II: Semideuses da noite
OLHEI PARA A minha espada sobre uma pequena poça de neve aos pés de uma lata de lixo. Meus dedos não a alcançariam tão rapidamente, estava longe.
A dracaena se aproximava, as duas caudas de serpente rastejando até mim. Os olhos amarelos me fitavam diabolicamente, deixando que uma pontada de medo subisse por minhas vértebras.
Ouvi passos ferozes atrás de mim. O ciclope também se aproximava, os dois prontos para me encurralar. Estavam prontos para me torturar até que achassem as crianças e fizessem delas o seu jantar.
Malditos! Bufei quando o sibilo da mulher me trouxe calafrios.
A risada do monstro caolho surgiu tão perto que olhei para cima. Lá estava o grande ciclope, o seu rosto parecia inalcançável quando o via deitado no chão, ainda com as costas doendo pelo impacto.
— Atum não parece problema – ele riu para a dracaena. — Vamos comê-lo. Proles de Três Grandes podem ser sabor…
— Não! – ela gritou. — Devemos deixá-lo imóvel até eles chegarem. Mas precisam dele vivo…
Uma onda de medo tomou conta da minha costela, meus cabelos arrepiaram subitamente.
Olhei novamente para minha espada. A lâmina prateada brilhava como se pedisse para que a usasse. Se agisse rápido demais eu poderia pegá-la.
Por que seria tão difícil? Já enfrentara muitos monstros nos últimos sete meses, não poderia deixar aqueles dois serem mais perigosos e impertinentes do que as criaturas que encontrei no Novo México — os berserkers.
Observei os dois rapidamente, tão focados em discutir algo como precisam dele vivo ou torturar um pouco não seria tão ruim. Então a parte corajosa — e estúpida — do meu cérebro, fez meu corpo levantar rapidamente.
A dracaena olhou-me estupefata, antes que me movesse para frente. Deslizei de joelhos novamente e alcancei a espada sobre a poça de neve.
Agarrei-a com força. Era indescritível a sensação que me tomava, como se sentisse todo o poder que emanava da simples arma que ganhara de meu pai há alguns anos. Ela fazia eu me sentir poderoso, imbatível; dava à minha casca frágil e contraditória, toda a confiança que um guerreiro poderia ter.
E então o monstro caolho se aproximou.
Com a espada protegendo o flanco, me levantei e analisei todos os limites do meu ambiente. Tão próximo a parede seria mais fácil de me encurralar.
Ele deu um passo. O olho vidrado em mim enquanto a dracaena, atrás dele, ia em direção ao monte de sacos.
Deu mais um passo e avançou.
Os punhos cerrados para acertar meu rosto pequeno e frágil comparado ao monte de massa na extremidade de seus pulsos.
Com a espada no flanco, ergui-a pela lateral atingindo os pulsos do ciclope. Rugiu de dor, se afastando rapidamente.
Quando se afastava, seu corpo deu lugar para que eu visse a dracaena mais perto de chegar até os três meio-sangues.
Dei um passo à frente. O ciclope me fitou furioso antes de rugir.
Se aproximou novamente e tentou acertar o meu rosto. Esquivei meu corpo para trás desviando de seus punhos que sangravam.
Cravei a espada no meio de seus punhos, unindo-os como um grande pedaço de carne no espeto pronto para ir à grelha — carne de ciclope.
O sangue jorrou pela minha lâmina, atingindo os meus dedos.
Um rugido saiu de sua garganta fazendo a dracaena se virar assustada.
Arranquei a espada velozmente, aumentando a dor do monstro. Outro golpe e eu o faria virar pó.
Ele deu mais um passo. Afastei para trás, segurando o punho da espada com as duas mãos. Fechei meus olhos e deixei que o poder emanado da lâmina pudesse me envolver.
Eu sabia que o monstro estava na minha frente, o ardor de minha espada dizia isso. Inclinei os ombros para trás, e logo para frente. A espada atingiu a sua barriga…
Mas que droga!
Um tentáculo frio e escamoso agarrou minhas mãos sobre o punho. A dracaena puxou-os para o lado com uma de suas caudas e a espada saiu de minhas mãos.
Forcei meus pés para avançar, ainda que estivesse de mãos vazias.
O ciclope interceptou-me com o impulso de seu ombro em meu estômago. Senti minhas costas baterem sobre a parede.
Eu tinha certeza que meu corpo não tinha a mesma estrutura que a água. Eu não era feito de gelatina, era feito de ossos — esses quase quebrados e latejantes de dor.
O ar fugiu de meus pulmões quando o monstro acertou o meu diafragma. Pontos pretos se formavam no canto dos meus olhos, ainda mais escuros que toda a noite vazia e o céu e estrelas.
Tentei puxar o ar para meu corpo enquanto via a mulher-dragão se aproximar. Tampouco o encontrava.
Não havia nada para respirar, o meu fôlego só encontrara o vácuo na sua tentativa falha.
Mais e mais. A pressão em meu peito parecia aumentar quando o diafragma, outrora pressionado pelo ciclope, voltava a sua contração normal.
Quase apagara, por míseros segundos eu estaria desacordado no chão, sem fôlego.
Mas não mudava nada, não quando as minhas costas atingiram a parede concreta e fria. Não quando meu quadril doía mesmo caindo num monte de papelão e sacos pretos.
A espada estava longe dessa vez. Não conseguiria alcançá-la, não conseguia me mover.
A dracaena me fitou com as orbes felinas monstruosas. Se aproximou lentamente, com a língua reptiliana à mostra, o seu sibilo agudo e alto deixara meus pelos arrepiados.
— Esssstá com medo?! – Ela sibilou próximo ao meu rosto.
Naquele instante, não tinha forças para mexer meus braços ou me levantar.
— Não é tão forte quanto parece.
Eu faria picadinho daquela língua grande! Suspirei fundo quando uma nuvem de vapor se formou próximo às minhas narinas. Droga, eu não tinha força para isso.
— Pegue ele – virou-se para o ciclope. — Leve-o para o coven. E depoisss que matar sssua fome com os outros, lembre-se de limpar a sujeira.
Maldita!
Fechei meu punho com força, com o ódio e desespero que se misturavam como a neve e o frio ao nosso redor.
Precisava me levantar, matá-los e ir para casa. Eu não aguentaria muito tempo, meu corpo descoberto não aguentaria o frio da madrugada e a nevada que se formava ao longe.
Observei a mulher dragão rastejando até o caminho que ligava o beco à calçada de onde viemos.
Não dera mais nenhum passo.
— SSsanto Tártaro!
A dracaena estava parada analisando o breu em sua frente. Alguma coisa ali a incomodava, algo que meus olhos não captam na imensidão da rua escura do Brooklyn.
Ela rastejou para trás cuidadosamente, como se tivesse medo. Seu rosto virou de repente, frenético.
Ela estava com medo.
Deu as costas ao vazio e correu na direção do ciclope, à minha frente.
Um vento ríspido veio de encontro a nós, como se tivesse forma. Sua textura era como vidro, as gotículas do ar enrijeceram a minha pele.
E o vento… O vento envolveu a mulher.
Seu corpo voou para trás. Um grito frenético saiu de sua garganta quando seu corpo foi sugado fortemente para trás.
Meus pelos arrepiaram. A maldita sensação de algo errado me tomou, deixou cada parte do meu corpo alerta, queimando como fogo para que pegasse minha espada e saísse o mais rápido dali.
O grito soou das sombras. A voz da dracaena não era tão monstruosa quanto seu grito apavorado.
Mas… O que deixa um monstro apavorado?
Senti o medo se materializar no arrepio em minha costela.
O ciclope se aprontou, pronto para ir até o beco e encontrar a sua companheira. Mas algo o tomava, o mesmo receio da mulher-dragão, uma pontada de medo deixava o monstro de dois metros impotente…
O último grito foi ouvido junto ao mais alto uivo do vento.
Meus olhos captaram algo estranho entrar no meu campo de visão. Atingiu os pés do ciclope antes de um grande plaft lhe causar incômodo.
Um objeto… oval… volumoso…
A cabeça da dracaena.
Ele dera um passo para trás. O seu único olho fitou mais uma vez a cabeça aos seus pés, a cabeça de sua companheira.
E então, o vento uivante soou mais uma vez. Desta vez não era mais uma grande quantidade de oxigênio em movimento, era uma névoa tão escura que podia se distinguir da própria sombra.
A névoa cobriu o poste na beirada da rua, retirando a maior fonte de luz do beco.
Uma risada caótica soou tão alto como o som das liras desafinadas dos filhos de Apolo. Uma risada que deixara minhas pernas imóveis, como se respondessem ao próprio medo, como se perdessem o seu controle.
As sombras rodopiavam como um pequeno ciclone. Em movimentos calmos como o rastejar de uma serpente. E então se abriram em duas partes.
Surgiu uma silhueta. Uma garota de pele negra, os olhos vermelhos como fogo, cheios de raiva, de poder.
As suas mãos apontadas para baixo, com os punhos cerrados pareciam controlar a névoa, ela comandava as sombras.
Os cachos negros como a noite respondiam ao vento que nos tomara. Os olhos vibrantes fisgaram o ciclope quando o vermelho se intensificou, como se as íris queimassem como fogo.
— Monstro! – Ela disse, a voz potente e poderosa. — Você vai ter o mesmo destino da sua amiga…
— M-Meio-sangue. Feiticeira! – Ele gritou tão frenético quanto a dracaena anteriormente. Num instante recuou, no outro estava pronto para avançar até ela.
As suas pisadas fizeram o piso estremecer. As latas ao meu redor pularam como pipoca, o meu quadril vibrou com o impacto de seus passos.
Mas olhei novamente, as sombras tomam forma quando a menina move os braços para frente. A forma de uma lâmina atravessou a sua barriga arremessando para trás.
Olhei para onde o corpo iria cair. Pelos deuses! Iria cair em cima das crianças.
Crash!
Às suas costas, outra lâmina o atravessou. Esta segurada por um garoto alto, tão pálido que o fazia brilhar em meio a escuridão.
O ciclope não estava mais lá. Evaporou. Sua essência agora voltara ao Tártaro, o lugar que abrigava todos os malditos monstros que nos atormentam desde o início do mundo.
— Yushami Thunder – não percebi uma presença ao meu lado, até que avistei a garota.
Pisquei meus olhos novamente, desacreditado com o que via. Os olhos antes vermelhos estavam negros agora.
Ela estendeu a sua mão e recuei por um minuto. Ainda que tivesse matado aqueles monstros, ter salvo a minha vida, algo me dizia para não confiar.
— Pode confiar em mim – ela disse com pesar aquelas palavras, como se não precisasse de minha confiança.
Se aborrecera pelo tempo que sua mão estava estendida sem que reagisse.
— Na verdade, não me importo com isso…
— Raven! – o garoto repreendeu-a. Sua voz era amistosa, mas febril. Num instante tive vontade de dormir ouvindo-a, como uma canção de ninar.
Então meus olhos se atentaram quando as três crianças surgiram atrás dele. Aquilo me deu forças, ver os três pares de olhos tão jovens e amedrontados me fez levantar rapidamente.
Antes, alcancei a minha espada perto de uma lata, há alguns metros. Passamos tempo demais em um campo de batalha que estar de mãos vazias no meio de indivíduos é não ter nenhuma caneta no dia do exame que decide a sua formatura.
Eles correram até mim. Senti os braços sob os casacos agarrarem a minha perna. O mais alto dos garotos, aparentemente tinha uns onze anos, abraçou a minha barriga.
Eu passei a mão por eles, um sentimento quente tomou meu peito. Gratidão.
— E então… – a garota disse com um tom rude. — Estão prontos para voltar para casa?!
Soltei um riso irônico.
— Estamos a 107 milhas de Montauk – eu disse cético. — Ainda não contatei a equipe de extração.
Ela sorriu, prepotente.
— Tolo – ela bufou revirando os olhos. — Nós somos a equipe de extração.
— Por favor, Raven – o garoto, calmo e terno, disse a ela. — Já conversamos sobre o seu humor…
— Não é hora para DR, Hector – retrucou aborrecida. — Vamos levá-los logo para lá e conversar com Hanks. Temos coisas para resolver depois!
Franzi o cenho.
— Você conhece Nelson Hanks?!
Me ignorou e olhou para o amigo. Os olhos cinzentos do garoto estavam cheios de preocupação.
— Não pode viajar tanto pelas sombras, é muito arriscado – ele disse ao vê-la bufar. — Além do mais, somos cinco ao todo. Você não consegue…
— Você não sabe de toda a minha capacidade, Hector – ela disse dando um passo para frente.
Olhou para mim agarrado às crianças e depois para o amigo. Agarrou o meu braço de repente e puxou a gola da jaqueta preta do garoto.
— Vamos logo com isso…
Hector arregalou os olhos de repente.
— NÃO!
A sombra de suas mãos nos envolveu. Nós e a noite, agora éramos uma só essência.
E então, o que acharam desse capítulo? Hector e Raven deram uma boa impressão?
Haha, obrigado por terem lido, demigods. Espero que fiquem aqui comigo para acompanhar as belas aventuras de nosso protagonista kkk
Mas me diz, estão sentindo falta de alguém?
Xoxo de algas, demigods!
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