A supplementary story: you never walk alone
– Onde você estava? – perguntou Anja quando Alyona finalmente apareceu na recepção da empresa.
Estava esperando a empresária há pelo menos quinze minutos, andando de um lado ao outro, desesperada para ir embora logo. Ok, tinha dado por encerrado o dia mais cedo do que esperava, mas havia sido pega de surpresa por um sentimento que fingia não conhecer. Fora o fato de estar acostumada a ser esperada e não a esperar.
Alyona apareceu com o rosto corado, o cabelo preso – coisa rara – e vestindo a jaqueta, mas Anja mal reparou no rosto afobado da amiga, muito menos no sorriso que ela exibia vez ou outra quando passava pelas fotos dos meninos espalhadas pela Big Hit.
– O que houve? Quem morreu?! – perguntou parando finalmente em frente à bailarina e reparando que ela ainda estava usando as roupas de dança. – Aconteceu alguma coisa no ensaio? Saiu direto? – completou apontando para o corpo da amiga.
Foi só nesse momento que Anja se tocou de como devia parecer uma maluca, vestida daquele jeito longe da sala de dança. Lendo a reação – e o possível surto – Alyona tirou a jaqueta de novo, exibindo os braços nus e uma blusa de seda totalmente amassada, mas entregando-a para a amiga.
Anja ignorou a jaqueta e olhou por cima do ombro antes de puxar a amiga pelo braço para um canto mais afastado da recepção. Foram parar sob um mural em tamanho natural do BTS, Jimin e Jin lado a lado. Alyona olhou para a foto e apertou os olhos.
– O Universo às vezes é muito sem graça. – murmurou para si mesma.
– Oi? Como assim?
– Nada, não é com você. O que houve?
– Amiga, posso te perguntar uma coisa sem ser julgada?
– Sempre pôde. Estou começando a ficar preocupada, Anja. Aconteceu alguma coisa no ensaio?
Em resposta a bailarina ficou vermelha e desviou o olhar, dando de ombros. Não queria contar do beijo, não para a única pessoa que ainda a lembrava do primeiro que havia acontecido. Como Anja não dizia nada, Alyona cruzou os braços e a encarou, entrando no campo de visão dela sempre que tentava desviar o olhar.
– Aconteceu alguma coisa! – não era mais uma pergunta.
– Não! Quer dizer... – soltou um suspiro. – Ah Aly, não sei!
– O que quer perguntar?
– Você acha que sou uma pessoa ruim? Tipo o Andrey? – perguntou insegura. Não queria, mas estava se comparando a ele por achar até poucas horas atrás que Jimin fosse gay só por ser a pessoa mais gentil e delicada que ela já conheceu na vida.
– Jamais!! O Andrey é a pior espécie de homem que existe. Graças a Deus você caiu na real a tempo, amiga! Nunca será igual a ele, mesmo que tente. – respondeu. Colocou as mãos nos ombros da bailarina e se abaixou um pouco para que ficassem na mesma altura e se olhassem nos olhos. – O que aconteceu, anjinho? – perguntou gentilmente.
Os olhos de Anja se encheram de lágrimas, aliviada por pelo menos uma pessoa não achar que ela fosse como o cretino do ex-noivo.
– Eu sou péssima, Aly! – exclamou, respirando fundo algumas vezes para segurar o choro. – O Jimi, ele.... ele é tão lindo, tão gentil!! – falou, desviando o olhar da amiga para a foto do garoto bem ao lado delas.
– Eu sei, amiga, eu sei... – Aly segurou a vontade de abraçar Anja ali, em meio a todo mundo, mas não o fez. Sabia que assim que demonstrasse o carinho que tinham um pela outra, a bailarina desabaria em lágrimas.
– A gente estava ensaiando e... eu só pedi para ele me ensinar aquele salto que ele dá em algumas coreografias, sabe?
– Sei.
– Daí eu caí e... – respirou fundo de novo, voltando a encarar os olhos escuros de Alyona.
– E...?
– E ele... a gente... – olhou a volta, percebendo finalmente onde estavam. – E a gente se beijou... – sussurrou para Alyona, esquecendo que ninguém ali além das duas falava russo. Aquilo tirou um sorriso sincero da empresária, feliz por finalmente ver a amiga admitindo que gostava de Jimin. Ela havia percebido isso no dia da festa de despedida, mas cada um tinha seu tempo e sabia como Anja conseguia ser lenta nesse tipo de assunto.
– E por que isso te fez achar que era uma pessoa como o Andrey?
– PORQUE... - gritou exasperada, soltando todo o ar dos pulmões e chamando a atenção das pessoas que entravam e saiam da empresa naquele horário.
– Shiu!! Mais baixo!
– Desculpa. – soltou um suspiro alto. – Porque eu achei que o Jimi fosse... você sabe.... – falou desviando o olhar, envergonhada de dizer aquilo em voz alta, tão ridículo que soava.
– Gay? – completou Alyona.
– Bem... é!
– Mas ele já tinha te beijado antes.
– Sim, mas aquele dia foi para deixar o Andrey irritado, dessa vez a gente... ai Aly, me sinto péssima por achar isso só por causa do jeito gentil dele! – exasperou-se.
Alyona sorriu e estalou a língua algumas vezes, passando as mãos nos ombros da amiga, num carinho sincero, como que querendo aquecê-la.
– Não precisa se comparar ao Andrey só por ter pensado isso, anjinho. Te garanto que você não foi a primeira e nem vai ser a última pessoa a achar isso dele... tem muita gente, incluindo fãs que o acompanham desde o começo da carreira, que acham isso. Não dá para saber nada só com o material que eles divulgam, muito menos com a gentileza de alguém. – ponderou ela. – Você é um exemplo perfeito disso. Quem nunca te viu acha que você é chinesa, por causa do seu nome e quem te viu não acha que é bailarina por causa desse padrão estúpido criado pela indústria. Eu também sou, quem nunca falou comigo acha que sou chinesa também. As pessoas criam estereótipos sobre os outros apenas com a informação que tem, mas nem sempre é verdade.
Pensou em si mesma e nos julgamentos que havia feito sobre Jin. Antes de conhecê-lo pessoalmente, achava que ele era o que tinha menor probabilidade de se envolver com alguém. Chegou a acreditar que ele até namorasse secretamente e que as piadas de tio fossem uma máscara para esconder isso. Mas ali estava ela, surpreendida pela solteirice e charme dele, completamente envolvida. Sorriu ao ver o biquinho que Anja fez enquanto segurava para não chorar. Era exatamente a mesma menina insegura de quando se conheceram, se apoiando na amiga e o irmão para conseguir seguir em frente sem perder a sanidade com seus medos.
– Você nunca... NUNCA! Vai ser como o Andrey, Anja. Entendeu?
A bailarina apenas balançou a cabeça, em silêncio, começando finalmente a se acalmar.
– Mas e ai...?
– O que?
– O beijo! – Anja ficou mais vermelha que o próprio cabelo. – Foi bom?
Ela apenas concordou com a cabeça, escondendo o rosto com as mãos, finalmente admitindo para si mesma que tinha gostado do beijo tanto quanto tinha gostado do ensaio de dança. Alyona sorriu vitoriosa, colocando a própria jaqueta sobre os ombros da amiga e a abraçando.
– Vamos, acho que precisamos de uma bebida. Também tenho uma coisa para te contar.
***
A dose de soju que Anja tomava voou longe quando ela ouviu o que Alyona tinha para contar.
– VOCÊ O QUE?
– Shiu, fale baixo! – pediu Alyona servindo o copinho da amiga de outra dose da bebida de arroz que os coreanos bebiam como se fosse água.
Era a primeira vez dela e de Anja tomando aquela bebida e o faziam num restaurante tradicional do outro lado da rua do apartamento que alugaram para morar durante seu trabalho em Seul. Ainda estavam muito próximas da Big Hit, poderiam muito bem ser vistas e reconhecidas caso algum outro funcionário da empresa resolvesse ter um jantar ali. Então conversavam em código, usando nomes de ex-namorados para falarem sobre os meninos. Anja cobriu a boca por alguns segundos, limpando o resíduo do soju e arregalando os olhos para a amiga.
– Você e ele... – arregalou os olhos para não ter que repetir o que havia acontecido – No piano?! – perguntou em choque.
Alyona apenas balançou a cabeça, concordando, e virou o copinho num único gole, se servindo de outro e repetindo o gesto em seguida. Quando levantou os olhos para Anja, sorriu surpresa ao ver um pouco de admiração ao invés da censura.
– O que? Não vai me passar sermão? – perguntou sorrindo.
– De jeito nenhum! Pelo contrário, vou pagar mais uma bebida. Você é minha nova heroína. O cara é simplesmente lindo, talentoso e você... Eu esperaria algo assim do Alex, de mim mesma, mas nunca da centrada e super-inteligente Alyona Volkov!
– Ridícula. - protestou ela, rindo abertamente.
– Não! Estou falando sério, Aly! Você é sempre tão focada no seu trabalho, na sua carreira e nas conquistas que procura, achei que não tivesse interesse em um relacionamento.
– E não tenho! – respondeu. – Não tinha, acho... ah não sei, Anjinho. Não sei o que sentir. Meu coração dispara só de lembrar do piano! Ao mesmo tempo que ele me irrita demais!
– Irrita por quê? Porque faz você perder o controle? – perguntou. – Você parece apaixonada.
– Apaixonada nada, não delira. – respondeu com uma careta. Mas não podia negar, seu coração estava disparado desde que saíra do auditório e não importava o que fizesse, só conseguia pensar em Jin desde então.
– Mas e você?
– O que? – perguntou Anja balançando a garrafinha verde vazia para a dona do restaurante. Tinha visto isso na televisão, geralmente eles traziam outra garrafa e ela não precisava fingir que já tinha conseguido aprender coreano naquelas poucas semanas na Coreia. Alyona esperou a senhora trazer a garrafa de soju fechada antes de continuar.
– O beijo. O que vai fazer?
– Não sei... deixei o menino lá plantado, sem nenhuma explicação. Com que cara eu olho para ele amanhã? – a pergunta era retórica, ela teria que usar cara de pau. – E para ajudar amanhã é aquele show que eles nos convidaram. Tenho medo de estragar se encontrá-lo antes do show começar.
– Eu tenho certeza que ele vai continuar sendo o mesmo de sempre com você. – respondeu Alyona. Estava virando as fatias de carne que grelhavam na churrasqueira entre elas. – É só você não bancar a esquisita. Ou você quer que ele seja diferente?
– Como assim?
– Ah sei lá, você gosta dele?
Anja ficou sem saber responder. Gostava da amizade de Jimin, gostava da companhia dele, de como ela se sentia bem sendo quem era quando estava com ele. Gostava de como ele dançava e a admirava dançando. De como ele a respeitava. De como era gentil com todo mundo, independente do cargo que possuía na empresa. Mas não sabia definir se isso era o tipo de gostar que Alyona queria dizer.
– Não sei...
– Mas você gostou do beijo...
– Gostei... mas... sei lá, Aly. Ele é mais novo que o Alex!
– E daí?
– Como "e daí"? Tem uns oito anos de diferença entre nós! Fora que ele é ele e eu... – apontou para si mesma, para seu corpo e deixou implícito todos os seus medos.
– Você é uma mulher linda, Anja. Quando vai perceber isso?
– Posso até ser, mas ele é ele... Um dos caras mais desejados do mundo! Ouvi a notícia outro dia. Ele, o Taehyung, Jungkook e o Jin estão entre os caras mais bonitos do mundo. Você e o Senhor Piano formam um casal lindo. E eu?
– Você é uma das maiores bailarinas de 2019!
– E gorda.
– Não quer dizer que seja feia!
Anja ficou quieta. Bebeu mais um pouco, pensando. Era verdade que se sentia a mulher mais linda do mundo quando estava com Jimin. Ele a fazia se sentir poderosa, capaz de qualquer coisa. Gostava de si mesma quando estava com ele, porque era uma versão com menos preocupações e medos. Mas seria isso suficiente? E tinha mesmo o problema da idade. Era muito mais velha do que ele, será que seria capaz de tentar outra coisa além daquele beijo?
– Eu acho que meus relacionamentos anteriores acabaram com a minha capacidade de julgar se posso ou não posso me interessar por um homem. – falou depois de algum tempo. Estava começando a se sentir levemente embriagada.
– No singular, amiga. Quem estragou tudo foi aquele cretino do Andrey. Se não fosse por ele, você seria ainda mais famosa do que é. E veria a fila de homens que te admiram de longe porque você não deixa ninguém se aproximar. Jimin é só o primeiro da fila, você que não vê. – respondeu Alyona, fechando os olhos por alguns segundos, bem mais bêbada que a amiga. – Cadê meu celular?
Ouviram o aparelho vibrando em algum ponto dentro da jaqueta da empresária, jogada numa cadeira entre as duas. Anja foi mais rápida e pegou o aparelho e viu o identificador.
– Quem é Príncipe Cretino? – perguntou. Alyona tentou pegar o telefone da mão dela, mas não foi rápida o suficiente.
– Me dá!
– Alô?
– Noona? – ouviu a voz de Jin do outro lado. Deu risada. Amava como os coreanos chamavam qualquer mulher um pouco mais velha de "noona", era fofo.
– Oi lindo! Ouvi dizer que gosta de tocar pi... – estava falando em russo, mesmo assim não conseguiu terminar o que ia dizer. Alyona arrancou o aparelho de sua mão e desligou o telefone na cara do rapaz.
– Não era para atender! Vamos embora, já bebemos demais.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro