— Então, por qual motivo me atraiu até aqui, seu pamonha? Me colocar dentro deste perímetro controlado e esperar que seja fácil fazer algo com o meu corpo não é um dos melhores planos que já fizeram contra mim.

Se é preciso explicar exatamente o que estava acontecendo por ali, também é preciso explicar o que estava acontecendo em todo o planeta naquele momento do tempo. Dia 31 de abril de 2023 de uma linha temporal que parecia ter sido esquecida. No ano anterior, uma máquina, um literal robô, surgiu no que era a Itália e iniciou o processo de erradicação da humanidade. Ele destruiu toda a Europa em semanas e criou uma fortaleza voadora em forma de cruz para agilizar as coisas e passar uma imagem imponente onde quer que chegasse. Nos meses seguintes, a Asia foi devastada, depois a África e então a América, tanto a de cima quanto a de baixo. E os poucos sobreviventes que conseguiram se esconder, com o passar dos dias, eram encontrados e aniquilados.

Refúgios subterrâneos foram criados para esconder o que restou da raça humana, mas muitos que saíam para buscar suprimentos jamais retornavam. E alguns desses esconderijos eram encontrados e pulverizados; esmagados como se fossem formigueiros.

Esse robô se auto denominava como o Salvador, a personificação da Vontade de Deus, e muitos achavam que ele era uma espécie de reencarnação de Cristo, antes de serem mortos pelo mesmo.

Não havia escapatória para nenhum ser humano. Sem certo ou errado, a aniquilação era total.

Quando "nasceu" o Salvador se mostrou extremamente poderoso e derrotou seus criadores, Uriel e Gabriel, dois arcanjos, sem muita dificuldade. Depois disso, acabou com os doze deuses do Olimpo, dentre outras divindades que tentaram confronta-lo diretamente. Também fez com que Jason Drake, o Caçador de Górgonas, se sacrificasse para tentar pará-lo, e com que Leon Acelo e Kagune perecessem para salvar um jovem chamado Noel Kyle. Todos eles não têm o mínimo de importância agora, estão mortos.

E com todas essas baixas, a responsabilidade de tentar fazer alguma coisa caía sobre meus ombros. Daigo Kazuo, mestre das artes místicas e das trevas, responsável por matar Yuna Nate, a Assassina de Youkais, há seis anos.

Você pode até me conhecer de outras linhas do tempo, ou talvez seja a primeira vez que tenha lido o meu nome na vida; não importa. O que se sucede daqui adiante é só o que precisa saber em detalhes.

Em meu esconderijo particular no que era a cidade de Quioto, Maçã do Éden, o Rei dos Shinigamis, respondeu ao meu chamado e surgiu flutuando vagarosamente em direção ao chão em meu espaço pessoal.

Ao soltar aquelas palavras com qual essa narrativa ganhou início, a deusa da morte tocou seus delicados pés no solo silenciosamente. Ela vestia longas meias brancas em suas pernas que a cobriam um pouco acima dos joelhos, seguidas por suas coxas fortes e por apenas um tapa-sexo cobrindo sua genital. Seu torso também era todo nu, com exceção das pontas de seus grandes seios, que estavam escondidas sob losangos feitos com a pele de urso polar. Em um braço, uma luva que se estendia até acima de seu cotovelo, enquanto no outro nada além de sua pele, que era quase tão branca quanto o resquício de vestes que a trajavam. Seus olhos azul-escuros como um par de safiras, e seu cabelo negro e longo como uma cortina de sombras, só não eram mais chamativos do que o par de asas que brotava da base de sua coluna, e claro, que seu gorro cinza sobre a cabeça.

Enquanto viva, Maçã do Éden costumava ser Yuna Nate, o que a torna a primeira hanyou a morrer e se tornar uma vassala das leis da morte, algo que deveria ser improvável, mas que de alguma maneira, que nem mesmo eu conseguia explicar, aconteceu.

— Eu não pretendo fazer nada com seu corpo, shinigami. O motivo por qual te chamei até aqui é bastante sério, e talvez nossa última esperança.

— Hmm, que dramático, hein. Não acha que é meio tarde para pedir ajuda?

Ela disse aquilo olhando de um lado para o outro para o que restou da antiga capital do Japão. Depois, voltou a me observar com curiosidade.

— Hmph, como deve ter notado, Maçã, nosso tempo é bastante curto, então, gostaria que apenas me escutasse, pode ser?

— Ah... está bem...

Que obediente.

Eu não esperava tamanha colaboração, para ser sincero.

Mas antes que ela desistisse de me dar ouvidos, eu comecei:

— Desde que o Salvador surgiu, eu venho estudando métodos para derrotá-lo e acabei descobrindo que não é possível para nenhum de nós, deus ou mortal, fazer isso. No entanto, existe uma forma de selarmos a Vontade de Deus e transformá-lo em uma carapaça vazia. Mas, para isso, precisaremos de um artefato que seja poderoso o suficiente para realizar esse processo de extração. Eu sei que artefato é capaz disso e sei onde ele se encontra com exatidão, porém, esse objeto também é de interesse daquele que queremos derrotar.

— E de que artefato estamos falando?

— A Lança de Longinus.

— Hmph, a lança que feriu e foi banhada com o sangue de Jesus, seu pamonha? A arma mais poderosa, que pode matar qualquer coisa, é isso mesmo que entendi?

— Exatamente.

— Acho que até para mim, o Rei dos Shinigamis, isso é tão maluquice quanto bater de frente com o próprio Salvador. Digo, ele está procurando Longinus, não está? Irmos até a lança e retirá-la de seu esconderijo é basicamente agilizar a busca para ele. A lança é a maior chance dele contra o que sobrou de nós. Ele, por exemplo, não é capaz de nos matar, os shinigamis, e os outros deuses que o enfrentaram, em sua maioria, foram só retirados de combate.

— Acontece que a Longinus é a nossa única chance contra ele. O Salvador é um inimigo para todos nós. Mesmo que ele não consiga matar a você ou aos outros deuses da morte, por seus corpos serem manifestações magicas, ele acabou com todas as encarnações e formas guerreiras das divindades que cruzaram seu caminho. Ou fazemos isso, ou esperamos sentados pela hora de nossas mortes.

— Sua morte, seu pamonha. Mas, okay, eu posso até lhe ajudar com esse seu plano idiota, se você explicar o porquê precisa de mim para isso.

— Isso é bem simples. Você, em vida, foi Yuna Nate, herdeira da lança Gungnir e ela ainda responde a você mesmo depois de morta e transformada em um shinigami.

— Apesar de eu não saber quem é Yuna, sim, eu tenho uma lança, sim.

— Bem, essa lança é capaz de nos levar para o local onde Longinus está quase que imediatamente, já que, além de distante, também é desolado. E também, não seria muito seguro sair por aí com o risco de encontrar com nosso inimigo pessoalmente.

— Só isso?

— Você seria uma ótima aliada em qualquer possível batalha. Como Rei dos Shinigamis, você é o deus da morte mais poderoso que existe, e provavelmente o ser não mortal mais forte que é capaz de lutar atualmente. E diferente do que imaginou, nós não vamos precisar retirar a Longinus de seu esconderijo. Somente encontrá-la será o bastante para que eu possa fazer o que deve ser feito.

— ......

Maçã do Éden inclinou discretamente a cabeça para o lado enquanto me observava, levando suas mãos para as costas, na altura de seus glúteos, e por alguns segundos digeriu tudo o que proferi contra seus graciosos ouvidos.

— Está bem, eu irei com você. Vamos fazer isso.

E com sua resposta positiva para com o meu grande plano, a deusa da morte estendeu um de seus braços para o lado, abrindo sua mão como se quisesse agarrar o horizonte. E não muito tempo depois, desse mesmo horizonte que se estendia inalcançável, uma lança dourada apareceu voando em um traçado luminoso, até que girou e parou entre os dedos finos do Rei dos Shinigamis.

Gungnir.

A caravana para nossa última esperança havia chegado.