XXI: Ilha Fantasma
LÁ VAMOS NÓS, entrar no meio do redemoinho e ser puxados por Caríbdis. Nosso iate girava a mais de 200 km/h e rezei para meu pai, o senhor dos mares que não nos deixasse naufragar.
Mas então eu não enxerguei mais o céu escuro, estávamos dentro do redemoinho. Caríbdis, no recife estava pronta para nos engolir em meio aquele grande funil de água. O nosso iate girava e descia mais um pouco abaixo do nível do mar, o céu foi ficando cada vez mais distante e a parte de fora do nosso iate começava a encher-se de água. Começamos a afundar e esperava que o iate fosse mesmo resistente.
- Pelos deuses, vamos para o fundo do mar! - Kaique gritou.
- E depois vamos para fora de novo! - Gritei me segurando na haste do painel de controle enquanto víamos tudo girar em 360° a 200 km/h. - SEGUREM-SE!
Afundamos mais. A água já era a única coisa acima de nós quando o céu sumia feito a luz em um túnel escuro. Sentimos uma pressão como se a gravidade puxasse nossos pés para baixo e quisesse nos pressionar com dois dedões amassando piolho. Caríbdis nos puxava para baixo e estava prestes a nos cuspir.
- Mais alguns minutos e a gente sobrevive! - Tentei dizer sem histeria, mas o máximo que saiu foi um boi berrando quando se via entrar no matadouro. - Aguenta firme, pessoal!
- Eu devia ter te enfiado minha espada no nosso primeiro treinamento - Airam resmungou à minha direita. - Isso e não estaríamos aqui seguindo você.
- Ei! - Me senti ofendido. - Você não viria se não quisesse.
Então fomos puxados ainda mais para baixo. Em meio àquele turbilhão alvoraçado de água, pude sentir o meu sangue ferver e circular meu corpo como a velocidade de um maremoto. Ali, quase no fim do redemoinho e nas profundezas da água, pude sentir o domínio de meu pai.
Então descemos com o dobro da velocidade, como um carro de montanha-russa descendo em espiral e sem freio - só parava quando morrêssemos prensados no chão. Mas em um segundo, vimos a pressão nos puxar para cima, o nosso iate e muitas outras coisas perdidas no oceano voaram para cima.
Para um barco que só ficasse no mar, parecia um avião quando voamos para cima e minha acrofobia quase me matou. Depois, quando o iate viu que não tinha asas, despencamos em direção à água que estava à frente de Caríbdis.
- EU MATO VOCÊ, THUNDER! - Trevor disse quando se segurou na borda da parede com seus pés fora do chão.
Então caímos no mar de novo. Dessa vez à nossa frente só tinha um céu claro e um mar calmo, nada de Squila e Caríbdis. Os monstros ficaram para trás e quando saímos para fora não nos atrevemos a olhá-los, porque à nossa frente havia uma coisa mais bonita que qualquer outra que nossos olhos já viram.
Sem dúvidas era Animália, e sua praia era ainda mais linda do que a Praia dos Fogos. Ali de fora, o vento fresco em meu rosto e a brisa salgada do mar me faziam sentir mais vida e força naquele momento.
Animália, a ilha fantasma mais poderosa dos deuses e que poucos conhecem de sua existência, era linda. Mesmo a alguns quilômetros de distância, tudo estava nítido e claro. Sua montanha mais alta se assemelhava ao Punho de Zeus do acampamento, e seu topo quase nas nuvens era bastante semelhante ao monte Olimpo na Grécia. A floresta adentro me dava a mesma visão que os bosques de Long Island vistos pelo Estreito.
Então a leve sensação de algo ruim percorreu minha espinha. Aquele lugar, mesmo que nunca houvesse o visto antes, era como eu me lembrava, porque eu me lembrava dele nos sonhos.
A águia que desceu das montanhas. O chão fervente e trêmulo. Eu o havia visto em um sonho quando Zeus, a águia, havia discutido com seu irmão Hades, a terra. O sonho em que o senhor dos deuses culpava a filha de Hades pelo sumiço de seu filho, culpava Alice Hyneong.
- Yushi, você está bem? - Alice tocou seus dedos frios e leves em meu ombro, em um choque frio pelo corpo voltei à realidade.
- Bem, eu quase acabo de naufragar no ponto mais perigoso do mar e quase virar comida de monstro marinho! - Eu disse estupefato. - É, acho que agora estou bem.
- Que ótimo! - Alice disse como se fosse uma coisa banal e a menor da que tínhamos ou veríamos naquela semana. - Você está mesmo preparado?
- Por que você pergunta, Alice? - Eu perguntei duvidoso. - Não está com medo de que eu falhe e deixe seu amiguinho morrer, está?
- Você é mesmo um estúpido, Yushami! - Ela disse mais alto e todos nos olharam. - O cara mais babaca da vida.
Eu sei, vacilei naquele momento. Mas somos imprevisíveis quando o ciúme - ou essa coisa mesquinha de paixão - sobe à nossa cabeça. Alice me deixava louco, no início era quem mais odiava em toda a minha vida de semideus, e agora me fazia sentir ciúmes dela com um cara que nem conheci ainda - um semideus poderoso como nós, afinal.
- Caraca! Essa ilha é tão real quanto Ogígia. - Dillan arregalou seus olhos quando a vista da praia foi ficando mais próxima.
- Só espero que não tenha uma deusa doida que cuida dos heróis feridos que passam por lá! - Kaique respondeu quase apavorado.
Alice me olhou mais uma vez do tipo "você pisou no meu calo" ou "uma vez babaca, sempre babaca". Seu olhar se voltou à praia, havia preocupação e temor no rosto da senhora da bravura. Alice sentia medo, lá dentro ela sabia que quando sua visão estivesse voltada à Mattheo Luka em sua frente, ela se sentiria culpada pelo que o garoto passou.
Airam ao meu lado parecia se maravilhar com a beleza da ilha, na verdade, aquele lugar foi onde todos nós havíamos chegado mais longe do que quaisquer outros campistas. A filha de Atena me fitou com suas íris carameladas - diferença única entre ela e seus irmãos de olhos cinzentos - e eu vi de novo toda a nossa infância
- Você deve saber usar uma espada muito bem se quiser ser o próximo Héracles da vida - Airam com seus treze anos tinha a mesma coragem e cinismo.
- Sei lá. Estou mais para Prometeu, sendo castigado pelos deuses, do que o próprio herói de sinônimo de força! - Eu disse sentindo o peso da arma longa e larga em minha mão.
- Um dia você irá ser tão forte quanto qualquer outro herói de nossas histórias. - Airam me disse debaixo de seu convencimento e sadismo. - Uma profecia irá predestinar sua vida e você provará aos deuses a sua capacidade.
- Que isso não demore - resmunguei cabisbaixo e cético.
Airam Mulky então se aproximou de mim. A minha primeira amiga do Acampamento Meio-Sangue, depois de Dillan, acreditava mais em mim do que eu mesmo. A filha de Atena era boa em espadas do que qualquer um dos seus irmãos do chalé 6, mas conseguia me dar esperanças como a diretora Shan, a pessoa mais próxima de uma família para mim.
- Está tudo bem, Yushami? - Luara pegou em minha mão sobre os braços cruzados.
- Ahn... Estou ótimo! - Voltei à tona quando avistei a praia a poucos metros de distância.
- Ele não está bem, Luara! - Airam disse me olhando sádica e sincera. - Yushami está com medo.
Será que todas as garotas se uniram contra mim para acabar com o ego de garotos mimados? Já me bastava a tensão em mergulhar numa ilha cheia de criaturas de outro mundo e jogar na minha cara que eu tinha medo já era demais.
- Vamos logo, meninos. - Mira disse quando a praia estava a poucos metros.
O iate começou a diminuir velocidade. Logo ancoramos no mar próximo a beira da ilha. Pegamos todas as nossas coisas e suprimentos para desertar em Animália.
Naquele momento que guardava as minhas poucas coisas na mochila, foi como guardar meus pertences aos doze anos. O garotinho amedrontado com o monstro que quase o matara, o garotinho que fora salvo pelo amigo antes de ter seu corpo esmagado pelas mãos enormes de um ciclope.
"Você vai mesmo embora?" A voz de uma das crianças era vívida e nítida. "Achei que moraria aqui até seus dezoito anos, Yushami!"
Todas as crianças, meus irmãos órfãos e sem nenhum parente vivo, me viram sair pelo corredor quando a senhora Shan me esperava na porta da diretoria.
"Você foi um bom garoto, Yushami." Seus olhos verdes estavam contentes ao me ver, seu rosto tão reconfortante como o de uma mãe. "Espero que o senhor Hanks, seu novo tutor cuide bem de você."
Eu arrumei os óculos que caíam do rosto. Cogitei em como um garoto disléxico poderia ser bem cuidado, eu, como Dillan, não era normal.
Eu nunca fui normal. Deveria contar a sra Shan dos meus sete anos quando um bando de garotos tentaram enfiar a minha cabeça na privada mas, magicamente, a encanação explodiu? Ela não acreditaria. Nem aos dez anos, quando duas mulheres com óculos escuros e com pano na cabeça, que uma delas deixara uma mecha de cabelo cair - com uma cobra no lugar da mecha. Eu era estranho e esse lugar em Long Island que Shan me mandaria não fazia eu me sentir bem.
"Quero que nunca perca a essência de um garoto tão corajoso e gentil." Ela passou seus dedos flácidos pela emoção em meio rosto. "Lembre-se de seu sobrenome, Yushami. Seja como o trovão, que venha à tona no meio de uma tempestade. Seja forte, mostre ao mundo seu poder."
Uma lágrima caiu do meu olho. Shan era a única pessoa que não pensava como os outros sobre mim; ela acreditava no potencial de um nerd disléxico que estudava com muito esforço e de um garoto meio-corcunda e totalmente sem amigos.
Dillan apareceu na porta, meu amigo que fora para o mesmo lugar que eu iria. Não foi estranho quando me dissera que teríamos o mesmo tutor, pelo contrário, Dillan era como meu irmão.
Seus olhos azuis me encontraram no meio da sala. Sua pele bronzeada brilhava como bronze na pouca luz que entrava pela janela da diretoria. Só fazia dois anos que ele fora adotado, e com 14 anos ele ultrapassava todos os garotos em porte físico e anatomia perfeita.
"Você está pronto para irmos, mano?" Ele pegou a mochila de meu braço e encarou Shan. Ambos se entreolharam em troca de diálogos secretos, eu me incomodei. "Olhe só, Yushami. Esse lugar é onde você irá se sentir seguro enquanto permanecer. Um lugar onde sua jornada começa e se tornará o que nasceu para ser.
O que nasci para ser. Disse isso a mim mesmo quando pus a mochila só em um de meus braços.
- É hora de enfrentarmos nossos demônios, Yushi! -Dillan colocou sua mão em meu ombro quando pegou o casaco preto sem mangas sobre seu saco de dormir.
O que ele quis dizer com enfrentar nossos demônios, eu fingi não entender.
- Você não está com medo de estar aqui, você está com muito pavor. - Dillan olhou-me profundamente e disse com seu tom fraterno. - Aqui você põe a prova de novo a sua capacidade de ser um herói. Você tem medo de falhar, mas isso é normal.
- Eu não tenho medo de falhar, Dillan!
- Tem sim - respondeu convicto. - E eu te conheço. Sei que no fundo o garotinho indefeso de doze anos quer gritar e chorar. Sei que seus olhos castanhos sem óculos enxergam muito bem o perigo à sua frente.
Dillan, meu melhor amigo, me fazia mergulhar em mágoas.
- Mas eu estou aqui. Todos estamos - fez um gesto abrangente. - Eu sou seu melhor amigo, Yushami. E nós dois vamos sair vivos dessa ilha-fantasma.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro