Epílogo
Era madrugada, mas ela não se importava. Gostava daquele horário, fazia se lembrar de um tempo onde a felicidade era mais simples e mais palpável. Sorriu ao ligar as luzes da sala de dança da escolinha. Não se importou com a bagunça. Havia sapatilhas de todos os tamanhos nos cantos mais distantes, um tule esquecido, fitas de cetim usadas durante as aulas, coisas que mostravam como seus alunos gostavam e faziam bom uso daquele lugar. Agora era sua vez.
Colocou a bolsa num canto e calçou as sapatilhas desgastadas. Tinha prometido não dançar mais, mas não tinha tido coragem de jogar aquele par fora. De alguma forma sabia que ia querer usá-las de novo. Enquanto se alongava pensou no desfecho que a morte de Andrey havia dado. Não poderia ficar com o dinheiro que ele tinha guardado nas inúmeras contas, oficiais ou não, porque iriam para os tais credores. Não que realmente se importasse com isso. Ia poder ficar com a Companhia de Dança. Era sua para fazer o que quisesse e a primeira coisa que fez foi contatar Alyona.
Sorriu para seu reflexo no espelho. Ia poder rever a amiga, poder discutir com ela quais eram as melhores músicas para um espetáculo, qual caminho tomar, qual bailarino incentivar. Assim que soube da morte de Andrey, ela e Alex concordaram em ir até Moscou visitar Anja. Chegariam a qualquer momento e pensar nisso fez com que a bailarina sorrisse de novo enquanto terminava de se aquecer.
Foi até o computador que fazia as vezes de aparelho de som e abriu sua playlist pessoal. A sala não era tão equipada como a que havia usado na Coreia, mesmo assim abrir a lista de músicas que mais amava a fez se lembrar da outra sala. Lembrou-se com saudade das inúmeras noites que passara lá, sozinha ou com Jimin, às vezes com todos os outros meninos. Pensar nele fez com que seu sorriso esmorecesse um pouco. Sentia falta dos laços que havia criado por conta da dança, do prazer que havia sentido ao finalmente aceitar a própria imagem vista a partir dos olhos de outra pessoa que não ela mesma.
Deu play. A caixinha de som começou a tocar seu álbum favorito do BTS e ela voltou a sorrir. Seria para sempre grata a Alyona por ensiná-la que a música e a arte não deveriam ter barreiras, e que ela poderia se descobrir ouvindo e dançando aquele tipo de música. Era a primeira vez que dançaria depois de tanto tempo. Tinha parado depois de dançar para eles, seria justo recomeçar do mesmo ponto. Fechou os olhos e se deixou levar pelo violão de Zero O'Clock.
Quando a voz de Jimin começou sua parte na música, ela começou a dançar. Sentiu aquela eletricidade que fazia seu corpo se mover como se fosse ela as notas de uma partitura.
Você sabe aqueles dias
Aqueles dias em que você está triste sem motivo
Aqueles dias em que seu corpo está pesado
E parece que todos, exceto você.
Estão muito ocupados e empenhados
Meus pés não se movem
Girou o corpo, pensando em Andrey. De alguma forma era grata por ele ter obedecido a sua ordem no dia do casamento. Não tinha tentado envolvê-la em seus negócios e isso a salvara de virar alvo de mafiosos. Do seu jeito torto, Andrey a amou e a protegeu de um final bem mais trágico do que o que ela teria.
Embora eu pareça já estar muito atrasado
Eu sinto ódio do mundo inteiro
Era verdade que por causa dele ela havia passado aqueles três anos vivendo uma semi-vida. Acordava todos os dias apenas para ensinar meninas carentes a se apoiarem na dança para saírem da miséria. Sua vida mesmo, aquela que queria ter vivido, havia ficado em Seul. O colar brilhou em seu pescoço quando virou o corpo e jogou os braços dançando.
Sim, aqui e ali existem impedimentos e desmotivações.
Meu coração se revira e minhas palavras diminuem
Por que diabos? Eu corri tanto!
Oh, por que comigo?
Pensou em Jimin e em como ele a ensinou exatamente a mesma coisa que tentava ensinar para as crianças ali. Com a dança dele, o sorriso, os olhos fechando quando sorria, a cabeça jogada para trás quando algo muito divertido acontecia. Sorriu de novo, virando o corpo numa pirueta semelhante a que tinha dado numa outra vida, num fliperama coreano.
Algo será diferente?
Não vai ser da mesma forma
Mas esse dia vai acabar
Quando os ponteiros dos minutos e segundos se sobrepuserem
O mundo prende a respiração por um momento
Zero horas
Lembrou-se de como havia se sentido bonita, importante. Tinha aprendido tanto naqueles meses e, apesar de todos os obstáculos, nunca mais deixou de se amar. Foi por esse amor que não se submeteu a dançar para Andrey depois de voltar a Moscou. Foi por se amar que se enfiou naquele casulo protetor e se afastou de tudo o que ele fazia. Mais uma vez, foi isso que a salvou.
Jogou o corpo para os lados, seguindo a melodia. Sorriu para o próprio reflexo de novo e dançou. Sabia que ia ficar dolorida depois, mas naquele momento, ouvindo as vozes dos meninos de Alyona – seus meninos também – não sentia nada além de prazer. Rodopiou de novo, os braços bem abertos, recebendo a liberdade e a felicidade que viriam daquele momento em diante.
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
Como a neve que acabou de se assentar
Vamos respirar, como na primeira vez.
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
Mude tudo isso
Quando tudo for novo, zero hora.
Ali estava ele. Usava uma farda militar que ela não reconhecia. Parou de dançar assim que seus olhos se encontraram pelo reflexo do espelho. Fechou e abriu os olhos de novo, pensando que era uma miragem. Não era. Parado ali, com o quepe amassado nas mãos, totalmente sem maquiagem e sem jóias, usando um corte de cabelo que, apesar de diferente do que estava acostumada, combinava perfeitamente com ele, estava Jimin. Não tinha resistido e acabou indo com Alyona e Alex para a Rússia. Queria ver Anja mais uma vez de perto. E dançando.
– Oi, noona.
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
(Ooh-ooh) e você vai ser feliz
Mude tudo isso
Quando tudo for novo, zero hora.
F I M.
*******************************************************************************
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro