Capítulo 3 "Os Executores"
— Isso aí! — falei, confirmando as palavras de Eisuke.
Isso aí o cacete, pensei. Não era pra esse cara aparecer aqui, agora vou ter que ajudá-lo a coletar a alma desse shinigami, merda. E o que ele quis dizer com três assassinos? Somos só dois? Será que ele é de humanas?
O antebraço do deus da morte se regenerou.
— Isso não se repetirá — disse o Mendigo Voador.
— Veremos — Eisuke partiu pra cima do monstro e golpeou na diagonal com sua espada, que foi bloqueada pela lâmina de aço do shinigami.
Nesse mesmo instante, eu investi e golpeei na horizontal com minha arma de chi, mas o deus da morte afastou a espada do assassino, virou e aparou minha lâmina com a dele.
Eis que eu e Eisuke giramos para fora e cortamos juntos em arco com nossas espadas de energia, porém, Mendigo Voador sumiu em um teletransporte, e somente golpeamos o vácuo, criando uma parede de vento entre nós, que saltou do solo ao céu.
— Sumiu? — questionei.
— Para nós sim...
Com um baque, o shinigami surgiu estatelado no chão a alguns passos de nós. Agarrado a sua nuca, estava a mão de um loiro mal-humorado, pressionando a cabeça do monstro contra o asfalto.
—... não para o Tetsu.
— Vai ficar aí olhando, engravatado? — disse o assassino mal-humorado. — Acabe com ele logo — o deus da morte tentou se levantar, mas Tetsu bateu o rosto dele no solo. — Quietinho aí, você nem é minha jurisdição.
— Sabia que seria útil — disse Eisuke, caminhando até Tetsu e o Mendigo Voador.
— O que quis dizer com isso? — rosnou o assassino loiro.
— Nada demais — o assassino de cabelo verde afundou sua lâmina no crânio do deus da morte e sua espada de chi se desfez.
Tetsu se ergueu.
— Se continuar com essas insinuações, eu vou matar você e o novato de bônus.
Por que ele tem que me envolver?
— Calma aí, Tetsu — Eisuke se agachou e pousou a mão nas costas do shinigami. Ele puxou uma esfera de chi azul de dentro do monstro.
Não é chi, falei pra mim mesmo, é a alma dele. Agora é certeza. Droga, vou ter que entrar no jogo e ir até o fim.
O assassino colocou a alma em um pequeno pote.
— Serviço completo — ele se levantou e me olhou por cima do ombro. — Vem conosco, garoto?
— S-Sim — respondi, me aproximando.
Tetsu tocou nossos ombros.
— Espero receber mais por isso — resmungou ele, antes de sumirmos da avenida com um baque.
+++
Nós aparecemos no corredor de entrada da Associação e Tetsu nos deu um empurrãozinho.
— Não me encham mais o saco — o assassino passou pela gente com as mãos nos bolsos.
Esse cara não fica de bom humor?
— Tenho que entregar isso a chefe — disse Eisuke, com o pote na mão.
Ele começou a caminhar pelo corredor e eu o segui, sem pretensão nenhuma. Como o assassino pareceu não se importar, eu continuei.
Viramos à esquerda e seguimos até o elevador no final do corredor. Adentramos nele e Eisuke pressionou o botão do andar subterrâneo.
As portas de aço se fecharam ante a mim.
— Então — puxou assunto o assassino —, o que te traz a associação, garoto?
— É... diversão e... lucro.
— Ah, sim. Entendo. Um garoto jovem como você não parece ter ideais estabelecidos mesmo.
É pra eu me sentir ofendido? Perguntei a mim mesmo.
— Você é talentoso, garoto — continuou ele —, mas se fosse menos hesitante com suas habilidades, poderia me superar ainda cedo, isso se já não for superior a mim.
Tá puxando meu saco? Qual é a desse cara?
— Ah, valeu — respondi a ele, que pareceu satisfeito com a resposta.
O elevador parou e as portas se abriram, me revelando...
— Que droga é essa? — murmurei.
— Como?
— N-nada. Vamos logo.
Passamos pelas portas do ascensor, adentrando naquela espécie de estacionamento abandonado. Claro, isso era só um detalhe, comparado a mulher velha em estado vegetal, presa a uma cadeira de choque, com um tapa-olhos que parecia um óculos de VR. O que seria até plausível, mesmo que bizarro, para a AAA, se não fosse o grande jarro transparente mais atrás da cadeira, onde se via no interior, um amontoado de almas azuis adormecidas.
Parece que meu mestre estava certo.
— Eisuke? — gemeu a velha.
— Sim, chefe — respondeu ele. — Trouxe a alma do deus, como solicitado. — o assassino caminhou até o jarro, sacou o pote, o abriu e derramou a alma para dentro do grande recipiente.
A mulher na cadeira suspirou de prazer quando o shinigami morto se uniu aos outros. Eisuke caminhou de volta para o meu lado. E meu celular começou a tocar.
Imbecil, não lembrou de colocar no silencioso.
— Eisuke — disse a chefe —, quem está aí com você?
— Oh, é o novato?
— Novato?
Engoli em seco.
— Assassino Daigo — bati continência —, ao seu dispor, senhora.
— Não é pra tanto — murmurou Eisuke.
— Não me lembro de nenhum Daigo — falou a velha, me fazendo suar frio. — Mas que seja. Se está com Eisuke, deve ter algum valor. Agora só resta um deus da morte para retirar essa maldição de mim.
Maldição?
—... Eisuke, a alma final, é a do quarto shinigami no ranking mundial.
Tanto eu quanto o assassino estremecemos, antes de falarmos:
— O Ponte Espelhada!
— Chefe — começou Eisuke —, existe uma diferença gritante entre o quinto colocado e os quatro primeiros no ranking. E... Ponte Espelhada reside...
— No Mundo dos Mortos, eu sei — disse a chefe, tranquila.
Eu e o assassino ficamos paralisados, processando o nível suicida da missão. No meu caso, eu estava calculando como chegar até o Ponte antes de Eisuke e quem mais fosse com ele.
Precisava falar com meu mestre.
— Agora podem ir.
— S-sim — disse o assassino se virando e indo ao elevador.
Não demorei a segui-lo.
+
De volta ao térreo, eu me deparei com Yuna no corredor, que não se surpreendeu nada com minha presença.
— Eisuke — comecei —, preciso conversar com ela, assuntos pessoais, então...
— Já entendi, garoto — falou ele. — Já passei pela puberdade também — ele me cutucou com o cotovelo.
— Não é nada disso — choraminguei para mim mesmo.
O assassino acelerou, passando por Yuna e eu a segurei pelo braço.
— Descobri algo importante — disse a ela.
— Tira — rosnou a assassina.
— Ok — afastei minha mão de seu braço, sem hesitar. Suspirei rápido e continuei. — Acabei de falar com a chefe junto de Eisuke e...
— Ele vai matar o décimo do ranking, descobri isso tem...
— Não. Isso já aconteceu, eu estava lá.
— Tsc. Como tão rápido?
— Tetsu — respondi. — Mas ele parece não saber o que está rolando.
— E agora?
— A chefe disse que só resta um para arrancar uma maldição dela. Acho que tem a ver com a aparência velha dela, mas também acho que isso seja mentira...
— Espera, você deve ter falado com a pessoa errada. A chefe não é velha, seu pamonha, e nem...
— Como não? Eu não tô ficando maluco, entrei lá e logo me deparei com uma velhota em uma cadeira e um jarro...
— Maconha é legalizada aqui no Japão, mas moderação é...
— Você só quer me zoar! — eu já estava levantando a voz. — Eu estou dizendo que vi o que vi. Ela disse que só falta um shinigami, só que ele é o Ponte Espelhada, e agora vamos ter de ir ao Mundo dos Mortos, impedir que as coisas piorem!
— Não precisa se estressar — comentou ela. — Acho que você e seu mestre tem uma missão bem complicada...
— Você vai conosco — falei. — Ainda nos deve pela a aposta, então, se for conosco, podemos diminuir o valor pela metade.
— Abrindo mão de dinheiro? — ela cruzou os braços. — Estou surpresa, e nesse caso, posso acompanhar vocês novamente.
Suspirei, satisfeito com a decisão de Yuna.
— Aproveitando — coloquei as mãos nos bolsos —, por que você se separou de nós lá na ponte?
— Estávamos sendo observados — disse ela, um pouco mais baixo. — Na verdade, mais eu do que vocês.
— E você sabe por quem?
— Sim — respondeu ela. — Era um homúnculo assassino, um Executor.
Pra ela estar dizendo isso, eles devem ser realmente de outro nível.
— Bem — Yuna pousou as mãos na cintura —, acho que não temos tempo a perder.
— É — confirmei —, vamos até meu mestre.
+++
— Mestre? — clamei, ao chegarmos no escritório danificado e vê-lo com uma espada de chi em punho e o ombro esquerdo destroçado e sangrando.
Eu e Yuna adentramos a ACAP e vimos um homem mais à frente de meu mestre. Careca, com um casaco negro, cuja gola cobria metade do rosto.
Parece com o cara que vi na AAA. Ele já estava aqui? Nem senti sua presença.
— Esse esquisito apareceu aqui do nada e me atacou — começou meu mestre. — Tinha acabado de voltar com aquilo — ele apontou com o queixo na direção de dois trajes de aço negro em pedaços. — Esse cara é bem mais pé no saco do que aquele ruivo.
— Caraca — olhei para Yuna, que rangia os dentes em nervosismo. — Yuna você...
— É a droga do Executor — falou ela. — Temos que sair...
— Que nada! — invoquei um machado de energia e saltei contra o calvo, golpeando na vertical com minha arma, mas uma força invisível me lançou no ar e me choquei contra a estante de livros, antes de cair de bruços no chão.
O livro "Lord in América" caiu em minha cabeça e eu o apanhei.
— Ele não é pouca coisa — Yuna moveu o braço e uma shuriken voou na direção do Executor, porém foi impedida pela força invisível. — Hmph — a shuriken de gelo parou no ar e congelou a força invisível, nos apresentando uma redoma no estado sólido da água.
— Era um campo de força? — indaguei, me erguendo.
— Sim, pamonha — respondeu ela. — Agora vamos dar o fora.
— Não vou abandonar meu escritório — disse meu mestre.
A redoma de gelo começou a trincar.
— Não temos outra opção — argumentou Yuna. — Olha o estado do seu ombro. Esse assassino foi criado pra matar outros assassinos, até os mais poderosos. Ele vai matar a mim, a você, e a seu aluno querido.
Eis que a redoma se quebrou em pedaços.
— Merda — eu ataquei o livro em minha mão contra o calvo e o acertei em cheio na testa.
O Executor se distraiu e olhou "Lord in América" cair no chão. Nesse mesmo momento, meu mestre se virou para a saída e bateu em retirada. Fui logo em seguida e Yuna saiu por último, congelando a parede e criando uma porta de gelo.
Nós saímos do edifício e ouvimos o estrondo da parede congelada se quebrando.
Yuna tocou o ombro ferido de meu mestre, que grunhiu de dor, e o congelou, protegendo o ferimento.
— Precisamos ir para o Mundo dos Mortos — falei, enquanto corríamos para a garagem do outro lado da rua.
— Como é? — disse meu mestre.
Expliquei a situação para meu mestre à caminho de nosso veículo. Entramos no carro e meu mestre acelerou, saindo da garagem.
O assassino já estava saindo do prédio e ele começou a correr atrás de nós pelas ruas de Tóquio.
— Que fôlego ele tem — comentei.
— Não é hora pra elogios — disse Yuna.
Meu mestre bateu um drift, entrando a direita em uma esquina, enquanto a assassina criava uma parede de gelo entre os dois últimos edifícios da rua em que o Executor vinha correndo.
— Boa! — clamei.
Meu mestre acelerou ainda mais e eu já estava pronto para comemorar, quando outro Executor quebrou a parede de uma loja de doces e se colocou no caminho de nosso veículo.
Sem possibilidades de frearmos, nós saltamos para fora do carro e vimos o assassino ser atropelado por nosso conversível, se estatelando com tudo no capô.
Nos levantamos e observamos o carro desacelerar com um calvo de cara no para-brisa e...
BOOM!
Algo colidiu com o solo mais atrás de nós, trincando o asfalto. Olhei por cima do ombro e vi mais um Executor, agachado com o punho no chão. Ele ergueu o olhar para nós e então nos viramos para o assassino.
Meu mestre invocou duas espadas. Eu conjurei minha arma de chi mais poderosa, uma grande foice, parecida com a da própria Morte. E Yuna... colocou as mãos nos bolsos.
O Executor se ergueu, cerrou os punhos e levantou a guarda.
— Boxe? — indagou meu mestre.
— Ele é perigoso — comentou a assassina. — Tomem cuidado para não acabarem mortos — ela deu um chutinho no vácuo, raspando a sola no asfalto, e uma vara de gelo pontuda se formou voando contra o rosto do assassino.
O calvo disparou um jab tão veloz quanto um tiro, que interceptou a lança, a quebrando, mas deixando seu punho todo congelado.
O Executor armou a guarda de volta, e notei que seu movimento do punho que fora resfriado havia perdido velocidade.
— Entendi — meu mestre investiu.
Ele ficou a centímetros do assassino, jogou o corpo para esquerda e o calvo golpeou com seu punho congelado, porém, meu mestre girou o corpo, passando pelas costas do soco e golpeando na horizontal com suas lâminas de chi. Entretanto, o Executor imitou o movimento de meu mestre, só que mais rápido. Ele moveu o braço e acertou meu mestre com as costas da mão, o lançando contra um poste.
— Mestre! — clamei, e olhei colérico para o assassino, antes de partir pra cima dele. — Toma essa! — eu golpeei na diagonal de baixo para cima com minha foice, mas o calvo se esquivou dando um passo para trás.
Que careca pé no saco, pensei, e pulei à meia altura, girando e desferindo um chute no peito do homem, que ele bloqueou com o antebraço.
Antes de tocar meus pés no chão, Yuna surgiu em um salto por cima de mim com duas espadas de gelo em seus punhos. Ela começou a rodar no ar, caindo em um golpe vertical, e eu saltei para trás, antes dela ferir o Executor e pousar suavemente, movendo suas lâminas para os lados do corpo para espirrar o sangue de suas armas.
Um mero segundo depois, os braços do assassino se separaram do resto do corpo e caíram pesadamente no chão.
— Sai daí! — seis espadas pairavam ao redor de meu mestre, e Yuna logo saltou para o lado, quando as lâminas de energia foram disparadas contra o calvo e se cravaram em seu corpo. Elas brilharam fortemente, antes de explodirem, despedaçando o Executor.
Os restos do assassino choveram, molhando o asfalto com sangue.
— Acabou? — perguntei.
Em resposta, os pedaços do calvo começaram a flutuar, e se uniram em um bolo de carne, que rapidamente tomou a forma do Executor em pleno ar.
O assassino pousou, trincando o chão sob seus pés. Ele logo disparou, como um rinoceronte, em minha direção. Só tive tempo de transformar minha foice em um escudo de chi, e o calvo lançou seu punho em um soco contra minha defesa de energia, cujo impacto quebrou as vidraças dos prédios ao redor.
A pressão do golpe fez meus pés amassarem o asfalto.
— Merda! — afastei o braço do maldito com o escudo e transformei minha defesa em dois semi-discos de energia.
Golpeei em arco com minhas armas de chi, mas o Executor inclinou o torso para o lado, se safando.
O assassino armou um soco, porém, Yuna deslizou mais atrás do calvo e estendeu a mão em sua direção, fazendo estacas de gelo crescerem de dentro para fora do Executor, rasgando toda sua carne no abdômen e costas.
Voltei o golpe com os semi-discos, os passando no pescoço do assassino e arrancando sua cabeça, que caiu e rolou no solo.
Meu mestre moveu-se e cravou uma lâmina no crânio ambulante, o prendendo no chão.
Entretanto, o corpo decapitado continuou a se mover, cambaleante, procurando por sua cabeça, desorientado.
As estacas de gelo começaram a congelar o corpo por completo do descabeçado, que logo se tornou uma estátua de gelo.
— Agora acabou — disse a assassina.
— Acho que não — meu mestre voltou o olhar para nosso carro e notamos que o Executor que fora atropelado, havia desaparecido.
— Para onde? — falei, enquanto dávamos as costas um para o outro.
— Não sei — respondeu meu mestre.
— Os Executores são assassinos silenciosos, mas também são donos de uma força bruta que não se encontra em nenhum dos assassinos de elite — explicou Yuna. — Basicamente, foram criados para matar qualquer membro da Associação que...
Fissuras se acumularam sob nossos pés com um barulho de tremor que interrompeu a assassina.
Nós nos dispersamos em um salto, girando o corpo e nos voltando para as rachaduras, que logo explodiram em poeira e terra quando o Executor surgiu do subsolo.
— Mas que... — fui interrompido, já que Yuna socou o vácuo na direção do assassino, transformando em gelo tudo de sua cintura para baixo.
O calvo caiu e suas pernas de gelo se estilhaçaram, mas o torso ainda queria briga. Ele socou o nada, disparando um golpe de ar que acertou o ombro congelado de meu mestre.
— Fui alvejado — resmungou ele, caindo de joelhos com dor e estancando o ferimento com a mão envolta em chi.
— Seu cotoco! — vociferei, transformando minhas armas de energia em espadas, e avancei contra o meio-metro que também socou, atirando um golpe de ar em minha direção. Porém, eu perfurei o tiro de vento com minha lâmina da direita e atravessei o punho do Executor com ela. Então, com um giro completo da direita para esquerda, eu cortei na horizontal com minha outra lâmina, decapitando mais um assassino.
A cabeça calva caiu e rolou, antes de eu atravessá-la com uma espada.
A assassina realizou o mesmo procedimento que fez com o anterior e congelou o torso do Executor, enquanto eu ia até meu mestre de joelhos.
— Não se preocupe — disse ele —, o maldito só quebrou o gelo da garota.
Ajudei meu mestre a se levantar e me voltei para Yuna.
— Agora acabou, né?
— Sem mais um pio — ela começou a caminhar para nosso veículo —, só vamos cair fora logo.
+++
— Mestre — chamei.
Nós passamos em uma farmácia antes de cairmos na estrada, e fizemos um curativo no ombro de meu mestre, mesmo os farmacêuticos querendo levá-lo de ambulância para o hospital mais próximo, e eu dizia: "Relaxem, ele vai ficar bem". E meu mestre: "Já estou até me sentindo melhor". Já Yuna colocou um fim no assunto com: "Parem com essa chatice logo, se têm medo de morrer". Quando ela disse isso, o aquecedor se tornou um ar-condicionado em um piscar de olhos.
— Diga, Daigo?
— Como vamos ir ao Mundo dos Mortos?
— Daigo, é claro que já pensei sobre isso. O Mundo dos Mortos tem algumas entradas por aí. Mas eu tenho um jeito mais rápido de entrar do que ficar procurando desgovernadamente.
— E que jeito seria esse? — perguntou Yuna.
— Yomotsu Hirasaka — falou meu mestre, em tom sombrio.
— Imbecil — começou a assassina —, isso fica na China, não temos tempo pra ir até lá.
— Mas estamos de carro — comentei.
— Japão é uma ilha, seu pamonha!
— Ah, é verdade.
— Por que eu ainda falo com vocês? — suspirou ela, desviando o olhar.
— Eu tenho um amigo — observou meu mestre. — Ele pode abrir uma passagem.
— Você tem um amigo pra tudo, Hideki — comentou Yuna.
— Vou levar como elogio.
— Então — comecei —, mestre, aqueles carecas que enfrentamos...
— O que tem?
— ... Eles eram homúnculos, então, não houve problema em matá-los, né?
— Eles ainda estão vivos — observou meu mestre. — Mas se o que quer saber é sobre nossa regra, pode ficar tranquilo quanto a isso.
— Sim, é sobre a regra...
— Vocês são esquisitos — murmurou Yuna.
— ... Mas o que quero saber é: o que acontece se matarmos um humano usando chi? Não que eu queira matar alguém, mas, e se fosse necessário, para salvar alguém importante?
Meu mestre hesitou em responder e a assassina logo disse:
— Seu pamonha, tá achando que a vida é um parque de diversão. Nesse mundo ou você mata ou você morre. Essa coisa de herói não existe. Por isso que acho que interferirem na vontade da Morte é babaquice.
— Aí ninguém te chamou...
— Daigo — respondeu meu mestre, finalmente —, a questão não é o uso do chi. A questão é que, como sua namorada observou...
— Não começa — bufamos juntos.
— ... nós interferimos no ciclo natural da morte quando matamos shinigamis, com o propósito de dar uma segunda chance a pessoas que não querem morrer. Entretanto — meu mestre deu uma pausa dramática —, não existe lugar no céu ou no inferno para quem vence a Morte no próprio jogo. Em outras palavras: se você matar um shinigami e depois matar algum humano, você estará fazendo o serviço da Morte, e aí...
Meus olhos arregalaram quando ele completou a frase.
— S-Sério? — gaguejei, incrédulo.
— Muito sério.
— Hmph, dessa eu não sabia — disse Yuna.
+++
Meu mestre adentrou uma trilha, saindo da estrada e se envolvendo em uma floresta. Ele começou a dirigir com mais cuidado do que o normal, driblando as árvores, enquanto olhava de um lado para o outro.
— O que está procurando? — indagou a assassina.
— Já encontrei — meu mestre bateu um drift, virando à esquerda e freou, levantando poeira do solo.
Nós descemos do veículo e vimos um senhor cavando uma cova a alguns passos adiante.
— Ele estava aí quando chegamos? — perguntei a Yuna.
Ela somente me ignorou e acompanhou meu mestre até o velho.
Qual o problema dessa garota? Pensei, e os segui.
Meu mestre parou a centímetros do senhor.
— Velho amigo — disse ele.
— Olá, Hideki — o velho parou de cavar e apoiou o corpo no cabo da pá. — Vejo que fez amigos — ele olhou para mim, depois para Yuna, e se voltou a meu mestre. — Ela não é nova demais pra você, meu filho.
— Não é o que está pensando, pai...
— Oi? — interrompi, confuso. — Que papo é esse de pai e filho?
— É que ele é meu pai — disse meu mestre.
— Mas você disse que ele estava morto.
— E ele não mentiu — disse o velho. — Eu sou um yurei.
— Uma assombração! — estremeci. — Como assim?
— Não está óbvio? — suspirou a assassina, e se aproximou da cova. — Sem enrolar — ela se voltou para o pai de meu mestre —, como vamos para o Yomotsu?
— Não está óbvio? — ele voltou os olhos para o buraco no chão.
— Ok — Yuna colocou as mãos nos bolsos e caminhou para o vácuo no solo, sendo logo sugada pela gravidade e sumindo na escuridão do submundo.
— Vamos, Daigo — meu mestre também saltou no buraco.
— Beleza — eu caminhei até a cova.
— Antes — o velho me parou, erguendo a pá à frente de meu peito —, qual o nome da sua namorada?
— Ela não é e nunca vai ser minha namorada e o próximo que disser isso vai levar na orelha — resmunguei, antes de responder ao pai de meu mestre: — É Yuna, mas pode chamá-la de picolé.
Enfim, eu me joguei para o subterrâneo.
+++
Uma colina de rocha azulada se erguia sob um céu esverdeado, onde se podia ver auroras-boreais roxas tatuando o ar. Uma escadaria em espiral rodeava a colina até o topo, onde uma imensa fila de almas se atirava em um buraco que brilhava em amarelo — a entrada para o Mundo dos Mortos, Yomotsu Hirasaka.
Nós nos colocamos na fila e divagamos com os condenados rumo ao topo da colina.
— Na minha imaginação esse lugar era horrendo — falei.
— Hmph — começou Yuna —, vindo de uma mente alimentada por animes, não me surpreende.
— Isso não é totalmente verdade, eu leio livros também.
— Tipo?
— O Caçador de Górgonas.
— É praticamente um anime — suspirou, decepcionada.
— Vocês dois aí atrás, não comecem — disse meu mestre.
— Tsc — cruzei meus braços —, Yuna deveria ir na frente, já que é tão habilidosa.
— Que bom que reconhece — falou ela —, mas sei que isso é só uma desculpa pra olharem pra minha bunda.
Eu e meu mestre estremecemos, corados.
— Nada a ver — argumentei. — Somos cavalheiros. Só achamos interessante o fato de você nunca sentir frio.
— Exato — confirmou meu mestre. — Um homem formado como eu, nunca teria um comportamento desse...
— Fica quieto — interrompeu ela —, metade de seus clientes acham que você é um pedófilo.
Meu mestre se irritou rápido o suficiente para denunciá-lo. Ele se virou, me afastou para o lado, e encarou a assassina, com uma veia saltando em sua têmpora.
— Retire o que disse — rosnou ele.
— Não vou retirar — ela inclinou um pouco o torso para frente, com as mãos na cintura. — Não falei nenhuma mentira, seu quarentão...
— Quarentão é o cacete! Eu tenho só vinte e nove!
— Tão jovem e já é um tarado — Yuna se reclinou e cruzou os braços. — Nem pra esperar a idade correta.
— Idade correta! Como assim?
Meu mestre mais parece encurralado do que bravo.
— Pedófilo — tornou a dizer a assassina.
— Quieta! — meu mestre armou um soco.
— Pedófilo, pedófilo, pedófilo...
— Ok! — me coloquei de volta entre os dois, mais afastando meu mestre do que qualquer coisa. — Lembra do que disse sobre matar humanos, mestre.
Ele suavizou a expressão e se virou, seguindo em frente no caminho para o Mundo dos Mortos.
— O que foi isso agora? — disse, olhando Yuna por cima do ombro.
— Puxa o carro, seu pamonha — falou em resposta, com a expressão sombria.
Estremeci, antes de me voltar para frente e seguir meu mestre.
+
Enfim, chegamos ao fim da linha.
Era como um vulcão vazio. No lugar de magma, só aquela forte luz amarela e...
— Ei! — clamou meu mestre. — Espera aí!
Yuna empurrou meu mestre, batendo o joelho em suas costas. Ele caiu gritando e girando e, logo, sumiu em meio a todo aquele brilho amarelado.
— Por que fez isso? — indaguei, abismado.
A assassina segurou minha mão, e eu corei.
Tá esquisito.
—Vamos — disse ela, saltando para o fosso de luz amarela e me puxando junto.
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