004
— O que quer dizer com isso, senpai? Ele está simulando demência, é? Por que não pode recuperar a própria espada?
Eram precisamente dez horas e vinte e cinco minutos da manhã no Japão. Na Romênia, onde nos encontrávamos, deveriam ser mais ou menos três e vinte e quatro da madrugada. A luz da lua ainda banhava toda aquela região.
Nós estávamos saindo do Castelo de Bran, atravessando a primeira camada das barreiras místicas conjurada por Alighieri.
Yuna havia ligado para Ieda, para saber como estavam as coisas no lado leste do mundo. E a garota-aranha não tinha muito a declarar. Mal haviam se passado trinta minutos desde que fomos teletransportados por Tetsu para a Europa. As coisas não estavam tão catastróficas a ponto de tudo ruir em menos de meia-hora.
Enfim, Ieda disse que estava tudo bem.
Suny continuava amordaçada e desacordada.
Tetsu não havia tentado nenhuma gracinha.
Então, Yuna explicou nossa situação. Ela contou sobre o mensageiro, Alighieri, e sobre ter perdido Kusanagi, uma peça fundamental para que pudéssemos invadir o Mundo dos Shinigamis.
— Ele está sem um braço, Ieda. Também parece estar com parte de seus poderes fragilizados. Penso que esteja no início de uma grave Síndrome do Pânico.
— Oh... acho que consigo fazer algo para ajudar com a síndrome.
— Não precisa, Ieda, está tudo bem. Eu e nosso shinigami já conseguimos a localização da criatura que está com Kusanagi e iremos tomá-la para nós.
Esse papo de "nosso shinigami" se tornou algo oficial?
Como deus da morte, eu deveria ser tratado com maior respeito, não acham?
Bem, não era o momento para discutirmos por um pequeno detalhe como esse.
— Certo, senpai. Então, o que devo fazer agora?
— Hmm, o que deve fazer? Ah... somente continue aguardando e cuidando de tudo, está bem? Logo estaremos de volta.
— Tudo bem, senpai. Estarei esperando vocês.
Ieda encerrou a ligação.
E por alguns segundos, Yuna observou atentamente a tela de seu celular.
Que tipo de pensamento obscuro se passou pela cabeça da Assassina de Youkais era algo que eu gostaria de saber. Ela parecia estar aflita com aquela situação, mesmo que mantendo sua postura como uma das mais poderosas assassinas sobrenaturais da humanidade.
— Tsc, eu sinceramente não gosto de ficar guardando meu celular na alça da minha calcinha.
Com esse resmungo, Yuna levantou o lado direito de seu uniforme amarelo de basquete até um pouco acima da cintura. Sua lingerie era branca, um pouco transparente, que cobria sua virilha e quadril. À luz do luar, o tecido praticamente se camuflava sobre sua pele alva, quase se tornando invisível com um pouco de falta de atenção. Yuna prendeu seu celular entre a alça da calcinha e sua cintura, como disse que não gostava de fazer, e então, soltou seu uniforme, o fazendo descer.
Por sorte, ou talvez não, era eu quem estava à direita da Assassina de Youkais naquele momento. Dito isso, imagino que não seja nenhuma surpresa eu ter descrito em detalhes o que visualizei dentro daqueles míseros dois segundos.
Talvez, um segundo e meio, para ser exato.
— O que foi, seu pamonha?
— Hã? N-Não, nada. Eu só estava pensando...
— Você ficou pensativo porque viu minha calcinha, foi?
— C-Claro que não! Eu sou um homem integro, você sabe disso.
— Hmm, sei. Não imaginei que teria tantos pensamentos eróticos só de ver uma simples calcinha. Pensei que ter morrido e se tornado um shinigami o transformaria em alguém mais maduro. Criei expectativas demais, eu acho.
— Eu não tive pensamentos eróticos, okay?! Só... não sei, observei. Você não é do tipo que dá para se ignorar...
— Hmph, isso é meio óbvio, não é? Eu sou a mais bela dentre as mulheres da ficção, acho que já mencionei isso.
— Não precisa quebrar a quarta parede para se vangloriar de algo que não é.
— É que gosto de lembrar disso, seu pamonha.
Francamente, ela fez de propósito. Levantou o uniforme do meu lado para me provocar.
Droga, droga, droga.
Meus instintos como shinigami são mais intensos do que como um humano. E também, desde que fui abatido lá no Monte Rebun, não me lembro de ter feito o famoso entra-e-sai-entra-e-sai com alguém.
A situação ali não era uma das mais favoráveis para minha pessoa.
Se eu bem me lembro, eu tinha sentimentos singelos por Yuna Nate.
Em algum momento, eu disse a mim mesmo que a amava.
Não era por isso que eu estava ali, naquele ponto crucial da minha vida?
— Você não precisa ficar calado, seu pamonha. Eu não me senti desconfortável em ter visto minha calcinha, mesmo que com todo esse desejo carnal.
Ela tentou quebrar o gelo, mas sua tentativa não surtiu muito efeito.
Nós estávamos adentrando a floresta que ficava ao lado do Castelo de Bran, e começamos a nos aproximar da parte mais densa daquele emaranhado de árvores. Na escuridão da madrugada, mesmo com nossa visão misticamente aprimorada, ainda era um local não muito fácil para se enxergar. Pelo menos, não para mim. Yuna parecia se sentir muito segura em meio a penumbra da vegetação.
— Você não teve muitas relações com garotas, não é?
— Claro que tive relações com garotas. Meu mestre e eu vivíamos indo à Kabukichou para comemorar no final do mês.
— Não, seu pamonha, não estou falando de prostitutas. Estou falando de garotas.
— Prostitutas são garotas.
— Sim, claro, algumas. Mas estou dizendo sobre garotas que você saiba o nome. Alguém que você realmente conhecesse. Algo como uma namorada.
— Namorada? Bem, eu nunca tive o interesse de namorar com alguém, para ser sincero.
— Não necessariamente uma namorada, seu pamonha. Algo como uma, tipo, uma amiga próxima. Às vezes alguém que sentava no fundo da sua classe e que não se socializava com ninguém até que você viu a calcinha dela no vestiário e usou isso para se aproveitar dela.
— Está descrevendo um roteiro de hentai?!
— Coisas assim acontecem na vida real, seu pamonha.
— Que realidade cruel é essa?!
Eu estava tentando encontrar uma maneira de mudar de assunto, mas não estava conseguindo raciocinar direito diante do jogo de palavras da Assassina de Youkais.
Namorada? Alguém como uma amiga próxima?
Parte do meu cérebro estava entendendo que ela estava se insinuando para mim, mas a outra parte queria encontrar uma forma de escapar das intenções mundanas que afloravam em meu corpo de deus da morte.
Uma batalha entre o racional e o emocional estava sendo travada em minha cabeça.
— Você ainda não me respondeu, seu pamonha.
Deve ser porque não quero continuar nesse assunto...
Droga, o que devo dizer?
Eu já me envolvi com alguém como uma namorada ou uma amiga próxima?
Ah... a resposta é sim.
Claro.
— Eu... fiz sexo com Maça do Éden, quando...
— Entendi.
Ela me interrompeu, afiada como a lâmina da mais perfeita espada. E logo em seguida, ela desviou o olhar de mim, para a floresta. De repente, aquele assunto que parecia ser tão interessante para Yuna, se encerrou em um piscar de olhos.
Será que disse algo que não deveria?
Por que a sensação de querer voltar no tempo estava se sobrepondo a tudo que se passava em minha cabeça?
— Y-Yuna...?
— Nós temos que recuperar Kusanagi, seu pamonha. Não perca o foco com pensamentos idiotas, está bem?
— ......
— Eu perguntei se está bem, não ouviu?
— S-Sim, está bem.
— Tsc...
Com isso, Yuna começou a caminhar mais à frente.
Ela ficou hostil, foi?
Vendo seu longo cabelo como uma cortina de sombras adiante, eu sentia como se estivesse me deparando com um AT Field de Neo Genesis Evangelion. Talvez fosse justamente esse o propósito de andar à minha frente, imagino.
Começou a se tornar complicado acompanhá-la, em um certo momento.
E nós caminhamos por mais alguns minutos até que ela cessou seus passos.
Eu decidi fazer o mesmo, alguns metros atrás.
— Encontrou algo, Yuna?
— ......
— Ei, Yuna?
— Você é um sem noção, não é, seu pamonha? Como você pôde fazer isso? Inacreditável, inacreditável.
Ela se virou para mim.
Sua expressão indicava um tremendo acúmulo de ira transbordando de seu interior.
Eu não conseguia ver se seus olhos estavam avermelhados, mas ela evitava olhar diretamente para mim, e enxugou rapidamente um pouco abaixo de um dos seus globos oculares com sua mão direita.
Não era certeza, talvez eu realmente fosse um sem noção, mas eu acho que a lendária Assassina de Youkais, a lendária Cavaleira de Cristal, a lendária Leoa Laranja, e a lendária mais alguma coisa que talvez eu não saiba, estava começando a liberar lagrimas de seu par de safiras.
E suspeito, com os limites de minha inteligência, que eu seja o culpado por esse raríssimo evento.
— Você é nojento, seu pamonha, e um tarado! Você fez sexo com aquela shinigami, como se atreve!
— E-Eu não tive culpa, ela me beijou...
— Não é desculpa! Não é desculpa! Você disse que sacrificou-se por mim, não foi? E depois foi trepar com a causadora de todo este problema! E ainda por cima ajudou ela!
— Achei que estava bem com isso...
— "Bem", seu pamonha? "Bem com isso"?
— Você precisa entender o meu lado, Yuna. Ela é idêntica a você...
Oh...
Um novo passo errado foi dado no campo minado chamado Yuna Nate. Ela reagiu da pior maneira possível, e digo por experiências passadas. Tomada pela ira, ela bateu o pé no chão e quase que instantaneamente um tapete de gelo foi gerado à sua volta, que correu até sob meus pés, os congelando até a altura do tornozelo.
Eu estava preso, o gelo era extremamente resistente.
E daquele piso gélido sob minha pessoa, lanças no estado sólido da água cresceram de todos os lados apontando diretamente para o meu pescoço, a centímetros de distância dele.
Considerando a resistência do gelo que mantinha meus pés congelados ao solo, eu não gostaria de tentar minha sorte contra o quão afiadas eram as pontas daquelas lanças.
Qualquer movimento brusco seria uma atitude kamikaze da minha parte.
— Era exatamente isso que eu não queria ouvir, seu pamonha!
— ......
Eu engoli em seco.
— Como ousa me comparar com aquela vassala da morte, hein? Eu sou a Assassina de Youkais, seu pamonha. Sou a única que nunca falhou em uma ordem de assassinato. Sou a que mais matou youkais desde a primeira geração... e você me compara...
A temperatura do ambiente estava caindo. Caindo muito.
Se o gelo que já me cercava não terminasse com minha vida de deus da morte, a queda de temperatura acabaria fazendo o serviço.
— Ei, Yuna... vamos resolver isso diplomaticamente, tudo bem? Eu entendo que...
— Você não entende nada, seu pamonha! Não entende! Não sabe o quão difícil foi ignorar o cheiro do seu sangue em minhas mãos durante meses. E eu achei que você iria morrer virgem.
— Como pôde pensar algo tão cruel?!
— Você me decepcionou, seu pamonha. Me traiu. Eu sinto que não merece mais viver.
— Ei, ei, ei! Não seja uma louca de pedra, Yuna! O que irá fa...
— ...?
Até hoje, eu agradeço ao farfalhar das árvores por ter salvo a minha humilde vida. Foi aquele ruído vegetal que retirou totalmente a atenção de Yuna sobre mim e a fez desviar seu olhar para o que estava por vir.
E aquilo veio veloz.
Como o disparo de um revólver, uma criatura humanoide, de detalhes indistinguíveis à primeira vista, surgiu se lançando como uma pantera na direção da Assassina de Youkais.
Tão rápido quanto a investida que estava sofrendo, Yuna reagiu, deslizando seus pés no gelo e virando-se de frente para o ataque. Ela colocou diante de seu peito o antebraço esquerdo, cuja pele estava protegida pelo magico manguito roxo. E a criatura cravou seus dentes sem gentileza em sua proteção braçal.
Mas espere...
Eu sei que comparei a investida da criatura com o ataque feroz e selvagem de uma pantera, mas desde quando a criatura se tornou de fato uma pantera?
Pendurada com as presas pressionando o braço esquerdo de Yuna, uma pantera cinzenta era o que meus olhos observavam em combate.
Eu tinha absoluta certeza de que era uma criatura humanoide, eu juro.
— O que é isso? Desgruda de mim!
Com o felino selvagem ainda atracado ao seu braço, a Assassina de Youkais balançou seu membro canhoto até se virar novamente, deslizando os pés em seu tapete gélido, e mover seu braço com firmeza para lançar aquela pantera cinza contra as árvores mais próximas.
As costas do felino se chocaram com força em um tronco grosso de uma das árvores, mas antes do corpo da pantera se estatelar ao chão sem consciência, ela se transformou, como em um passe de mágica, em uma criatura humanoide.
Algo como um homem, magro, nu.
Ele caiu com ambos os pés no chão, em ótimo equilíbrio.
Seu rosto era a primeira coisa que se destacava em seu corpo. Era algo como um vampiro, ao mesmo tempo como um goblin. Orelhas pontudas, olhos pequenos, mas nariz magro e fundo. Caninos bastante salientes. Queixo pequeno. No tórax e ombros, uma pelagem grossa, como se fosse um lobisomem. Um anêmico lobisomem. E o mesmo tipo de pelagem se apresentava nas canelas e calcanhares.
Quem é esse Pokémon? Foi o que se passou por minha cabeça.
— Hmph, eu não imaginei que aquele pamonha estivesse falando sério sobre a criatura mitológica. Para ser sincera, eu estava esperando algo mais inofensivo.
— Você tem ideia do que é isso, Yuna?
— É claro que tenho, seu pamonha. Embora não seja todo dia que eu vejo um Strigoi, eu sempre reconheço um Strigoi quando vejo um.
Strigoi?
Eu já ouvi falar sobre essa criatura.
Meu mestre, sempre meu mestre, certa vez comentou sobre essa monstruosidade do folclore romeno. Era uma espécie de morto-vivo, um zumbi mutante, se é que posso colocar dessa maneira. A criatura era muitas vezes confundida com um vampiro ou com um lobisomem, e tinha a capacidade de se transformar em vários animais, mas mantendo sua força e velocidade original.
Foi algo mais ou menos assim que meu mestre comentou.
E, vendo um ao vivo e em cores, eu não podia dizer que meu mestre estava enganado. O Strigoi era praticamente como ele descreveu.
— Imagino que você seja a criatura que roubou Kusanagi do cara que mora naquele castelo, não é? Se você nos entregar a espada, prometo que daremos meia-volta e o deixaremos em paz no seu habitat. Vamos, onde você escondeu?
— Gyah... gyah...
— Hmm, esse aí não fala. Deve ser selvagem.
"Deve ser selvagem"?
Yuna não estava entendo a situação por ali?
Quando me dei conta, o gelo que prendia meus pés se desfez em neve, assim como as lanças que apontavam de todos os lados para o meu pescoço.
Eu estava livre para agir.
Talvez Yuna quisesse minha companhia no embate, como nos velhos tempos.
— Fique atrás de mim, seu pamonha, não se descuide.
Bem, não era exatamente essa a parte de "como nos velhos tempos" que eu gostaria de recriar ali. Mas o que eu poderia dizer? Eu não estava ali para contrariar Yuna Nate.
— Gyaaaaah!
E a paciência do Strigoi acabou.
Precavida quanto a isso, Yuna tomou sua posição de combate. Novamente deslizando os pés no gelo para se posicionar, a Assassina de Youkais cerrou os punhos em sua pose de karatê, estilo shotokan.
— Atenção, seu pamonha. Aí vem ele.
E ele realmente veio. Disparando a todo vapor na direção de Yuna, a criatura dessa vez não se transformou. Preferiu permanecer humanoide, por algum motivo desconhecido. Correndo, o monstro cinzento não era tão veloz quanto quando se impulsionou contra a Assassina de Youkais, mesmo que ainda fosse bastante rápido.
Do outro lado do ataque voraz da criatura, Yuna permaneceu tranquila e infalível. Silenciosa como a floresta onde batalhava. O Strigoi invadiu sua zona de conforto, ficando cara a cara com nossa querida assassina sobrenatural. Ele moveu seu braço direito, as unhas de suas mãos cresceram no mesmo momento. O golpe foi diagonal, preciso, mas desequilibrado, como o de um verdadeiro animal selvagem. E a isso, Yuna mal se deu o trabalho de se defender com seu manguito como da vez anterior. Ela simplesmente deu um passo para trás, distanciando-se o suficiente para não ser tocada pela monstruosidade.
Assim que seu passo se completou, o restante de seu corpo já estava se preparando para o contragolpe. O punho direito se fechou com maior firmeza, como se a união de seus cinco dedos quisesse se transformar em uma rocha. Seu braço enrijeceu com seus músculos aquecidos para o ataque.
Definitivamente, Yuna estava em outro patamar.
Seu plano era impedir seu adversário de planejar. Deixá-lo sem saída e aniquilá-lo era a base de sua estratégia. Cortá-lo pela raiz era o objetivo.
A criatura era rápida, eu mencionei isso. Mesmo com seu golpe desequilibrado, ela acompanhou a reação de Yuna e assim que notou sua intenção, tentou se mover para se safar de seu destino infeliz.
Contudo, ela não conseguiu.
Ela não foi capaz.
O Strigoi havia adentrado a zona de conforto da Assassina de Youkais. Em outras palavras, ele foi obrigado a pisar no tapete de gelo que a rodeava em círculo. Yuna limitou seus movimentos e opções com a camada de gelo que envolveu os pés da criatura mitológica, e isso era o suficiente para acabar com o combate em poucos movimentos.
Todavia...
O combate não se encerrou.
O punho de Yuna foi disparado em um soco frio, seco, sem nenhuma gentileza ou sentimentos benevolentes nele. Não seria exagero dizer que aquele soco atravessaria o plexo solar da criatura e sairia pelas suas costas magras. Uma brutalidade ocasional para acabar de vez com os três possíveis rounds em apenas um movimento.
Porém, o Strigoi se safou.
O golpe de Yuna somente acertou o vácuo, e a pressão de seu movimento gerou uma ventania para frente que destroçou o tronco da árvore adiante.
Ao chão, no local onde os pés da criatura se encontravam, o gelo estava quebrado.
Como a criatura escapou daquilo?
Acredite, mal chegou a ser algo engenhoso.
O Strigoi se transformou em uma águia enquanto o punho de Yuna percorria o pequeno espaço até seu corpo anêmico. E a ave cinzenta alçou voo, se esquivando do golpe derradeiro da Assassina de Youkais.
Logo depois que chegou a uma altitude segura, ela desceu, sem nenhuma hesitação, em ataque contra minha pessoa. E, no meio de sua queda meteórica, a águia voltou a ser o Strigoi, que caia em uma voadora com os dois pés em minha direção.
Embora eu tivesse a agilidade para me safar daquele golpe direto, aquela floresta era muito escura em alguns pontos, o que não me deixou familiarizado o suficiente com o terreno para me arriscar em um movimento acrobático que poderia acabar me colocando em xeque. A única coisa que pude fazer foi me defender à base da boa e velha força bruta.
Ou, no meu caso, a força mística.
Eu juntei minhas mãos como se fosse a boca de um dragão e apontei contra a criatura que descia meteórica contra mim. Um escudo de energia laranja se formou diante de mim para minha proteção e cumpriu bem com seu propósito. Os pés cinzas e magros do Strigoi colidiram com minha defesa alaranjada e nem sequer abalaram sua estrutura mágica.
A criatura estava de volta ao solo firme, mas agora seu adversário parecia ser eu.
Rapidamente, eu desfiz meu escudo de chi e comecei a fazer os movimentos para evocar as Auréolas de Midas em meus pulsos. Contudo, a voracidade e selvageria daquela criatura mitológica impediam a monstruosidade de raciocinar sobre boas maneiras e condutas antidesportivas. O Strigoi se agarrou a mim com um abraço na altura do meu abdômen e cravou seus dentes em meu peito.
Com a tremenda força de suas pernas, o monstro começou a me carregar agarrando-me pelo abdômen para mais ao fundo da floresta.
Gradativamente, o corpo de Yuna foi se distanciando de meu campo de visão.
Por que ela continuava parada lá, afinal?
Seria uma forma de me repreender sobre o que revelei para ela?
Um castigo por ter me envolvido sexualmente com Maçã do Éden?
Eu não sabia dizer naquele momento. Minha mente estava preocupada demais com outra questão: para onde o Strigoi estava me levando?
Nós nos aprofundamos de fato na floreta, chegando a um local onde a luz lunar chegava com dificuldade. O pouco da iluminação vinha de número muito grande de vagalumes que rodeavam as partes mais altas daquelas árvores. Era com uma luz purpura que os insetos nos regavam naquela escuridão.
Ao chegarmos nesse ponto, a criatura que mordia meu peito libertou suas presas de minha carne de deus da morte e me jogou para o lado como se eu fosse um saco de lixo.
Eu caí de costas no solo.
— Tsc...
Aquela criatura mitológica havia me deixado irritado. Assim, mesmo estatelado no chão, eu bati meus pulsos duas vezes para evocar as Auréolas de Midas, no entanto...
Nada aconteceu.
E não era algo como se eu estivesse conjurando a técnica de maneira errada. Os movimentos estavam gravados à ferro em minha memória muscular.
O que aparentava estar acontecendo naquele momento... era que eu estava sem chi o suficiente para fazê-lo.
Mas, eu só havia conjurado um escudo, o gasto de energia é ínfimo, ainda mais sendo um shinigami, que tende a economizar chi por conta de algumas funções especiais de minha atual raça.
Aonde estava minha energia?!
Eu tentei me colocar de pé, mas meu corpo não estava respondendo corretamente. Ele estava cansado e pesado.
O que estava ocorrendo?
Eu olhei para o meu peito e notei que a ferida deixada pelos dentes da criatura não havia se regenerado.
Espere... só pode ter sido isso.
O Strigoi... drena energia com suas presas.
Por isso os caninos salientes como os de um vampiro.
Aquela monstruosidade era confundida com vampiros, afinal.
— Tsc... tsc...
Mas o que eu vou fazer, agora? Não consigo me levantar e não consigo utilizar meu chi. Nessas circunstancias, é uma questão de tempo para que essa criatura...
— ......
O que é aquilo?
Olhando ao redor, na base de uma grandiosa árvore, havia uma fissura em forma de concha quase como uma cova rasa. Ou exatamente como uma cova rasa. E nessa cova, se apresentando apenas pela metade, uma espada.
Uma longa katana prateada.
Só poderia ser o que estávamos à procura, não é mesmo?
A lendária lâmina Kusanagi.
— Gyaaaaah!
Droga, o Strigoi parecia estar com fome. Ele começou a caminhar em minha direção. Ao mesmo tempo, eu comecei a utilizar tudo o que me restava de energia para me rastejar na direção da espada.
Não estava dando muito certo, meus músculos pareciam não ter força nenhuma.
Um bebe engatinhando chegaria mais rápido do que eu.
E foi aí, pela segunda vez desde que recobrei minha verdadeira consciência, que as cortinas se abriram para a estrela entrar em cena. Como na última ocasião, novamente caindo do céu. Yuna Nate, a Assassina de Youkais, aterrissou pesadamente entre mim e a criatura mitológica.
O solo trincou sob seus tênis de basquete. Diante de meus olhos, os longos cabelos negros de Yuna eram puxados pela gravidade para cobrir seu nome e o número 24 nas costas de seu uniforme amarelo.
A presença daquela assassina sobrenatural era impactante.
O Strigoi não só cessou seus passos com a chegada dela como hesitou em continuar avançando.
Existia um certo peso em encarar a Assassina de Youkais, e a criatura estava sentindo isso.
— Tudo tranquilo, seu pamonha?
— Não... dreno de energia... Kusanagi logo ali...
— Hmm, logo ali, é? Então, você a achou, bom trabalho. Irá ganhar um biscoito quando tudo isso acabar. E não se preocupe quanto ao dreno de energia, eu vim preparada para acabar com isto assim que encontrasse a espada.
Deixando de lado seu comentário sobre me dar um biscoito quando tudo estivesse resolvido, o que exatamente ela estava querendo dizer com "acabar com isto"? O Strigoi realmente não parecia ser um adversário realmente muito fácil. Nós estávamos tendo um pouco de dificuldade até aquele momento. A monstruosidade parecia indomável.
Entretanto...
Meus pensamentos estavam prestes a mudar, e eu mal desconfiava.
Entre mim e a criatura, Yuna ajeitou sua postura. Ela olhava diretamente para os olhos fundos do Strigoi. A tenção no ar era inegável.
Estaria o monstro com medo de Yuna?
Talvez, sim.
No início, eu não consegui reparar ou sentir nenhuma mudança na Assassina de Youkais. Mas, instantes depois, meus olhos notaram uma pequena primeira diferença, que acabaria fazendo toda a diferença. Afinal, aquela tatuagem em sua panturrilha direita já estava ali? Era algum novo kanji que eu desconhecia?
O que era aquilo?
Subitamente, aquela tatuagem marcando sua pele alva começou a desaparecer, como se estivesse sendo absorvida por sua carne.
E então, uma transformação. Surgindo esfumaçada em volta do corpo de Yuna, uma aura negra começou a alterar as suas vestes. Iniciando do pé, em seus tênis de basquete brancos que se transformaram em pretos, como se mergulhados em um poço de graxa. Depois seu uniforme, amarelo como ouro, tomado por essa mesma aura, também foi tingido de negro, cobrindo aos números e nomes na regata, e se tornando um traje feito de sombras. O manguito em seu braço esquerdo não foi nenhuma exceção à regra, ele se tornou escuro como o resto das outras peças. E, acreditem ou não, o famigerado gorro cinza de Yuna Nate, foi contaminado ao final. Um gorro negro é o que cobria as orelhas de lobo em sua cabeça.
Além disso, não satisfeita com o sentimento de estranheza que já causara, seu longo cabelo negro tornou-se o seu total oposto, uma cortina de intermináveis longos fios brancos como a neve.
Por algum motivo, a criatura mitológica deu um passo incompleto para trás, diante daquela nova versão da lendária Assassina de Youkais.
E eu confesso, se estivesse em plenas condições naquele momento, eu provavelmente faria o mesmo.
— O que achou, seu pamonha? Isso não lhe desperta nenhum desejo sórdido, hein?
Yuna me olhou rapidamente pelo ombro ao dizer isso, e seus olhos, que sempre foram azul-escuros como um par de safiras pregados em seu rostinho angelical, agora eram cor de rosa ou rosê. Não observei tão precisamente para distinguir o tom com precisão. De todo modo, a mudança era chocante.
E graças ao dreno de energia que sofri, poucas eram minhas forças para responder alguma coisa sobre aquilo.
Sendo assim, Yuna voltou a encarar o Strigoi.
A criatura estava paralisada em uma mistura de coragem e medo, metros à frente da Assassina de Youkais.
— G-Gyaaaah!
O urro selvagem foi ineficaz em vários níveis contra Yuna Nate.
— Eu reconheço sua força e habilidades, criatura, e não digo isso da boca para fora. Você é um monstrinho astuto, confesso. No entanto, desde o princípio minha intenção nunca foi lhe matar. Afinal, demoraria muito mais para encontrarmos a espada que roubou com você morto. Seus métodos selvagens e arcaicos de caça o fizeram revelar seu esconderijo nesta floresta. Primeiro, você deixou seu odor em mim quando mordeu meu braço protegido na forma de uma pantera. Segundo, você trouxe uma presa viva para dentro de seu covil. Enquanto você fugia com meu shinigami, por que acha que fiquei parada no mesmo lugar? E também, por que acha que não o acertei com aquele soco que desferi?
— ......
— Minha intenção sempre foi afugentar você, deixando bem claro nossas diferenças de força, para que você me levasse ao local mais provável em que a lendária lâmina Kusanagi poderia estar. Mas não me leve a mal, seu pamonha. Ultimamente, eu não estou com muito tempo a perder.
Eis que a coragem de Strigoi se sobrepôs contra seu medo. Sua perna para trás por conta de seu passo incompleto voltou a se alinhar com a outra. As garras da criatura se mostraram ainda mais afiadas e suas presas vampíricas foram expostas com uma espécie de rosnado furioso.
— Gyaaaaaah!
— Hmph.
Ao que a monstruosidade moveu seu pé para iniciar seu ataque, Yuna simplesmente estreitou seus olhos. E isso foi o suficiente para conter a atitude do Strigoi. Assim como Yuna podia manifestar seus poderes de gelo unicamente com seu olhar, naquela forma, ela conseguia manifestar mana com a mesma facilidade.
Com aquele olhar na direção da criatura mitológica, três impactos como socos firmes amaçaram a pele e carne do Strigoi, cancelando sua investida antes mesmo de que ela começasse.
Foi algo tão rápido que, embora Yuna estivesse imóvel no mesmo local, parecia que ela havia se movido até a criatura, o golpeado com firmeza e retornado para o mesmo ponto em que se encontrava. Tudo isso dentro do insignificante período de tempo de um piscar de olhos. Algo mais rápido que o som, bem próximo da velocidade da luz, talvez.
No segundo seguinte ao que a Assassina de Youkais nos mostrou um pouco de sua força naquela forma, enquanto o Strigoi cambaleava por conta dos golpes que sofreu, Yuna realizou um segundo ataque. Um ataque físico.
Em um movimento súbito, ela disparou contra a criatura cinzenta que se assustou com seu surgimento fantasmagórico à sua frente. Tão rápido quanto sua movimentação de um ponto ao outro, seus braços foram para cima de ambos os ombros do Strigoi e suas mãos se entrelaçaram na nuca da monstruosidade. Era um movimento de muay thai, a arte marcial tailandesa. Yuna puxou com as mãos a cabeça da criatura para baixo, fazendo seu tronco inclinar. Ao mesmo tempo e em harmonia, ela desferiu uma joelhada diretamente contra o rosto indefeso do monstro. Esse movimento foi repetido por mais duas vezes, até que o Strigoi foi liberto pelas mãos da mais temida Assassina de Youkais.
Sua face estava amassada e sangrando, era irreconhecível.
A criatura cambaleou para trás, e começou a olhar desnorteada de um lado para o outro.
— Não adianta, seu pamonha. Não conseguirá se transformar. No meu primeiro ataque, eu não só o golpeei com os impulsos mágicos, eu também congelei três pontos vitais de seus canais de mana, por isso não conseguirá se regenerar. E sem que a magia corra por todo seu corpo, você também não poderá alterar sua forma. É assim que funcionam as técnicas de metamorfose.
— ......
— E aí, o que é que vai ser? Fugirá e me deixará apanhar Kusanagi, ou ficará para morrer? Não devem haver muitos da sua espécie, não é?
— ......!
A decisão do Strigoi foi tomada. Como uma orgulhosa criatura famigerada do folclore romeno, ele não poderia dar as costas e fugir com o rabo entre as pernas em seu próprio território. Para esses seres sobrenaturais, esse tipo de atitude era mais humilhante e desonrosa do que para os seres humanos, que naturalmente têm como fugir uma das armas mais queridas.
A maioria dos humanos correm diante de coisas que não podem lidar, é uma decisão racional.
Mas a ira de Strigoi não o permitiu raciocinar.
No primeiro passo, ele estava seguro. Ainda poderia hesitar por sua vida.
No segundo, não. Era o ponto sem retorno.
Do solo à sua volta, lanças de gelo cresceram sem gentileza nenhuma e atravessaram o corpo da criatura com brutalidade. Seis lanças no estado sólido da água a perfuraram em pontos letais de um corpo humanoide.
Em seus últimos segundos de vida, Strigoi mantinha seu punho cerrado em um soco armado na direção de Yuna.
Por fim, sua consciência se foi.
Então, era isso que ela quis dizer com "eu sou alguém capaz de contaminar minha alma", é? Aquela forma monocromática da Assassina de Youkais emanava uma aura escura e espalhava uma energia pesada e negativa.
É esse o tipo de pessoa que a lendária lâmina Kusanagi permite que a utilize?
Algo próximo de um demônio?
— Espero que já tenha se recuperado, seu pamonha.
— Hã? E-Eu...
— Não temos muito tempo. Esta minha forma é limitada.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro