XXXIII: Semideuses inconsequentes
NUNCA PENSEI que chegaria vivo em casa, pelo menos vivo o bastante para aproveitar meus últimos dias ali. Long Island era única comparada com uma ilha no meio do nada, o típico cheiro do verão e a brisa do mar salgada do estreito.
O iate se aproximava da praia e um bando de crianças meio-sangues e sátiros jovens fizeram um alvoroço quando Kaique apertou a buzina na cabine de controle.
Olhei para Luka que observava a praia com sentimentos mistos e confusos. Talvez porque o garoto sofreu tanto por chegar ali, ou também porque pensava que sua vida inteira foi de sofrimento simplesmente pelo motivo de aquele acampamento existir, graças aos nossos pais divinos.
- Bem-vindo a sua nova casa - apertei seu ombro lhe dando forças. - Creio que o chalé 1 tenha muito espaço pra você.
Ele sorriu sem pêsames.
A praia ficou mais perto e os rostos sujos de terra, poeira e galhos de árvores dos campistas, mostraram que acabavam de chegar de uma luta nos bosques.
No momento que ancoramos no mar, me lembrei de quando Mira me trouxe de volta em um carro voador. O acrófobo aqui quase morrera.
Com o bote reserva, os nove mochileiros de uma ilha estranha remaram até a praia para serem recebidos por seu público.
Bati a areia da minha calça e percebi o queimado de faíscas do relâmpago que quase me atingira. Senti meu mau cheiro e a sardinha azeda precisava de um banho.
Um grupo de sátiros saiu do meio dos campistas e trotaram na nossa direção. Na frente deles, o baixinho e gordo me olhou bravo e carrancudo.
- Cumpriu mais uma missão, Sr Thunder! - Era um sátiro baixinho mas sua voz rouca e viril demonstraram que está nessa vida há um bom tempo. - Era o mínimo que podia fazer quando o Casco Fendido estava atarefado por todo o continente...
- O que ele disse é que estamos agradecidos por salvarem a vida de mais um campista - Minniot surgiu detrás do homem dizendo gentilmente.
- Ele não é só um campista - Hanks disse ao se aproximar. Então virou a todos os outros e estufou seu peito como sempre fazia nas apresentações. - Salve Mattheo Luka. Filho do Grande Zeus, rei dos deuses e senhor dos céus.
E os olhos mais curiosos e impertinentes dos pirralhos se voltaram ao garoto. Mattheo se sentiu envergonhado e procurou algum ponto no chão para não olhar aos campistas em sua frente.
- Temos muito orgulho de tê-lo aqui, senhor...
- Luka! - Pegou na mão de Hanks solidariamente. Pensei bem se seu nome era composto ou se escondia seu sobrenome, mas Hanks já sabia seu nome. - É um prazer estar aqui.
- Certamente estão com fome - Hanks indagou olhando diretamente para mim, realmente conhecia a minha fome.
- O senhor não imagina o quanto - respondi com um sorriso aliviado.
- Então todos para o chuveiro e depois para o refeitório - disse para nós quase nos farejando também. Depois se virou aos outros e tirou uma expressão séria de seu rosto - Todos de volta às suas tarefas, o almoço demorará um pouco.
Enquanto todos saíam, Dillan piscou para algumas filhas de Afrodite e Kaique puxou sua orelha de ciúmes das suas irmãs.
- Quer um tour até seu chalé? - Alice perguntou a ele.
- Deixe comigo, Licy - respondi com um sorriso. - Afinal, o chalé dele está perto do meu.
Ela acenou depois de agarrar a mão de Trevor antes de atravessaram a praia. Mira e Airam caminharam juntas cochichando alguma coisa que fez minhas orelhas levantarem.
Luka e eu caminhamos rumo ao agrupamento de chalés. Primeiro passamos em frente ao Pavilhão do Refeitório e ele admirou muitíssimo a construção grega sem teto.
- E quando chove?
- Graças a magia, a chuva não o atinge - respondi sorrindo da confusão que lhe dava na cabeça como a primeira vez que também soube disse.
Descemos por trás dos banheiros para que ele visse o grande lago de canoagem. No meio, duas canoas apostaram corrida até a margem do lago, quase fiz eles transbordarem com minhas habilidades.
Logo a fileira de chalés da parte debaixo estava à vista. O chalé de Hécate não era estranho só de noite, me dava calafrios dos pés à cabeça.
Entramos em meio a fileira dos chalés debaixo e à nossa direita estava o chalé de Dioniso. Infelizmente, alguém saiu de dentro assim que passamos por lá.
De grande estatura e com os olhos verdes mais prepotentes do mundo, Vicguis Watson nos olhou arrogantemente. Ele tinha muitas razões para ter o nariz erguido, principalmente porque era o único de seus irmãos que a barriga não pulava para fora da camisa ou que não alcançasse a toalha pendurada na porta.
- Vejo que conseguiu escapar da ira de alguns monstrengos - disse me olhando desdenhoso. - Parece que agora terá que competir seu título de "Todo poderoso" com alguém melhor que você.
A coisa que eu menos esperava naquele dia era deparar-me com meu pior rival do acampamento. Segurei meu punho para não acertá-lo e usei a arma mais cortante do mundo, o sarcasmo.
- Não Vick - fiz um sorriso falso enchendo as bochechas - Mattheo e eu podemos dividir o título. Mas, você se sente bem cultivando uvas e se embriagando com vinhos dentro desse chalé amontoado de gorduchos?
Vicguis Watson franziu o cenho furioso. Outrora os lábios carnudos e as bochechas coradas se juntaram com o cenho para uma expressão raivosa.
- Existem muitas coisas que podemos disputar, Thunder! - Exclamou prepotente quando deu as costas rumo aos chalés superiores. - Uma das coisas que não podemos disputar é quem vive ou morre, essa já sabemos quem ganha...
Aquela cara era o maior babaca da vida.
- Deixe ele, cara - Mattheo percebeu meu incômodo e fúria com o garoto. - Alguns nem merecem o nosso esforço.
- Claro - respondi agradecido. - Agora, vem. Vamos conhecer o maior chalé do Acampamento Meio-Sangue.
Quando dizia maior me referia o mais largo por fora. Uma grande caixa de mármore branco tão chamativa e brilhante ao dia que implicitamente foi uma estratégia de Zeus para mostrar que era o mais importante e poderoso. Blrr!
As portas de bronze polido eram quase como as portas do salão olimpiano. Arabescos dourados desciam de cima a abaixo com palavras gregas que enaltecem o patrono do chalé, senhor dos relâmpagos e rei do Olimpo. A única coisa legal nas portas era o reflexo que pareciam raios atravessando elas.
- O símbolo - Luka apontou para o raio brilhante estampado acima da porta. - Zeus gosta de holofotes, né?
- Você não sabe o quanto - respondi irônico. - Vou nessa. Aproveite sua estadia porque ele é seu por quanto tempo quiser.
- Obrigado.
Minutos depois, estava dentro do meu chalé apreciando a água quente do meu chuveiro. As gotas que desciam por minhas costas aliviavam cada ponto dolorido e tensionado.
Depois, quando quase caí na cama, me lembrei que precisava comer alguma coisa. Subi para o refeitório aproveitando a brisa e o cheiro da natureza do campo.
Sentei à minha mesa de piquenique observando todos cochicharem de mim. Àquela altura as únicas palavras seriam a minha volta e o sucesso da missão.
Ninfas passaram com os pratos de churrasco e pão grelhado. Fiz questão de encher meu prato de muita carne com muito molho de tomate e pães bastante amanteigados.
- Obrigado - agradeci quando colocaram a taça na minha mesa.
Faminto e dedicado a sentir o gosto do churrasco - depois de ficar quatro dias comendo marshmallows assados - , nem me importei para os importunos idiotas das mesas vizinhas murmurando sobre mim.
A duas mesas à minha direita, Mattheo se sentava sozinho e um pouco perdido com tudo o que acontecia. Campistas passaram e se assustaram ao ver a mesa de Zeus preenchida, deixando Luka ainda mais envergonhado.
Na mesa principal, vi Dioniso quase estourando os botões de sua camisa depois de tanto comer. Bebia sua taça e praguejava por ali não poder conter vinho, parte do castigo de Zeus.
Mira conversava atentamente com Hanks sobre algum assunto delicado, pois surgiram expressões preocupadas e aflitas. Logo, Hanks virou sua cadeira de rodas para que todos o vissem.
- Semideuses e sátiros - disse no típico tom caloroso de quem daria uma palestra. - Nessa tarde, temos a honra de receber nossos guerreiros e membros da Guarda-Herói depois da grande missão em Animália...
Enquanto isso, Dioniso revirava os olhos, prepotente. Sempre soube de onde Vicguis puxou os maus modos.
- Recebemos também mais um meio-sangue. Este, filho do Grande Zeus, Mattheo Luka. - o centauro continuou fazendo que todos olhassem momentaneamente para a primeira mesa.
As bochechas de Luka ficaram vermelhas como o céu noturno vermelho e nublado.
- Salvo por Yushami Thunder e pela Guarda-Herói, ele se tornará um campista como todos vocês - essa era parte que deveríamos entender como dizia devem respeitá-lo ou vão para o castigo.
- Não é todo dia que recebemos filhos de Zeus por aqui, não é?! - Dioniso se levantou para mesa e olhou surpreso para Luka. Tive a impressão de que dali nasceria o famoso protegido dele. - Esse garoto é o mais novo conselheiro-chefe e por sua chegada realizaremos amanhã um famoso Capture a bandeira.
Ele tinha a cara perversa de quem queria ver o mais cedo possível nosso sangue se derramar enquanto se divertia comendo suas uvinhas, afinal, éramos um bando de ignorantes dificultando ainda mais o seu castigo.
- No sábado, senhor? - Mira perguntou-lhe.
- Claro - respondeu com uma risada misteriosa. - Temos uma ocasião especial!
Se sentou novamente e então todos voltaram ao alvoroço de perturbar o almoço com conversas desinteressantes.
Mattheo se afundou na mesa de vergonha enquanto continuava sendo o senhor dos holofotes na hora do almoço. Sorri para ele que quase não comia nada de seu prato.
A refeição se foi e todos começaram a deixar o pavilhão. Alguns passaram por mim e me olharam com desprezo, a maioria deles filhos de Ares e Dioniso. Outros olhavam para Luka como se acabassem de ver um relâmpago cortar uma árvore ao meio, mas não era todo dia que se via o filho do deus que reinava a parada toda e que poderia fazer qualquer coisa que quisesse.
Eu fiquei ali, observando a minha mão avermelhada e dolorida onde estava o corte sem cicatrizar. Me lembrei da noite que o ciclope o fizera e da minha espada cortando sua barriga profundamente.
- Precisamos conversar sobre isso - Mira apontou para o meu machucado. - Sei de algo que pode ajudá-lo tão poderoso que pode curá-lo por completo.
- Não quero cura - lhe respondi ignorante quando me levantei e caminhei para a saída.
- Precisa sim! - Mira passou por mim em um reflexo e estava parada de braços cruzados na minha frente. - E eu vou buscar para você assim que formos na reunião do Olimpo..
- Eu não quero isso - disse mais incomodado do que anteriormente. - Talvez mereça isso. Depois de tudo o que eu fiz, desafiar a ira dos deuses e mesmo assim não conseguir o que eu queria, talvez eu morra em paz pensando que minha família mortal nem possa saber que eu existo...
- Não seja duro com si mesmo - Luka se levantou e veio até nós. - Eu ser pego não tem nada a ver com o fato de ter questionado muitas coisas e desafiado tudo o que existe. Não fui cuidadoso e por isso fui levado à cativeiro. Não se culpe.
- Não preciso de conselho sobre auto-ajuda, galera - disse não lhes dando atenção. - É sério!
- Em toda a minha vida, nunca vi um garoto tão difícil como você - Mira disse com decepção por si mesma, como se fosse culpada por não nos ajudar a nos sentirmos bem. - Mas, talvez algo ajude...
- Se for uma garrafa de uísque - dei de ombros e mau humorado.
- Não - respondeu com um sorriso misterioso do tipo que estava convicta de suas intuições. - Me encontrem na Arena às três. Você também Luka, tenho algo para nós.
Ela saiu como uma adolescente empolgada e nos deixou ali confusos. Mattheo riu pela reação de Mira e eu também.
- O que achou da recepção do acampamento? - Perguntou esperando uma resposta bem precisa que sempre fora a mesma de qualquer um.
- Um pouco...
- Exagerada?! - Perguntei retórico e ele concordou. - Sempre assim.
Mattheo reparava todo o local. Cada mesa. Cada coluna do refeitório. Era um lugar exatamente novo para ele, aliás, era o melhor lugar que poderia existir depois de ver tanto tempo no desconforto.
- O que vocês fazem no resto do dia?
- Quando não estou espiando as filhas de Afrodite tomarem banho no lago?! - Curti vendo me olhar espantado. - Ah, a gente treina na arena. Pratica canoagem. Escala a parede de lava. E até jogamos voleibol na quadra.
- E você joga?! - Nesses momentos a gente encontrava amantes dos esportes, media meus atributos físicos e tirava sua própria dedução sobre minha capacidade atlética.
- Eu sou péssimo em esportes - não foi tão vergonhoso admitir. - Mas não se engane, também não passo o dia fazendo vasos de barro com desenhos gregos ou pintando quadros nas Artes e Ofícios.
- Suponho que seja aquela construção ali - Luka apontou para a edificação logo abaixo do anfiteatro.
A mais bela de todas. Sua desenvoltura era de mármore grego decorado por canteiros de rosas cultivados pelos campistas do chalé 10. As janelas estavam abertas e mostravam os campistas que se dedicam mais às artes do que à espada.
- Aqui sim é Atenas - disse observando os campistas através da distante janela que estava aberta. Logo nos aproximamos das forjas e ele se dirigiu aos filhos de Hefesto que de lá saíam. - E aqui é Esparta.
- Um dos melhores lugares para mim - indaguei satisfeito.
Luka observou cada pessoa ir e vir pelo campo. Talvez fosse a primeira vez que encontrava muitos outros como ele, outros com dislexia e TDAH, que se sentiam normais e não eram julgados.
- Precisamos de uma arma para você - observei enquanto se impressionava com os filhos de Hefesto saindo com espadas e escudos de dentro das forjas.
- Eu perdi minha espada quando lutei com uma dracaena há três meses - ele disse tristemente. - Ela escapuliu de minha mão e se quebrou quando arranquei a cabeça do monstro.
Olhei surpreso para ele.
- Eu já estou nesse lance há um bom tempo - percebeu minha reação. - Não precisa agir como se eu fosse novato no assunto. Na verdade, trabalhar sozinho sempre me deu mais vantagens...
- E é pra isso que você está aqui - disse antes de bater em seu ombro e caminhar para as forjas. - Estamos aqui para aprender a lutar em coletividade.
- Isso vai dar ruim - balbuciou pessimista quando viu meu sorriso sádico.
O cheiro de metal derretido e carvão queimado era o principal aroma das forjas. Filhos de Hefesto faziam armas com bigornas e martelos, enquanto na parte da frente, as prateleiras estavam cheias de espadas e escudos.
- E aí, o que vão querer pra hoje? - Uma das garotas apareceu com a cara suja de carvão e as luvas repletas de óleo.
Então ela identificou a mim Luka.
Os olhos caramelados e os cabelos cacheados eram mais bonitos que as sete maravilhas do mundo. Sua pele morena brilhou à luz do sol por uma brecha na parede.
Era Paola Sanchez, a garota latina de Hefesto que possuía as mãos mágicas para fazer qualquer arma que se imagina.
- Oi Paola! - Lancei-lhe um sorriso quando vi sua expressão incrédula.
- Pelos deuses, Yushami Thunder e o filho de...
- Zeus! - Luka estendeu a mão para cumprimentá-la, o ego já subia a cabeça. - Mattheo Luka.
- Poderia nos ajudar a conseguir uma espada para meu amigo? - Perguntei enquanto seus olhos dourados ainda se encontravam no rosto de Luka. - Algo não muito pesado, mas nem tão leve. Maleável e que equilibre os ombros e dê movimentos precisos...
- Parece que você conhece mesmo de espadas - Luka sorriu.
- Anos de experiência - respondi antes de seguir a garota até às prateleiras.
Ela começou a tirar lâminas de todos os tamanhos, de todos os tipos. As gregas eram as mais comuns, mas as crianças de Hefesto não perdiam tempo para fabricar armas de qualquer cultura do mundo.
- Esta - Luka brilhou os olhos em uma gládio e tirou-a da mão da garota. - Usada por gregos e romanos. Eram feitas de bronze, mais tarde os romanos decidiram fabricá-las com ferro...
- Poucos aqui têm conhecimentos sobre armas como você! - Paola se surpreendeu.
- Acho que está no meu sangue - sorriu gentilmente para ela.
Passou o dedo sobre os gumes da espada cuidadosamente. Gládios eram bastante afiadas dos dois lados, mas a ponta também não perdia para os gumes.
- Cortes de dez centímetros de profundidade com a ponta dessa espada - Luka disse logo depois de tocar a ponta. - Os soldados descobriram que a ponta faz ferimentos mais profundos quando os gumes deixam eles apenas mais expostos...
- Algo me diz que você já teve uma espada dessas - disse para ele ironicamente. - Não é?
Ele riu e confirmou. Guardou-a na bainha e agradeceu a filha de Hefesto.
Caminhamos para fora e mostrei a Arena de Combates. Mira nos queria lá às três, o que quer que lá estivesse nos esperando, não era nada bom.
Ninfas e sátiros passavam correndo por nós. Filhos de Deméter cultivando algumas plantas na beira de pedras. Filhas de Afrodite passaram por meninas e lhes entregavam batons e cosméticos, elas sim sabiam aproveitar o tempo para comercialização.
Avistamos os pilares negros da Arena de Combates. A arena central tinha alguns campistas assim como os assentos em suas extremidades.
Alguns filhos de Atena afiavam as espadas em pedras cortantes. Os filhos de Ares verificaram se a ponta tinha força o bastante para picar alguém.
O maior deles guiava as crianças em duplas para combate com esgrima. O maior deles era outra pessoa que eu também não queria ver naquele dia, Ancísio Strong.
Luka e eu nos aproximamos silenciosamente para não atrapalhar o treinamento dos campistas. Ancísio nos notou por cima dos ombros e lançou-nos um sorriso sádico.
- Olha só quem vemos aqui - indagou fazendo com que todas as crianças nos observassem. - Yushami Thunder e o filho de Zeus...
- Caras assim a gente detona com sarcasmo e os punhos - eu sussurrei para Luka antes de me virar aos outros. - Estava com saudades de mim, cara?!
Ele me fuzilou com os olhos.
- Não esqueceu sua espada dessa vez, não é?! - Ergueu uma sobrancelha com sadismo.
Levantei o cilindro de meu bolso e logo se transformou na minha espada.
- Está bem aqui - disse me aproximando dos outros. - Mas não quero uma briga com você. Na verdade, é ruim tirar o título de alguém que se diz filho do deus da guerra, não gosto de fazer humilhações...
Ele praguejou alguma coisa como queime até o Tártaro e praga viva de Poseidon.
- Estou aqui para mostrar ao meu amigo, como você luta mal - respondi sarcástico e por cima dos ombros vi Luka rir. - Mas relaxe, não vamos tirar muito o seu tempo.
Ancísio começou a tirar a espada da bainha.
- Não se esqueça que quem lhe ensinou a lutar foi um filho de Ares - ele sorriu torto.
- Mas não foi você. Nunca chegaria aos pés de seu irmão - respondi bravo para ele. - Seu irmão tinha humildade e compaixão. Você não!
- Ah, Thunder - suspirou cínico. - Ficou sentimental depois de ir para aquela ilha?
Garotos assim só mereciam uma coisa: socos e serem colocados na posição que merecem.
- Você não vale a espada que usa - disse para ele com raiva. - Nem vale o título que tem...
- Talvez eu ensine você como um guerreiro de verdade luta - o filho de Ares tirou sua espada da bainha. - Ainda sabe?
- E você não sabe como! - Sorri cínico quando minha espada se formou novamente em minha mão.
As crianças da arena se afastaram para nós. Mattheo me olhou um pouco confuso, talvez porque estivesse com medo que qualquer hora o colocasse em uma briga.
Ancísio fechou o cenho bravo como um verdadeiro espartano. Sua mão apertou a espada quase ao ponto de quebrar seu punho. A lâmina de bronze brilhou com a luz do sol que irradiou pela arena.
Correu em minha direção. Minha espada entre o rosto parou seu golpe na minha cabeça.
Pressionou sua espada para frente e eu a forcei contra ele.
Em um instante meu cotovelo atingiu seu rosto e ele cambaleou para trás. Se recompondo, analisou meu corpo em busca de algum ponto fraco.
Ter chances contra um filho de Ares é preciso muita sorte. No meu caso, passei anos observando-os e analisando seus golpes e movimentos. Aprontei minha espada e limpei a areia de minha calça.
Ancísio fez o mesmo golpe com a espada, mas quando fui impedi-lo foi rápido o bastante para me dar uma rasteira.
Senti minhas costas em queda no chão. Ancísio tinha muita força nos pés para me derrubar.
Me levantei às custas, pelas minhas condições naquele momento não me recuperaria tão rápido. Limpei a areia de minha calça e aprontei minha espada.
- Tem certeza que aguenta isso, filhote de peixe?
- Nem imagina o quanto, soldadinho de Ares - critiquei-o antes de ouvir um trovão ribombar. - Ainda têm fôlego?
Segurou as espadas com as duas mãos e seguiu em minha direção. Uma coisa era certa: não se pode vencer um filho de Ares usando a força bruta, mas bastava usar a mente.
Se não consegue atacar, então se defenda. Era a primeira estratégia para vencer alguém como Ancísio.
Os cortes de sua espada atingiram o vento quando me desviei. Esquerda. Direita. Era o curso que sua lâmina fazia.
Meio-sangues não se cansam tão rápido, mas também não tínhamos fôlego infinito.
Cheguei um pouco para trás e analisei o próximo golpe. Golpe com a ponta de sua espada, por simplesmente se fixar em meu abdômen. Então sabia o que fazer.
Caminhou em minha direção com a espada esticada rumo ao meu abdômen. Me esquivei para frente em uma cambalhota pelo chão e quando ele se virou, o pomo de minha espada o atingiu.
Cambaleou para trás um pouco sem ar. Mais um golpe desse e ele não teria tanto fôlego para continuar lutando.
Caminhou de novo e quando o golpe à direita seguia ao meu pescoço, me inclinei para trás. Quando sua espada armou outro golpe, atingi-o novamente.
Ancísio estava cansado. Só precisava desarmá-lo quando se aproximasse de mim.
Tentou não mostrar-se vulnerável e correu até mim. Dessa vez, trocamos ataques cruzados por alguns minutos.
Direita. Esquerda. Minha espada defendeu seus golpes. Quando deu um passo atrás, preparei minha espada na mão.
Esticou a espada para frente. E então a lâmina da minha atingiu-a, não muito forte. Girei a minha espada sobre sua lâmina e quando estava sob a sua, eu a inclinei para o lado.
À sua direita, a espada caiu fincada no chão.
-Se não conseguirmos vencer um filho de Ares, então o desarmamos - me virei para as crianças e elas sorriram para mim.
Ancísio se levantou do chão e atingiu meu estômago com um soco.
Caminhei para trás sem fôlego e Luka me segurou. Olhei furiosamente para o filho de Ares quando recuperava meu oxigênio.
- Não sei se você é tão forte agora - ele riu sádico. - Aprenda que não gostamos de perder.
Senti meu corpo formigar como se estivesse recebendo uma pequena carga elétrica. Olhei para o filho de Zeus e vi sua face estar tão escura como uma tempestade.
Um pouco acima de nós, uma nuvem escura soltava faíscas de relâmpagos e pequenos sons de trovões. Mattheo iria acertar Ancísio.
O filho de Ares olhou completamente assustado para cima, nessas horas que perdia sua coragem eu sabia que Ares se envergonha dos filhos. Mesmo que quisesse vê-lo sofrer, não era justo morrer tão jovem.
Olhei para Mattheo e neguei com a cabeça. Ele parou então e seu rosto continha apenas os olhos azuis-celestes que me dava inveja.
- Se precisa de outros para te defender, então não é tão corajoso e forte assim! - Gritou para mim recompondo sua coragem e ironia.
- Não preciso de ninguém para me defender!
- Precisa sim - respondeu com um sorriso torto e maldoso. - Você tem medo de si mesmo. Tão inconsequente que pôs a vida desse garoto em perigo. A verdade é que você já não sente mais todo o poder de um meio-sangue.
Segurei meu punho para não acertá-lo. Mas ele estava certo, por isso me incomodou; era um inconsequente que não media meus atos, era um garoto que restava pouco tempo e que iria pagar por tudo o que causou as pessoas boas do seu lado. Eu era mais um herói fracassado.
🌊🔱🌊
Essa doeu até em mim kkkkk
Desculpe o tamanho galera, a inspiração chega e o autor aqui se empolga. Mas espero que tenham gostado!
Se gostaram, votem, cometem e compartilhem para todos os seus amigos semideuses.
Vejo vocês em breve.
Xoxo. Johnny
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