002
Yuna Nate tinha poderes. Poderes de gelo, para ser mais específico. Porém, não era só como criatura invernal que ela ganhava a vida. A garota também tinha força sobrenatural e agilidade fora de série. Lançou um homem que pesava tanto quanto um urso contra uma parede de concreto com uma voadora, e o fez atravessá-la como se fosse feita de isopor. Dito isso, não é necessário observar que ela poderia dar conta de todos os agentes presentes naquele cruzamento, mas... ela não fez nada.
A hanyou continuou ajoelhada no asfaltou, olhando para baixo e totalmente perdida em devaneios.
Perdida em devaneios...
Dizendo isso, devo ressaltar que Vosso Humilde Narrador aqui, naquele momento, se encontrava na mesma situação mental que nossa jovem híbrida. Pois, enquanto os agentes se aproximavam de Yuna, como uma visita se aproxima para acariciar um chihuahua, eu fiquei sentado em minha motocicleta, me perguntando: quem era o homem que apareceu do nada?
Essa foi uma das primeiras perguntas que fiz para a hanyou, presa na mesma cadeira onde seu tio estava há pouco mais de uma hora.
Graças à minha incompetência, a Operação Ogro na Noitada continuou em aberto. Então, eu tinha muito o que fazer, já que o Diretor Tanaka colocou a garota de gorro sob minha responsabilidade também.
Ah, e ela foi catalogada. Sei que a maioria de vocês não sabe o que isso significa na Mythpool, mas vou explicar. O catalogo dela significava que não seria detida como "peculiaridade perigosa", mas seria monitorada de longe pela Mythpool, para o caso de algum ideal nazista aflorar nela, ou até se alguma ameaça alienígena invadir a terra.
Naquele mesmo ano, tínhamos catalogado um garoto que queria ressuscitar a irmã entregando cabeças para outra pessoa... enfim, alguma coisa desse tipo.
— Eu não sei nada sobre ele, seu pamonha. Provável que seja outro youkai. Eles são até que unidos.
A garota parecia estar psicologicamente recuperada, considerando o estado que ela ficara no cruzamento. Era como se nada tivesse acontecido, e ela tivesse aparecido ali naquela jaula com um truque de mágica. Ela havia superado tudo e deixado no passado... por enquanto.
— Bem, okay — Falei. — O foco aqui não é esse. Agora que está sob minha responsabilidade, preciso fazer algumas perguntas antes de te libertar. Você cooperou com nossos exames e não matou ninguém, o que nos surpreendeu, principalmente sabendo de quem você é filha...
— Se não matei ninguém, foi porque não quis. Posso acabar com vocês quando der na telha, está bem?
— Sim, sim. Nós sabemos disso. Estudamos seu DNA e sabemos bem a extensão de suas habilidades, não queremos aborrecê-la. Contudo, gostaríamos de saber se você é realmente confiável.
É verdade que queríamos segurança quanto a ela. Os cientistas e especialistas estudaram em pouco tempo o DNA da hanyou e criaram uma teoria sobre a lógica por trás de seus poderes. Basicamente, Yuna conseguia transformar as moléculas de oxigênio em gelo, contanto que ela tenha contato com elas, seja este físico ou visual. Seguindo esse raciocínio, seus poderes de congelamento são quase absolutos, já que não sabemos dizer se há um limite que o corpo dela suporte ou alguma condição do tipo. E graças a essa teoria, nós fizemos algumas modificações místicas na jaula.
— O que está pensando aí, hein? Achei que estávamos em um interrogatório.
— Eu? Ah, sim, verdade.
— Hmm... não estava tendo nenhum pensamento pervertido, estava?
— Como? Não! Não, não, não. Sou um homem íntegro.
— Imagino... então, não estava pensando se estou vestindo shorts por baixo desta regata longa?
— Quê? Não! Com certeza, não!
— Hmph, aposto minha reputação que era exatamente o que estava pensando.
— Reputação? Quem você pensa que é? Steve Jobs? Não me faça rir.
— Falou o cara que se mijou todo e foi salvo por uma menor de idade. Ênfase no "menor de idade" para você.
— Ei, o que está insinuando?
— Não está claro? Tenho certeza que você é daqueles caras que vão a festas de adolescentes fingindo ter dezesseis anos, só para poder se dar bem com garotas como eu.
— Eu nunca fiz isso! Eu acabei de fazer dezoito anos!
— Não adianta mentir. Você tem no mínimo uns vinte e sete.
— Como assim?! Eu nem aparento ser mais velho!
— E aí que está seu trunfo, não é? Já deve até ter comprado o caminhão de sorvete.
— Chega!
— ...
A expressão de satisfação no rosto de Yuna por ter me tirado do sério, era totalmente explicita.
— Vamos voltar ao que interessa. Eu pergunto e você responde, okay?
A hanyou recostou-se no assento que era sua prisão.
— Está bem, vou entrar no seu jogo, pedófilo.
— Eu não sou...! — Ajeitei minha postura. — Bem, vou direto ao ponto. Para quem você trabalha?
— Sou freelancer. Tenho um site na Deep Web onde cobro na faixa de dez mil ienes por um assassinato. É até que bem popular.
— Está falando sério?
— Claro que não, seu pamonha. Você estava inclinado a acreditar?
— Sinceramente, sim. No começo pensei ser muito cansativo, mas me coloquei no seu lugar e acabei vendo que era um bom negócio.
— Agora virou empreendedor, é?
— Olha, quanto mais rápido você responder, mais rápido vai estar livre. Já deve ter percebido que seus poderes não estão funcionando aqui na jaula. Isso porque colocamos um encantamento nela depois do que sua mãe causou por aqui.
— Tsc... está bem, vou ser boazinha. Só espero que essa coisa em sua calça não chegue perto de mim. Posso estar sem meus poderes aqui, mas já aviso que meus dentes são mais fortes que os dos humanos, então...
Ela mordeu o vácuo, inclinando o tronco para frente em um movimento rápido. Logo depois, voltou a recostar-se em seu assento que também era sua prisão. Àquela demonstração, eu dei um passo para trás.
— Então, para quem você trabalha?
— Para a AAA.
— Pilhas palito?
— Não, seu pamonha. Sou uma assassina, da Associação de Assassinos Anônimos. Sou quase da Elite...
— Espera aí, quase? Quer dizer que existem pessoas mais poderosas que você?
— Não necessariamente mais poderosas. Mas a Elite geralmente se limita a oito cargos. Cada cargo é especializado em algum tipo de esquisitice, como youkais ou shinigamis. Para conseguir entrar para a Elite é necessário que se abra uma vaga em um dos cargos, e que haja alguma indicação de outro membro da Elite ou até mesmo da própria chefe.
— E você foi indicada?
— Sim.
— Então já é da Elite, ora.
— Não. O assassino indicado recebe uma missão, que geralmente envolve o cargo a ser ocupado.
— Hmm, agora eu entendi, agora eu saquei. Você recebeu a missão de matar sua mãe.
— Finalmente usou a cabeça de cima.
— Obrigado... ei, não...
— Tá, tá, agora que eu cooperei, me solte. Estou perdendo tempo aqui.
— Nada disso. Preciso saber o porquê da AAA querer sua mãe morta. E também quais são as ambições de sua mãe. Pelo o que parece, ela não está envolvida diretamente com a Yakuza.
— Não sei o porquê querem ela fora de jogo, mas para mim não importa. Eu me esforcei para chegar no nível para bater de frente com ela. Cedo ou tarde, pela Associação ou não, eu iria caçá-la e matá-la. Esta é minha sina.
— Hmm... preciso saber mais sobre a AAA antes de qualquer coisa. E sua mãe... bem, tenho que pesquisar.
— Ei, espera... eu já respondi suas perguntas, me tira daqui.
— Até mais, Yuna...
— Ah, seu filho da...!
Eu deixei a sala rapidamente.
E tranquei a porta de uma vez só.
Minha intenção não é mostrar como uma garota pode ofender as gerações de sua família quando estressada. Embora a hanyou tenha me explicado uma coisa ou outra, ainda não era motivo para sair mundo à fora em uma caça ao sobrenatural. Com o que ela me dissera, concluí o que parece óbvio: Yuki-onna e a AAA estão conectados de alguma maneira. Mas era tudo muito vago.
Ela falou que a Associação quer matar a youkai. Por quê? Por acaso a AAA sai matando esquisitices à rodo, só por diversão? Não faz sentido, se consideramos a organização dessa associação. A julgar pelo que ela disse existe uma hierarquia e departamentos, como uma empresa. Se Yuna precisa matar um youkai para subir de cargo, significa que isso é um teste, e não acho que uma organização criminosa, que sai matando por matar, teria cargos, hierarquia e testes.
Eles só atacariam bomba em tudo, não é?
Então, a AAA não é um grupo terrorista. Mesmo que alguns grupos terroristas tenham hierarquia, testes e cargos, essa Associação aparenta ser mais individualista. Cada um tem uma tarefa e pronto. Como um grupo de freelancers. O que um faz não interfere na tarefa do outro. Eles recebem a missão, concluem a missão, e voltam para a casa. Será que é isso? E se for, quem dá as ordens? Ela falou sobre uma chefe. Se essa chefe dá as ordens, então são todos peões dela. E se ela decide tudo, posso reformular nossa questão: por quê a chefe quer Yuki-onna morta?
Para encontrar a resposta, primeiro preciso saber quem é essa chefe.
Sabendo o que tinha de fazer, eu pesquisei no mais profundo da internet sobre a AAA. O que encontrei foram teorias idiotas, documentos falsos, vídeos falsos e imagens em branco e preto que nem tentavam ocultar sua falta de veracidade. Mas não foi de todo mal vasculhar o submundo da rede internacional. Após passar por um site de venda de órgãos, acabei indo parar em um blog sobre shinigamis.
Os assassinos matam bem, por Hideki Takashi.
"Como matador de shinigamis profissional há anos, venho observando que as outras criaturas místicas estão diminuindo consideravelmente. Antes, era difícil ter shinigamis trabalhando na cidade. A maioria das mortes aconteciam em zonas desertas e rurais, o que só nos trazia clientes após encontrarem o corpo e terem notado que fora um deus da morte que realizou aquele ato. Mas agora, a AAA está matando as criaturas sobrenaturais mais urbanas e os shinigamis estão conseguindo mais espaço nessa zona, acarretando em mais homicídios e em mais clientes. Então, a AAA está de parabéns".
O blog só tinha três seguidores.
Bem, parece que a AAA não estava fazendo nada demais. Então, porquê matar Yuki-onna? O que a youkai fez? Ela não está envolvida com a máfia, pelo menos, não conscientemente. E parece que se manteve afastada da sociedade moderna, o que não a enquadra, segundo esse Hideki, no perfil de criaturas que a AAA anda dando conta.
Seria a youkai uma vítima nesse caso? Não seria Yuna a errada por querer castigar a própria mãe por seus atos preconceituosos? Não, o preconceito dela merece ser punido, sim. Mas com a morte?
Por mais que Yuki-onna tenha um passado sombrio, a chefe não tem motivos para dar uma ordem de assassinato. Yuna pode até ter, okay. Mas a AAA, não. E se eles não matam por matar, só consigo pensar em duas coisas: a AAA tem um objetivo e Yuki-onna é um obstáculo. Ou, a youkai fez algo para a chefe.
Só que, a Mulher da Neve estava afastada da sociedade, e pelo jeito de falar, parece que ficou bastante tempo longe. Ou seja, a opção de ela ter feito algo contra a AAA pode ser descartada.
Só nos resta: Yuki-onna é um obstáculo para a Associação.
— Não devia estar de olho na pirralha?
Às minhas costas, o Diretor Tanaka adentrou a sala de TI.
— Ah, senhor Tanaka, nem te vi entrando... sobre a Yuna, eu a interroguei, mas não consegui muita coisa. No entanto, já consegui iniciar algumas pesquisas...
— E o que descobriu?
— Hã? Ah, sim. Descobri sobre a AAA estar atrás de Yuki-onna. Penso que o motivo seja a youkai ser uma ameaça para eles, então essa Associação mandou Yuna atrás dela para... — eu passei o dedo em minha garganta.
— A garota precisa passar o dedo no pescoço da youkai?
— Quê? Não, não, não. É uma expressão no meu país, significa matar.
— Que expressão mais boba.
— ......
— Enfim. Acho que sei o porquê da AAA querer essa mulher fora do jogo. Na verdade, se a Associação está envolvida nisso... — ele desviou o olhar.
— Conhece a AAA?
— É claro. Como diretor da Mythpool japonesa, tenho conhecimento sobre todas as questões mitológicas neste país.
— É, faz sentido.
— Venha comigo. Vamos conversar um pouco.
Ele se virou e começou a caminhar para fora da sala. Eu o segui.
— Conversar sobre o quê, se me permite perguntar?
— Vou te passar algumas informações úteis para sua missão.
Nós entramos na sala do diretor. Um espaço cúbico com as paredes na cor de vinho e o piso de madeira marrom bem escura, porém lustrosa, já que era possível ver meu reflexo esfumaçado no chão.
— Saquê?
— Não, eu estou de carro.
— Ótimo, eu não bebo, para falar a verdade. Só deixo aí para o caso de precisar embriagar alguém.
E ele se sentou em sua poltrona atrás de sua mesa.
Aliás, que tipo de diretor pensa desse jeito?
Que seja.
Meio assustado, eu me acomodei na cadeira ao meu lado da mesa de Tanaka. O homem, que tinha a aparência bem estereotipada de japonês, colocou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos à frente da boca.
Comecei a suar um pouco frio.
Olhei para o lado, para desviar um pouco do olhar penetrante do diretor, e logo reparei em uma das fotos emolduradas sobre a mesa dele. Eram duas garotas. E caramba, de onde eu conhecia aquelas duas garotas? Não devia ser difícil lembrar, não conheço muitas.
— Perdeu alguma coisa?
— Hã? Não, não, só estava observando a foto. Quem são?
— Minhas irmãs. Elas são bem travessas. Mas são uns anjos.
— Ah, sim. Bacana, legal...
— Pois bem, vamos ao que interessa.
— Sim.
— A Yakuza, na verdade, um grupo específico da Yakuza, sempre almejou ter a posse da joia Magatama.
— Está dizendo aquela coisinha importante.
— Exatamente. E como a youkai é irmã de um membro da Yakuza, não duvido que ela esteja fazendo esse favor para ele.
— Mas, ué, essa joia não fica no palácio imperial? Se ela estivesse atrás dela, com certeza já teria conseguido. Olha só o que ela fez com agentes treinados.
— Concordo com você. É exatamente por isso que a Mythpool escondeu essa joia em um lugar e deixou uma réplica no palácio.
— Hmm, inteligente. E onde entra a AAA?
— A Associação é o motivo da Mythpool ter escondido a joia. Certa vez, eles, bem, tentaram comprar a joia, porque achavam que ela continha uma força mágica que seria útil para estudos e pesquisas privadas. Claramente, a venda não foi feita, e o Primeiro Ministro pediu para que escondêssemos o artefato. É provável que a AAA ainda acredite nesse poder mágico e queira deixar a joia longe da Yakuza. E como Yuki-onna quem deve estar nessa missão...
— Ela se tornou um alvo. Realmente, sabendo dessa história, pode ser isso. Então, nós e a AAA estamos, indiretamente, trabalhando contra a Yakuza.
O diretor assentiu.
— E onde está a verdadeira joia?
— Não sei. Só quem sabe é a Suny.
— A Suny? Está falando da Suny, aquela Suny? A da katana?
— Ela mesma. Conhece?
Decidi não contar minha relação esquisita com Suny para o diretor e somente fiz que sim com a cabeça.
— Não se preocupe, Diretor Tanaka! Com essas informações secretas vou rever minhas estratégias para esta operação! Fico muito agradecido e... belas irmãs.
Cem por cento motivado, saí antes que ele entendesse o significado das minhas últimas palavras.
Assim que O Chefe chegasse ao QG, colocaria meus planos em prática para resolver este caso e talvez até começar a pensar em algo como uma promoção.
Ah, O Chefe.
Acredito ter sido um pouco vago sobre meu superior imediato.
Ele tecnicamente não era um chefe. Para ser sincero, ele só era responsável por alguns agentes que tinham recentemente assinado carteira na Mythpool americana. Era um representante americano. Ele estava a caminho do QG japonês desde que a Operação Ogro na Noitada se iniciou. Todavia, não passou por minha cabeça que ele chegaria tão cedo.
— M-Mas... o que houve?
Eu adentrei a pequena salinha, cuja porta estava entreaberta, exalando um odor forte de sangue por sua fresta.
Quero deixar claro que minha relação com O Chefe era meramente profissional. Não nutria sentimentos empáticos por ele. Mas, vê-lo todo mutilado, estatelado no chão, conseguiu falhar uma batida de meu coração. Afinal, ele era o meu superior, que tinha chegado ao Japão sem que eu percebesse e acabou sendo assassinado.
Yuna estava presa, não poderia ter sido ela. Até porque, ela não tinha motivos para matar O Chefe. Um homem aleatório, caso ela tivesse conseguido. E o corpo estava escondido. Aquela garota não se daria ao luxo de esconder sua vítima. Sem mencionar os poderes. Se ela fosse a autora desse homicídio, acho que O Chefe morreria congelado, não?
Porém, se não foi ela... pode ter sido alguém de dentro da Mythpool. Na verdade, só pode ter sido alguém do QG. Um agente-duplo? Quem teria motivos para matá-lo? Por que queriam matá-lo? Essa é a pergunta certa. O Chefe só era um representante, comandante dos agentes que estavam na Operação Ogro da Noitada, uma missão para capturar um youkai membro da Yakuza. Hmph, quem teria alguma ligação com essa organização criminosa na Mythpool?
Ao perguntar isso a mim mesmo, a imagem no quarto do hotel onde estava o Oni e onde vi a hanyou pela primeira vez, se formou em minha mente. Como se eu estivesse revivendo meu passado recente, eu olhei para as garotas abraçadas de medo na cama... e então, a fotografia na mesa do Diretor Tanaka...
— Oh, macacos me mordam.
Eu não tinha mais nenhum segundo a perder. Precisava agir e precisava de todo tipo de reforço.
Sendo assim, eu deixei o local do crime e voltei correndo para a jaula de adamantina.
A porta abriu-se com tudo. Ela estava dormindo. Aquela imagem, mesmo em uma situação como a que eu me encontrava, era angelical. Ela não roncava, respirava tão silenciosa quanto uma floresta de madrugada. Creia em Vosso Humilde Narrador, foi muito difícil ter de...
— Acorda! Acorda! Vai, acorda logo!
Graciosamente, como uma princesa despertando na alvorada, Yuna apertou os olhos e então os abriu, quase como se abrisse a porta de uma garagem.
— O que é, seu pamonha? Você... você me enganou...
— Vou soltar você — falei. — Aqui é perigoso. Descobri algumas informações e meu chefe morreu. Mas agora tenho uma pista de onde encontrar sua mãe. Na verdade, uma amiga minha. Por sorte, não fica longe daqui, digo, fica no país. Então, é o seguinte, eu estou ferrado, preciso da sua ajuda. Só eu posso te tirar daqui e te levar até sua mãe que provavelmente está com o Oni, que é minha missão. Eu completo minha missão, você completa a sua, todo mundo sai feliz. O que acha?
Ela piscou os olhos quase em câmera lenta.
— Você é meio dodói, né?
— É sério! Sua mãe deve estar atrás da joia, e eu sei quem sabe onde ela está.
— Joia? Que joia?
— A Magatama.
— Hã... está bem, vou formar uma aliança com você, seu taradinho.
— Muito obrigado... ué, por que tarado?
— Suas mãos.
Minhas mãos?
Sem rodeios, vou logo dizer que minhas mãos estavam agarradas ao final das coxas de Yuna e o começo de sua cintura... e elas estavam um pouco mais para dentro. Como elas desceram dos ombros até ali?
— Foi totalmente inconsciente, eu juro.
— Vou deixar passar, por enquanto. Mas espero que não se repita.
Estremeci.
— Não se repetirá.
— Muito bem. Agora, me liberte, preciso esticar as pernas que você parece gostar tanto.
— Você vai me zoar durante o livro todo, né? — Fui para trás da cadeira, para desativar suas algemas.
— Com certeza.
Aquela garota conseguia ser a coisa mais fofa dormindo. E isso é só uma observação. Sabe, até hoje quero saber como minhas mãos foram levadas pelo primitivo instinto animal a tocar onde tocaram. Como agente da Mythpool e um oficial da lei mitológica, eu estava me sentindo imundo. E esses pensamentos sobre minha podridão como ser humano estavam me atrapalhando para descobrir como desativar aquela maldita cadeira.
— Quer uma mãozinha?
A frase veio da entrada da jaula. O som da porta se fechando veio logo depois.
Engoli em seco. Minha cabeça surgiu de trás do assento de adamantina, pela lateral esquerda. E meus olhos focaram no homem que adentrou a sala.
— Seu pamonha, tem um homem aqui. — Avisou-me atrasada Yuna.
— Diretor Tanaka, há quanto tempo.
— Gostaria de saber, 3k1, por que está tentando libertar essa garota?
— Eu...? Não, não, diretor, é que a cadeira está com algum defeito... acho que se eu fizer assim...
Eis que a deusa da sorte sorriu para mim. Com algum comando alternativo e desesperado, eu consegui ativar o comando que destravava as algemas da cadeira.
— Até que enfim, hein.
Yuna Nate então se pôs de pé. Ela se espreguiçou toda e estralou o pescoço. Seus braços baixaram, levando suas mãos à cintura. O par de safiras apontou diretamente para o Diretor Tanaka, poucos metros à frente dela.
O diretor sacou rapidamente o revólver das costas e mirou sem hesitar na hanyou. Ela, por sua vez, se manteve tranquilamente imóvel.
— O que pretende com isso, 3k1?
Eu saí de trás da cadeira, me colocando ao lado dela.
— Diretor, desculpe, mas suas irmãs são integrantes da Yakuza. Não, na verdade, você é integrante da organização. E acredito que tenha sido você quem matou meu chefe. Também creio que você tem interesse na joia Magatama. Porém, sem poder se expor, você tentou manipular a mim para que conseguisse a relíquia antes da youkai, ou melhor, antes do Oni. É provável que você seja do grupo na Yakuza que é fascinado pela joia, e o youkai seja de um grupo oposto. Estou certo?
— Hmph, parece que você não é tão tapado. Mas como chegou a esse pensamento?
— Suas irmãs. Elas estavam com o Oni ontem à noite. De início não tinha conseguido lembrar direito, mas depois a conta foi fácil de fazer.
— Aquelas oferecidas. — Disse Yuna. — Como o mundo é pequeno. E pensar que as deixei vivas.
— Pois é, não vou falhar como você falhou.
O Diretor Tanaka deu um tiro contra a garota. No entanto, a bala passou zunindo por cima do ombro da hanyou, já que ela simplesmente inclinou a cabeça para o lado, se safando do projétil.
— Espero que tenha mais balas.
— Tsc.
Ele disparou mais duas vezes, e Yuna esquivou-se da mesma maneira dos dois tiros.
O Diretor começou a estremecer. Teimoso, mais uma vez disparou seus tiros, no caso, seus três últimos. A garota, dessa vez, se manteve imóvel e fria, como uma estátua de gelo. E os três tiros de Tanaka, graças a sua tremedeira, não chegaram perto de alvejar Yuna. Confesso que um quase me pegou de raspão, mas a deusa da sorte ainda estava do meu lado.
Por fim, o Diretor Tanaka estava sem balas.
A hanyou tirou as mãos da cintura.
— O que vai...?
E ela se moveu. Com aquela roupa, era como um demônio escarlate avançando voraz. Ela saltou em um chute-parafuso que acertou em cheio o rosto de Tanaka. O som do estalo do ar veio acompanhado do som dos ossos quebrando, que consegui ouvir com clareza, mesmo quase ao fundo da jaula. Com aquele golpe, tecnicamente, o diretor já estava morto. Contudo, a pressão do chute sobrenatural, como se para ter certeza, rasgou o pescoço do homem, e sua cabeça foi lançada para a parede de adamantina, explodindo em miolos, sangue, e ossos triturados.
Quando Yuna tocou os pés no chão, a existência do diretor já era quase nula, não fosse o corpo decapitado e ereto que parecia um manequim naquela sala. A garota empurrou de leve com dois dedos o corpo para trás, que desabou vagarosamente. O sangue começou a vazar da base do que um dia foi um pescoço, somente alguns segundos após o manequim de carne se estatelar no solo.
— Ca-Caramba... que medo...
Eu caí de joelhos e não consegui evitar ver meu café da manhã novamente.
— Hã? Sério, seu pamonha? Se vai ficar vomitando por qualquer coisinha dessas, acho melhor me deixar ir sozinha nessa missão.
— Não, não... eu tô bem. Só recebi muita informação hoje e acho que esse foi o único jeito que meu corpo encontrou de aliviar a pressão... que droga.
— Tem certeza que não foi aquela poça de miolos ali?
— Não me faça olhar de novo!
Mais uma vez, a expressão de satisfação pessoal da hanyou surgiu em seu rosto adolescente.
E eu me ergui, sem muita pressa, e respirei fundo.
— Fico feliz que tenha admitido seu estomago fraco, pedófilo. Aceitar suas fraquezas é o primeiro grande passo, taradinho.
Ela disse aquilo como uma pós-graduada no assunto.
— Como fará uma missão comigo, posso te passar alguns ensinamentos de como ser um assassino, o que acha? — Ela estendeu a mão para mim. — É assim que vocês fazem no ocidente, não é?
Um aperto de mãos. Podia valer como a assinatura de um grande pacto em meus país. Ao ver esse gesto, eu sorri.
— Só vamos acabar logo com isso. Ainda quero ver se consigo entrar em uma faculdade.
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