Moon
Não era a primeira vez – e nem seria a última – que Alyona tinha vontade de fumar. Andava de um lado ao outro no corredor do Centro de Artes, local onde a apresentação de Anja aconteceria. O lugar era belíssimo e muito bem decorado, mas ela não conseguia se concentrar em nada.
Do lado de dentro do camarim, Anja encarava o próprio reflexo com os olhos vermelhos. Não havia lágrimas, porém. Já tinha usado todas as que tinha, mesmo assim doía. Tentou sorrir para o próprio reflexo para ver como seria caso alguém entrasse e ela precisasse fingir, mas tudo o que conseguiu foi um esgar doloroso de ver. Ouviu uma batida leve na porta, mas não se moveu.
– Cinco minutos. – alguém avisou.
Não teve tempo de sentir o frio na barriga característico de estreias, Jungkook, Namjoon, Jin, Taehyung, Yoongi, Hoseok e Jimin entraram. O primeiro estava radiante e exibindo o sorriso mais bonito da noite, empolgado para ver como seria o espetáculo que ele havia ajudado a criar. O último exibia um sorriso triste que somente a bailarina entendeu. Todos carregavam flores para a bailarina, apenas Jimin segurava algo a mais, entretanto ele não se adiantou para entregar.
– Noona, boa sorte. Vamos assistir lá dos camarotes. – falou Namjoon esticando os braços e entregando um buquê muito bem feito de camélias brancas, flor típica da Coreia.
Os outros imitaram seu gesto antes de saírem. Alguém já havia avisado que os cinco minutos agora eram dois, restando no camarim Jimin, Alyona, Alex e a própria Anja.
– Você está bem? – perguntou a empresária, ajeitando as flores e os presentes pelo camarim, sem realmente olhar nos olhos da melhor amiga.
– Vou ficar. – respondeu. Seus olhos estavam fixos nos de Jimin.
– Um minuto.
Alyona puxou Alex para fora, deixando a amiga com Jimin, os dois ainda se encarando intensamente.
– Tem certeza? – ele perguntou. – Ainda pode mudar de ideia e me contar o que está acontecendo para ter que ir embora. – "sem mim", completou em pensamento.
Ela não conseguiu dizer nada em resposta, com medo de realmente mudar de ideia. Lendo suas expressões, o coreano se aproximou e a abraçou apertado, desejando que o tempo parasse ali e eles ficassem naquele abraço eternamente.
– Eu te amo, Anja-ssi. – sussurrou tomando cuidado para pronunciar o nome dela corretamente pela primeira vez.
***
Jin esperava Alyona do lado de fora do camarim, os braços cruzados, encostado na parede oposta à porta.
– Eles vão ficar bem? – perguntou.
– Não sei. – respondeu ela olhando para a porta por cima do ombro.
– Nós vamos ficar bem? – perguntou se afastando da parede e se aproximando dela.
Alyona não sabia responder. Para ela, a decisão de Anja provavelmente ia dar fim naquilo que ela e Jin tinham, porque significava que teriam que voltar para a Rússia. Abaixou a cabeça, se protegendo atrás da cortina suave que seu cabelo formou ao redor do rosto.
– Se precisar vou para Moscou com vocês. – falou Jin interpretando corretamente o silêncio e a timidez repentina dela. A abraçou apertado, deixando que ela se encolhesse em seu peito com um suspiro.
– Vai mesmo? E o grupo? E a empresa? – ouviu a voz dela abafada. Ela se afastou alguns centímetros para poder olhar nos olhos dele. Jin jogou a cabeça para trás, rindo alto das perguntas dela, puxando-a mais ainda de encontro a si.
– Eu faço o que quiser. A empresa é minha, lembra?
***
Quando Anja entrou no palco para se concentrar, a primeira pessoa que ela viu na plateia foi Andrey. Ele não a olhava diretamente pois estava com o corpo inclinado em direção a uma pessoa que ela nunca havia visto que gesticulava bastante ao falar. Dali ela percebeu que a pessoa não era coreana, assim como ela e o diretor.
Forçou-se a desviar o olhar e viu Julia e Jungkook do outro lado, protegidos da plateia pelas pesadas cortinas. Os dois sorriram e gesticularam incentivos em sua direção, visivelmente felizes por sua estreia em um palco coreano. Isso, mais do que qualquer outra coisa, foi o que acalmou o coração da bailarina assim que as luzes foram acesas em sua direção e os primeiros acordes de Lie começaram a tocar. Esqueceu seus problemas e começou a dançar.
Sentiu a voz de Jimin passar através de sua pele e lembrou de todas as vezes em que ficaram juntos, apenas na companhia um do outro. Conhecia a letra da música e sabia que não combinava em nada com o que eles sentiam um pelo outro, mesmo assim achou propício começar seu espetáculo justo com ela, porque sua vida dançando tinha sido uma completa farsa até encontrar Jimin.
Lembrou-se de como era antes de encontrar aquele anjo e descobrir que a vida era bem mais do que o que tinha. Lembrou-se de si mesma quando começou sua carreira. Das inseguranças, da família pobre, dos papéis secundários, das pedras e árvores que tinha sido em alguns espetáculos. Pensou na neve derretendo e deixando a luz penetrar os cantos mais obscuros de sua alma e dançou para tudo isso. Mudou a coreografia organicamente, sozinha, mas não se importou com isso, estava dançando para si mesma.
Em um dado momento, olhou em direção à plateia e o viu ali, ao lado de todas as versões de si mesma, todas de mãos dadas, recebendo aquela dança como uma oferenda para partirem em paz. Para Jimin, foi como assistir Anja Wang dançando pela primeira vez. Cada gesto, cada gota de suor, cada nota do piano exposto de modo cru e brutal. Não tinha como não se emocionar, mas não se importou. Tudo o que conseguia fazer era seguir o anjo que dançava no palco.
– Ela é fantástica! – ouviu Hobi-hyung dizer, os olhos presos em Anja do mesmo jeito que todos os outros. Sorriu orgulhoso. Ela era realmente maravilhosa e fantástica. E, no entanto, ainda conseguia ser muito insegura, ou não teriam que se separar.
Quando ela acabou, foi como uma explosão na plateia, com todos no teatro se levantando para aplaudi-la. Uma apresentação histórica, a primeira vez da grande Anja Wang fora da Rússia e, infelizmente, a última. Mas só ela, Jimin e Andrey sabiam disso.
***
Ficou parado do lado de fora do camarim, exatamente como no dia em que a vira dançar pela primeira vez. E exatamente como naquele dia, viu outras pessoas saindo e entrando da sala separada para a bailarina. A última pessoa a entrar antes dele foi Alyona, e ela não parecia nada feliz, carregando um documento de várias páginas na mão. Jimin sorriu triste, não era mais segredo. Pensou em entrar depois dela, ajudar a evitar qualquer briga, mas a empresária fechou a porta com força antes mesmo dele tomar essa decisão.
– O que é isso aqui? – perguntou jogando o documento na direção de Anja quando esta se virou para dar-lhe as boas-vindas. Com uma calma que ela não tinha, a ruiva se abaixou e pegou os papéis do chão. Era sua rescisão de contrato com a Big Hit.
– É fim da minha jornada na Coreia. – respondeu com simplicidade.
Alyona viu a determinação e a teimosia nos olhos da amiga, exatamente os mesmos sentimentos que via nela antes de ser a grande Anja Wang, a bailarina. Estranhou, porém, que a amiga não usasse essa força para brigar de volta. Por um segundo viu a mesma garotinha ruiva e gordinha de quando se matricularam no Centro de Artes Comunitárias de Moscou. Esse olhar e essa calma contrastante a fizeram segurar o próprio temperamento.
– O que houve?
– Andrey fez uma proposta melhor.
– FEZ PORRA NENHUMA!
– ALYONA!
– Não me venha com "Alyona" a essa altura, Anja! – desdenhou imitando a bailarina. – Eu quero saber exatamente o que aquele cretino fez para te convencer a quebrar um contrato como o que eu tinha feito com a Big Hit. – ela estava furiosa.
Foram poucas as vezes que Anja a viu assim, e ela nunca havia sido o principal motivo em nenhuma delas. Devia satisfações, sabia disso, tanto como sua empresária, quanto como sua amiga. Melhor amiga. Pegou o contrato e o folheou até achar a parte que falava de Alyona e Alex.
– Você leu o documento?
– Só o que importava. – respondeu à contragosto, mesmo sabendo que era apenas uma estratégia da amiga para ganhar tempo e desviar a conversa.
– Então não viu que separei as MINHAS responsabilidades das suas e das de Alex. – respondeu levantando os olhos para a amiga. – Vai poder continuar aqui, cuidando da carreira dele. Andrey já pagou a rescisão.
– Ele...? – Aly respirou fundo, segurando a vontade de voltar a gritar. – Como você toma esse tipo de decisão sem conversar comigo, Anja? O que eu sou para você? – sua voz falhou, mas não havia nenhuma lágrima em seus olhos. – O que essas pessoas são para você?! – perguntou apontando para a porta. Se referia a Jimin e aos meninos.
Havia dor nas palavras e na voz dela. Estava magoada por não ter sido consultada e extremamente ofendida por descobrir que havia sido excluída de tudo, incluindo o contrato final. As duas ficaram se encarando por um longo tempo, conversando pelo olhar e se entendendo sem a necessidade de palavras.
Anja sabia que estava errada e que não deveria ter excluído Aly de nenhuma decisão, mesmo sabendo que ela não concordaria desde o princípio. Mas aquela era uma batalha sua, que havia decidido enfrentar sozinha apenas para proteger quem amava. Alyona estava incluída entre as pessoas que queria proteger, assim como seu irmão e todos os meninos do grupo. Era a primeira vez que pensava além de si mesma e, por mais que estivesse errada em decidir tudo sozinha, estava orgulhosa por não se esconder atrás deles como sempre fizera a vida toda.
– Eu não poderia nunca me colocar entre você e sua felicidade, Aly. – sussurrou quebrando o contato visual e baixando os olhos. Achava que não seria mais capaz de chorar, mas estava errada. Sentiu os olhos se umedecerem sem sua permissão.
– Não acha que eu deveria escolher e decidir isso por mim mesma? Nunca passou pela sua cabeça que eu gosto de estar com você? De fazer parte da sua vida como bailarina? Que eu amo meu trabalho? – perguntou ainda magoada.
– Mas também ama outra pessoa além de mim e de si mesma. Eu nunca, nunca, Aly, vou permitir que se limite por minha causa. Quero que seja feliz. Por favor, entenda isso. – falou levantando os olhos. As duas choravam discretamente.
– Mas por quê? Por que tem que fazer isso, Anja?
O silêncio se instaurou de novo, criando uma tensão palpável entre aquelas duas mulheres fortes. Antes que pudessem dizer qualquer coisa a porta se abriu e Andrey entrou com o homem com quem estava conversando antes do espetáculo começar.
– VOCÊ FOI FANTÁSTICA, ANJINHO! – falou com um sorriso enorme no rosto.
Anja se virou para o espelho e enfiou o rosto no primeiro buquê de flores que viu, para esconder as lágrimas que havia acabado de derramar. Alyona cuspiu no chão aos pés de Andrey e saiu batendo a porta. Jimin ainda estava ali no corredor. Também tinha lágrimas nos olhos, pois tinha ouvido toda a discussão e, apesar de não ter entendido nenhuma palavra do que disseram, percebeu que era o rompimento de uma amizade de anos.
– Eu sinto muito, Jimin-ssi. Por tudo. – falou Alyona ainda chorando. Apertou a mão do rapaz de leve e foi embora. Jimin olhou para a porta de novo. Não queria entrar ali com aquele homem lá dentro, mas não sabia se ia mesmo embora ou se esperava mais um pouco para entregar seu presente.
Dentro do camarim, o diretor fazia as devidas apresentações entre a bailarina e o tal homem.
– Anjinho, esse aqui é nosso novo patrocinador, Grisha Zima. Ele quer você dançando por toda a Europa, como sempre sonhou! Não é maravilhoso? – falou empolgado. – E o melhor de tudo: ele é russo como nós! – Como sempre, não reparou no esgar dela e interpretou seu silêncio como concordância. Começou a conversar empolgado com o homem, como se a bailarina não estivesse ali.
– Preciso me trocar. – ela falou finalmente.
– O que? – parou e a encarou, finalmente reparando que ela ainda usava a roupa da apresentação. – Claro, claro! Nos vemos depois, no jantar, sim? – falou.
– Claro. – ela sussurrou. – Muito prazer, senhor Zima. – completou fazendo, involuntariamente, uma reverência idêntica a que via Jimin e os outros fazerem sempre que encontravam alguém importante. Aquilo fez Andrey rir alto.
– Ela não é um anjo? Aprendeu isso com os coreanos, uma fofa. – brincou puxando o homem para fora e o seguindo sem ver Jimin parado ali.
Jimin e Anja se encararam, antes mesmo dele entrar na sala e fechar a porta.
– Oi. – sorriu triste. Desde a saída de Alyona, agora não conseguia mais evitar de querer chorar de novo.
– Vim te trazer um presente. – falou Jimin, ignorando o olhar triste dela e olhando para baixo. Se prestasse atenção, sabia que perderia as forças. Anja concordou com a cabeça, secando os olhos da melhor forma possível.
– Você foi incrível hoje, noona. Como sempre. – falou Jimin com sua voz suave. – Obrigado por me deixar assisti-la mais uma vez. – completou. Ela reparou que ele segurava uma caixinha aveludada quando se aproximou. Devagar, ainda sem encará-la diretamente, ele se aproximou e a abriu, revelando um colar delicado, de ouro branco, segurando um pingente simples, que simbolizava os dois: um casal de bailarinos eternizados na posição de fish dive*.
Anja ficou muda, os olhos arregalados para o pingente. Lembrou-se do primeiro encontro – involuntário, verdade – que tivera com Jimin em Paris. Levantou os olhos para ele e prendeu a respiração ao vê-lo tão próximo, apenas para ajudá-la a colocar o colar. Delicadamente ele ajustou o fecho no pescoço dela e deu um beijinho rápido em seu rosto antes de sair.
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*fish dive:
Nota da autora: desculpem o atraso com o horário. Esse capítulo eu escrevi a mão e demorou um pouco para conseguir revisar e passar tudo para o computador. Sei que a música título do capítulo é do Jin, mas achei a letra tão linda e tão perfeita que vi Anja dedicando para Jimin, é quase como ela se sente. Se tiverem a oportunidade, busquem a tradução, é perfeita. Obrigada por lerem até aqui. <3
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