Vinum: 001
Toc, toc, toc, toc.
— ......?
Toc! Toc! Toc!
— Já vai, ô cacete! Mas que merda, as pessoas perderam a noção de horário comercial neste país, foi? Vocês só podem estar de brincadeira comigo, não é possível.
Tão delicado quanto um elefante consegue ser, eu, Daigo Kazuo, um humilde e jovem estudante das artes místicas e agora também das artes das trevas, levantei-me de minha confortável cadeira de trabalho que me custou mais ou menos cento e sessenta dólares, na cotação de setembro de 2021, e me arrastei resmungando as palavras do parágrafo acima, dirigindo meu corpo de deus da morte, que trajava um confortável pijama na cor de pêssego, em direção à porta de meu local de trabalho e igualmente lar-doce-lar, para descobrir, sem muito entusiasmo, quem diabos batia com tamanha firmeza naquela tábua de madeira refinada que separava um dos corredores do edifício de meu espaço privado e residencial.
E eu olhei pelo olho-mágico, para que minha curiosidade, meu maior motivador naquele momento, fosse desfeita de uma vez por todas.
Então, minha resposta visual foi um tremendo olho azul-escuro praticamente grudado do outro lado da lente.
De fato, só existia um olho com tal beleza duvidosa que eu conhecia, o que não sei dizer se me deixou triste ou feliz.
Talvez eu tenha ficado mais curioso do que estava, segundos antes.
Portanto, eu abri a porta.
— Bom dia, dia, seu pamonha. Para que esse escândalo todo só para abrir uma porta, hein? Vai dizer que não está nem um pouco contente em me receber como visita em seu lar-doce-lar, é isso? Deveria ser mais agradecido por ainda sermos amigos.
Eu inspirei fundo.
— Phew... por que às três e meia da manhã, Yuna? Você realmente não sabe a que horas inicia e a que horas se encerra o horário comercial? Se admitir isso em voz alta, eu lhe perdoarei sem problemas.
— Hmm.
— E por que eu deveria ser mais agradecido por nossa amizade? Eu fiz algo nos últimos tempos que colocou nossa relação em risco? O final de sua fala me deixou mais confuso do que já estou.
Yuna Nate, algo que pode ser óbvio nessa altura do campeonato, era quem estava diante da ACAP, a Agência de Combate Anti-Psicopompos, às três horas da manhã, como se aquele fosse o único horário possível de me encontrar em meu local de trabalho e de repouso.
Aquela aparição surpreendente soava como uma visita emergencial, daquelas que não poderia ser deixada para nenhum momento posterior sob nenhuma circunstância. Todavia, aquela que detém o título de Assassina de Youkais não transparecia estar à mercê de uma situação como essa. Ela parecia bem tranquila e infalível, como Bruce Lee, ali diante de mim.
— E aí? Não vai me convidar para entrar? Você se tornou esse tipo de pessoa, mesmo depois de tudo o que passamos juntos?
É claro que eu iria convidar a Rainha do Drama para entrar. Não iria deixá-la ali fora para que as reclamações dos vizinhos fossem maiores no dia seguinte. E, apesar de não querer fazer nada além de continuar jogando o que eu estava jogando, minha curiosidade crescia a cada segundo para entender o porquê daquela aparição no meio da madrugada.
Foram esses os dois fatores que me fizeram deixá-la adentrar a ACAP; uma curiosidade agressiva, e a vontade irrefreável de impedi-la de começar uma nova algazarra.
Dando um passo para trás e abrindo ainda mais a porta, eu gesticulei com o braço para que ela passasse para o lado de dentro de minha agência.
E foi o que ela fez, respondendo meu convite com um sorriso de agradecimento.
— Você poderia responder as minhas perguntas, agora que já entrou, não acha? — Falei, fechando a porta delicadamente. — Por que você está aqui a esta hora? E o que aconteceu em nossa relação que...?
— Olha, você trancou a porta. Não está pensando em se aproveitar de mim só porque estou levemente debilitada, está? Saiba que não vim aqui para nada obsceno, hoje.
Debilitada?
Oh!
Eu realmente não havia notado à primeira vista, mas seu antebraço esquerdo estava envolto em uma tipoia azul-marinho. Como eu não percebi isso antes?!
Na verdade, não só a tipoia escapou de minha atenção, como toda a vestimenta de Yuna não foi bem observada. Nos pés, tênis de brancos de corrida e caminhada, um modelo que era raríssimo de ela usar. Acima, as pernas despidas, alvas e lisas, quase como colunas de marfim se não fosse pelas curvas de seus músculos, até a altura da virilha, onde um short jeans azul, no mesmo tom da tipoia em seu braço, cobria sua pele. Subindo um pouco mais, seu abdômen plano como uma pista de pouso também estava à mostra, já que somente uma regata cropped branca era o que ela vestia em seu torso, cobrindo seu par de seios sem sutiã. E na cabeça, tão lógico quanto um mais um são dois, seu afamado gorro cinza reinava sobre seu cabelo negro.
Das últimas vezes que a encontrei, ou ela estava com um de seus uniformes, ou em roupas muito mais reveladoras. Fazia tempo que não a via daquela forma tão casual.
Mas, mais intrigante do que isso...
— O que raios aconteceu com o seu braço, Yuna? Você foi atropelada por um trem ou algo do tipo? Não era para você ter um fator de cura que garantiria a não utilização de tipoias para a vida toda?
— Bem, meu braço tem a ver com eu estar aqui a esta hora do dia. Provavelmente, é só e unicamente por conta dele, para ser sincera. Minha semana vem sendo um pouco mais complicada do que deveria ser, e faz tanto tempo que nada de tão relevante me acontece que acho que esqueci como me comportar em certas situações.
— Do que você está falando? Como foi que deixou seu braço assim?
— Por falar em "raios", seu pamonha, por acaso aquela chiquitita está?
— Nuwa? N-Não, ela foi resolver algumas questões particulares, sabe como ela é. Mas não mude de assunto. O braço, conte-me.
— Ah, certo. Claro. É, ele não foi quebrado, se é o que parece. O que aconteceu é que ele foi queimado. Meu antebraço esquerdo foi queimado de um jeito... diferente. Basicamente, os tendões forma incinerados, os músculos todos danificados e os ossos cozidos. E como isso foi feito da essência deles para fora, minha capacidade regenerativa demorará mais do que eu achei para consertar isso. E assim, sou forçada a recorrer a medicamentos externos.
— Olha, Yuna, eu estudei bastante desde que retomei minha vida, mas feitiços de cura não são o meu forte.
— Tsc, não foi por conta de seus feitiços que vim aqui, seu pamonha. Sabe que sou muito mais avançada do que você no campo das artes das trevas, e digo que esse ferimento em meu braço não é algo que pode ser curado com mana comum, ou mesmo com mana divina. É preciso que a essência perdida do meu antebraço seja restituída. A matéria precisa ser recriada a partir dos elétrons e nêutrons. Em outras palavras, se está confuso para você, preciso de matéria mística para recriar matéria mística, entendeu?
— Bem, não sei dizer ao certo se compreendi, mas acho que sim.
— Eu preciso comer Clapódia. A fruta que só nasce e se mantém no Mundo dos Shinigamis. Aquela fruta poderá recuperar a essência de meu antebraço e daí poderei me curar. E é por esse motivo que vim até aqui, a esta hora do dia. Preciso que me leve àquele lugar, como nos velhos tempos. Não tão velhos assim, mas, enfim. Preciso dessa fruta.
Certo, eu conhecia o fruto das leis da morte, a Clapódia, e também sabia que só crescia e se mantinha sob a atmosfera do Mundo dos Shinigamis. Mas que a fruta tinha atributos regenerativos como os que Yuna explicou, era uma grande novidade para minha pessoa. Para nós, shinigamis, a fruta era um ótimo abastecedor de energia e tinha um gosto doce, meio amargo no final, mas nada além disso. Dependendo da gravidade dos danos que o antebraço de Yuna sofrera, não apostaria minhas fichas em comer uma Clapódia. Contudo, para que ela viesse de Quioto até Tóquio e batesse à minha porta àquela hora da madrugada, ouso pensar que nossa querida Assassina de Youkais estava à beira do desespero.
Não podia ser tão ruim assim, podia?
— Ei, Yuna.
— O que é?
— Deixa eu ver.
— Ver... o quê?
— Seu braço. Tira essa tipoia e me deixe ver o ferimento.
— Ah, não. Credo, inacreditável, seu pamonha. Achei que finalmente iria investir da maneira apropriada, que decepção. Eu costumo andar sem sutiã justamente para momentos como esse, mas você parece não mudar uma vírgula, mesmo.
— O-O que você pensou que eu iria pedir para ver?! Eu não sou um pervertido. E você sabe que estou oficialmente com a Nuwa.
— Tsc, se fosse um pouco como seu mestre, talvez fosse mais fácil sairmos desse zero a zero. Mas tudo bem, eu respeito seja lá o que você acha que tem com aquela chiquitita.
— Então vai me deixar ver seu braço?
— O quê? Não. Sem chance. Está realmente muito feio e não desejo que ninguém no mundo veja o que há por baixo desta tipoia. Você entende que beleza melhorada faz parte de meus poderes naturais e, mesmo com isso, a aparência de meu antebraço não está nada agradável. Ele foi queimado de sua essência, e é quase como se ele não fizesse mais parte de mim. Está tão horrendo que eu cheguei a chorar quando meu olhei no espelho, por isso o enfaixei todo. Se quiser fazer alguma coisa com qualquer parte de meu corpo, qualquer coisa, sem exceção, tudo bem. Mas não me faça mostrar meu braço, por favor.
Hmm, aparentemente, a situação era bastante séria, mesmo.
E reagindo ao que Yuna ofereceu em troca de ignorar seu antebraço injuriado, meus olhos focaram em alguns pontos de seu pequeno corpo como se estivessem fotografando suas coxas, abdômen e peitos. Uma armadilha de meus instintos mais primitivos para que eu me envolvesse eroticamente com aquela hanyou e depois fosse morto por uma semideusa de poderes elétricos.
Eu não queria fazer sexo com a Yuna. Só que, embora seu corpo e traços se desenvolvessem até, se não me engano, os vinte anos de idade, ela parecia ainda mais atraente aos vinte e dois aninhos.
Por sorte, eu acho tipoias estranhas, o que me deixou aliviado, já que ela não a tiraria de jeito nenhum.
— Bem, é um tanto deselegante vir até minha casa e se oferecer para mim dessa forma tão... abundante, Yuna.
— Bem... eu não dou a mínima, seu pamonha. Seduzir o sexo oposto também faz parte de minha natureza, se esqueceu? E relaxa, eu também sou comprometida. Já tem algum tempo que eu e Tetsu voltamos a nos pegarmos, e estamos até pensando em dividir um espaço juntos. Ele mudou bastante, e estamos ficando bem mais íntimos do que éramos com dezesseis anos. É claro, isso se deve muito pela idade.
Ela virou as costas para mim e desfilou para o sofá de visitas e clientes, com as popas de seus glúteos à mostra graças ao corte mais curto daquele modelo de short, ao que falava sobre seu conjugue Tetsu Tetsuya, o Assassino Intocável, e blá-blá-blá.
No final dos detalhes que não me importavam nem um pouco sobre sua relação com Tetsu, ela deixou seu corpo desabar sobre o estofado, sentando-se confortavelmente e esticando seu braço disponível sobre as costas do sofá.
Hmph, ela achava que eu me importava com quem ela transava ou deixava de transar.
Diferente do meu envolvimento com Nuwa, o relacionamento deles nem devia ser sincero da parte de cada um.
Eu até posso acreditar que Tetsu melhorou como pessoa com o tempo, mas dividir um lugar com Yuna? Isso eu pagaria para ver.
— Muito bom que as coisas estão indo bem com vocês, Yuna. Mas, se me permite a questão, já que tudo está tão maravilhoso entre você e ele, por que não pediu a ele para levá-la para o Mundo dos Shinigamis?
— ......
— Ou talvez tenha pedido, mas ele tenha recusado e daí você veio correndo para mim, na esperança de que eu fizesse algo por você.
— Tsc, idiota. Você é mesmo um pamonha, não é, seu pamonha? Não dá para ele me teletransportar para o Mundo dos Shinigamis e não sabemos de nenhum acesso direto para lá. E mesmo se ele conseguisse me levar, ele não teria como me guiar até a árvore que dá o dito fruto de que tanto preciso no momento. E eu também não gosto de ficar pedido favores para ele. Não gosto de me sentir em dívida com ninguém. Já com você, Daigo, você me deve muitos favores. Eu até já te salvei de um shikigami feito de argila, lembra?
Hmm, devo admitir, ela sabia o momento certo de cobrar dívidas antigas, hein.
Em outras palavras, ela estava me colocando em uma situação da qual não poderia fugir facilmente.
Mas, se aquele ferimento realmente fosse dessa magnitude, ajudá-la com a viagem era o mínimo que eu poderia fazer.
— Tudo bem, eu irei levá-la. Está feliz? — Declarei, não muito satisfeito, e retornei o caminho até minha cadeira um pouco mais cara do que deveria, sentando-me e repousando meus antebraços sobres os braços estofados em vermelho e preto. — Phew, não acredito que vou gastar um dia inteiro com isso. Eu só queria ficar jogando o dia todo.
— Bem, não estou surpresa que aceitou me ajudar, mas devo lhe agradecer, seu pamonha. Eu não teria ninguém se não fosse você.
— Hmm, chega disso. Não precisa ser dramática com isso. Não é uma decisão que me faz feliz, para ser sincero. Sei que você conseguiria dar um jeito de ir sozinha caso eu não estivesse disponível. Aliás, você pode dormir aí mesmo, no sofá. Eu provavelmente adormecerei por aqui. E quando acordar, nós saímos em aventura.
— Espera, quer dizer que ainda vamos dormir?
— É claro que iremos dormir, Yuna. Você acha mesmo que eu vou adentrar o Mundo dos Shinigamis sem no mínimo oito horas de sono relaxante? Você por acaso se esqueceu que eu sou o único que foi protegido por Maçã do Éden? A maioria dos shinigamis que ficam por lá querem minha cabeça.
— Ei, não precisa se preocupar com isso. Mesmo sem um braço, eu ainda sou mais poderosa do que qualquer deus da morte naquele lugar. Se Maçã conseguiu enfrentar todos, eu acho que consigo também.
— Não é bem assim. Maçã ainda tinha um grupo de alguns shinigamis poderosos.
— Poderosos, mas que caíram em combate. Hmph. Essa deveria ser a última de suas preocupações. Até porque, não estamos indo lá arrumar briga com ninguém. Só queremos pegar a fruta e sair fora.
— Pode até ser. Mas se quiser que eu a leve, terá de seguir essa condição. Afinal, iremos de carro, já que o portal mais próximo de onde cresce a Clapódia não fica em Tóquio.
— Ora, ora, quer dizer que aquele conversível no outro lado da rua é seu, é? Quem diria que os negócios iriam tão bem desde que você assumiu o controle.
— Em parte, isso se deve bastante à Nuwa. Ela torna as coisas muito mais fáceis, praticamente tornando meu trabalho só administrativo. Por outro lado, ela é uma mulher de gostos muito caros. Eu não sei qual a tara de vocês por esses tênis de quinhentos dólares o par.
— Nisso tenho de defendê-la, seu pamonha. Os pés de uma mulher devem caminhar com a maior maciez e conforto possível. Você deveria experimentar um e parar de usar essas tábuas envoltas em tecido velho.
— Talvez um dia, quando eu estiver louco ou milionário.
— Aguardaremos esse dia, então.
E um silêncio esquisito se instaurou em meu escritório e sala de estar.
Honestamente, eu não queria estar naquela conversa com Yuna, eu só queria jogar mais um pouco e depois dormir. Só que, aquela que detém o título de Assassina de Youkais não dava sinais de sonolência ou algo aproximado. Na pior das hipóteses, eu teria de ficar fazendo sala para ela até que eu, incontrolavelmente, caísse em um sono profundo, de modo que ela entenderia à primeira vista o quão cansado eu estava.
Fato: bebidas energéticas não funcionam bem em deuses da morte.
E questão:
— Quem foi que fez isso com seu braço, Yuna? Você nunca recebeu um ferimento grave como esse. Pelo menos, não nesta linha do tempo.
— Que engraçado, fazendo piadas sobre ter me cegado na linha do tempo de onde você veio. Eu daria risada se não me lembrasse que, nesta linha do tempo aqui, eu matei você.
— Hmm, que amargura. Foi só um pequeno ponto de observação sobre as circunstâncias de seu braço, só isso.
— Hmph, sei. Mas tanto faz. Respondendo sua pergunta, eu fui ferida por uma bolha de fogo branco com efeitos muito mais poderosos do que eu imaginei. Se lembra do mensageiro de Maçã do Éden que encontramos naquele castelo?
— O dito semideus? O cara da lâmina Kusanagi?
— Exatamente. Foi ele quem causou esse ferimento em meu braço e é o culpado de estarmos aqui e agora. Então, se quiser ficar com raiva de alguém, sabe com quem deve tirar satisfação. Virgílio Alighieri, o Transgressor da Obra dos Deuses.
— Alighieri...
— Oh, na verdade, é melhor não ir tirar satisfação com ele. Provavelmente você, ou morreria, ou teria sua alma controlada, se transformando em um completo escravo. A dica é manter distância dele. Fique o mais longe que puder, e isso serve para sua foda fixa também.
— Primeiro, Nuwa e eu somos um casal de verdade; você é quem tem uma "foda fixa" com Tetsu. Segundo, por que eu iria me aproximar de um cara que fez isso com você?
— Muito bem, é assim que deve pensar se o que quer é se manter vivo, seu pamonha. Ele está preso na Mythpool atualmente, mas é certo que logo escapará de lá. E sim, eu o venci, mas ele... "caiu atirando", se é que entende a sutileza. E tirando o fato de que ele manipulou quatro deuses para me matar e mandou destruir minha casa, até que não foi tão chato derrotá-lo.
— Ele manipulou o quê?!
Que tipo de detalhes são esses que ela manteria omisso se eu não perguntasse?!
Um cara desses solto por aí e não é a primeira coisa que ela me fala?
Eu estava começando a pensar que Yuna não zelava nem um pouco pelo meu bem-estar, no final.
— É uma longa história, sabe como é, não sabe? Na verdade, de início, ele não queria se livrar de mim. Mas, depois que precisei salvar Ieda e Ulim de um dos deuses que ele estava controlando, acho que acabou não indo muito com a minha cara.
— Yuna, você... matou um deus?
— Quatro. Não, melhor, três e meio. Três deles eram encarnações, claro, não eram seus corpos originais. Mas, não sei se no caso daqueles três fosse fazer alguma diferença. Já a quarta divindade, você deve conhecer dos tênis que usa.
— Dos tênis que uso? Era uma deusa dos tênis usados?
— ...Phew, esqueça. Como disse, é uma longa história. De qualquer forma, acho que você tem razão, estou ficando com sono. O melhor é dormirmos, mesmo.
Minhas preces foram ouvidas.
Talvez os deuses em que Yuna bateu nos últimos dias estejam do meu lado da ilha.
Ou, o mais provável, é que ela não quisesse se aprofundar em mais detalhes sobre o que houve, e jugou ser melhor tirar um cochilo para se esquivar de minhas perguntas.
Como dormir era uma das duas coisas que eu mais queria naquele momento, somente assenti à ideia dela e me levantei de minha confortável cadeira.
— Você pode dormir no que era o quarto de Nuwa, a cama ainda está com colchão lá e acredito que será de seu agrado. Só é meio vazio e solitário, agora que está sem mobília.
— Hmph, nem me fale em mobília. Só de lembrar que terei de gastar minhas economias para repor pelo menos parte crucial de meus móveis e decoração, o sangue já me começa a subir à cabeça. Mas agradeço a hospitalidade, seu pamonha. Embora eu prefira dividir a cama com você, é claro. De repente, pode esfriar.
— E você não é imune ao frio?
— Sim, naturalmente. Mas você não é imune, é? Não quero que fique resfriado.
Hmm.
Aí eu perdi no argumento.
— Sei que está cansado, seu pamonha, pode ir na frente. — Disse ela, se erguendo do sofá e gesticulando com a mão para que eu me movesse até meu recanto do samurai. — Eu sei chegar no quarto sozinha, não estou debilitada nesse ponto, não precisa se preocupar.
Não era exatamente com ela que eu estava preocupado.
O que estava me deixando cauteloso naquele momento era o fato de eu ter esquecido de bloquear a droga do meu computador. Se ela notasse isso, e eu fosse diretamente para o meu quarto, estaria deixando Yuna à mercê do acesso total de um ponto profundo de minha vida pessoal.
Eu não poderia permitir isso.
De maneira nenhuma.
Jamais.
— Sabe, Yuna, não acho legal eu deixá-la sozinha naquele quarto vazio, para ser sincero. Mas também não posso dividir minha cama com você. O que acha de dormir nesse sofá, enquanto eu durmo em minha confortável cadeira de alto valor no mercado?
— Hmm, eu não pretendo te incomodar mais do que o normal. Por que eu não fico na cadeira e você dorme no sofá, assim não me sinto mal em te deixar...
— De nenhuma forma ou por nenhuma razão, não precisa. Durma no sofá, ele é bastante confortável. Eu já estou acostumado a dormir na cadeira, afinal. E outra, você está com o braço debilitado, vai acabar dormindo mal se adormecer sentada. Vai, vai. Deite-se aí, vamos dormir logo. Assim que acordarmos, poderemos partir para o Mundo dos Shinigamis.
— Ah, está bem. Se você insiste, dormiremos por aqui.
E com metade de um passo para trás, Yuna desabou novamente em meu sofá para visitas e clientes. Ela esticou as pernas e as subiu para o estofado, recostando sua cabeça no braço do sofá.
Ufa, foi por pouco.
Sem dizer mais nenhuma palavra, eu retornei para minha cadeira e reclinei minha cabeça para mirar meus olhos contra o teto de minha adorada agência.
Mais uma vez, Yuna me colocava em uma bizarra aventura em que eu não gostaria de me encontrar dentro. Quero dizer, não é como se ela sempre fizesse esse tipo de coisa. Na maioria das vezes nossos caminhos se cruzam e daí eu acabado a seguindo com o pensamento de que a rota que ela fará será menos complicada. Tsc, amador. Seguir alguém que é mais forte que você, não necessariamente te colocará em um corte de caminho na vida. No entanto, se eu parar para pensar, não é mais ou menos isso que estou fazendo com Nuwa? Digo, ela é uma semideusa, filha de Raijin, e é bastante poderosa. Ouso dizer que talvez seja mais poderosa do que Yuna. E, desde que ela entrou em minha vida, eu venho me escondendo em suas asas para realizar coisas como, por exemplo, meu trabalho como caçador de shinigamis. Grande parte dos últimos trabalhos que recebi foram finalizados por minha atual conjugue e não sei dizer se eu seria capaz de manter a ACAP funcionante sem a ajuda dela.
Será que eu deveria ser mais independente?
Se eu for analisar minha vida, até mesmo quando eu era Coração de Escorpião, Maçã do Éden me resguardava de qualquer situação, sempre se colocando à frente do perigo. E antes de tudo isso, meu mestre, Hideki Takashi, ela era como um pai para mim. E pensar que ele foi assassinado pela mesma pessoa que está adormecendo agora em meu sofá, é sempre complexo e delicado. Mesmo que, em minha linha do tempo, meu mestre tenha sido morto pelo Neutro.
Mas por que de todos esses devaneios correndo por minha cabeça?
Hmm, deve ser só um turbilhão de pensamentos antes de um longo sono.
E assim, como se para confirmar a sentença final de meu monólogo, meus olhos se fecharam para me colocar aos cuidados do deus dos sonhos.
Foi um sono tranquilo e revigorador, se posso comentar sobre.
Mas, meu despertar, foi um pouco diferente do que eu imaginava que seria.
Um peso maior do que o normal subjugava minhas coxas e o meu colo, mas não era nenhum objeto rígido. Pelo contrário, era macio. Era de uma maciez estonteante. E aquilo se esfregava um pouco sobre mim, o que era estranhamente interessante para os instintos de meu corpo.
Achei melhor abrir meus olhos e descobrir de uma vez por todas o que estava acontecendo.
— Ei, seu pamonha, eu sabia que você poderia desenvolver gostos esquisitos por ter se tornado um shinigami, mas por que há um vídeo de dois minutos e meio com o título de "podem androides comerem ovelhas elétricas" na sua pasta de vídeos eróticos?
— Hmm... Yuna?
— ......
— M-Mas que diabos você está fazendo aí?!
— Eu? Só estou invadindo sua privacidade. O que mais parece ser?
Era exatamente o que parecia ser. Ao que meus olhos se abriram, oito horas depois de eu tê-los fechado, fui agraciado com Yuna Nate sentada sobre meu colo e, de um momento a outro, esfregando seus glúteos sobre minhas coxas para se ajeitar sobre minha pessoa como se eu fosse uma cadeira humanoide.
Após sua questão sobre o conteúdo duvidoso de meu computador pessoal, ela me olhou por cima do ombro como se soubesse o momento exato de meu despertar.
— Tem como você sair urgentemente de cima de mim, Yuna?
— Por que urgentemente?
— Só saia imediatamente!
— Está bem, está bem, não precisa se estressar.
E bem mais fácil do que calculei, nossa querida Assassina de Youkais retirou seus glúteos de minhas coxas e se apoiou com o quadril na beirada de minha mesa de escritório.
— Por que você estava mexendo nesses arquivos confidenciais de clientes importantes, hein?
— Veja, eu estou totalmente arrependida dessa minha invasão de privacidade, seu pamonha. Não por ter lhe ofendido de algum modo, mas pelo conteúdo que meus olhinhos preciosos tiveram acesso. Como você consegue assistir essas coisas de robôs em animação 3D?
— E-Eu só estava curioso, okay? A mesma força que te faz xeretar o computador dos outros, também me move, às vezes.
— Ei, não diga essa palavra "xeretar". Eu não gosto dessa palavra, está bem? Ela é esquisita.
— Eu deveria usar essa palavra pelo resto da viagem pelo o que você fez. — Ameacei, me colocando de pé. — Eu irei me trocar. E agora o computador está desligado, então, tente não xeretar em mais nada.
— Ei, seu pamonha, essa palavra não!
Francamente, onde já se viu?
Se eu não a conhecesse, estaria muito mais aborrecido do que estava. Mas como parte disso foi falha minha, por ter armado um plano para proteger o acesso de meu computador e ainda assim ter esquecido de bloquear a tela antes de cair no sono, eu não conseguia ficar muito mais irritado do que aquilo.
Ignorando seu aviso sobre a palavra "xeretar", eu caminhei em direção de meu quarto com passos firmes. E, ao tocar na maçaneta da porta... a porta estourou.
Mas não a porta de meu quarto, e sim, a porta de entrada de minha residência e também agência. Ela voou ACAP adentro, diretamente contra o corpo de Yuna, desavisada. Porém, embora surpreendentemente, um grande pedaço de tábua lançado na direção da Assassina de Youkais não seria algum tipo de ameaça, mesmo que ela estivesse de costas e com seu par de safiras fechado. Praticamente agindo só por seus reflexos sobrenaturais, Yuna moveu seu braço bom e bateu com as costas de seu punho cerrado na porta voadora, rebatendo-a na direção da parede à sua direita; lado oposto ao que a entrada dos quartos se encontrava.
A madeira refinada colidiu-se firmemente na parede, trincando a área à sua volta, e permaneceu encaixada naquele local, como se fosse um colossal adesivo.
— Mas que merda é essa?! Minha porta!
— Não aja por impulso, seu pamonha. Esse aí me cheira ser mais casca grossa do que você está acostumado.
— Hmm?
Ela estava falando do responsável por arrombar a entrada de minha agência. Um homem de pele bronzeada, sem camisa, com o corpo muito parecido com um antigo lutador de luta-livre famoso, foi quem chutou minha porta na intenção de arrancá-la da parede.
É impressionante como Yuna sempre atraia confusão.
E a propósito, quem era aquele marombado raivoso na entrada da gloriosa ACAP?
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