela cidade. Não tinha reparado ainda no figurino daquele dia, mas ficou impressionada do mesmo jeito. Ele usava uma camiseta vermelha com listas pretas por baixo de uma jaqueta de couro que ela já havia visto usando ainda quando estavam em Moscou, combinava com calças pretas e despojadas e botinas da mesma cor. O rosto estava escondido numa daquelas máscaras que ele amava, assim como os olhos continuavam ocultos por óculos de sol grandes. Ao ouvir o próprio nome, Jimin se virou para Anja e ela sentiu que por trás de todo aquele esconderijo ele lhe sorria.
– Anya-ssi!
– Você gosta de galerias? - perguntou sem poder se conter. - Veio sozinho? – completou ao não ver o segurança ou os empresários em lugar nenhum.
– De vez em quando eu gosto de dar uma olhada em algumas exposições. Não é sempre, mas acontece... Essa galeria é um dos poucos lugares onde posso ir sem que saibam quem sou. – comentou. Tirou os óculos de sol e abaixou a máscara alguns centímetros, mostrando o rosto bonito. Era a primeira vez que ela o via sem nenhuma maquiagem. – Normalmente eles esperam RM-hyung, então não me reconhecem.
– Deve ser difícil passar as férias tendo que se preocupar o tempo todo, não é?
– No começo achei que ia ser, sim... – respondeu mexendo no cabelo várias vezes, colocando-o para trás e desviando o olhar do dela sempre que o fazia. – Mas os fãs têm me respeitado muito... ate agora ninguém tentou tirar fotos ou me provocar...
– É por isso que eu não deixo me filmarem ou fotografarem quando danço... – respondeu ela, se imaginando rodeada de todo aquele assédio e invasão que alguns fãs conseguiam fazer. Era isso e o medo de ser julgada por não ter exatamente o corpo que uma bailarina normalmente tem.
– É por isso? Uma pena, queria ter visto você dançando mais vezes... não foi por falta de tentativa. – confessou ele voltando a encarar a escultura. Antes de Anja aparecer ele havia imaginado como seria dançar ballet clássico e realizar todas aquelas posições e passos num palco com uma plateia clássica, sem nada que envolvesse o pop. Deu alguns passos até a próxima escultura, sendo seguido de perto pela bailarina.
– É sério? Procurou mesmo? – perguntou insegura. Estavam em frente a uma escultura representando a posição atitude devant*. A peça retratava perfeitamente, em mármore, todo o alcance da bailarina que havia servido como modelo, os músculos da perna de base perfeitamente desenhados, assim como a delicadeza das mãos e da outra perna, suspensa no ar. Anja teve que se controlar para não imitar a posição apenas para mostrar que podia, mesmo sendo gorda.
– Sério mesmo. Já ouvi seu nome antes mesmo de ser famoso. Infelizmente não tinha condições de ver uma apresentação sua ao vivo, então procurava no YouTube sem nunca encontrar nada além de pessoas que copiaram suas coreografias. – respondeu indo para a escultura seguinte. – Como você nunca se apresentou na Coreia, minha única chance foi alguns dias atrás, quando nos conhecemos.
Anja parou e o encarou por muito tempo em silêncio, tentando decidir se acreditava nele ou não. Por algum tempo Jimin achou que ela admirava a escultura, mas como ela não dizia nada, voltou a encará-la. Ficou um pouco sem jeito pela maneira como ela o encarava, mas não desviou o olhar, sustentou o contato visual em silêncio enquanto as pessoas passavam por eles admirando todas as esculturas.
– Tem medo de que, Anya-ssi? Não acha que o mundo merece ver o quão fantástica é? – ele perguntou dando um passo discreto na direção dela.
Os olhos dela se encheram de lágrimas pensando em todos os motivos pelos quais decidira não aparecer em mídia nenhuma, independente de quão boa fosse dançando. Para que Jimin não visse, ela seguiu para a escultura seguinte, secando as lágrimas discretamente enquanto se escondia atrás dela esperando pelo garoto. Assim que ele se aproximou, ela sorriu abertamente.
– No começo foi uma ideia de Andrey... – falou depois de algum tempo. – Ele dizia que as pessoas não iriam ao teatro se soubessem o que os esperava. Dizia que a surpresa era a melhor "estratégia". – havia mágoa e um pouco de rancor nas palavras dela, mas ela mal percebera. Era a primeira vez que dizia aquilo em voz alta.
Jimin ficou quieto, fingindo que não havia visto secando as lágrimas e esboçando aquele sorriso congelado, quase forçado e que não lhe chegava aos olhos.
– Depois me acostumei com a ideia de não me ver em nenhum cartaz. As pessoas iam aos espetáculos pelo meu nome e não pela minha aparência e... – delicadamente ela passou os dedos pela mão da escultura até que ela mesma ficasse na mesma posição, congelada para sempre numa lembrança ruim do passado. Desfez a pose assim que viu Jimin sorrindo triste.
– Mas o que importa é que mesmo assim você foi me assistir dançando. Talvez não estivéssemos aqui hoje se não fosse assim, não acha?
– Talvez. – respondeu pensativo, voltando sua atenção para a escultura seguinte. Era novamente um casal em uma posição em conjunto. Pareciam concentrados na dança, mas só isso. Não havia paixão, magia ou qualquer outro fator que fazia da dança a arte completa que era. No fim era apenas uma escultura, numa galeria qualquer, onde ele não podia exatamente ser ele mesmo.
– Quer sair daqui? Tomar alguma coisa? – perguntou de repente, pensando que começava a ficar entediado em apenas ver aquelas esculturas congeladas sem completar os movimentos representados ali.
***
– Há quanto tempo você dança, Jimi?
Estavam tomando sorvete na varanda de um prédio histórico em frente à Torre Eiffel. Anja olhava para as pessoas andando despreocupadas na rua, observando alguns mais atrevidos olhando mais de uma vez para Jimin, quando percebiam quem era. Ficou a uma distância segura, sabendo que se se aproximasse mais, ele seria vitima de algum tipo de assedio. O segurança os acompanhava dessa vez, um pouco afastado, sentado a duas mesas enquanto fingia ler um jornal de ponta cabeça.
– Como assim? Dançar profissionalmente?
– É. Já fez ballet?
– Não sei se conta como formação mesmo, mas fiz dança contemporânea na época da escola... E você, Anya-ssi? Dança há quanto tempo?
– Desde sempre, eu acho. Quando era mais nova, minha família tinha muito pouco, então minha mãe nos colocou numa escolinha de ballet comunitário perto de casa. Era uma distração, mas funcionou bem para mim e Alex. Hoje nós dois temos a dança como profissão.
– Alex-hyung também dança? – perguntou surpreso. Não fazia ideia de nada sobre o rapaz além de que ele se esforçava muito para passar mais tempo com ele, mesmo sem saber falar coreano, inglês ou japonês.
– Ele anda te perturbando tanto que nem contou isso? – perguntou Anja abrindo um sorriso sincero pela primeira vez.
– A única coisa que conversamos são nomes de objetos aleatórios. Não sei se algum dia vou conseguir conversar de verdade em russo ou em coreano com ele. – os dois riram.
– O que gosta de fazer quando viaja? Quais lugares gosta de ir? Mas de verdade, sem ser porque era a única opção onde você podia ser você mesmo? – perguntou Anja, curiosa.
– Tomar sorvete...? – respondeu dando risada. Ele sempre fechava os olhos quando ria, fazendo com que Anja risse junto com ele, os dois se curvando de leve.
– Só isso?
– Hmm... ver Anya-ssi rindo e se divertindo...?
– Ah, não vale! Quero aprender mais sobre você.
– É sério! – respondeu rindo de novo, mal percebendo que o sorvete estava prestes a cair. Só se deu conta disso quando ele de fato caiu em um pedestre muitos metros abaixo da varanda onde estavam apoiados. Imediatamente os dois se abaixaram para se esconder, rindo mais ainda no processo.
– Toma, fica com o meu.
– Só se for na base da divisão. Não posso deixar que fique sem.
– Não, pode ficar. Já estou satisfeita.
– Não, vamos dividir.
Ficaram nesse debate até que ambos decidiram lamber o sorvete ao mesmo tempo, ali, agachados como duas crianças travessas.
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NOTAS DA AUTORA:
*fish dive:
*attitude devant:
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