002
— Hmm, essa garrafa, seu pamonha, tem alguma coisa estranha nela.
Movendo-se curiosa para o artefato de vidro pouco adiante de nós, Yuna se curvou e levou sua mão até o objeto, obrigando-me a desviar o olhar daquela lua cheia que se formou gloriosa perante meus meros olhos mortais; algo que me deixou orgulhoso de mim mesmo, já que fui capaz de manter meu cavalheirismo acima de tudo.
Talvez tenha sido um dos maiores desafios mentais que superei em toda minha vida.
— Ela tem uma presença mística muito forte — Yuna continuou, ajeitando sua postura com a garrafa na mão e se virando para minha pessoa. — Eu acredito que exista algo de valor impressionante dentro disto aqui.
— Bem, para mim, parece uma garrafa normal.
E não havia como pensar algo diferente disso. A garrafa não tinha nada demais. Era apenas um recipiente de mais ou menos seiscentos mililitros, sem rótulo, de cor verde-escura com uma rolha tapando seu buraco. Poderia ser muito bem apenas uma garrafa vazia de saquê que foi fechada de volta por qualquer motivo possível antes de ser rudemente jogada na areia da praia, provavelmente por um jovem emocionado, ou um idoso.
Somente a hanyou estava vendo alguma coisa a mais por ali.
Com sua curiosidade iniciando uma revolução dentro de sua cabecinha, ela ergueu com ambas as mãos o recipiente esverdeado na altura de seu gorro cinza, o colocando diretamente contra a luz solar, e fechando um olho para focar melhor na tentativa de enxergar o que havia em seu interior.
— Hmm... hmm... Parece que está vazia, mas... também parece que há algo lá dentro. Você não quer tentar ver, seu pamonha?
Yuna não esperou por qualquer tipo de resposta minha e, logo após sua fala, jogou a garrafa para mim até que com certo cuidado, diferente de outras vezes em que ela me arremessou coisas com força capaz de atravessar meu corpo.
Eu apanhei o recipiente de vidro e, com minha atenção analítica de agente especial, observei cada canto da garrafa como se tivesse aberto o item pelo inventário de algum Resident Evil. E como havia dito anteriormente, nada demais, só uma garrafa.
Joguei-a de volta para Yuna e disse:
— Esqueça isso. Vamos só descartar no lugar correto e vamos embora.
— Eu não vou jogar isso no mar, seu pamonha, sei que existe algo aqui dentro e eu vou descobrir.
— O mar não é o lugar correto para se descartar coisas!
Ela me ignorou.
Depois de reforçar a sua vontade de saber o mistério da garrafa, a hanyou envolveu seu dedo indicador e polegar na rolha que selava o recipiente e começou a puxá-la... começou a puxá-la... e puxá-la... e puxou com maior esforço... espera, como assim? Yuna poderia facilmente arrancar o dedo de uma mão, a mão de um braço, ou mesmo um braço de um tronco, com o exato mesmo empenho que estava colocando em abrir aquela inofensiva garrafa encontrada na areia.
— Mas que cacete, do que é feita esta coisa?
— Você está tentando me enganar, Yuna, não é possível que seja tão difícil assim.
— Por que você não tenta, então?
E novamente, nossa querida Assassina de Youkais me lançou a garrafa, mas agora, claramente impaciente, apesar de ter sido tão cuidadosa quanto da vez anterior.
Assim, eu posicionei o recipiente da melhor maneira em minha mão, e com a outra livre, apertei a rolha por suas laterais com meus dedos e puxei, despretensiosamente em minha primeira tentativa, como se fosse apenas um breve aquecimento para a verdadeira puxada máscula que estava por vir, aquilo que selava o seu interior.
E abriu.
Abriu com a mesma facilidade que se abre uma garrafa plástica que já havia sido aberta.
Simples nesse ponto.
— Yuna, você estava atuando para me envolver nisso, não é?
— N-Não, juro que não, seu pamonha. Eu realmente fiz bastante força, é sério.
— E como você explica...?
BOOM! Um estrondo sônico interrompeu nosso debate de maneira abrupta. Mas não só isso. Acompanhado desse estrondo, um impulso invisível cresceu e me jogou para trás, me fazendo cair de costas na areia batida. Já a hanyou, que também foi afetada por aquela força de impacto gerada, somente foi empurrada para trás, com seus pés desenhando um rastro na praia até seu corpo parar onde a maré morria.
E no meio do ar, na mesma altura onde se encontrava quando a segurava, a garrafa mexia-se vibrante, com um brilho púrpura emergindo por seu vidro.
Então, ela eclodiu.
Tronou-se uma espécie de massa cósmica sem um formato definido, mas logo desenhou-se em uma silhueta humanoide e se revelou por definitivo.
Um homem, a principio. Contudo, sua pele era azul, como os olhos de Yuna. Seus pés e mãos tinham garras, e tanto seus antebraços quanto suas panturrilhas eram escamosos e cinzas. Ele estava nu, mas não tinha um órgão genital. Porém, mais intrigante do que aparecer exposto no meio de uma praia pública, era sua cauda de lagarto também na coloração cinza que nascia da base de sua coluna e se estendia até o seu tornozelo. Além disso, chifres pontudos se projetavam do ponto mais alto de sua testa, dividindo um pouco de seus cabelos brancos.
Parecia o cruzamento bonito de um humano e um dinossauro.
— Onde estou? — Indagou ele. — Que lugar é este?
— Eu sabia! — Comemorou Yuna, sem prestar atenção nas palavras da criatura. — Me chamaram de Yuna, a Titã Louca, mas eu estava certa o tempo todo.
E o homem da garrafa pregou seu olhar na Assassina de Youkais.
— Titã Louca?
— Hmm? Ah, azulado, estava falando comigo, é? Eu não escutei. Você... quer saber onde está? Bem, aqui é Okinawa. E isso é uma praia.
— E em que ano nós estamos?
— Ano? Ué, 2022.
— 2022? — A criatura olhou para as próprias mãos, e depois voltou seus olhos para Yuna. — Já se passaram mais de vinte anos, então. Eles realmente conseguiram me selar de verdade.
— Pois é, seu pamonha, e quem conseguiu abrir esse selo foi o outro pamonha ali.
A hanyou apontou com o queixo para mim que, ainda estatelado na areia, decidiu finalmente se colocar de pé. Eu bati a sujeira do meu calção, enquanto o homem da garrafa me observou rapidamente e com certo desinteresse por cima de seu ombro.
Seus olhos logo voltaram a fitar a Assassina.
— Eu preciso partir para a Ilha Jeju — começou ele. — Consegue me direcionar o caminho? Tenho assuntos importantes para resolver com aqueles que me colocaram dentro dessa garrafa.
Yuna posicionou suas mãos em seu quadril à questão da criatura humanoide, desviando seu par de safiras para o horizonte distante.
— Bem, eu até meio que sei mais ou menos para onde fica, no entanto — e seu olhar retornou com desconfiança para o homem da garrafa, quase como se as ondas do mar tivessem lhe contado um segredo sujo —, eu acho que não posso simplesmente deixá-lo partir, entende?
— ......
— Quero dizer, você surgiu de dentro de uma garrafa, e sua aparência é toda... assim desse jeito, diferente. E as pessoas por aí, não são muito chegadas em chifres, e você tem dois bem chamativos. Não notou que desde seu surgimento as pessoas próximas se afastaram de nós?
— Eu não sei dizer. Dentro da garrafa eu não enxergava nada além do que minha imaginação projetava para mim. E foi assim pelos últimos vinte e seis anos.
— Ah... que deprê, eu acho. Mas enfim, seu pamonha, o que estou dizendo é que o cara que te libertou, ali, ele é diretor da Mythpool, vai saber como ajudá-lo e...
— Ele é... diretor da Mythpool?
O homem indagou, mudando seu comportamento de quem acordara de um longo sono para algo com um pouco mais de hostilidade. Ele voltou a me olhar por cima do ombro, mas agora, demonstrou um interesse que não me deixou muito confortável. Claramente era uma intensão assassina o que ele transmitia com aquele olhar.
Ele se virou em minha direção; suas garras de prontidão para vasculhar minhas vísceras. Contudo, mais atrás dele, pude ver Yuna saindo em minha defesa. A maré que espumava em seus pés de tempo em tempo teve um breve buraco aberto no local onde a hanyou se encontrava, com ela desaparecendo do lugar na fração de segundo seguinte. E praticamente no mesmo pedaço de segundo, Yuna apareceu entre minha pessoa e a criatura azulada.
Notando o posicionamento da hanyou para me proteger, o homem da garrafa passou seu olhar hostil para ela.
— Ei, fica frio aí, está bem? — Yuna tentou acalmá-lo. — Por que quer atacá-lo? Não queremos entrar em uma treta, estamos de ferias.
— Hmph... — e o homem segurou uma gargalhada. — Deve ser muito irônico. Depois de todo esse tempo, fui liberto justamente por um dos responsáveis pela minha prisão. Minha vingança terá início mais cedo do que imaginei por milhares de vezes dentro daquela garrafa.
— Elabore, seu pamonha, não estou entendendo direito. Você acha que o 3k1 foi quem lhe selou? Porque se for isso já adianto que não seria possível. Ele urinou nas próprias calças no dia em que nos conhecemos.
— Ei, não diga isso — murmurei. — Já disse que foi a pressão do ar naquele prédio.
— Hakuna matata aí — murmurou ela de volta. — Só estou tentando fazê-lo pensar que você é um idiota, só isso.
— Cuidado!
A criatura havia perdido a paciência conosco. Enquanto cochichávamos, ela abanou sua cauda escamosa e avançou contra a Assassina de Youkais, que era o primeiro e único obstáculo para chegar até mim. O que o homem da garrafa não contava era que sua agilidade não foi o bastante para apanhar Yuna de guarda baixa, mesmo que de supetão.
Ao golpear com as garras de sua mão em um movimento diagonal, a hanyou interceptou seu ataque agarrando seu pulso, e logo, iniciando um processo de congelamento vagaroso de seu braço.
Todavia, o resfriamento do membro da criatura não foi o seu contra-ataque definitivo para aquela ofensiva. Com seu adversário preocupado com seu antebraço sendo tomado por gelo espesso, Yuna invadiu a guarda aberta do homem azul desferindo um soco, direcionado contra o estômago dele, porém, cessou o movimento de seu golpe a centímetros de seu alvo, fazendo com que apenas uma rajada de ar pressurizado fosse disparada de seu punho, colidindo com o torso do homem azulado e, ao que Yuna libertou seu pulso, o arremessando para a beirada do mar com um estrondo sônico.
O corpo da criatura quicou na água salgada duas vezes, como uma pedra que é jogada na superfície de um lago, antes sumir de nossas vistas afundando no oceano.
Claro que, isso não durou muito tempo.
O homem da garrafa saltou do fundo da água de volta para terra firme de uma só vez.
Seus olhos possessos em cólera encararam nossa querida Assassina de Youkais.
— Saia da minha frente! — Ele rugiu. — Não tenho nada a tratar com...
— Você que tentou me atacar enquanto estava distraída, seu pamonha. Eu usei meus pontos em diplomacia, mas foi você quem partiu para a violência. Vamos recomeçar, está bem? Acredito que você tenha um nome, não?
— Hmph... meu nome é Argos. — A hanyou pareceu tê-lo amolecido um pouco. — E sou um dos 7 Generais Kaijus.
— Generais Kaijus? Está falando sério, você é um deles, mesmo?
— Você sabe o que é isso, Yuna? — Perguntei mais atrás. — Tem algum conhecimento sobre?
— Sim. Doze anos atrás, quando Mena me encontrou, nós enfrentamos um dos Generais em Hokkaido. Ele era bem poderoso, e isso me trás algumas memórias desconfortáveis. Na AAA, Mena, que era o Assassino de Dragões, lidava com esse tipo de criatura. No entanto, com minha evolução natural de poder de lá para cá, ouso dizer que nenhum desses kaijus é páreo para mim. Logo, não temos um problema por aqui.
— Como é? — E o homem da garrafa, Argos, rangeu os dentes às palavras da meio-youkai. — Acha que nós, Generais, não somos ameaça?
— Phew, francamente, você deve ter ficado muito tempo preso dentro dessa garrafa, mesmo. É bem capaz que todos os seus companheiros de patente já tenham sido mortos por Mena, ou por outro alguém, ou mesmo selados antes disso. Se nós lutarmos, ô azulado, é bem provável que você morra.
— ......
— O melhor é resolvermos isso pacificamente. Conte o que aconteceu quando foi selado.
— Tsc... foi aquele maldito diretor. Após o Ragnarok e a queda do Muro de Berlin, a Mythpool começou a dividir seus agentes de elite para os QGs dos países onde mais ocorriam eventos sobrenaturais. Até então, a vida dos kaijus por aqui não era uma complicação tirando as invenções que a mídia criava para os seres humanos. Mas quando dois agentes de elite chegaram por aqui, o diretor da Mythpool ordenou que os kaijus fossem aniquilados. Não demorou para que eles nos encontrassem, pareciam estar nos estudando com antecedência. Contudo, os agentes de elite não foram capazes de nos matar. Alguns dos Generais conseguiram fugir e se esconder. E eu fui um dos capturados e encurralado. Os agentes, que já sabiam que não poderiam me matar, vieram preparados com uma técnica de selagem que, apesar de simples, era infalível quando realizada. Eu não sei exatamente como foi possível que esse homem às suas costas foi capaz de quebrar o feitiço, mas agora que as Irmãs do Destino escreveram ao meu favor, não desperdiçarei essa chance de realizar minha vingança.
— Ei, ei, ei, seu pamonha, você já se esqueceu do que falei sobre você ir de Drake & Josh, hein? Qual é, você não precisa fazer isso. Essas pessoas que te colocaram na garrafa já devem estar mortas, também. O próprio atual diretor aqui nem sabia da existência dos Generais. Ele é só um bobalhão inocente.
Wow! Ela, por acaso, havia esquecido de que eu estava logo ali atrás?
— É, pode até ser... mas, alguém deve pagar o preço. A divida ainda existe — e o kaiju começou a armar suas garras novamente. — Eu não posso simplesmente ignorar que fui humilhado a ficar preso por mais de vinte anos dentro de uma garrafa de vinho. E também, não posso engolir toda a minha raiva à seco!
E com seu brado de ira fervente, Argos, mais uma vez, investiu contra a Assassina de Youkais. Só que dessa vez, iniciando um round definitivo para sua teimosia.
À nova ofensiva da criatura, Yuna reagiu com um aparente passe de mágica. Sem mover um músculo, como se tivesse lançado uma força invisível para frente, o kaiju foi golpeado no meio de seu rosto, o que o fez interromper sua investida e cambalear para trás junto do peso de seu crânio que pendeu para mesma direção.
Já no instante que se seguiu, a hanyou revelou o segredo de seu truque de defesa. Com sua imagem que se encontrava entre mim e o homem da garrafa desaparecendo de forma gradativa, Yuna mostrou que, em verdade, o que alvejou Argos não foi um golpe de ar ou algo do tipo. Ela já se encontrava posicionada às costas da criatura; e o que esbofeteou a face de seu inimigo tinha sido o punho da mesma. Contudo, a velocidade com que a Assassina se moveu foi tamanha, que a visualização do ato em si ficou um ou dois segundos atrasada para os meus olhos, como se os frames daquele momento tivessem sido ignorados em meu processamento cerebral, e no do kaiju também.
E estando um passo atrás de Argos, que estava firmando seus pés na areia após seu cambaleio, Yuna Nate abraçou sua cauda como se domasse um crocodilo, e com uma das pernas levou a sola de seu pé pulcro para a coluna da criatura azulada.
— Quando você...?
— Eu disse que iria morrer, seu pamonha. Agora é tarde.
Fazendo de suas palavras de advertência algo palpável, nossa querida Assassina de Youkais empurrou o corpo do kaiju com seu pé ao mesmo tempo que puxou a cauda envolta por seus braços, gerando uma visão de brutalidade verosímil.
O membro traseiro do homem da garrafa foi arrancado não tão abruptamente, mas também não tão vagarosamente. Foi algo como retirar um adesivo com a cola ainda fresca de uma superfície plana.
E Argos, é claro, urrou pela indescritível dor, enquanto um espirro de sangue azul saía do ferimento que se criou daquela separação de bens.
A criatura logo caiu de joelhos na praia, antes de se estatelar agonizando com a cara na areia. E ainda no abraço matador de Yuna, a cauda decepada foi resfriada até se tornar um souvenir no estado sólido da água, antes de ser descartada pela hanyou logo ao seu lado.
— Minha... cauda...! O que você... fez...?
Ela não respondeu.
Não havia o porquê respondê-lo.
Nós já tínhamos um vencedor do duelo.
E o derrotado, pagando pela insolência de desafiar a Assassina de Youkais, mesmo recebendo a raríssima oportunidade de usar da diplomacia, não tinha mais o que fazer além de aguardar o golpe derradeiro que encerraria sua agonia.
Criando uma lança de gelo em sua mão, Yuna atravessou a cabeça do kaiju até o ponto mais fundo que areia permitia.
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