003
Kyoko, a antiga Assassina de Youkais. No final de agosto daquele mesmo ano, Yuna e eu a encontramos em uma situação que me deixou à beira da morte. Na ocasião, ela ainda estava viva e também amaldiçoada com um feitiço que dividiu sua personalidade em três.
Ela era um franco-atirador.
Um mestre em artes marciais.
E uma estrategista espadachim.
Yuna e eu sobrevivemos ao franco-atirador. A guria venceu o mestre em artes marciais. E depois que encontramos o esconderijo da estrategista espadachim, a atual Assassina de Youkais a matou.
Kyoko era uma humana comum, embora fosse habilidosa o suficiente para carregar o título de Assassina de Youkais por alguns anos. Foi a primeira e única humana a deter esse título, e se saiu muito bem durante o tempo que o carregou.
Agora, um pouco mais de dois meses de sua morte, ela renasce, mas não como uma mera mortal. Diante de nós estava de pé uma criatura. Tendo somente o corpo humanoide como algo próximo de Kyoko em vida, a renascida Assassina de Youkais tinha a aparência demoníaca de um youkai no ápice da fúria. A pele verde como uma esmeralda, coberta por um vestido negro e danificado de noiva. Os olhos amarelos e brilhantes como ouro, acirradamente tão bonitos quanto os da atual Assassina de Youkais. O cabelo, que em vida era curto, na altura das bochechas, agora era um pouco mais longo, na altura do peito. E por fim, um par de orelhas de lobo se projetavam como chifres de sua cabeça.
Esse último detalhe era muito interessante.
As orelhas que se projetavam sobre a cabeça da revivida Kyoko eram praticamente idênticas as que Yuna escondia sob seu famigerado gorro cinza.
— Já entendi tudo, antecessora. Seu desejo oculto de estar no meu lugar cresceu tanto que foi vinculado ao seu espirito até depois da morte. Essas orelhas em sua cabeça não me ofendem, está bem? Isso é só uma prova de que sua inveja de mim lhe corroeu até a alma. Confesso que usar Ryuko para manter-se presa a este plano terreno foi uma ótima jogada, mas parece que a deusa da sorte não sorriu para você hoje. É muita coincidência ou azar que justamente a Assassina de Youkais libertasse você de seu ansioso cochilo.
— Pelo contrário, minha consagrada Yuna, você só me poupou tempo. Assim que eu destroçar você e esse maldito shikigami, Mena virá atrás de mim, e eu derrotarei o pilar mais firme da AAA. Minha vingança estará... hã?
Naquele dia em especial, o senso de igualdade de Yuna não estava nem um pouco apurado. Diferente dela, que quase fez um discurso, a guria cortou as palavras de Kyoko ao meio.
Não só as palavras, para ser sincero.
A atual Assassina de Youkais cortou também sua antecessora ao meio.
Com um passo rápido e silencioso, Yuna se lançou contra Kyoko e passou por ela com a lâmina de Ryuko rasgando o ar em um golpe horizontal. Mesmo em silêncio, ela disparou na velocidade do som em sua investida, fazendo as chances de defesa da antiga Assassina serem praticamente zero, devido a curta distância.
Dividida em dois na altura da cintura, Kyoko não parecia preocupada. A parte superior de seu corpo, o torso, distanciou-se flutuando da parte inferior, que permanecia firme no chão.
— Não adianta, minha consagrada.
De súbito, como se por uma poderosa força magnética, a parte superior que flutuava como um balão no ar foi atraída pela parte inferior e se encaixou a ela como uma peça de Lego.
A antiga Assassina de Youkais estava magicamente reconstruída.
— Hmph, parece que a lenda desta espada também é uma farsa.
— Era isso que estava testando, guria?!
— Claro. Foi por esta espada que vim até aqui, mas parece que, mesmo estando banhada por magia negra, ela não cumpre o que promete.
— Acho que não é o melhor momento para se preocupar com isso, guria. Estamos em uma situação de combate aqui.
— Eu escutaria o shikigami, Assassina de Youkais. Eu sou o seu maior problema no momento!
E Kyoko fez seu movimento. Veloz e seco, digno de alguém que um dia fez parte da Elite da AAA. Porém, não foi contra Yuna que a antiga Assassina investiu. Eu era o prato principal nas ruínas daquele túnel assombrado.
Com aquele movimento súbito e bonificada pela grande quantidade de energia mística, Kyoko estava rápida demais para mim. Talvez, se não fosse tão repentino, eu poderia deixar minha existência acima da velocidade do som, me safando com facilidade de sua ofensiva, mas não era esse o caso. A distância era curta demais para que eu pudesse reagir.
Entretanto, para Yuna não era.
A guria era uma estrategista natural e sabia muito bem o momento correto para se antecipar a um movimento do adversário. Em um piscar de meus olhos caninos, a atual Assassina de Youkais surgiu à minha frente com a lâmina de Ryuko estendida à frente de seu peito.
O golpe de Kyoko colidiu contra o metal da espada amaldiçoada, a quebrando no meio.
— Tsc...
— Se o que deseja é ser a primeira, Assassina de Youkais, que assim seja.
A outra mão de Kyoko foi em um instante para o rosto de Yuna. Agarrando sua face com voracidade, a antiga Assassina de Youkais afundou o corpo da atual com toda força no solo.
Não.
Não no meu turno.
Como um lobo, líder de alcateia, instintivamente eu saltei contra o pescoço de Kyoko, mas ela percebeu e conseguiu reagir dando um passo para trás. Mesmo assim, um simples passo não seria o suficiente para deter um shikigami em fúria. Meus dentes caninos apanharam seu vestido negro de noiva, e conforme minhas quatro patas reencontraram o solo, minhas presas puxaram o tecido, rasgando totalmente o traje casamenteiro.
Agora nua, a antiga Assassina de Youkais cambaleou para trás.
— Bom garoto, seu pamonha. Prometo que ganhará dois biscoitos quando voltarmos.
— Não é hora para piadas, guria.
Ajeitando seu gorro sobre a cabeça, Yuna já estava se colocando de pé.
— Huhu... huhuhuhuhu... meus consagrados. O que vocês acabaram de fazer, foi um grandioso erro. Esse vestido que eu estava trajando, era um manto que continha de fato toda a magia acumulada durante todo esse tempo. Agora que ele foi destruído, todo meu poder será libertado de uma única vez! Esteja preparada, Yuna Nate!
— É... tá bom?
E Kyoko se moveu.
Yuna também.
As duas se lançaram uma contra a outra e golpearam ao mesmo momento com seus punhos firmes como rocha. Ambos os rostos foram alvejados ao mesmo tempo, e uma forte ventania foi gerada para todos os lados. A pressão dos golpes lançou as duas para trás, fazendo-as deslizarem no solo para cessarem o empurrão causado pela força de impacto.
Com uma certa distância, as Assassinas de Youkais estavam para acabar com aquilo de uma vez por todas.
Meus sentidos caninos me alertaram disso, e a única decisão que pude tomar foi de me afastar para uma área segura.
Primeiro, Kyoko. Ela inspirou fundo uma quantidade imensa de oxigênio para seus pulmões fantasmagóricos. Posicionando as mãos para frente, como se empurrasse o vácuo, a antiga Assassina de Youkais soltou aquela quantidade de ar pelas narinas em uma técnica de conversão que eu ainda não havia presenciado.
Basicamente, Kyoko converteu a energia natural presente no oxigênio em energia negativa. E manipulando essa energia, uma grande esfera de magia negra começou a crescer à frente de suas mãos. Então ela a compactou, como se segurasse uma bola de basquete, antes de, por fim, erguer com ambas as mãos aquela esfera negativa acima da cabeça.
Repentinamente, a esfera expandiu, se tornando maior do que uma bola de demolição.
A luminosidade purpura da esfera tomou conta dos arredores.
— Essa idosa tem alguns truques, hein.
— Guria! Não tem como deter isso! A esfera só está ficando mais densa, vamos fugir!
— Nada de retiradas estratégicas, seu pamonha! Eu sei como conter essa coisa.
— Do que está falando?!
— Droga. O que me irrita é que vou deixar meu orgulho de lado por causa de um fantasma. Mas dane-se, meu cachorro morreu.
— Eu ainda estou vivo aqui!
Acho que Yuna não estava se referindo exatamente a mim nessa frase.
De todo modo, ela me ignorou.
Seu braço direito se estendeu para o céu e sua mão se abriu como se esperasse para apanhar alguma coisa.
A expressão plácida como a de uma deusa guerreira me lançou uma ideia do que poderia ser o grande trunfo da atual Assassina de Youkais.
— Venha... Gungnir!
No instante seguinte ao seu chamado, um traço dourado de luz riscou o céu profundo.
No entanto, Kyoko não pretendia dar essa folga para a guria.
Ela arremessou a grande esfera na direção de Yuna que engoliu tudo pelo caminho.
Talvez não desse tempo, confesso que pensei. Mas ao ver um buraco se abrindo no meio das nuvens e aquele brilho caindo meteórico para a mão ansiosa da atual Assassina de Youkais, meus instintos caninos me fizeram sentir em segurança.
A esfera de magia negra engoliu a guria, sim.
Ao mesmo tempo, um traço de luz dourada atravessou a redoma de energia negativa como um relâmpago lançado por uma divindade.
Somente dois segundos de desespero tomaram conta de meu coração canino. No terceiro, a esfera negativa começou a se tornar dourada, se dissipando totalmente e subitamente em fagulhas amarelas.
E no meio daquele show de luzes.
A Assassina de Youkais havia se transformado na Cavaleira de Cristal.
Seminua. Trajada com uma armadura de ouro que só protegia seus seios e virilha, Yuna Nate segurava com firmeza em sua mão direita uma belíssima e brilhante lança de um ouro mitológico.
A lendária lança, Gungnir, que no passado só foi empunhada por Odin, o Pai de Todos, era a carta na manga da Assassina de Youkais.
Com o gorro cinza sobre a cabeça, os tênis brancos de basquete e a bandagem ainda no braço esquerdo, seu visual era excêntrico o suficiente para se tornar DLC de algum jogo de luta famoso.
Não que isso tenha sido alguma indireta do autor.
— Fim da linha para você, antecessora. A espada pode não ter dado um jeito em você, mas esta lança não vai lhe dar a chance de voltar a este mundo, está bem?
— D-Desde quando... você tem essa coisa...?
— Ah. Sei lá, eu não sei se "eu tenho" é o certo a se dizer. De qualquer forma, faz alguns meses... Ei, isso não importa, eu acabarei com você e... hã?
Diante do terror que era encarar a beleza daquela arma lendária, Kyoko não demonstrou ter pensado duas vezes antes de agir.
A antiga Assassina de Youkais talvez tivesse simplesmente reagido ao seu instinto de sobrevivência.
Ela virou as costas e começou a fugir.
Uma mistura de respeito e medo ecoava a cada passo cambaleante daquele fantasma, como uma criança assustada com uma mãe raivosa.
E para por um ponto final naquela cena humilhante, Yuna moveu seu braço como uma alavanca, soltando Gungnir com sutileza. Bastou esse movimento tênue para que a lança lendária voasse como um raio dourado na direção de Kyoko. E não importava se o arremesso da guria foi desajeitado ou se o corpo da Assassina balançava demais para os lados. A lenda daquela arma é clara em sua regra.
Gungnir, quando lançada, nunca erra seu alvo.
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