Ebrius: 001
— Ei, ei, seu pamonha, eu sei que está aí, mande logo alguém abrir esse portão, está bem? Sei que você não quer que ninguém se aproxime daquele homem, mas tenho coisas bastante importantes para conversar com ele.
— Senhorita, já disse que não pode ir entrando no pátio sem permissão... ei, ai, ai.
— Você não me amole, ô guardinha, saia daqui. Não está vendo que já estou na entrada? De que adianta vir me buscar agora, hein?
Em todo aquele alvoroço que Yuna estava causando no pátio de entrada da novíssima sede japonesa da Mythpool, que se localizava em Nova Saitama, em Saitama, cidade reconstruída nos últimos quatro anos após a grande explosão de energia mágica que a devastou, a guria empurrou com a ponta dos dedos de uma única mão um dos guardas de acesso do QG da polícia mitológica, que deu passos desengonçados para trás antes de desabar sentado no solo. Tanto ele quanto os seus colegas de trabalho e segurança já haviam sido derrubados por nossa querida Assassina de Youkais, conforme nós avançamos na esplanada que dividia o portão principal do portão de entrada do edifício. Os atiradores nas duas torres de segurança, que não hesitaram em mirar seus rifles na guria e em mim, não foram capazes de disparar seus projéteis de adamantina, já que os canos de suas armas, como se por uma vontade divina, foram congelados de um momento a outro.
Sem mais complicações adiante, Yuna e eu chegamos à frente da entrada do QG. Um daqueles portões de aço que se abrem ao meio com um efeito sonoro de ar pressurizado sendo libertado.
Humildemente, na parede ao lado direito da entrada, havia um interfone com uma câmera atrelada.
E era nesse interfone, e nessa câmera, que Yuna lançava suas palavras para que as portas da Mythpool fossem abertas para nós.
Bem, nada muito fora do comum para um dia de passeio com um lobo, líder de alcateia. E também um inugami, e consequentemente um shikigami.
Aquele tipo de atitude da guria fazia com que minha presença fosse totalmente esquecível para as pessoas ao redor, o que era bom, ao meu ver. Contudo, estar ao lado dela em momentos desnecessários como aquele me trazia um sentimento de vergonha em uma medida única.
— Phew, eu não acredito que esse guarda queria me levar daqui só me tocando no ombro.
— Eles só estão tentando fazer o trabalho deles da melhor e mais educada forma que conseguem, guria. Entendo que queira falar muito com aquele homem, mas invadir uma sede da Mythpool, que é indiretamente ligada às entidades que querem lhe ver morta, não é a opção mais saudável a se seguir.
— E o que queria que eu fizesse, seu pamonha? Nunca imaginei que o 3k1 não autorizaria minha entrada desse jeito. Mas fazer o quê? Não posso ficar carregando este fardo para sempre.
De fato, nesse ponto ela tinha razão.
O homem que deu o título de Transgressora da Obra dos Deuses à Yuna, Virgílio Alighieri, era a única pessoa conhecida que poderia ter alguma informação de como se livrar daquilo. E também, a única pessoa que poderia apanhar o título de volta, aparentemente.
— Vamos, vamos, seu pamonha! Abra a droga dessa porta logo, vamos! — A guria bateu as palmas de suas mãos na parede do interfone e aproximou seu rosto da câmera acoplada como se tentasse enxergar através de sua lente. — Você sabe que minha paciência pode não ser das melhores, 3k1! Se não abrir, eu e meu leal cachorro vamos colocar esse portão para baixo!
Por que raios ela precisava me envolver tão profundamente naquela invasão de propriedade privada?
Eu nem queria estar ali, para começo de conversa.
Mas enfim.
Pelo o que parecia, as ameaças de usar da boa e velha força bruta de Yuna foram efetivas em fazer com que o ex-agente de campo, agora diretor da polícia mitológica no Japão, abrisse as alas da sede da Mythpool para que nós adentrássemos a edificação. E como observei anteriormente, com um som de ar pressurizado sendo libertado, o portão de entrada se dividiu em dois na vertical, convidativo para a guria e eu.
— Hmph, melhor assim. Sábia decisão. Não estava a fim de arrebentar a entrada à força, de qualquer modo. Agora partiu, Ulim. Esse é um episódio de Arquivo X em que a verdade não está aqui fora. Capiche?
Assombrosamente mudando de humor por ter conseguido o que queria, a guria passou por mim ao que fazia referência à série Arquivo X e seguiu na linha de frente ao passar pela entrada do QG da Mythpool. E não seria eu quem ficaria ali esperando. Minhas patas caninas se moveram para me colocar no encalço daquela que detém o não consentido título de Transgressora da Obra dos Deuses.
Quero aproveitar este momento para situá-los sobre essa sede da Mythpool em Nova Saitama, e prometo não me estender muito no tópico, apesar de ser intrigante o que ocorreu. Iniciando pelo local exato no qual a nova sede foi construída. Um local que pode ser novo para alguns, mas acredito que já conhecido para a maioria. O ponto onde no passado estava de pé a antiga sede da AAA, que foi pulverizada na grande explosão que acabou com a antiga Saitama. Esse local havia se tornado uma planície circular onde Yuna enfrentou o guri-shinigami, antes de virar shinigami, e também onde a guria e eu resgatamos Ieda do controle mental que ela sofrera pela magia de Aleister Oz.
Era um lugar até que nostálgico. Mas agora, foi ocupado por um edifício que mais parecia uma prisão de luxo do que um QG policial.
Bem, o lugar era, em tese, um verdadeiro presídio, para latir a verdade.
Pelo o que me foi passado, desde os incidentes da crise espiritual há três anos, a Mythpool deu início a um projeto em que novas sedes seriam construídas com o foco em conter pessoas peculiares que fossem criminosas e perigosas para o equilíbrio entre o sobrenatural e o natural. Então, a semelhança com uma prisão de filmes hollywoodianos não era meramente uma coincidência.
Nosso objetivo ali, aliás, era simples. No entanto, o agora diretor da Mythpool não queria que ninguém se aproximasse de Virgílio Alighieri ou de qualquer outro criminoso que estivesse no mesmo setor do que ele. Ou seja, nenhum. Mas isso só fomos descobrir um pouco mais adiante.
É claro como cristal que não tive dificuldades de alcançar a guria que passou pela recepcionista a ignorando por completo. E embora o propósito de Yuna fosse diplomático ali, e levando em consideração que Alighieri estava encarcerado, ainda assim ela estava trajando seu uniforme carmesim, 23° Tóquio, e seus melhores tênis de basquete nos pés. Além disso, obviamente, no topo de sua cabecinha teimosa, seu famigerado gorro cinza imperava como de praxe.
Ela atravessava o corredor principal com passos tão executivos que o som deles fazia parecer que ela estava calçando sapatos de salto-alto.
— Certo, guria, e agora o que faremos? Sabe em que lugar aquele homem está preso?
— Não, não sei. Mas pensando de maneira racional, se construíram uma ala para presos muito perigosos, provavelmente foi no subsolo 2. Mesmo que lá exista um túnel que dá saída para longe daqui, ainda é o local mais lógico de se construir uma ala de segurança máxima.
— Subsolo 2? Está falando de onde era a Oficina do Pânico?
— Exatamente. O que nos leva a só precisar encontrar o elevador que nos levará até lá.
Essa era a primeira etapa de nosso plano para chegar até Alighieri, e estávamos decididos a isso. Todavia, nosso ritmo empolgante foi interrompido pela aparição de mais guardas em nosso caminho no corredor principal do prédio. E no meio daqueles agentes estagiários, parando com as mãos nos bolsos de sua calça social, o agente 3k1 postou-se à nossa frente como se representasse alguma ameaça.
Tsc, o novo cargo lhe subiu muito à cabeça.
— Ora, ora, Yuna Nate, você realmente me convenceu em abrir a porta para você, mas não pense que mudei de ideia sobre querer que ninguém se aproxime do dito presidiário cujo nome não pode ser proferido.
— Hmph, agora eu entendi, seu pamonha, agora eu saquei. Você só não queria arcar com os custos do estrago que eu poderia fazer na porta de entrada, não é isso? Mas não fique preocupado. Se acha que seus homens serão capazes de bater de frente comigo e com Ulim, tente a sorte, vamos.
— ......
— Como imaginei, você ainda não ficou louco. Bom saber disso. Agora, tire seus capangas daí e saia você também se não quiser ser atropelado.
— ...Tsc, mas que coisa, Yuna, você não entende. Não posso expor ninguém ao risco. Não sabemos o que ele planeja e mal sabemos se nossa cela pode contê-lo.
— Ó, não me faça contar até três, está bem? Se não fosse por mim, vocês nunca teriam colocado as mãos nele. O máximo que ele foi capaz de fazer foi queimar meu braço, e olha como ele está novo em folha. Não tem porque você hesitar quanto ao meu pedido. Eu preciso falar com ele, só isso.
— Tem é que agradecer por ter sido só o braço, porque dependendo onde fosse, não teria nem a oportunidade de comer a Clapódia para se curar.
— Hmm, sorte também é um fator a se levar em consideração nas batalhas, sabia?
Deixe-me situá-los também da cronologia daquela situação. Dia 12 de novembro, às 17:52.
Dois dias atrás, Yuna foi com o guri-shinigami para o Mundos dos Shinigamis, lugar onde nasce o fruto chamado Clapódia, que foi capaz de consertar a raiz dos circuitos mágicos de seu braço esquerdo queimado pelo fogo albino de Alighieri, lá no dia 5 de novembro, se lembram?
Agora ela está mais saudável do que um cavalo, e voltou de sua aventura com Daigo já com a ideia em mente de falar com Virgílio sobre o título que lhe foi dado como um presente de grego.
Ela entrou em contato com 3k1 e pediu para conversar com o homem, mas o ex-agente não permitiu, pelos motivos que vocês agora bem sabem, o que levou a guria a ter de agir em sua maneira mais natural.
E com isso, ali estávamos nós.
— Você não vai desistir mesmo dessa ideia idiota, não é, Yuna?
— Certamente que não, seu pamonha. Eu já perdi uma boa parte do meu dia vindo até aqui, afinal de contas. E ficar na rua até mais tarde se tornou perigoso para mim, agora que carrego o título que carrego.
— Hmm... Phew. Okay, vou abrir uma única exceção para você, mas não pense que vou deixar isso se transformar em um podcast, entendeu?
— Afirmativo, seu pamonha, afirmativo.
A guria bateu continência ao responder o ex-agente, ironizando sua autoridade em seu cargo atual, algo que foi divertido de se ver, mesmo que ele tenha ignorado dando as costas para nós e pedindo para que o seguíssemos.
Um tanto pragmático, eu diria.
E nós o acompanhamos no caminho que nos colocaria diante do homem mais perigoso do planeta.
Fomos levados a um elevador, como a guria havia imaginado, e nele descemos para o subsolo 2, também como a guria havia dito.
Protagonismo é incrível.
Se bem que, parando para pensar, o raciocínio dela foi até que óbvio.
Talvez eu quem não estivesse prestado atenção.
Enfim, isso não vem totalmente ao caso, agora.
Yuna, 3k1 e eu, fomos levados para baixo do andar térreo daquela edificação e, ao que a porta do elevador se abriu, o ex-agente saiu na nossa frente e parou, logo que a guria e eu também nos colocamos para fora daquela cabine levadiça.
— Ei, seu pamonha, o que foi, hein? Não vai mudar de ideia agora, vai?
— ......
O andar onde nós ficamos tinha sua entrada composta por um curto corredor escuro e um pouco estreito, levemente iluminado por pequenas lâmpadas à média-altura nas paredes. Naquele ponto, a polícia mitológica não havia alterado tanto a entrada principal da Oficina comparado ao que me recordo. Quando fui ali com Yuna, dois anos atrás, para checar se o corpo de sua mãe, Yuki-onna, realmente se encontrava no local, nós usamos a rota de fuga que existia ligada a esse andar para chegarmos. Latido isso, minha última e única recordação da entrada principal daquele andar tem mais de cinco anos, o que não me permite ter certeza sobre as mudanças dos detalhes. Mas em um todo, parecia o mesmo.
— É, bem, eu realmente gostaria de reconsiderar, Yuna. Este pequeno corredor de entrada é o máximo que posso ir. Não que eu seja proibido ou algo do tipo. Mas, neste andar existem cinco jaulas capazes de conter até um deus, mas somente a central está ocupada. É onde ele está. É só andarem em linha reta.
— Entendi, você só está com medo, claro. Ainda não acredito que foram capazes de trazê-lo até aqui, mesmo com ele desacordado. Mas que seja. Como disse, só preciso trocar uma ideia com ele, nada demais. Vamos, Ulim.
E ali ficava o respeitado diretor da Mythpool. Hmph, fascinante. Mesmo sendo um lobo, líder de alcateia, eu gostaria de saber quem elegeu o ex-agente ao prestigiado cargo e qual critério foi utilizado.
A guria e eu passamos por 3k1, como se sua existência tivesse sido apagada daquele lugar, e adentramos de vez no que um dia foi a sombria Oficina do Pânico. Bem, pelo menos sua parte de sombria se manteve intacta naquele local. A sala quadrada não tinha mais as incubadoras e as bugigangas mágicas abandonadas, mas agora, no lugar, como o ex-agente comentou, um quinteto de jaulas cúbicas de vidro formava um X no andar, com luzes brancas no interior de cada uma, para destacá-las na escuridão. Contudo, uma das jaulas exibia uma menor luminosidade.
A jaula do centro, é claro.
Mas não por sua lâmpada de LED estar com algum tipo de defeito ou algo parecido, e sim, pela grande diversidade de selos e talismãs grudados sobre o vidro daquela cela cúbica.
— Guria, a quantidade é...
— Desnecessária, eu diria. Praticamente todo tipo de selo está ali, e até talismãs contra boa sorte. Eles realmente têm medo desse homem, e é incrível o cuidado deles.
Ao que nos aproximamos mais da jaula central, pela vidraça diante de nós, cujos selos estavam mais dispersos para as laterais e que praticamente criavam uma espécie de janela redonda ao seu meio, nós fizemos contato visual nítido com nosso objetivo.
Deitado em uma cama, com as mãos atrás da cabeça, e olhando atentamente para o teto, o semideus, filho de Hades, e antigo detentor do título de Transgressor da Obra dos Deuses, Virgílio Alighieri, o homem mais perigoso do mundo, até que parecia relaxado por ali.
— Olha só quem nós temos aqui. Mas que petulância. Não esperava essa sua visita tão cedo. Acredito que já tenha entendido, então.
O semideus inclinou levemente sua cabeça em nossa direção, apontando seus olhos tempestuosos contra nossa querida Assassina de Youkais. Depois, voltou a observar o teto de vidro.
— Pois é, eu já estou ciente da praga que você me jogou, seu pamonha. E é justamente por isso que vim aqui. Quero passar este título idiota de volta para você. De onde você tirou que ser perseguida por deuses iria acabar comigo, hein?
— Hmm, então matou mais deles, é? Quais você já matou?
— Não me venha com essa de simular demência para cima de mim, está bem? Eu só vim aqui lhe entregar o título de volta, só isso.
— Hmph, que petulante. Não é assim que funciona, Yuna Nate. Existem condições para que o título seja transferido. E uma dessas condições poucas pessoas podem ter. Até onde sei, eu sou o único que você deve conhecer com tal condição.
— E que droga maldita de condição é essa, hein?
— Ora, notei que você nem perguntou se estou bem, ou como tenho passado meus dias neste lugar. Isso é realmente um ato de petulância.
— Tsc, eu não me importo com isso, seu pamonha. Só quero resolver esta questão do título, só isso. E você não me parece mal, afinal.
— Ah, certo, aparência exterior. Isso parece ser um fator importante para você, não é? Você, que tem beleza e juventude eternas, deve ser difícil enxergar além do buraco da fechadura das pessoas.
— Err, de perfil você não é de se jogar fora, se é o que quer escutar.
— ......
Sem respostas verbais ao comentário da guria, Alighieri iniciou seu processo de movimentação para se levantar de sua cama. Primeiro, separando suas mãos de trás de sua cabeça, seguido do movimento de suas pernas para fora do colchão, ao mesmo tempo que seu tronco estendido se erguia para que ficasse sentado à beira da cama. E após respirar fundo, ele enfim se colocou de pé, e deu quatro passos solenes para se aproximar da mesma vidraça que a nossa.
— O que você e eu temos em comum, Yuna?
— Hã? Por que dessa pergunta?
— Você não quer saber as condições para passar o título? É só parar para pensar e descobrir o que você e eu temos em comum. Algo que nós temos e que outros provavelmente não têm.
— Tsc, mas que coisa. Não estou preparada para resolver uma charada, agora. Só que... hmm... acho que já sei. O que nós temos em comum é que ambos somos portadores de armas divinas. Estou certa?
— Hmph, perspicaz como sempre. É exatamente isso, está correta. E essa condição para carregar o título de Transgressor se deve por, tanto eu, como você, sermos escolhidos por algum deus falecido.
— Como é...?
— Então isso você não sabe. Quando um deus morre, e digo, quando sua alma é destruída, os fragmentos mais brilhantes dela se mantêm vivos como parte da vontade divina daquele deus. Esses fragmentos podem se manifestar de diversas formas, como por exemplo, a lâmina Kusanagi, que apesar de ser a cristalização da alma de Yamata no Orochi, é apenas um fragmento dela, já que grande parte foi destruída por Susanoo. No seu caso, um fragmento da alma de Odin deve estar na lança Gungnir que você é capaz de empunhar. Pessoas como nós, que são escolhidas pela vontade de uma divindade, mesmo que não sendo uma encarnação, são representantes da divindade no plano terreno. Os deuses nos chamam de Embaixadores, e existem outros como nós que podem receber o título de Transgressor, mas somente um pode carregar o fardo.
— Está me dizendo que... espera, seu pamonha, e você sabe onde os outros estão?
— Não faço ideia. Nunca foi minha intenção procurá-los. Até porque, os outros Embaixadores não têm importância para mim. Eu até devo dizer que dei sorte de descobrir que você é uma, já que pude me livrar desse título, e agora posso chegar ao meu objetivo com maior facilidade.
— Tsc, não vem que não tem. Você vai pegar este título idiota de volta ou vai me contar como me livrar dele, está bem? Com todos esses selos, acredito que sua invulnerabilidade não esteja funcionando para me impedir de acabar com você de uma vez.
— Acho que você não faria isso, e seria bastante petulante se fizesse. Mas vou lhe dar opções que creio serem justas.
— Hmph.
— A primeira é, como já deve ter entendido, procurar incansavelmente um outro Embaixador e passar o título a ele. A segunda, que me é a mais interessante, é me tirar desta jaula e me fazer receber de volta o título. E a terceira, é aceitar seu fardo e ir matando cada deus que surgir para pôr um fim nessa sua vida medíocre. Essa última opção é a menos trabalhosa, já que existe uma divindade da Cúpula que sempre saberá onde você está, o que vai garantir ataques e mais ataques, não importa onde você esteja.
— Phew, somente opções entediantes, para ser honesta. Aliás, qual é a outra condição para a passagem do título? Tem alguma coisa a ver com o local e o horário, algo desse tipo, é?
— Não, não é nada desse tipo. A outra condição chave é ser derrotada por outro Embaixador em um duelo. Assim como fiz, a passagem do título deve ser realizada como uma declaração genuína de inferioridade durante o confronto. Essa é a condição. E é por isso que disse que dei sorte ao enfrentar você. Assim que eu sair daqui, e sairei, não haverá mais deuses me perseguindo e será simples derrubar a Cúpula. Se bem que, se o destino me levou a jogar o fardo em você, talvez seja você quem irá fazer o trabalho sujo no meu lugar.
— Hmph, sem chances. Eu posso até não dar a mínima para a existência dos deuses, mas não tenho porque matá-los se eles não entrarem em meu caminho. Mas enfim, seu pamonha. Sabia que conversar com você seria esclarecedor, mas vou optar pela primeira opção, por mais chata que seja. A propósito, se um dia sair daí, eu ainda não superei que minha agência foi destruída por sua culpa, então, já sabe que os deuses não estarão no seu encalço, mas eu estarei.
— Hmm, você é realmente boa com essas falas de impacto, não é? Pois bem, eu estarei lhe esperando, Assassina de Youkais. Se é que você continuará viva até esse momento.
— Pode apostar esse seu cabelo albino que estarei. E aproveitando que você é um livro aberto, eu tenho mais uma pergunta.
— E qual seria?
— O Tratado de Valhalla. Os deuses não podem interferir em assuntos mortais, mas os quatro que você controlava enfrentaram a mim sem nenhum problema. Por quê?
— Ora, não é obvio? Mas que petulante. As cláusulas do Tratado se referem aos deuses agirem materialmente em assuntos mortais. Ou seja, com seus corpos originais. Durante o período em que estão em seus corpos de encarnação, o Tratado não se aplica a eles, já que seus poderes se tornam limitados ao corpo que estão usando. Um exemplo disso é o meu tio, que se finge de detetive para agir aqui na Terra sem nenhum problema. Já no caso de Nice, como ela estava sob meu controle e seus poderes são ligados a sua existência, ela tecnicamente não agiu por conta própria, assim, não quebrou as cláusulas do Tratado.
— Hmm, claro. Foi o que imaginei.
— É, sei... Só precisa tomar cuidado com umas e outras divindades. Alguns corpos de encarnação são quase tão poderosos quanto os originais, e são preservados por alguns deuses por séculos ou milênios. Poucos têm esse capricho de manter um corpo mortal fixo, mas alguns são um problema até para mim. Aliás, vejo que curou o que causei em seu braço. Meus parabéns. Foi até o Mundo dos Shinigamis, acredito eu.
— Hmph, não fique aí se achando, está bem? Você teve sorte de me fazer o que fez. Não se repetirá. Agora, se nos der licença, temos que encontrar um desses Embaixadores, mesmo eu não tendo ideia de por onde começar a procurar.
— Tsc, que petulância.
E assim, nós viramos as costas para o filho de Hades encarcerado, percorrendo o mesmo percurso reto que fizemos para nos aproximar daquela jaula de vidro.
A conversação foi até mais segura do que eu pensei que seria.
Com toda certeza os agentes da Mythpool, e seu atual diretor, têm uma visão bastante exagerada do homem mais perigoso do planeta, apesar dessa alcunha não ser uma das mais atrativas, de fato. No entanto, agir como agiu o ex-agente, por exemplo, não é uma forma muito respeitada de se ver. Eles o colocaram lá, afinal. E os selaram com praticamente todos os modos disponíveis no mercado. Se existe alguma cela segura no mundo, essa cela é aquele cubículo de óxido metálico.
Mesmo assim, enquanto eu observava o diálogo da guria com o semideus, eu notei a convicção de Alighieri quando comentava sobre escapar daquele lugar cedo ou tarde. E o jeito como articulou suas palavras me pareceu bastante convincente. Para ser sincero, era como se ele já tivesse um modo de sair dali, mas estivesse esperando pelo momento certo.
Se formos usar essa linha de pensamento, tanto 3k1 quanto seus agentes estão corretos em isolá-lo e evitar qualquer proximidade.
E além disso, apesar de Yuna só considerá-lo um "livro aberto", a naturalidade com que ele passou as informações para a guria, como se fosse uma espécie de mentor espiritual, me cheirou deveras suspeita. Não só ali, no subsolo 2 do QG da polícia mitológica, mas como também no Diamond Floor, o filho de Hades foi bastante claro sobre seus planos e intenções.
Poderia ele estar realmente usando Yuna como uma peça para algum estratagema meticuloso?
Hmph, realmente é um mistério.
— O que você tanto está narrando aí, hein, seu pamonha? Passou parte do caminho mais quieto do que o normal.
— Hmm, mas eu sempre fui quieto, guria. Você quem me obriga a me manifestar verbalmente com assuntos aleatórios.
Naquele ponto, nós já estávamos fora da sede da Mythpool de Nova Saitama, e também fora da recém-erguida cidade, voltando para nosso apartamento alugado em Tóquio, onde estávamos residindo até que a ACSI fosse reconstruída.
Yuna convenceu o ex-agente a arcar com a reconstrução de sua agência e casa, assim como com o aluguel do apartamento, usando do argumento que foi por conta da missão de derrubar a barreira no Monte Kurama que aquela situação havia ocorrido, o que não era totalmente mentira.
Com a guria montada em minhas costas, em uma área da atual capital japonesa um pouco desértica, eu havia desacelerado minhas patas caninas para respirar um pouco e acabei me perdendo em devaneios sobre toda aquela situação.
No momento, eu tinha acabado de descer uma escadaria e estava caminhando com tranquilidade em uma rua sem curvas em um singelo bairro residencial. Mais à frente existia um humilde cruzamento, no qual eu precisava dobrar à direita para prosseguir dentro da rota mais rápida para o centro da cidade.
— Está bem, desembuche, Império das Pulgas. Diga o que se passa nessa sua cabecinha de cão.
— Eu deveria ignorá-la por ter me chamado por esse apelido idiota, mas como é uma questão importante, farei vista grossa, desta vez.
— E como das vezes anteriores, na verdade. Mas diga logo o que é.
— Tsc, francamente. Bem, é sobre a honestidade daquele homem, Alighieri. Por acaso você não achou a naturalidade com que ele respondeu suas perguntas um tanto suspeita? Quero dizer, ele não parece ter nada a esconder de você. Tanto no Diamond Floor quanto agora há pouco, ele conversou sem rodeios. Mesmo em relação a ele planejar escapar de lá.
— É, eu notei isso, Ulim. Desde o começo, para ser sincera. E o que você deve estar pensando é que ele pode estar me usando para alguma coisa, não é?
— Exatamente, guria.
— Considerando o que ele disse sobre o método de passagem de título, em parte, isso é quase uma certeza. Digo, ele se aproveitou de minha elegibilidade para passar esse título idiota para mim quando nos enfrentamos, o que significa que, em uma parte, ele realmente está me usando como bode expiatório para ficar livre dos deuses. Mas talvez tenha sido um pouco de sorte, também. Como ele me contou sobre a forma de me livrar deste título, talvez eu quem só tenha dado o azar de enfrentá-lo antes dele passar o título para outro Embaixador. Em nosso confronto, ele só acabou unindo o útil ao agradável.
— Sim, pode ser isso, mas... e se ele planejou passar o título para você? Afinal de contas, ironicamente, ele ergueu uma barreira a poucos quilômetros da ACSI, o que pode ter sido proposital. Talvez o ataque contra a agência também tenha sido ordenado com o intuito de te atrair, guria.
— É, você tem razão, e não posso descartar essa possibilidade. Por outro lado, se ele quisesse realmente passar o título para minha pessoa, por que exatamente ele faria isso? E por que ele me diria a forma de me livrar desse fardo? As ações dele se tornam confusas se seguirmos essa linha de pensamento, e no final, acabamos aceitando que ele só queria alguém para usar de distração para que ele possa atuar com liberdade. Se ele me disse sobre esses Embaixadores e sobre como passar o título, para ele, não importa quem esteja carregando o fardo, contanto que não seja ele.
— Hmm... é... pode ser que você esteja certa.
— Mas também pode ser que exista um motivo secreto e intrigante dentro da cabeça daquele semideus.
— Hmph, você também precisa se decidir no que quer acreditar, guria. Não podemos procurar as pessoas elegíveis ao título se...
— Se estivéssemos sendo observados já faz algum tempo.
— Como?
Agora que ela falou...
Do pé da escadaria que tínhamos acabado de descer há poucos minutos, surgindo fantasmagórico, sem que sua presença fosse notada por um grande período de tempo, um alguém, trajado em uma fantasia cor-de-rosa de coelho, se apresentou para nós ao que a guria e eu olhamos para trás.
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