Funus: 001
— Bem, o idiota do semideus, Alighieri, disse que para eu me livrar deste título, é necessário passá-lo para alguém que seja elegível. E ele disse que esse alguém que é elegível é conhecido pelos deuses como um Embaixador. Pelo o que ele explicou, qualquer mortal que tenha posse de uma arma divina, como Gungnir, é considerado um Embaixador e está apto a receber o título. O que tem a me dizer sobre isso, seu pamonha? Alguma informação confidencial de onde encontrá-los? Você conhece algum?
Yuna me observou com seus olhos azul-escuros ansiosos por alguma resposta às suas perguntas que fosse esclarecedora para o caso. Mas, vendo a demora que foi necessária para que eu absorvesse as informações que ela havia acabado de me lançar tão gentilmente, seu par de safiras em seu rosto apontou para o copo de meio-litro de capuccino sobre a mesa à sua frente. Com os antebraços pousados sobre a mesma mesa, a hanyou levou uma das mãos ao recipiente de material biodegradável, pelo bem de Donatello, Michelangelo, Leonardo e Raphael, e moveu o copo na direção de seus lábios rosados, mexendo com a outra mão nos cabelos atrás de sua orelha esquerda, ao mesmo tempo que sua boca tocava o bocal do recipiente para induzir o líquido cafeinado para dentro da formosura de corpo que era o de nossa querida Assassina de Youkais. E como eu ainda não tinha a respondido, enquanto saboreava seu capuccino caríssimo, seus olhos voltaram a apontar contra mim, pressionando-me, agora, para que eu dissesse qualquer coisa e quebrasse aquele silêncio desolador naquele lugar.
Eram onze horas da manhã, mas a cafeteria mais próxima ao apartamento provisório de Yuna estaria vazia se não fosse por ela e por Vosso Humilde Narrador ali.
— É, eu não sei dizer ao certo, Yuna. Eu já ouvi falar desses Embaixadores, e é mais ou menos isso que você disse mesmo. Mas, não é uma categoria válida para a Mythpool porque não se tem registros oficiais o bastante de pessoas que sejam portadoras de armas divinas para que, enfim, haja uma lista com nome, idade e CPF, entende? Se formos parar para pensar, os únicos que conhecemos são você e o próprio Alighieri. Claro, tem o Jason Drake também, o cara das górgonas, ele detém o escudo Aegis. Só que acredito que essa regra não se aplique a ele porque ele não foi escolhido para herdar a arma de um deus falecido; ele meio que roubou de Atena. Se bem que, Atena agora está morta, daí fica complicado julgar se ele é ou não é.
De repente eu me vi analisando profundamente isso, e parecia estar mais intrigado com a questão do que a própria Yuna.
Era a minha vez de levar meu copo com café para os meus lábios padrões de alguém com aparência genérica e sem importância para a trama ou o universo dela.
— Hmm. — Yuna afastou e baixou seu copo de sua boca. — O café daqui é bem melhor do que o que costumávamos frequentar em Quioto, não acha?
E eu respondi positivamente, acenando com a cabeça, já que estava ocupado saboreando o meu líquido cafeinado.
— Mas sem querer mudar de assunto, seu pamonha, você acha que se conversarmos com o Jason, ele pode topar receber o título? Talvez se ocultarmos o fato de que ele começará a ser perseguido por deuses de todos os tipos, ele pode julgar ser uma honraria da mais alta.
— Hmm. — Eu quem baixou o corpo, agora. — Você quer mentir para ele, é isso? Não acha um pouco injusto envolver alguém nisso dessa forma? Primeiro que mal sabemos se ele é elegível. E sinceramente, eu acho que colocar mais pessoas nisso só piora as coisas. O melhor é pensarmos em outra forma, Yuna. E até lá você ficará bem, você é a Cavaleira de Cristal. Não é assim que eles te conhecem?
— Hmph... não me chame assim, seu pamonha. Nem de brincadeira.
Não muito satisfeita com minha opinião sobre o caso, e com a forma pela qual lhe chamei, Yuna virou o rosto para a janela e começou a observar o movimento agitado das ruas de Tóquio às onze horas da manhã de um dia útil, claramente apreensiva.
Assim, vendo-a daquele jeito, instintivamente minha mão foi até a mão dela, tocando seus dedos delicados por cima.
— Relaxa, Yuna, você vai ficar bem.
Ela reagiu ao meu toque voltando sua atenção para minha mão que a tocava e absorveu minha curta frase de encorajamento com seus ouvidos.
No segundo seguinte, senti que não deveria tê-la tocado daquela forma. Porém, ao que fui afastar humildemente a minha mão, ela entrelaçou seus dedos nos meus, e sorriu timidamente olhando nossas mãos unidas em algo único.
Meu rosto começou a esquentar.
— Você é só um zé ninguém pervertido e pedófilo, mas sempre esteve do meu lado, não é?
— Bem, eu não sei se pervertido é um de meus requisitos, mas pedófilo com certeza não sou.
— Acho que eu deveria recompensá-lo de alguma forma por sempre estar comigo mesmo arriscando sua vida, como um cachorrinho adestrado.
— Eu não sei se isso é alguma referência a alguma obra sul-coreana, mas não me venha com essa de Darla para cima de mim. Vamos focar em resolver a sua situação.
— Sim, claro. — E nossas mãos se separaram. — Eu estava realmente só fazendo uma piada, você me conhece há anos, sabe como é. E sobre eu ficar bem, não é com isso que me preocupo. Mas, sim, com aqueles que estão à minha volta. Você, Ieda, Ulim. Se essa caçada contra eu continuar nesse ritmo, não vai demorar até que tentem me atacar da pior forma possível.
— É, não dá para discordar. Mas creio que eles não fariam algo que fosse irritá-la e que invertesse a ordem de quem caça e quem está sendo caçado. Levando em conta o que sei, você não tem nada contra os deuses.
— De fato, eu não ligo para eles. Mas não iria conseguir dormir se algum deles fizesse algo contra as poucas pessoas que me importo neste mundo, compreende, seu pamonha?
Àquelas palavras, a temperatura caiu drasticamente no interior da cafeteria, mas logo voltou ao que o termómetro na rua indicava.
Ela estava realmente séria sobre aquilo.
— E o que mais Alighieri disse sobre o título? Não existe mesmo nenhum método alternativo para se livrar disso?
— O único viável seria encontrar um Embaixador e passar o cargo. Eu poderia devolver para ele, mas teria que ser genuinamente derrotada em um duelo contra o semideus, o que implicaria em ter de libertá-lo. E se pensarmos um pouco sobre tudo isso, aparentemente o plano dele é ficar sem o título de Transgressor da Obra dos Deuses para que consiga invadir o Castelo do Céu e derrubar a Cúpula. Esse título funciona como uma marcação e os deuses só não perseguiam Alighieri como estão me perseguindo por terem medo dele. Comigo, eles se sentem mais confiantes em atacar.
— Isso é. Com o Virgílio, quem o perseguia eram os membros atuais das Forças Aladas de Zeus. Mas desde que ele retornou para a Terra, sempre acaba escapando e também sempre se esconde muito bem.
— Novos membros? — Retirando os antebraços de cima da mesa, Yuna recostou ainda mais em seu assento. — Hmm, os membros antigos eram aqueles quatro que enfrentei em Quioto, não é? Quem são os novos membros? São novos deuses?
— Não, não. Na verdade, desde após a Segunda Guerra, ou melhor, um pouco depois da metade da Guerra Fria, Zeus começou a usar humanos e semideuses em suas Forças Aladas, visto que a utilização de deuses seria inútil por conta do Tratado de Valhalla. Alighieri, inclusive, já foi um membro da equipe especial do Senhor do Olimpo. Pelo o que sei, ele ingressou aos onze anos, e treinou muito desde então, o que ampliou altamente seu talento natural que já era assombroso. Mas, quando ele tinha dezesseis, sua mãe foi morta e, ao que reza a lenda, foi ao comando de Zeus. Se é verdade ou não, não sei dizer; muito menos os motivos. Contudo, foi daí que o ódio pelos deuses nasceu em Alighieri. E em uma missão para apanhar a lâmina Kusanagi para o Senhor do Olimpo, o filho de Hades tomou a espada para si e enfrentou Zeus no próprio Olimpo, onde quase o matou, não fosse pelos outros deuses da Cúpula tê-lo impedido.
— Tsc, aquele stalker apreciador de seios tinha de estar envolvido nisso. Para mim, é muito difícil não ficar do lado desse semideus, sabia? Por outro lado, não estou aqui para agir como justiceira ou algo do tipo. Isso é um problema dele. Mas, e depois disso, Alighieri fugiu?
— Hmm? Ah, sim, sim. Ele se preparou para invadir o Castelo do Céu em 2012, usando a entrada europeia, que fica no Monte Vesúvio. Nessa época, ele foi impedido por seu meio-irmão mais novo, Leon Acelo, que ingressou nas Forças de Zeus, mas todos, exceto de Leon, foram mortos nessa missão. Leon foi capaz de derrotar seu irmão e ele foi preso no Tártaro, junto dos outros grandes criminosos de escala divina. Só que em 2016, ele foi liberto pelo Caçador de Górgonas e Leon, por conta da Batalha de Varsóvia. E após isso, ele saiu do planeta, só retornando durante a crise espiritual, e a partir disso você já sabe o que houve.
— Bem, muita coisa aconteceu, parece. — A hanyou levou o copo aos lábios e tomou mais um pouco de seu capuccino. — E esse Leon Acetona, eu acredito que já tenha o conhecido. Ele tentou raptar o meu shinigami na época da crise espiritual. Mas ele acabou se mostrando gente boa, no final. Aliás, se Alighieri estava preso no Tártaro antes, por que agora ele está sendo mantido em uma caixa de vidro?
— É, primeiro, é Leon Acelo, não acetona. E sobre isso de Alighieri, é porque a caixa de vidro com os selos que estão na Mythpool, são praticamente as mesmas usadas no próprio Tártaro, então, é o bastante. E além disso, agora que ele matou Hades, ele é, tecnicamente, o Senhor do Submundo também. Enviá-lo para o Tártaro atualmente pode fazer com que ele liberte quem está lá, já que, como herdeiro de Hades, os servos de seu pai agora são dele. É praticamente impossível fugir do Tártaro sem ajuda. O ponto mais fundo daquela prisão fica em uma espécie de quarta dimensão, cuja única saída é pela torre principal, que é rodeada por muros de adamantina com diversos selos que restringem magia. Quando Alighieri foi retirado de lá... espera.
— Hmm? O que foi, seu pamonha?
— É isso, Yuna!
— Isso o quê? Por que está ficando tão empolgado, assim, do nada?
— Existe alguém que pode ser capaz de te livrar desse título sem essas condições complicadas. Quando Alighieri fugiu do Tártaro, além de Jason e Leon, havia também um outro cara, que foi parceiro do filho de Hades antes dele se revoltar contra os deuses. Caramba, eu só não me lembro o nome dele, mas... pelo o que já ouvi dizer, ele é um mortal capaz de usar um nível avançado de magia que supera até mesmo o conhecimento dos deuses. Foi ele quem conseguiu burlar as barreiras e selos do Tártaro naquela ocasião, e até me disseram que ele consegue se comunicar com outras galáxias com sua mente.
— Hmph, isso é fantasioso até mesmo para uma divindade em sua verdadeira forma. Seria um nível de magia comparada a de um arcanjo. Isso não é possível, deve ser só o pessoal da Mythpool aumentando o que realmente é.
— Não, Yuna. Temo que não. Porque quem me contou essas coisas... foi a Suny.
— ......
— Foi a Suny que me contou sobre esse homem. E eu sei que ela já o conheceu. Ela dificilmente mentia para mim. E não teria porque inventar uma história dessas. Há uma ficha dele na Mythpool, Yuna. Eu posso acessá-la e então levá-la até ele. Acredito que ele será capaz de resolver seu problema.
— Hmm. Suny também já me contou algumas histórias, mas todas eram falsas. Não sei se confio nessa sua fonte.
— Bem, Suny sempre foi um pé atrás com você, mesmo depois de você entrar para Mythpool como agente 4k. A relação dela comigo era bastante diferente do que com você. E também, eu sei que ela não perderia a oportunidade de te iludir com algumas fabulas aqui e ali.
— Muito engraçado, seu pamonha, você é um humorista, parabéns. Mas que seja. Não há muito o que perder com ir até essa pessoa misteriosa, mesmo. Então, será isso. Me consiga a localização e eu irei até... hmm?
— Yuna? O que foi?
Subitamente, cortando com frieza suas palavras e alterando seu semblante para algo mais desconfiado, nossa querida Assassina de Youkais olhou pela janela o movimento das ruas de Tóquio mais uma vez. No entanto, naquele momento, um motivo misterioso a mantinha encarando o outro lado da avenida sem ousar piscar seus olhos tamanha era sua concentração.
— O que tem ali? É um inimigo?
— Não. Não só um. Está acompanhado.
E como se sua fala comandasse seu olhar, Yuna moveu sua atenção para o lado oposto ao que tinha sua concentração tão fixada. Apontou seus olhos para o interior da cafeteria onde nos encontrávamos, olhando por sobre o balcão a entrada que dividia a cozinha de nós.
— Onde está a garçonete, seu pamonha? Ela não estava ali há alguns segundos?
— E-Eu não sei. Acho que ela deve ter entrado para a cozinha. Somos só nós dois de clientes aqui, agora.
— Droga, já está...!
Já estava lá dentro, era o que ela queria dizer.
Nossos adversários. Ou melhor, um de nossos adversários, já estava lá dentro.
Dia 13 de novembro, às 11:16 da manhã, foi a data e o horário em que um crocodilo humanoide arrebentou a parede de uma cafeteria e saltou por cima de um balcão na direção de... hã? Em minha direção?!
Não era a Yuna quem estava com a cabeça à prêmio?
Mas, independentemente do alvo daquela criatura, nossa querida Assassina de Youkais agiu para me defender, erguendo-se do assento estofado e logo se lançando como um goleiro indo buscar um chute no ângulo, para interceptar o reptiliano em ataque.
Eles se atracaram em pleno ar e rolaram mais para o lado no chão, devido a defesa de Yuna. E, de alguma forma, ao que pararam de rolar no piso daquele café, a hanyou estava com suas duas mãos agarrando a cauda escamosa do crocodilo, e ela não demorou para arremessá-lo contra a vidraça da cafeteria, o jogando para o meio da rua como um saco de lixo.
O réptil humanoide capotou no asfalto, mas freou arranhando o pavimento com suas unhas dos pés e das mãos.
E Yuna ajeitou sua postura, baixando os ombros para aliviar a tensão.
— Phew. O intervalo de ataques deles está diminuindo de um para o outro. Francamente, não faz nem vinte e quatro horas que um bando de coelhos me atacou em uma rua deserta e agora isso, um jacaré.
Talvez fosse por isso que Yuna veio me encontrar trajada em seu uniforme carmesim, 23° Tóquio, e não em algum conjunto de roupas curtíssimas para chamar mais atenção do que sua beleza, por si só, já chamava.
Tênis de basquete cinzas, dessa vez, mas ainda seguidos pelas pernas alvas, despidas e lisas, e logo seu par de coxas tonificadas cuja metade superior era coberto por seu famigerado uniforme vermelho. E claro, combinando com os tênis em coloração, seu gorro se mantinha sobre sua cabeça como uma coroa.
— Então, esse crocodilo é um deus, também?
— Sim, não há dúvidas. Esse aí nem tentou disfarçar sua aura divina. Um deus jacaré. Conhece algum?
— É um crocodilo, Yuna. Mas não me vem nenhum em mente, agora.
— Bem, eu acho que é um jacaré. Ele tem cara de jacaré. Olha lá a carinha dele, seu pamonha. Parece a Cuca, não parece?
Certo, a confusão entre crocodilos e jacarés existe, sim, mas não acreditava que Yuna não fosse capaz de diferenciar uma espécie da outra só de olhar. Não que seja algum tipo de conhecimento que eu exija de uma pessoa comum, mas nossa querida Assassina de Youkais estava fora do comum até mesmo para o incomum. Confesso que fiquei desapontado, mas, de todo modo, não era o momento para entrarmos em uma discussão sobre biologia animal.
Observando a hanyou com seus olhos amarelos, o réptil também ajeitou sua postura, colocando-se sobre seu par de pés híbridos de humano e crocodilo no meio da rua.
Hmm, ora, agora que notei, mas onde estão as pessoas que estavam lá fora?
— Você realmente é um espécime interessante, croc. Analisando com meus próprios olhos, agora, entendo porque Shesmu veio a ser derrotado por você.
— Ih, o jacaré fala. Isso não é bacana, seu pamonha?
— Bem, ele é uma divindade, então...
— Se vocês não sabem com quem estão falando, permitam-me apresentar: eu sou Sobek, o deus-crocodilo egípcio.
— Hmm.
— Geralmente, não costumo ser enviado para esse tipo de missão. Mas como sou um dos poucos que tem um corpo de encarnação sob medida, não tive muita escolha visto os problemas que você andou causando, croc.
— Hmm, saquei, jacaré. Seu corpo de encarnação não é de um humano qualquer, mas, sim, feito especialmente para encarná-lo. Por isso essa aparência assombrosa de lagartixa. Isso também explica porque sua aura divina está tão exposta. Fiquei sabendo que esse tipo de corpo pode conter muito mais da energia divina sem precisar se transformar, não é?
— Exatamente. Simples encarnações não seriam o suficiente para acabar com você. Nós, os deuses, temos ciência disso. E por isso estamos agindo desta forma, agora, croc.
— É, eu imaginei.
Saltando pela vidraça quebrada para ir do interior da cafeteria para a rua, Yuna começou a alongar seus braços após tocar seus pés na calçada.
— Depois que Alighieri comentou sobre deuses que tem corpos especiais para reencarnar, eu imaginei que, mais cedo do que tarde, vocês apareceriam para se opor contra mim. No final, acabou sendo bem mais cedo que eu esperava. Aliás, cadê o seu companheiro? Eu senti duas presenças, mas você é uma única unidade.
— Ele aparecerá quando for necessário, croc. Se é que será necessário.
Eu observava ainda em meu assento na cafeteria o duelo iminente entre nossa querida Assassina de Youkais e o deus-crocodilo egípcio, que se já não havia começado, estava demorando mais do que o normal para iniciar.
O corpo da divindade era literalmente a fusão de um crocodilo com um ser humano. Os pés eram humanoides até os dedos, onde se encontravam garras reptilianas no lugar das unhas. O restante das pernas também era humanoide, assim como o tronco e os braços, mas nas mãos, da mesma forma como nos pés, garras de crocodilo brotavam da ponta de seus dedos. Já a cabeça, especialmente, era exatamente como a de um crocodilo. E apesar da hibridez entre humano e réptil, seu corpo todo era coberto por escamas verdes como uma esmeralda.
E ele tinha uma cauda. Importante ressaltar.
— Ei, seu pamonha, fique aí dentro e qualquer coisa se esconda, está bem?
— C-Certo.
— Eu darei cabo do jacaré aqui, e depois de seja lá quem estiver se escondendo por aí. Creio que não será muito difícil.
— Hmph, você está confiante demais, não acha, croc? Eu, que sou um deus, não permitirei que continue a ameaçar os deuses. Se não fosse por suas atitudes homicidas, eu não precisaria estar aqui, afinal.
— Tsc, qual é o problema de vocês, ô lagartixa? Eu só matei os coelhos e o outro egípcio lá porque vocês vieram encher a droga da minha paciência. Por que vocês não desistem de mim, como desistiram do Alighieri, hein? Se continuar assim eu vou acabar matando todo mundo como legítima defesa.
— Vou garantir que não terá essa oportunidade, croc!
Aquele crocodilo era ágil, eu tinha de admitir. Se lançou contra nossa querida Assassina de Youkais repentinamente após sua declaração polêmica, com suas garras preparadas para deformar seu pequeno corpo formoso sob aquele uniforme de basquete carmesim. No entanto, seria necessário muito mais velocidade ofensiva para Sobek se ele quisesse realmente dar sentido à declaração que fez.
Com um salto para o lado, Yuna se safou do ataque seco da divindade réptil, que adentrou a cafeteria de volta pelo mesmo buraco que havia saído.
Mas o deus não demorou a se recompor no piso do café e saltar de volta para o lado de fora, colocando-se novamente cara a cara com Yuna Nate.
— Ei, Yuna, tem certeza que ficar aqui dentro é seguro?
— Eu disse para se esconder caso qualquer coisa, não é só para ficar sentado assistindo.
— Hmph, parece que você pretende proteger esse humano, croc. Que interessante. Você é bastante diferente do filho de Hades.
— Vou levar isso como elogio, jacaré.
Mas aparentemente, elogiar não era a intenção do deus-crocodilo. Ele voltou a atacar Yuna do mesmo jeito que da vez anterior, se lançando contra seu corpinho pulcro com suas garras postas para cortar e rasgar. Contudo, mais uma vez, embora a distância entre a divindade e Yuna fosse menor do que a da primeira ofensiva, a tentativa de ataque do reptiliano foi um fracasso. Ao que Sobek se aproximou em pleno ar da hanyou, ela deu um passo para o lado no tempo certo, e com as costas de seu punho e antebraço, contra-atacou o golpeando na lateral de seu tronco, o rebatendo de volta praticamente para o outro lado da rua.
O deus-crocodilo capotou no asfalto, mas parou firmando suas patas na calçada oposta.
— Francamente, é esse o tipo de desafio que os deuses têm para mim? Uma lagartixa verde com dislexia? Hmph, dá um tempo. Eu achei que esses corpos especiais fossem fazer alguma diferença, mas, no fim, é só mais um corpo de encarnação.
Na mão esquerda de Yuna, se formando como se em um passe de mágica, uma esfera no estado sólido da água preencheu a área entre os dedos da meio-youkai.
Eu conhecia aquela técnica.
Ice Ball Run, era o nome dela.
E sem pensar duas vezes após a esfera de gelo surgiu em sua mão, Yuna a arremessou contra o deus-crocodilo com força e precisão abissais. Como uma estrela cadente rasgando o céu noturno, a bola gélida atravessou o espaço que separava a hanyou da divindade egípcia, acertando-a bem no meio do peito direito.
— Hmph, te peguei.
— Me pegou? O que essa bola de neve no meu peito é capaz de fazer? Nem mesmo o impacto dela me incomodou.
A esfera de gelo estava grudada ao peito do reptiliano e girava em torno de si mesma como se quisesse perfurar a pele escamosa daquela divindade. Mas, de fato, observando com meus olhos não muito experientes, a Ice Ball Run parecia não ter tido efeito nenhum além de um singelo baque em Sobek.
— Isso aqui não serve de nada, croc.
E com a mão, ou pata, esquerda, o deus esmagou a esfera de gelo a quebrando sobre a própria pele.
— Acho que você não deveria ter tanta certeza disso, deus-jacaré. Meu intuito não era machucá-lo com minha Ice Ball Run.
— Hmm? Então... o que? Meu braço direito?
— Isso mesmo, seu pamonha. Não consegue mais movê-lo, imagino. Hmph, e acredito que saiba o motivo desse fenômeno em seu corpo, não sabe?
— Quer dizer que...
— Não, não, não. Não diga mais nenhuma palavra, jacaré. Descanse esses seus lábios de lagartixa e deixe que lhe explico o que já deve ser óbvio para você. Minha Ice Ball Run tinha uma única missão em seu curto tempo de vida, que constituía em paralisar o lado direito de seu corpo. Com sua rotação gélida sobre sua pele, a magia divina que canalizei dentro dela pôde atravessar suas escamas e afetar a estrutura óssea da metade destra de seu corpo.
— ......
— No início, a ideia era testar como esse corpo especial funciona em relação a um corpo de encarnação comum. Mas com essa primeira tentativa tendo um êxito considerável, eu já entendi que a diferença desse corpo para um outro comum é somente a fisionomia e a resistência à magia divina nos circuitos mágicos. No entanto, apesar de poder usufruir de sua energia de deus tranquilamente, suas habilidades como divindade não se mostram um desafio para mim.
— ...Sua...
— Você disse que seu nome é Sobek, não é? É bem provável que você não seja do tipo de divindade guerreira, agindo meramente como um selvagem neste duelo contra mim. Seja lá quem lhe enviou, não deve fazer ideia de quem está tentando arrancar a cabeça. Só que, ainda há uma outra presença por aqui. — Yuna olhou de um lado para o outro. — E essa eu creio que não será um mero aquecimento como você foi.
Bem, mesmo pela forma que o embate entre a Assassina de Youkais e o deus-crocodilo seguia, eu fiquei boquiaberto com como Yuna conduziu o combate tão elegantemente, levando-a para a conquista da vitória com poucos, porém precisos, movimentos sagazes.
Eu não sei se deveria ficar surpreso com aquilo, visto que já conhecia Yuna há anos, mas, talvez por ser contra um deus, ela me pareceu mais espetacular do que o normal. Claro que, eu também já havia presenciado nossa querida Assassina de Youkais derrotar duas divindades anteriormente, como vocês devem bem saber. Mas, saber que Sobek poderia usufruir de todo seu poder como deus por conta de seu corpo especial, e mesmo assim, ter sido derrotado pela hanyou assim como uma mariposa é derrotada pelo fogo, era um tanto que assustador.
Seria ela mesmo a verdadeira Transgressora da Obra dos Deuses, e Alighieri somente um recurso para o fim, ou uma brincadeira do destino?
— Hmph, meus parabéns, croc. Você realmente me pegou. Agora sei porque ele quer você morta o mais rápido o possível.
— Ele? Quem é ele?
— No começo, achei que era só pela oportunidade de acabar com a profecia do Transgressor, mas agora sei que é por verdadeiramente temê-la. E ao que parece, o que o oráculo previu não será muito difícil de se concretizar.
— Tsc, eu não sei que droga é essa de previsão, ô jacaré, mas eu não pretendo sair matando deuses como se eu fosse careca com uma tatuagem vermelha e um cavanhaque. É só vocês pararem de me encher o saco, que eu vou parar de esfregar suas caras no asfalto.
— Hmph, é tarde para isso, croc. Isso tudo é maior do que você pode compreender. Fico feliz em ser útil e realizar o meu papel tão bem, hoje.
— Hmm, do que é que você está falando, hein?
Não é como se o meu assento dentro da cafeteria estivesse desconfortável, mas, depois de um tempo sentado ali, assistindo aquele diálogo ao final do confronto, eu decidi me levantar e sair para as ruas de Tóquio, que ainda permanecia estranhamente deserta, e me aproximar um pouco de nossa querida Assassina de Youkais.
Ao notar que havia saído do café, e já estava ao seu lado, Yuna ergueu o dedo indicador na direção de Sobek, gesticulando por uma breve pausa na conversa deles, e se voltou para mim com os olhos semicerrados, o que me fez cessar minha movimentação.
— Seu pamonha, eu não disse para ficar lá dentro e se esconder se possível? Por que diabos está aqui fora, hein?
— E-Estava chato lá dentro, e você já deu conta desse deus, não é? Porque eu continuaria lá dentro?
— Se eu disse para ficar lá dentro, é para você ficar lá dentro. Estou tentando te proteger. Eu não disse que esse jacaré veio acompanhado? Significa que, a qualquer momento...
Hoje, confesso que deveria ter dado maior atenção ao que Yuna me pediu.
Teria evitado um monte de coisas.
Contudo, como não dei ouvidos aquela que detém o título de Assassina de Youkais, o pior veio a acontecer por minha culpa.
A hanyou cessou suas palavras e notei seu olhar desviar por cima de meu ombro, onde seus olhos se arregalaram por um instante, e logo em seguida, ao que ela iniciou uma movimentação para tentar evitar o que viria acontecer, como se o ar à nossa volta criasse vontade própria, o corpo de Yuna foi envolvido por uma ventania e arremessado para o outro lado da rua, quebrando a parede de um edifício.
— Mas o que...?
E quando decidi olhar por cima de meu ombro para descobrir do que Yuna queria me salvar, eu fui agarrado por braços dourados e logo elevado aos céus, como quando uma águia captura seu almoço com suas garras.
Assim, sobre uma Tóquio misteriosamente deserta, eu fui vítima de um sequestro relâmpago aéreo.
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