004
O Faro de Aquiles era um dos shinigamis dentro do top cinquenta no ranking mundial. Suas habilidades de combate eram escassas, quase nulas, um verdadeiro inútil em combate. Contudo, esse deus da morte tinha uma das habilidades mais uteis da história, considerando a situação em que nos encontrávamos. Basicamente, Faro de Aquiles era um shinigami rastreador. Ele poderia dizer a localização de qualquer pessoa somente sabendo o nome e o rosto.
De resto, ele era um completo inútil. Um deus da morte pacífico.
Ou seja, não havia o que Yuna e eu temermos quando fomos atrás dele. Usá-lo era a parte fácil do plano. O difícil veio depois que o encontramos. E isso contando com a dificuldade para Suny encontrar uma foto de...
— Tetsu Tetsuya, mais conhecido como o Assassino Intocável. É ele mesmo? — Falou a agente, pelo celular.
— Envie a foto para o e-mail de meu mestre — pedi.
— Ok.
Após a revelação do Assassino Intocável para Suny, e também para Yuna que não se lembrava dele, nós discutimos sobre a possibilidade de ele estar vivo e como iriamos pegá-lo.
Tetsu Tetsuya é conhecido como o Assassino Intocável por conta da sua habilidade de teletransporte. Também era um impecável artista marcial e estrategista. Ele era um híbrido, como Yuna. Um hanyou. Contudo, eu não sabia nada sobre sua ascendência youkai.
Certa vez levei uma surra dele, mas isso é coisa do passado. O que acontece em uma tentativa de salvar o mundo, fica em uma tentativa de salvar o mundo. E digo isso porque Tetsu era um dos nazistas da antiga AAA. Ele estava ciente de todo o plano de Yoko e a defendeu até o último suspiro, antes dela completar sua transformação e devastar Saitama.
Era para ele ter morrido com a explosão, mas, ao que tudo indicava, ele estava vivo.
— Então, o plano é o seguinte — começou meu mestre. — Existe um shinigami pacífico que tem uma habilidade de rastreio espiritual. Pode encontrar qualquer um que esteja vivo, somente com o nome e o rosto do indivíduo. Nós já sabemos o nome, agora precisamos de uma imagem do rosto. Suny, como agente da Mythpool, você deve ter acesso a uma rede de informações e banco de dados gigantescos. Consegue nos enviar uma foto dele?
— Bem possível — respondeu ela. — Já está mesmo na hora de voltar para o QG.
E ali estávamos nós, uma hora depois. No telefone, esperando Suny enviar a imagem de Tetsu para nós.
O arquivo anexo finalmente chegou no e-mail de meu mestre.
— Ótimo. — Meu mestre imprimiu a imagem do assassino. Depois estendeu a folha impressa para Yuna, que a apanhou e a analisou.
— Assim que descobrir a localização dele, ligue neste mesmo número — advertiu a agente, antes de encerrar a chamada.
...
— E aí, o que é que vai ser? — Perguntou Yuna, após terminar sua análise da imagem.
— Ora, vocês vão atrás do shinigami — respondeu meu mestre. — Vão levar a imagem a ele.
— Quê? Nós de novo? — Protestei. — Por que não vai você, mestre?
— Daigo! Não me questione! É claro que é uma decisão estratégica muito bem pensada. E também, estou bastante cansado do confronto que tive aqui com Suny, e preciso arrumar essa bagunça e...
Yuna bocejou no meio da argumentação de meu mestre.
— Ok, está bem — ela retirou o tapa-olho, com uma feição sonolenta. — Amanhã nós vamos atrás desse shinigami. Por ora, eu só quero dormir. O dia foi longo. — Ela começou a caminhar na direção de meu quarto. — Você não vem, seu pamonha?
— Ah... é que tem muita coisa... sabe... pode ficar com o quarto hoje, eu...
— Ele já está indo — falou por mim o meu mestre. — Pode ficar tranquila.
— Ok — e a assassina entrou em meu quarto.
— Como assim? — Logo me voltei ao meu mestre. — O que você fez, mestre? Está ciente de que só há uma cama no recanto do samurai, né?
— Claro que estou, Daigo. Justamente por isso que disse que você estava a caminho. Embora você rejeite Yuna e queira levar uma vida solitária e centrada em seus estudos no campo das artes místicas, dividir um colchão de solteiro com aquele pedaço de mau-caminho, pode te fazer abrir os olhos e perceber a oportunidade que está perdendo.
— Oportunidade? Mestre, ela esqueceu o que sentia por mim, lembra? E outra, confesso que ela é muito bonita, só que eu não dou conta, não.
— O que vocês tanto conversam? — Yuna apareceu na entrada de meu quarto, nos causando calafrio. — Temos que dormir bem, sabia? — Ela disse aquilo e adentrou de volta o recanto do samurai.
Meu mestre assentiu para mim, me olhando com ternura.
Como parecia que a discussão havia acabado, eu só pude engolir em seco e me locomover até meu quarto.
E eu entrei...
— Essa é minha provação suprema como cavalheiro — murmurei.
Meus olhos foram diretamente para minha cama. Yuna já estava deitada, olhando para o teto. Havia retirado os tênis, tênis de corrida, e se estatelou no colchão. Ela estava com uma perna esticada e a outra dobrada, o que deixava amostra toda sua coxa esquerda, já que só estava vestindo uma longa regata. Suas mãos se encontravam atrás da cabeça, sobre o travesseiro, e isso, de uma maneira esquisita, dava maior destaque aos seios dela.
— Vai ficar aí só me comendo com os olhos, seu pamonha?
Ela não moveu um músculo para me olhar, mas sabia o que, tecnicamente, eu estava fazendo.
Novamente, engoli em seco. Aproximei-me.
— Escuta, você não se importa de dormir na mesma cama do que eu? — Perguntei.
— Não é como se eu quisesse... bem, a cama é sua, é o seu quarto... não vou te impedir de nada, mas também não vou dormir no chão.
Se ela não tivesse dito aquilo de maneira tão natural, eu seria levado a acreditar que essa obra mudou o gênero para hentai.
— Então... eu costumo dormir sem camisa e calça...
— Hm? Ah, tudo bem. Se quiser posso tirar a roupa também, para não se sentir injustiçado...
— Não! Não dificulte mais as coisas, por favor. Eu só vou tirar a camiseta. Você pode ficar o mais coberta possível.
Dito e feito, eu retirei a camiseta. E eu subi na cama. Tive de passar por cima do corpo de Yuna que continuou imóvel, até que mexeu os braços, os cruzando acima de sua barriga, para que eu pudesse me deitar direito. Mesmo assim, o espaço era ínfimo.
— É...
— Toquei você em algum lugar?!
— Não, seu pamonha, calma. É que... — ela enfim se moveu, virando o corpo para mim. — Olha aqui, para mim.
Mais uma vez, engoli em seco, mas virei meu corpo para ela. Isso deixou nossos rostos bem próximos. E todas as outras regiões calorosas do corpo humano, também.
— O-O que é?
Em resposta, sua mão veio direto para o meu peito. Embora tenha sido veloz como a maioria de seus movimentos ofensivos, seu toque foi macio. Sua pele era fria, mas não chegava a incomodar, era até que bom.
Seus dedos deslizaram do tórax ao meu abdômen. Eles continuaram, driblando meu umbigo e...
— Onde você vai?!
Ela afastou a mão no último momento. Extremamente provocante.
— Você precisa treinar mais — disse a assassina.
— Hã?
— Precisa treinar mais. Precisa ficar mais forte.
— Ok... olha, Yuna, vou ser transparente com você. Eu estou realmente desconfortável com essa situação aqui, então, eu acho melhor eu dormir...
— Não! — Com uma velocidade maior que a anterior, Yuna segurou meu antebraço e aproximou nossos corpos um pouco mais. Ela me abraçou de mau jeito, recostando a cabeça em meu peito. — Não quero ficar sozinha... eu sei que você é um taradinho... mas...
Ela bocejou novamente, e então se silenciou.
Ela adormeceu agarrada a mim.
Aquela foi a primeira vez que vi e senti o lado mais humano de Yuna Nate.
+++
Bem, na manhã seguinte, Yuna e eu fomos para o Vale de Owakudani, em Kanagawa. Um vale vulcânico. Também um ponto turístico. Isso nos forçou a chegarmos bastante cedo lá, porque meu mestre explicou que o Faro de Aquiles se escondia na presença da maioria dos humanos comuns. Ele era um shinigami pacífico, não matava pessoas, logo não evoluía e mantinha uma aparência monstruosa.
O deus da morte tinha a forma humanoide, só que estava mais para um gorila. Sim, ele parecia um pouco com um gorila. Um gorila sem pelagem, mas um gorila mesmo assim. Seu corpo todo era liso e depilado, tão branco quanto a fumaça que circulava naquele vale vulcânico, e isso o auxiliava a se camuflar em Owakudani.
E, sobre Yuna e eu dormirmos juntos, não foi nada demais. Eu acabei caindo no sono junto ao seu corpo frio. Somente isso. Ela acordou mais cedo, então, quando meus olhos abriram com o meu despertar, ela não estava mais no quarto.
A assassina dissera algo sobre não querer ficar sozinha. Sinceramente, não sei o que significava. Não sei se ela estava falando sobre ficar sozinha no quarto, ou sobre estar se sentindo sozinha. Caso fosse a segunda opção, eu deveria me sentir culpado? Sabe, mentimos e omitimos fatos do passado dela, para salvar a minha vida e também para o bem dela. A ideia fora de Mena, que era praticamente um pai para ela. Ele devia saber o que estava fazendo.
— E aí, seu pamonha?
— Até agora, nada. Acho que não sentiu o sinal.
— Tsc. Vamos logo com isso, está bem? Este vulcão ainda está ativo. O fogo é meu inimigo natural.
Eu estava concentrado em atrair o shinigami manifestando um sinal de chi pela ponta de meu dedo indicador. Funcionava quase como uma antena de rádio. Eu erguia meu dedo, o enchia de chi e o ar espalhava esse sinal de energia ao redor. Aquilo indicava que não era um ser humano qualquer que estava ali, e sim, alguém que compreendia o sobrenatural.
— O fogo é o inimigo natural de todo mundo, eu acho. — Minha resposta ao comentário de Yuna não foi muito bem pensada, mas eu disse, da mesma forma.
Ela veio ao meu lado e apoiou o antebraço sobre meu ombro, se aproveitando da situação onde não podia perder a concentração.
— Meu braço quer se tornar inimigo natural do seu ombro.
— Isso seria muito fofo, se fosse dito por outra pessoa, menos você. — Eu estava realmente concentrado.
— Hã? — Ela retirou o braço. — Seu grosso, o que quis dizer com isso?
— Quis dizer que não consegue ser fofa. Você é toda "matar, matar, telefone minha casa", entende? Aí quando tenta ser fofa, acaba saindo esquisito, como um decreto militar. — Eu continuava concentrado.
— Hmph — ela desviou o olhar. As mãos foram para cintura. — Você é que é um pé no saco.
Acho que ela ficou ofendida, mas não fez nada quanto a isso, só aceitou e engoliu o orgulho em seco.
— Pelo menos eu não sou uma pervertida que fica beijando a testa dos outros enquanto dormem, taradinho.
Pronto. Ela conseguiu tirar minha concentração de ferro. Tão fácil, com um simples comentário.
— Eu não fiz isso! Logo depois que você dormiu, eu dormi também!
— Não me venha com essa, seu pamonha. Você ficou todo de barraca armada quando te abracei.
— Mentira! Eu achei que você estava em um momento sensível, não sabia como agir.
— Bem... é, eu estava... mas isso não vem ao caso. Você se aproveitou da minha sensibilidade feminina para abusar de mim!
— Quê?! Eu fui o único abusado naquele quarto!
Ser abusado no próprio quarto, era como perder uma partida de futebol jogando em casa. Eu tentei me esquivar e evitá-la, mas acabei sendo pego por aquelas mãos gélidas.
— Os dois poderiam fazer menos barulho? Ainda é bem cedo.
— Aaaah! — Yuna caiu sentada.
— Você não deveria se assustar fácil assim — comentei. — Como Assassina de Youkais, já deve ter se deparado com seres de aparência mais bizarras. — Eu finalmente baixei minha mão, cessando o sinal de chi.
— Isso meio que me ofendeu.
Aquele que pronunciou as palavras dessa última fala, era ninguém menos que Faro de Aquiles, o shinigami rastreador. Sua forma física, como já disse, lembrava a de um gorila, porém nu, com a pele branquíssima, parecendo um boneco de argila. A bizarrice continuava com seus olhos. Na verdade, na altura dos olhos. Toda circunferência de sua cabeça, na altura dos olhos, era coberta por uma faixa vermelha, costurada à sua pele. O mesmo na altura da boca. Os sons do deus da morte eram emitidos por uma espécie de saída de ar no meio de seu pescoço. Uma saída de áudio, melhor dizendo. E sobre enxergar, ele parecia não conseguir. Seu olfato de potência sobrenatural, até mesmo para o sobrenatural, o guiava totalmente.
— Com certeza não foi minha intenção — falei, como um pedido de desculpas.
— Tudo bem. — Ele levou na boa. Afinal, era um pacifista.
— É... eu também não queria te ofender — Yuna se levantou e bateu a poeira da roupa. — E quanto a você, seu pamonha, deveria saber que não me lembro das criaturas que já vi.
— Verdade — concordei. — Mas com você eu não vou me desculpar...
— Como é?!
— Vão começar a fazer barulho, novamente? — Disse o shinigami, impedindo o começo de outra de nossas habituais discussões.
— Foi mal... — Yuna coçou a nuca, sem jeito.
— Tudo bem. — Ele levou na boa. Depois, se voltou mais para mim. — Foi você quem emitiu o sinal de chi, não foi? Deve ser importante para vir até aqui tão cedo, mestre das artes místicas.
— Realmente, é...
— Puff... — Yuna me interrompeu, segurando uma gargalhada. — Desculpa... mas, mestre das artes místicas? Sério? Ele só sabe uns truques com chi e essa coisinha de melhorar a visão. Nada mais do que isso.
— Hmm, então, estudante de química, o que te traz aqui?
— Estudante de química é um termo mais apropriado — murmurou ela.
— Bem — eu a ignorei —, preciso que me diga se esse homem está vivo. — Eu retirei a fotografia do bolso e a estendi para o deus da morte. — E também, onde ele está.
— Tudo bem. — Ele se aproximou da fotografia e a cheirou... cheirou... e cheirou de novo. — Com certeza está vivo. Sinto que seu tempo de vida é consideravelmente longo.
Estremeci. Tetsu Tetsuya era o mais prestativo dos assassinos da antiga AAA. O título de Assassino Intocável não era só um apelido fofo. Aquele nazista estar vivo não era bom para ninguém. Alguém que escapa de uma explosão devastadora, à queima roupa, e não é seu amigo, pode ser considerado um osso duro de roer.
— E onde ele está?
— Hmm... isso é mais complicado...
— Não deveria ser, não é? — Falou a assassina.
— Realmente, não deveria... contudo, ele não fica parado por muito tempo. Ele salta de um ponto ao outro do globo, e são distancias enormes...
— Como?
— Bélgica... México... Inglaterra... França... Austrália... China... Canadá... ...
— Ei, o que foi? — Falei. — Por que parou?
— Ele... está aqui. — O deus da morte apontou com o queixo por entre mim e Yuna, para algo às nossas costas. E nós nos viramos...
— Há quanto tempo, plebeus?
Diante de nós, após darmos meia-volta, dois homens estavam postados no Vale de Owakudani, a poucos metros de Yuna e eu.
Um deles era grande e forte, bem forte. Todo tatuado, com exceção de seu rosto e cabeça calva. Seu braço esquerdo também não entrava na lista de membros tatuados, porque era todo mecânico, feito de um metal fosco.
Ao lado do grande homem, um homem menor, mais jovial. Loiro, de cabelos espetados como um porco-espinho. Íris avermelhadas, como se rubis fossem fundidos em seus globos oculares. A expressão claramente arrogante estava estampada em seu rosto, cuja metade esquerda estava marcada por queimaduras graves. E, embora sua feição fosse como a de um vaidoso imperador, ele trajava roupas casuais para uma manhã de férias de inverno: um moletom bege claro, uma calça preta, e tênis que pareciam de corrida.
Tetsu Tetsuya, era o nome dele.
— O que foi, vira-lata, de repente ficou com medo? — Ele sorriu.
— Tsc, escuta aqui, seu pamonha — Yuna deu um passo à frente. — Eu não sei de onde você veio, mas vou ser transparente com você. Se estiver com o Yamato, entregue-o se tem medo de morrer...
A atenção do Assassino Intocável se voltou totalmente para ela.
— Me disseram que perdeu a memória, Yuna. Parece que acabou perdendo um olho também. E vejo que ainda anda com esse boçal da ACAP.
— Olha como...
— Quem fez isso com você?
— Hã...?
— O olho, vira-lata. Quem conseguiu retirar a visão de seu olho?
— Bem... foi a super shinigami, Yoko...
— Hmph, isso está errado. Mentiram para você.
— Como? — A assassina soluçou e me lançou um rápido olhar, mas logo voltou a encarar Tetsu. — Como assim? Eu não sei quem é você. Por que deveria te dar ouvidos...?
— E você conhecia os babacas da ACAP e o mimado do Mena quando eles te contaram sobre seu passado?
— É... — Yuna hesitou. Ela engoliu as palavras e baixou o olhar. Aquilo não era nada bom. Se continuasse assim, ela iria começar a se questionar ainda mais sobre tudo e todos. Poderia perder o controle, e então teríamos mais um grande problema para lidar.
— Aí — comecei —, eu me lembro de você, seu nazista de merda! Pare de encher Yuna com essas besteiras, seu...
— Eu não vim aqui perder tempo com vocês, vira-latas — declarou o assassino. — Se quiserem divertir alguém, meu assistente, Oni, sentirá prazer em acabar com vocês. O que eu vim fazer aqui é...
De súbito, Tetsu sumiu sem terminar sua frase. Instantes depois, ouço um gemido doloroso mais atrás de mim. Ao olhar por cima do ombro, eu vi o Assassino Intocável puxando o coração do Faro de Aquiles de dentro de seu peito, com uma única mão. Como uma cachoeira, o ferimento no peito do shinigami, jorrou seu sangue azul de deus da morte.
Tetsu se virou para o homem grande, enquanto o shinigami desabava no chão.
— Agora é com você — disse ele, antes de desaparecer novamente.
Rapidamente, me dei conta da situação. Com o Faro de Aquiles morto, Tetsu Tetsuya vivo, Yamato sequestrado... aquele era um cenário muito ruim. O tabuleiro estava à favor de uma possível catástrofe.
Mas, naquele momento, não tinha tempo de calcular uma saída do xeque-mate. Yuna estava frente a frente com o grande homem tatuado com um braço mecânico, que a olhava com um misto de desprezo e pena. Já a assassina, ainda mantinha o olhar baixo, com a feição demonstrando quão confusa estava. Ela não havia notado os olhos do homem a devorando por completo, mesmo que com certa repulsa.
— No final acabou igual sua mãe.
Ao ouvir a palavra mãe, Yuna ergueu o olhar para o grande homem, como se despertasse abruptamente de um sonho ruim. Ela entrou em transe com seus próprios pensamentos, e nem ao menos percebeu o que Tetsu fez naqueles poucos segundos que agiu.
— E, provavelmente, não sabe quem sou — disse o homem, após Yuna começar a encará-lo.
— O que sabe sobre minha mãe?
— Tudo o que alguém deve saber sobre a própria irmã, eu suponho.
— Irmã...?
— Hmph, realmente, não se lembra do seu querido tio.
A isso, a assassina gaguejou. Mal conseguiu iniciar uma nova frase. Em seguida, caiu de joelhos e levou as mãos aos ouvidos. A confusão mental dela estava fazendo a festa dentro de sua cabeça e...
— Me deixe em paz! — Bradou ela. De início, pensei que fosse para o homem esse berro, mas, Yuna gritou para si mesma.
— Agora — falou o homem —, vou arrancar seu braço como fez comigo no passado, aberração!
Claramente, eu não iria permitir uma coisa dessas. Eu não sabia quem ele era, ou sua relação com a Assassina de Youkais. Tio, primo, avô, tanto faz. Aquele homenzarrão calvo, tatuado, e com um braço mecânico, estava para atacar uma garota de maneira desonrosa e eu não poderia simplesmente ficar olhando.
Não foi surpresa para o homem quando saltei em sua direção, lançando um soco contra seu rosto, com as Aureolas de Midas já em volta de meus pulsos. Mas, como disse, não foi surpresa para o homem quando saltei em sua direção. Ele moveu seu braço mecânico, bloqueando meu murro com o antebraço metálico. A pressão gerada trincou o chão sob seus pés, contudo, a mesma pressão acabou quebrando minha mão direita.
— Merda!
Com uma reação mais rápida que as leis de causa e efeito, o grande homem me acertou com um cruzado de direita em minhas costelas, enquanto eu ainda estava em pleno ar. O golpe não teve tanto peso e me pegou de mau jeito, então só fui arremessado a poucos metros de distância, caindo como um boneco de pano no solo.
Para anestesiar minha mão quebrada e minhas costelas trincadas, tive de cessar o Olho que Tudo Vê, já que ele consumia muito chi. Caolho outra vez, eu me ergui cambaleante e voltei a encarar o homem. Uma espada de energia laranja cresceu em minha mão esquerda.
— Coloque-a no chão!
É, o grande homem, Oni, como Tetsu o chamou, agarrara Yuna pelo pescoço e a levantara. A assassina ainda estava desconexa da realidade, gritando ofensas contra si mesma.
— Meu assunto aqui não é com você — falou ele. — Somente vim tirar a vida de minha sobrinha, seu...
Os gritos cessaram. Os braços de Yuna se moveram. As mãos da assassina pousaram no antebraço que a suspendia do solo. Esse mesmo membro do corpo do grande homem, instantes depois, foi totalmente congelado.
— Sua...
— Pois é, te enganei. — A Assassina de Youkais pressionou com ambas as mãos o antebraço congelado do Oni, o estilhaçando em pedacinhos cristalinos de puro gelo. O membro foi estourado por Yuna com a mesma facilidade que alguém estoura uma bexiga.
Então, Yuna Nate tocou os pés no chão. Era hora do contra-ataque.
Enquanto o icor carmesim saltava do que restou do braço do grande homem, ele cambaleou para trás, abaixando sua guarda por um instante. Nessa fração de segundo, a Assassina de Youkais se moveu mais rápida que a velocidade de raciocínio do Oni, e o acertou em quatro pontos vitais com golpes da palma da mão quase invisíveis de tão velozes. Ela saltou em um chute parafuso, que desnorteou o homem ao alvejá-lo em cheio no rosto. Quando seus pés voltaram ao solo, Yuna girou duas vezes, criando durante o giro um grandioso machado de gelo em suas mãos. Ela desferiu seu golpe final em um arco com o machado, que traçou uma linha gélida no ar.
Entretanto...
A lâmina do machado se quebrou.
O Oni se defendeu com seu braço mecânico e parte da arma de gelo foi destroçada, explodindo em pedaços inofensivos do estado sólido da água. Ele logo deu um passo ágil adiante, para tentar pegar a assassina indefesa, mas a garota de súbito deslizou para trás, criando um tapete de gelo sob seus pés.
— E aí, o que é que vai ser? — Disse Yuna ao Oni. — Pretendo acabar com isso cedo.
— Parece que só pode me congelar pelo toque, não é? Isso por causa desse olho que perdeu, sabia disso?
— Sim. Fui muito bem revisada sobre meus poderes. Contudo, isso não me impediu de acabar com um de seus braços, se é que esse protótipo de metal pode ser chamado de seu.
— Ora, sua...
— Hmph, não esquente a cabeça nos últimos minutos de vida. Você disse que é irmão de minha mãe, ou seja, meu tio. Então, como já notei pela quase imperceptível tremedeira em suas pernas, suponho que concorde comigo sobre quem vai vencer essa batalha entre nós.
— Tsc...
— Mas não se preocupe, tio, eu lhe oferecerei a salvação. Uma rota de fuga. Um caminho que não lhe colocará em um túmulo de gelo.
— O que está querendo, Yuna? Se for a localização de Tetsu, eu não sei onde fica, só acessei aquele local por meio de teletransporte...
— Isso até que seria interessante, mas há algo mais importante para mim no momento, querido tio.
— Deixe de ser sínica e fale logo!
Como já era habitual, as mãos de Yuna foram para cintura. Eu observava o diálogo entre os dois ao mesmo tempo que concentrava meu chi para controlar minha terrível dor crescente. A assassina já havia compreendido minha situação, porém, continuava enrolando com aquele grande homem.
— Eu quero saber quem matou minha mãe? — As palavras saltaram sem hesitar de sua boca. — Eu quero saber o nome. Você sabe?
— Então, realmente... — gradativamente, após conter sua fala, o Oni começou a gargalhar. Ele ria e ria mais. Eram como trovões e mais trovões. Uma risada grossa que se encaixava perfeitamente com sua aparência.
Yuna bufou. Ela, com certeza, não estava vendo graça alguma.
— O que é tão engraçado, seu pamonha?
— Você... realmente... não se lembra de nada... — a gargalhada diminuiu rapidamente. — Você nem ao menos se lembra do que sentia pela sua mãe? Tudo o que você passou? Seu pai, não se lembra dele?
— Pai...? Ninguém nunca me falou sobre meu pai... — seu olhar veio em minha direção. — Seu pamonha, o que você tem a...
Era claro como um raio de sol, que o grande homem avançaria em um ataque desesperado contra Yuna, assim que ela baixasse a guarda, nem que fosse por um misero instante. Mas, tão claro quanto a ação ofensiva do Oni, era que a Assassina de Youkais não estava com a guarda baixa. Ela desviou o olhar de propósito. A intenção dela era fazer o homem se aproximar para que pudesse usar seus poderes gelo e acabar definitivamente com ele. E o grandão caiu no mesmo truque de dissimulação da última vez. O mesmo truque, de maneiras diferentes, em poucos minutos.
Dessa vez, o Oni socou com seu braço mecânico, porém, Yuna apanhou o punho metálico do homem com uma mão, interrompendo seu golpe.
— Idiota, não pode congelar esse braço — falou o grande homem. — Foi projetado justamente para enfrentar você.
— Está se mostrando um péssimo projeto. — Ela deu um passo para o lado, deslizando sua mão pelo braço, até a dobra do cotovelo. Com tremenda força, Yuna pressionou o local, e então puxou o membro metálico com uma força maior ainda. O protótipo foi desconectado, sem dó ou piedade, do corpo daquele grande homem.
— Que merda...!
— Olha a boca, tio. — A assassina jogou o braço mecânico em minha direção. — Agora que está sem os dois braços, posso sentir facilmente o cheiro de medo em você.
O Oni tentou caminhar de costas, mas acabou caindo sentado, praticamente se rendendo à Assassina de Youkais.
— E aí, vai me contar quem matou minha mãe, ou...?
O zunido vindo do alto interrompeu todo o drama que Yuna estava construindo para arrancar informações do homem. Uma lâmina de energia laranja caiu direto no crânio do Oni e se cravou nele, como uma certa espada lendária. Instantaneamente, o grande homem deixou de piscar. Travou como se fosse um boneco e seu tronco tombou para trás.
— Quê...? — Yuna olhou ao redor. Quando viu o autor do homicídio, rosnou impaciente. — Tinha que ser o pedófilo para acabar com os meus planos!
Meu mestre, Hideki Takashi, havia acabado de chegar no Vale de Owakudani.
— Desculpe, é que vocês estavam... — meu mestre então observou toda situação naquele lugar, e suspirou. — É, a vaca foi pro brejo.
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