004
Tetsu Tetsuya, conhecido como o Assassino Intocável, era praticamente uma máquina de destruição em massa no campo do assassinato sobrenatural. Na Mythpool, ele era bastante conhecido. Na verdade, a maioria acreditava que ele era uma lenda. Os poucos que acreditavam em sua existência eram brutalmente zoados. Serei honesto com vocês, eu era um dos que não acreditavam nessa lenda. Sei que é esquisito, um agente da Mythpool, cuja folha de pagamento dependia do confronto com criaturas mitológicas, dizer que não crê em alguma coisa fantástica. E quando descobri que o Tetsu ao meu lado era o mesmo cara que pensava não existir, me senti como um ateu vivenciando o Apocalipse.
Ele praticamente organizou meus pensamentos sobre o que fazer na situação em que nos encontrávamos.
Primeiro, o Oni. Eu liguei para a Mythpool e dei a localização exata de onde estava o corpo do youkai, que nós colocamos gentilmente para dentro do templo. Depois, Yuna. Ela era fugitiva da Mythpool, querendo ou não. Ela matou o diretor, embora eu tenha confirmado as suspeitas que eles tinham sobre o homicídio de meu chefe, a hanyou tinha matado um ser humano friamente após ser catalogada como confiável. A Mythpool não sabia que eu a libertei, e isso foi graças a Suny. Minha amizade colorida da época de estágio disse que eu passei a noite no apartamento dela. A voz dela na organização era muito poderosa. Para vocês terem noção, se eu tivesse matado o Diretor Tanaka, e ela negasse, eu mal seria interrogado sobre o assunto. Mesmo assim, ela não limpou a barra de Yuna. Então, nós pegamos a garota desmaiada e Tetsu nos levou para um quarto com seu teletransporte.
O quarto era o da própria hanyou.
Nós estávamos na AAA.
Eu coloquei a garota nos meus braços em sua cama. A estampa do lençol dela era do Goku Super Saiyajin 2. Por que o nível 2? Também não sei, achei que só o Gohan tinha graça com essa transformação. A parede ao lado da cama era envidraçada. A atrás da cama tinha uma prateleira com alguns livros como "Noel Kyle" e "O Caçador de Górgonas". Na parede do outro lado, uma estante com uma TV de trinta e duas polegadas, um console Playstation 3, e um pôster do Homem de Ferro.
— No fim, ela é uma garota normal que tem tara pelo Robert...
— O que está resmungando aí, plebeu?
— Ah, não, nada.
— Hmph.
O Assassino Intocável sumiu e reapareceu com duas cadeiras no quarto. Uma estofada e aparentemente muito confortável. A outra toda de ferro, sem nenhum tipo de estofamento. E não preciso dizer que a estofada passou longe de mim, né?
Nós nos acomodamos em nossos assentos, mesmo o meu não sendo muito cômodo, e ficamos observando Yuna adormecida. Após dez por cento de uma hora, eu me voltei para Tetsu.
— Não acha que deveríamos acordá-la?
— Ela está se recuperando, vira-lata. Ao menos tenha paciência. Como vocês me divertiram bastante lá, esta é minha maneira de agradecer. E se continuar dando palpites, eu...
Yuna tossiu. Nossa atenção se voltou para ela e então travamos, esperando a próxima reação da garota. Sua testa franziu. Se estivesse tendo algum tipo de sonho, aposto que não eram boas imagens que seu cérebro projetava. Seus olhos começaram a se abrir e ela começou a arfar, como se tivesse corrido metade de uma maratona.
— Está bem? — Indaguei, já que Tetsu não pareceu muito preocupado.
Ela virou o rosto vagarosamente para mim.
— Pedófilo? Meu quarto...? O que faz no meu quarto, seu pamonha?
Suspirei aliviado. Ela estava bem. Um pouco atordoada, pois estava despertando de uma situação tensa, mas estava bem.
Yuna voltou o rosto para a posição inicial e passou as mãos no rosto enquanto olhava para o teto. As mãos subiram, atravessando sua franja com os dedos e...
— Cadê?
— O quê?
— Cadê o meu gorro?
A hanyou foi tomada pelo efeito Wolverine. Ela que estava falando como se tivesse bronquite e agindo com lentidão, de súbito, saltou da cama e correu para o canto do quarto onde havia uma caixa. Ela vasculhou, vasculhou e vasculhou, até que enfim puxou de dentro do cubo de papelão um gorro cinza com pompom. E ela o vestiu de imediato.
— Sua... pirralha! Achei que estava morrendo!
A garota se virou e mostrou a língua para mim, fechando o olho esquerdo, com as mãos na cintura. Depois dessa expressão brincalhona, sua faceta voltou a seriedade e desviou o olhar, parecendo meditar sobre algo muito importante.
Que tipo de danos psicológicos Yuna deve ter, é uma incógnita até hoje. Conquistar o respeito de sua mãe que a negligenciou por toda vida deve ter traumatizado a jovem hanyou. Seguindo sua natureza sobrenatural, ela partiu pelo caminho voraz dos assassinos de monstros, e fortaleceu ambos os lados de seu ser para mostrar o seu valor àquela que lhe deu à luz. Mas, pensando agora, ela matou friamente o Diretor Tanaka. Okay, ele tentou matá-la primeiro, mas... foi tão brutal. Mesmo o diretor sendo um membro da Yakuza, e tendo matado meu chefe, necessitava daquela violência? Qual parte de Yuna agiu quando fez o que fez?
A questão é: seria Yuna Nate uma vilã?
Para mim, bem e mal são conceitos vagos. O mundo é feito de ideais, e ideais mudam. É sobre pessoas escolhendo caminhos, e esses caminhos cruzando com mais caminhos, e criando caminhos novos para novas pessoas. Se formos parar e analisar usando a lógica do Efeito Borboleta, ou da Teoria do Caos, uma atitude má de uma pessoa aqui em Tóquio pode ocasionar algo bom para alguém em Londres. Seguindo esse pensamento, a pessoa em Tóquio é do "bem" para a pessoa em Londres? Yuna Nate ter matado o Diretor Tanaka gerou algo bom para alguém em algum lugar?
— Ei, plebeus, esse silêncio está me incomodando.
A hanyou voltou os olhos para ele.
— Achei que você tinha mais o que fazer, seu pamonha. Achei que só nos levaria a Kinkaku-ji e depois sumiria.
— Achou errado, otária. Não pretendo me envolver em sua missão, mas como estou benevolente hoje, decidi ajudá-la uma vez mais.
— Hmm... sei. Nesse caso, vá até Tóquio e me traga alguns doces, energéticos, e algum jogo novo legal. Pretendo ficar o final de semana trancada aqui neste quarto igual aqueles irmãos de No Game No Life.
— Hã? — O loiro estranhou.
— Quê? — E eu também.
— Foi isso que ouviram. Vou ficar aqui trancafiada, andando só calcinha de um lado para outro, jogando muito Combatentes Masoquistas e me abastecendo de energético.
— Tá, pode pular a parte da fantasia sexual otaku? Mas espera... o certo não seria vocês jogarem Street Fighter aqui no Japão?
— Então foi você quem pegou meu Combatentes Masoquistas?
— Vocês estão mudando de assunto, seus pamonhas, vamos falar sobre a missão.
— Quê? Foi você quem começou a falar sobre se trancafiar!
— Quero meu Combatentes de volta.
— ......
— ......
— ......
— Por que ficamos em silêncio? — Observei.
— Já disse que este silêncio me incomoda, não disse?
— Pois bem. Eu vou desistir da missão.
— Voltamos a isso, é?!
— Eu não quero mais matá-la. Talvez ela esteja certa. Talvez alguém como eu não precise viver. O que eu já fiz por alguém? Eu só matei criaturas, até pessoas, tudo isso pelo desejo egoísta de aprovação que buscava de minha mãe. Eu passei parte da minha vida querendo me tornar mais forte e provar que mesmo sendo um "erro" eu tinha meu valor, que eu podia ser relevante... que eu poderia ser melhor do que ela. Então, vou me trancar aqui e ver o que...
O que vou relatar aqui pode me acarretar algum processo, mas ao discurso de Yuna, eu me levantei da cadeira dando um passo longo em sua direção, e o que cessou as palavras da hanyou foi o estalo que a minha mão fez em seu rosto.
Não deve ter doído nada. Ela tinha resistência sobrenatural. Porém, a expressão incrédula que ela aderiu, mostrou que o golpe tinha a ferido emocionalmente.
— Realmente, você é uma assassina. Não é humana, mas parece uma. Não é youkai, mas age como um. E isso é confuso. Eu não sei quantas criaturas ou pessoas matou. Mas eu sei que você salvou minha vida naquela noite contra o Oni. Sei que poupou a vida de duas garotas, que podem ser tão culpadas quanto o Diretor Tanaka, mas as deixou viver. Você disse que pretendia matar seu tio em Kinkaku-ji, mas acabou só o nocauteando. Arrancou o braço dele? Sim, mas ainda o deixou vivo e me fez continuar vivendo também. Eu creio que você só seja uma criança perturbada e solitária que quer provar seu valor a qualquer custo para sua mãe. O que vou dizer é errado e equivocado, mas se existe alguém culpado pelas mortes que você causou, essa pessoa é Yuki-onna. E o que vou dizer agora é ainda mais errado, mas entre a não existência de você e de sua mãe, eu prefiro que a Mulher da Neve desapareça.
...
Yuna enxugou o começo de suas lagrimas com o antebraço.
— Além de pedófilo é masoquista, hein?
— Até depois desse meu discurso incrível você me solta uma piada dessa?!
Ela sorriu. Como Yuki-onna poderia chamar aquilo de imperfeição? Como Yuki-onna conseguia chamar Yuna Nate de defeituosa? Até hoje isso não me desce a garganta. A Mulher da Neve negava com todas as forças a existência de sua filha, e isso me deixava emputecido.
— Mereço um abraço?
— Sem forçar a amizade, seu pamonha.
— Vocês querem me ver vomitar, vira-latas? Vamos logo com essa baboseira e vamos decidir o que fazer.
A hanyou respirou fundo, se recompondo.
— Primeiro precisamos saber a localização dela.
Verdade. Da última vez, tínhamos a teoria de que o Oni queria a joia Magatama, e com base nisso, conseguimos uma localização inicial com Suny, o que acabou dando muito certo. Mas agora, não tínhamos nenhuma pista de onde procurar. Yuki-onna se transformou em neve e saiu voando para nordeste. Só que há muita coisa a nordeste de Kinkaku-ji. Ela pode ter ido para qualquer lugar. Afinal, o que Yuki-onna quer? Posso dizer, embasado nas atitudes que presenciei, que ela não veio na intenção de matar a própria filha. Talvez, sim, mas não era seu objetivo principal. Ela veio para ajudar o irmão a pegar a joia? Mas o irmão dela agora está preso e ela o deixou lá após ser derrotado por Yuna. Então, talvez ela não estivesse trabalhando para ele. Talvez estivessem juntos. Ou será que o Oni que estava trabalhando para a Mulher da Neve? E se quem quer a joia é a youkai e não seu irmão? Ela poderia usá-lo, até porque, ela é mais poderosa do que ele, o próprio Oni admitiu isso. Mas, se for assim, para qual finalidade a mulher quer a joia?
— Tetsu. Você sabe sobre a joia Magatama, não é?
— Sim.
— Então, qual o poder especial dela?
— Não fale como se fosse uma daquelas joias dos quadrinhos do seu país, plebeu. A joia Magatama é uma fonte de mana imensurável.
— Okay, mas o que essa fonte de energia pode fazer?
— Hmm... muitas coisas.
— Tipo?
— Hmm...
— Seu pamonha, por que está falando como se estivesse em uma linha de raciocínio brilhante?
— Porque é exatamente nisso que estou.
— Bem, a joia, se usada pela pessoa certa pode pulverizar coisas ou até voltar no tempo. Mas o usuário teria de ter um conhecimento em magia de séculos.
Sinceramente, eu parei de escutar em "voltar no tempo". Uma viajem temporal. Voltar no tempo. Para quê Yuki-onna voltaria no tempo? Ela não é de pulverizar as coisas, seus poderes são de gelo. Então, voltar no tempo é o seu objetivo? Se for, tenho como dever impedi-la. Como agente da Mythpool, sei que viajem no tempo é o segundo crime mais grave dentre as criaturas mitológicas, somente atrás de manipulação da realidade ou do multiverso. Como agente da Mythpool, era meu dever não deixar isso acontecer. Mas... por que ela voltaria no tempo?
Automaticamente, ao fazer essa pergunta a mim mesmo, minha cabeça se moveu e eu olhei Yuna por cima do ombro. Engoli em seco. Era só uma teoria, mas fazia tanto sentido, que me deixou amedrontado como quando encarei o Oni pela primeira vez. Yuki-onna, a Mulher da Neve, queria retroceder na linha temporal e impedir que sua filha nascesse.
— Sua mãe é um monstro...
— Hã? Você está bem, seu pamonha? Por que está me olhando desse jeito?
— Não... nada. Na verdade, acho que sua mãe está procurando a joia, e digo a verdadeira.
— E não sabem onde a verdadeira está? — Perguntou Tetsu.
— Não, não sabemos. A única que sabe é uma colega minha, mas Yuki-onna não chegaria facilmente até ela, e mesmo se chegasse, ainda teria de enfrentá-la. Também duvido que Suny diria algo a ela.
Falando nela, acabei lembrando, por algum motivo, de quando agarrei os seios da minha colega de trabalho horas atrás. Era uma boa lembrança. Logo ligado a esse devaneio, me lembrei também de quando Yuki-onna cheirou seus antebraços que eu havia tocado, como se minhas mãos estivessem sujas por radiação. Ela disse algo sobre mana, não disse? Mas eu só havia tocado os seios de Suny. O que magia tem a ver com...
— Droga!
— O que foi?
— Merda!
— O que foi?
— Mas que...
— O que foi, vira-lata?
— A joia está com Suny!
Eu saquei meu celular do bolso e procurei o nome de Suny na lista de contatos. Mandei uma mensagem... depois outra... e então uma outra. Decidi ligar... e chamou e chamou... e tocou e tocou... caixa postal. Tornei a ligar. Novamente, caixa postal.
— Acha que minha mãe...?
— Não pense nisso nem de brincadeira!
Eu entrei no aplicativo de mapas e encontrei a localização do apartamento de minha colega de trabalho. Eu quase esfreguei a imagem na cara de Tetsu.
— Consegue nos levar até lá?
— Hmph, quem você pensa que sou? É claro que sim. Aproximem-se, plebeus. Eu até iria com vocês, mas... eu não quero.
O assassino tocou nossos ombros e o baque me colocou novamente em um túnel psicodélico se movendo, cujos raios coloridos se moviam como trens-bala à minha volta. Era a viagem de um ponto a outro que nos colocaria no local desejado.
Nós surgimos na escadaria do edifício de Suny.
Cuspidos de uma fenda espaço-temporal que se fez e desfez como fumaça cósmica, Yuna apareceu com os pés firmes no chão. Já eu, caí de cara no solo.
— Isso que dá ficar girando no teletransporte.
— Não enche.
A hanyou farejou o ar e tateou a parede.
Ela também a lambeu.
— Quê? O que está fazendo? Vai pegar alguma doença.
— Minha imunidade é bastante alta. Ah, minha mãe está aqui.
— Isso eu já suspeitava...
— É perigoso. Essa missão é só minha. Você entrou de caiaque no navio, não acha melhor deixar isso só comigo?
— De jeito nenhum. Agora também estou envolvido nisso, principalmente se ela fez algo contra Suny. Não vou perdoar sua mãe, com todo respeito, claro.
— Isso não me ofende de nenhuma maneira, seu pamonha.
Ela sorriu. Um sorriso tímido e gracioso.
— Então, vamos a isso, Yuna. Ela deve estar no apartamento.
— Não. Ela não está no apartamento. Está no terraço.
Com isso, nós começamos a subir a escadaria que espiralava pelos andares e parecia não ter fim. A hanyou corria à minha frente, eu prosseguia logo atrás, a dois degraus de distância. A energia que emanava dela mudou quando ela decidiu encarar sua mãe opressora. Quando começou a subir a escadaria, ela sabia que estava entrando em uma caverna oculta, um caminho sem volta. Mesmo assim, a aura dela, se é que posso chamar assim, estava borbulhando com o calor de sua determinação. Na verdade, "aura" é só o melhor jeito de me expressar nesse caso. O corpo da garota não estava envolto em luz dourada, como se tivesse se transformado em uma Super Saiyajin. O que quis dizer é que podia-se sentir no ar ao seu redor, todo foco e concentração, toda preparação para tornar o coração frio o suficiente para assassinar a própria mãe.
Talvez Yuna pudesse ter acabado com Yuki-onna lá no primeiro encontro, no cruzamento, durante a fuga com o Oni. Mas, também talvez, possa ter lhe faltado frieza. Isso também serve para a Mulher da Neve. O problema da garota que solta gelo pela mão, não é a temperatura de seus golpes de gelo, mas sim, a temperatura de seu coração.
Entretanto, no momento em que ela corria por aquela escadaria, como em uma cena de Os Cavaleiros do Zodíaco, eu podia apostar que ela havia encontrado a resposta para seus problemas, e que estava decidida a fazer o que tinha de ser feito.
BAM! A porta que dividia as escadas do terraço foi aberta violentamente com um chute. Sem discrição nenhuma, Yuna Nate deu seus primeiros passos no topo daquele prédio. E como uma sombra, eu estava logo às suas costas.
— 3k1! Fuja!
A voz era de Suny. Foi um grito desesperado. Um tom de voz que nunca pensei ouvir vindo daquela pessoa.
Vosso Humilde Narrador e a hanyou se voltaram para esquerda, de onde originou-se o som daquele alerta agitado. E então, vislumbramos uma imagem, que para mim, explicava o porquê daquelas palavras angustiadas.
Yuki-onna e Suny McSun estavam frente a frente. O embate mortal já estava pela metade. Como descobri isso? A julgar pela expressão de vitória antecipada da youkai, que estava com o olhar fixo em sua presa, que no caso era minha colega de trabalho. Suny estava usando uma calça cinza de moletom, cuja metade inferior da perna esquerda estava totalmente rasgada, deixando à mostra um ferimento banhado por sangue em sua canela. Na parte superior do corpo, os braços estavam com cortes em vários locais, e a alça esquerda da regata preta que trajava, também não existia mais. Em punho, estava a lendária espada Totsuka.
— Chegaram.
Yuki-onna disse para nós, mas manteve o olhar fixo em Suny. Reparei que em seu braço havia um corte sangrando um pouco.
— Percebestes, belo jovem? Minha beleza fostes maculada pela lâmina sagrada. Pois observe o estado dessa humana. Tens algum sentimento por ela? Saibas que ela tem algo que necessito, e irás morrer se não entregar a mim.
— Deixe-a em paz, mãe! — Yuna deu um passo à frente. — Se o que procura é a joia, venha, ela está comigo!
— Mentes para proteger uma humana, que pela espada que empunhas, é claramente sua inimiga natural. Eu sei que a joia está com ela. O cheiro é forte.
— O que pretende com a joia?
— Filha, tu achas que revelarei minha ambição maligna, como um personagem de teatro? És ingênua. És ingênua em acreditar que vou lhe aceitar sendo uma aberração.
— Tsc...
— És ingênua também em acreditar que podes me fazer mudar de pensamento usando a força. Meu orgulho és inabalável.
— Não tenho mais esperança nenhuma, mãe. Alguém com a mentalidade arcaica como a sua, e com as atitudes que você toma, merece só e unicamente a pena de morte. Sim, no fundo foi sempre nisso que acreditei. Foi isso que me moveu até hoje. Mãe... ou melhor, Yuki-onna, esse é o seu último dia de vida.
— Pareces que finalmente se decidisses, filha... ou melhor, Yuna Nate.
A temperatura do ar começou a baixar. Mãe e filha. Filha e mãe. Elas não se viam mais como partes uma da outra, como família. Agora elas se viam como caça e caçador. Predador e presa.
— Ei, garota — quem chamou foi Suny. — Você também tem poderes de gelo, não é?
— Sim... por quê?
— É porque o gelo é a única vantagem que ela tem contra mim.
Foi um comentário observador sobre o combate, que de início não compreendi. Diferente da hanyou, que levou as mãos à cintura e sorriu de canto, assentindo.
— É, eu entendi.
A frase da garota pareceu soar como um decreto real para Suny. E em seguida, foi tudo muito rápido. Ela girou e lançou sua lâmina na direção da Mulher da Neve. Porém, sem esboçar nenhuma reação, nenhum tipo de esforço, a youkai simplesmente fez surgir mais à sua frente um muro de gelo grosso que visivelmente iria bloquear a espada sagrada. E foi nesse momento que eu entendi o que minha colega quis dizer para Yuna. Também sem esboçar nenhuma reação ou esforço, como se fosse uma vontade divina, um buraco se fez ao meio do muro de gelo, justamente onde Totsuka iria se cravar. A espada passou pela defesa da Mulher da Neve que, no reflexo, deu um passo para o lado, se safando de um golpe letal.
— Como ousa? Como ousa manipular minha arte? Só sua existência já não és ofensa suficiente?
— Pode espernear, exibicionista. Por mais que eu não possa transformá-la em uma estátua de gelo, ainda posso manipular o gelo que você cria. Mas acho que você já sabia disso, não?
A youkai cerrou os dentes.
— Você ainda tem essa vantagem, mãe. Por ser metade humana, ainda posso ser transformada em um picolé, mas para isso você precisa ter o contato físico, já que o "poder dos olhos" pode ser anulado do mesmo jeito que manipulei o muro que criou. Então, se quiser matar a aberração aqui, vai precisar se esforçar um pouco mais do que o habitual.
E a youkai cerrou os punhos.
— E então, Yuki-onna, o que é que vai ser?
Em resposta à pergunta de Yuna, a Mulher da Neve, que emanava fúria por todo o seu corpo por ter sido confrontada tão diretamente pelos olhos azul-escuros de sua prole, relaxou seus ombros. Aquela reação foi surpreendente para nós três. Só que, mais surpreendente ainda, foi sua reação seguinte.
Ela riu. Lindamente e graciosamente. Uma risada contagiante que jorrava felicidade. Os olhos se fecharam. Uma mão aproximou seu dedo mindinho de sua boca. A outra tocou sua barriga. Ela ria com prazer, inclinando a cabeça levemente para trás, apontando seu rosto para o céu nublado. Ela realmente estava radiante. Estava realmente alegre com alguma coisa.
— Por que está rindo, hein? — A hanyou estava mais confusa do que irritada com aquela cena.
Aos poucos, o ataque de risos da Mulher da Neve, gradativamente, foi diminuindo.
— Sabe jogar truco?
— Quê?
— Foi uma piada, seu pamonha.
Por fim, sua risada cessou. Ela mirou o rosto agora para Yuna. Os olhos azuis quase brilhavam de alegria.
— Tu finalmente me entregas alguma alegria. Finalmente arrancastes de mim um sorriso. Tu me confrontas da mesma maneira que teu pai fizestes no passado. Essa nostalgia aqueceu meu coração e me fizestes sorrir. Então, Yuna Nate, obrigada por isso.
— Tsc, qual o seu problema? — O comentário veio de Suny.
— Ainda estais aqui? — A youkai voltou o olhar para minha colega. — Bem, as circunstâncias mudaram, costela de Adão, não serás mais necessária.
Yuki-onna estendeu a mão na direção de Suny, que estava totalmente indefesa sem sua espada sagrada Totsuka. Minha colega soluçou temerosa e deu um passo para trás. Eu também estava receoso. O gesto era o mesmo que Yuna fez contra o Oni em nosso primeiro encontro, e não preciso nem dizer o quão fatal poderia ser aquilo para um humano comum.
Contudo, Suny não foi morta. Ela foi salva pela hanyou. A garota investiu quando a mulher se concentrou em minha colega, se lançando como se deve em uma situação como aquela, com os pés juntos em uma voadora.
No entanto, a hanyou não acertou a youkai. Yuki-onna se desfez em cubículos de neve e a garota somente golpeou o vácuo.
— Um blefe?
Yuna Nate ativou a carta armadilha virada para baixo de sua mãe. Oscubículos flutuantes de neve voaram em minha direção e me cercaram, girando àminha volta como um tornado albino. A neve me dominou e me tirou do chão. Euestava incapacitado de fazer qualquer coisa e mesmo que tentasse, eu estavasubindo rápido demais. Por aquele enxame de abelhas brancas, eu fui levado pelocéu, como se deitado em uma maca. Movendo meus olhos, consegui ver a hanyousaltando de um prédio ao outro enquanto perseguia a mim e a Mulher da Neve.Porém, as abelhas albinas eram mais velozes e aos poucos, Yuna foi diminuindocom a distância.
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