•005
Depois da minha conversa esclarecedora com o terapeuta, fui até meu quarto arrumar minhas coisas. Não que eu tivesse muito, inclusive tudo coube em uma mala pequena.
Eram apenas alguns conjuntos de roupas e objetos pessoais no qual tinha ganhado aqui. A única coisa que eu ainda tinha de antes do orfanato são três fotos, uma minha sozinha com três anos vestida de abelhinha, lembro que antes do meu avô começar a me agredir minha avó amava costurar fantasias para mim. Tinha uma foto com meus avós, devia estar nos meus primeiros meses, e uma da minha mãe, no momento em que nasci.
Olho aquelas fotos com uma aperto no coração, eram momentos que eu não me lembrava mas no qual passavam felicidade. Pensei como seria se meus avós fossem bons comigo, como seria se minha mãe me quisesse, ou meu pai soubesse de mim mais cedo. Seria feliz?
Durante esse tempo em que arrumava minhas coisas, algumas meninas vinham se despedir de mim, inclusive minha colega de quarto, que me abraçou e saiu correndo com os olhos cheios de lágrimas dizendo que é péssima com despedidas. As meninas mais novas que eu costumava ficar no almoço fizeram uma linda cartinha pra mim. Me senti acolhida e é claro triste por ter que partir assim, para um lugar onde não sei se vou ter apoio e carinho.
Antes de fechar a mala lembro de colocar os meus remédios ali. Tirando as vitaminas todos eram controlados, ainda não tinha me acostumado com tantos remédios e um deles me dava fortes enjoos.
Quando terminei já eram quase cinco horas e eu decidi tomar um banho e tirar o uniforme do orfanato, que consistia em vestido reto azul claro no qual ia até os joelhos.
-Kelly?
Me viro para a voz que me chama e vejo Angela coçando a nuca. Parecia sem graça.
-Fiquei sabendo que vai embora ainda hoje.- diz brincando com os próprios dedos.
Não fazia o estilo da Angela agir assim, era até engraçado.
-Sim, parece que meu pai quer ficar comigo.- digo como quem não quer nada, mas só Deus sabe que meu coração estava sendo esmagado.
-Você está bem com isso? Tipo, você quase surtou naquele dia…
-Sobre isso me desculpe, e obrigado por ser paciente comigo.- agradeço entre um sorriso.
-Não tem que agradecer ... .- suspira como se estivesse tomando coragem.- o Dr. Hazel disse que eu deveria ser mais aberta com meus sentimentos, então, Kelly, queria dizer que gosto de você! Não poderia deixar você ir sem que dissesse isso.
Perco as palavras por um segundo, não esperava que ela fosse se declarar diretamente para mim, me senti pressionada e culpada, não queria partir o coração da garota.
Sem pensar muito, eu a abraço.
-Sinto muito por não poder corresponder esse sentimento Angela.- digo baixo, queria que soasse carinhoso para ela.- Você é uma menina incrível e apaixonante, vai achar alguém que te valorize do jeito que merece.
Sinto seus braços devolverem o abraço e sua cabeça se apoiar no meu ombro.
-Obrigada por não desdenhar dos meus sentimentos e por não querer me machucar.- ela diz de maneira emocionada, imagino o quanto seu coração foi partido para chegar a esse ponto.- agora vou deixar você se aprontar. Diz se separando do abraço.- espero não te ver de novo.
-Vamos torcer para isso.- digo com humor fazendo com que ela risse antes de sair do quarto.
Quando vemos uma colega do orfanato novamente, muito provavelmente ela foi devolvida, e isso é a pior coisa que se pode desejar para um órfão, então sempre que alguém está prestes a sair dizemos que esperamos nunca mais vê-las de novo.
Tomo um banho rápido, e visto uma calça jeans com um moletom rosa, uma das poucas peças de roupas que tenho. No bolso da jeans coloco a pequena quantia de dinheiro que ganhei no meu aniversário, dona Solange me deu dizendo que era para eu sair e comprar algo que gostasse, mas sair estava difícil, só de pensar em sair do lado de fora me dava ansiedade.
Fico um tempo sentada, apenas esperando alguém vir me chamar, começo a torcer para que alguém venha e diga que meu progenitor mudou de ideia. Mas aconteceu exatamente o contrário quando Solange veio até mim.
-Pronta querida?- sorri.
-Não o bastante dona Solange.- suspiro alto me deixando ser guiada pelos corredores até o elevador.
-Vai ficar tudo bem querida, mantenha sempre um sorriso e cabeça erguida, sim?- aconselha com seu típico sorriso e eu concordo com um aceno.
Às vezes me pergunto o que eu preciso fazer pra ser tão sorridente assim.
O elevador pára no térreo, Solange com a sua costumeira áurea de alegria me para antes que eu me direcione ao corredor que dá para a saída do orfanato. Suas mãos vão em direção ao meu cabelo rebelde, tentando o colocar no lugar.
-Lembra do que eu disse?
-Manter sempre um sorriso e cabeça erguida?- respondo levantando os braços para ela verificar minha roupa.
-Isso mesmo!-sorri de maneira orgulhosa e termina de me ajeitar.- você consegue Kelly.- diz me dando um beijo na testa.- e lembre-se das pomadas nos pulsos, até cicatrizar completamente, sim?
-Sim senhora. Obrigada por tudo Solange.
-Sempre aqui para as minhas garotas, querida.- diz com um sorriso emocionado.- é tão emocionante ver vocês partirem, todas rumo a uma nova vida, com uma família.- declara secando algumas lágrimas.- vocês merecem tanto. Seja feliz querida.
Sorri emocionada com a fala dela e a abraço antes de me virar para o corredor no qual me levaria para uma nova fase da minha vida.
De frente a porta da saída a diretora e o Dr. Hazel, conversam com uma mulher alta e ruiva, impossível não saber quem ela é, estava em todos os noticiários um tempo atrás, Virgínia "Pepper" Potts, a incrível noiva do incrível Tony Stark, que por sinal não se encontrava no local.
-Kelly!- a diretora Geórgia exclama assim que me percebe.
Todos viram seus olhares para mim e imediatamente um sorriso enorme surge no rosto da senhorita Potts. Também tento meu melhor sorriso, assim como Solange disse.
-É um prazer, Kelly.- diz estendendo sua mão para mim.- Pepper Potts.
Educadamente aceito o aperto de mão.
-É um prazer, senhorita Potts.
-Apenas Pepper, por favor.- diz gentilmente tirando a mala da minha mão.- Pronta?
Seu tom é gentil e seu sorriso é animado, impossível não se contagiar mesmo que eu esteja nervosa. Aceno positivamente para a pergunta dela que abre ainda mais o sorriso, se é que é possível. Ela animadamente me guia até o lado de fora.
-Algum problema, querida?- ela questiona ao ver que eu não passei junto com ela pela porta.
Com certeza eu tinha uma expressão assustada na hora, porque seu sorriso se desmanchava em uma careta de preocupação. Antes que eu abrisse a boca para tentar me explicar sinto mãos grandes segurarem carinhosamente a minha.
-Tudo bem Kelly, um passo de cada vez.- o doutor Hazel diz dando seu primeiro passo para fora fazendo com que eu o siga.
Imediatamente a briza fresca atinge meu rosto, não evito respirar fundo, faz tempo que não respiro a brisa de um lugar aberto. Já era tarde, o sol tinha acabado de se pôr, fazendo o céu ficar em um tom meia luz azulado.
Fui guiada pela mão até Pepper que aguardava ao lado do carro, sua expressão ainda exalava preocupação, me senti imediatamente culpada por isso. A diretora nos acompanhava calada, analisando a situação.
-Tudo bem?- Pepper perguntou colocando as mãos em meus ombros, quase se abaixando para ficar da minha altura.
Sua pergunta preocupada me fez ficar sem graça, abaixei a cabeça sem saber ao certo o que dizer. As mãos grandes do meu terapeuta que ainda cobriam a minha deixa um aperto suave ali, um sinal silencioso para que eu agisse.
-Tudo bem… é que..- instintivamente olho o dr. Hazel que faz um sinal para que eu continue.- É difícil para mim, sabe, sair na rua.- digo sem de fato encarar a mulher.
Sinto longos dedos finos levantar meu queixo, e encontro um sorriso compreensivo nos lábios de Pepper, que aqueceu meu coração.
-Eu entendi você.- diz gentilmente, tento segurar as lágrimas emocionadas que se formaram nos meus olhos. Ninguém tinha dito isso pra mim.- não se preocupe logo estaremos em casa.
Na sua casa. Completo mentalmente, mas me recuso a dizer isso para a mulher que nem me conhece direito e já me acolheu.
-Esse é Happy.- Pepper apresenta o homem que estava pegando minha mala para por no porta malas. O mesmo apenas me comprimento com um aceno que é prontamente devolvido.
-Bem, não vamos mais deter vocês.- a diretora diz olhando especificamente minhas mãos agarrando firmemente o terapeuta.- Está ficando tarde, hora de ir Kelly.
-Está certo.- Hazel concorda, mas antes de soltar minha mão ele entrega uma caixa embrulhada que nem percebi que estava segurando.- Cléo me pediu para que te entregasse, ela é péssima com despedidas e pediu desculpas por não estar aqui.
Agarrei a caixa firmemente, a usando como substituta de sua mão como um apoio diante da pressão que sentia. Noto um pequeno post-it no qual tinha escrito "Espero não te ver de novo. Mas espero não perder contato." Embaixo disso tenha um número de telefone e vários corações desenhados em volta.
-Fique bem Kelly, foi um prazer ter acompanhado você até o começo da sua nova jornada.- Geórgia me dá um curto abraço e se despede entrando de volta no orfanato. Me pergunto se esse discurso é decorado.
-Nos vemos na quinta.- doutor Hazel me lembra e dá tapinhas leves no meu ombro.
Por alguns segundos fico encarando eles voltarem para dentro do prédio onde passei seis anos da minha vida, eu desejava desesperadamente voltar para o conforto, mas a mão de pepper em meu ombro me tira dos meus pensamentos.
-Vamos?- diz abrindo a porta para mim. Happy estava no lugar do motorista só esperando a gente entrar.
Entrei no carro e Pepper fecha a porta dando a volta para o outro lado. O banco era extremamente confortável e eu acho que nunca teria a oportunidade de andar em um carro desses, olhando em volta notei os olhos de Happy em mim através do retrovisor.
Completamente desconcertada aperto a caixa em meu colo, me dando conta de que estou em um carro com estranhos. Fecho os olhos tentando controlar minha respiração que estava começando a ficar desregulada, não queria surtar aqui, não podia surtar aqui.
Sinto o carro dando partida, isso piora a minha situação, abri os olhos não vendo mais o orfanato através da janela, imediatamente começo a hiperventilar.
-Kelly, precisa se acalmar.- Pepper pega as minhas mãos.- respira comigo, um, dois…
A cada número era uma respiração profunda. E assim ficamos até o número 15, onde inspirei e expirei tão profundamente que cheguei a ficar tonta.
-Olha pela janela querida, e me diga o que vê.- pede secando algumas lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
Sabia que esse era um método de distração, mesmo assim fiz o que ela pediu sem questionar.
-Um homem andando de bicicleta.- Minha voz é baixa.
-O que mais?- incentiva.
-Uma loja de eletrônicos, uma moça passeando com o cachorro, um pet shop.- vou listando enquanto recebo murmúrios positivos de Pepper como incentivo.- um salão, um restaurante e…- para por um instante apenas para ter certeza do que estou vendo.- e o mar.- digo sorrindo enquanto o admirava.- eu nunca tinha visto o mar antes.- comento ainda sorridente.
Mesmo estando de noite eu o via claramente, suas ondas calmas que iam e vinham de uma forma hipnótica.
-Sério? Esse tempo na Califórnia, e nunca viu o mar?- me pergunta surpresa.
-Sair é realmente muito difícil pra mim. Nunca ninguém insistiu que eu fosse também, então…- digo dando de ombros.
-Está aí um bom passeio em família, o que acha, eu, você e seu pai?- pergunta de maneira animada.
Ela usou o termo família, o que me deixou bastante desconcertada, eu ainda não os via como família, mas não iria magoar a mulher que sustentava um sorriso mais radiante do que o sol, então apenas acenei positivamente para a sua pergunta, e resolvi fazer a pergunta que estava entalada na minha garganta.
-Porque o Tony não veio?
Seu sorriso animado dá uma fraquejada, percebo que até o motorista ficou um pouco desconfortável.
-Ele estava muito ocupado hoje, querida, mas eu juro que ele queria te conhecer.
Dou de ombros pra sua resposta nada convincente. Quando o Dr. Hazel falou que eu tinha que tentar, imaginei que Tony tentaria também. Agora estou indo para a casa do meu progenitor, no qual não quer me conhecer e tenho quase certeza que só quis ficar comigo por conta de Pepper.
O medo se faz presente novamente ao surgir a imagem do meu avô na minha mente, volto a apertar a caixa misteriosa que Cléo me deu de presente, de repente as palavras dela e do Dr. Hazel, vinham na mente. Eu tinha que enfrentar meus medos, e isso era uma tarefa na qual infelizmente teria que fazer sozinha, felizmente não é como se Tony fosse me bater só por tentar me aproximar dele.
Não faço questão de puxar mais assunto com Pepper, então o restante da viagem é silencioso. Mas ela percebe minha mente longe, e quando ela volta a segurar a minha mão em sinal de conforto relaxo um pouco.
Não demora muito e as casas começam a ficar bem maiores e mais afastadas umas das outras, parece que o carro sobe uma pequena colina até finalmente parar.
-Chegamos.- o motorista alerta.
Olho Pepper que já estava descendo do carro e sigo seu exemplo.
-Uau.- não seguro a exclamação ao ver a mansão enorme na beira de um precipício.
Ouço um pequeno riso de Pepper e logo ela brota do meu lado segurando minha mala.
-Espera só até ver seu quarto.- diz empolgada acenando para que eu a siga.
Ao adentrarmos a casa fiquei ainda mais impressionada, nunca na minha vida pensei que entraria em um lugar assim.
-Temos duas empregadas, pode acabar trombando com elas.- explica quanto me guia pela casa.- Alguns lugares da casa precisam de senha.- me entrega um papel dobrado, guardo no bolso.- e Jarvis pode te mostrar o caminho para algum local da casa se não souber onde fica.- diz me levando para o segundo andar.
-Quem é Jarvis?
-Jarvis! Se apresente.
"É um prazer senhorita Torres, sou Jarvis e estou aqui para auxiliá-la e servi-la no que for necessário."
O som ecoa por todos os lados e isso me causa um tremendo sorriso de excitação.
-Uma IA!? Eu nunca achei que fosse ver uma pessoalmente!
Pepper sorri diante da minha animação.
-Ele tem acesso a todos os cantos da casa, mesmo assim, não exite em falar comigo sobre qualquer coisa, ok?- para de frente a uma porta grande.
-Ok.- respondo encarando a porta.
-Esse é seu quarto, e aquele quarto é meu e do tony.- explicar apontando para uma porta do outro lado do corredor, perto o suficiente para possíveis imprevistos e longe o suficiente para não haver problemas com privacidade .- Bem, entre! Estou ansiosa para ver sua reação, eu mesma decorei seu quarto.
Impossível não sorrir com sua empolgação, mesmo se não tivesse do meu gosto, eu agiria como se fosse a coisa mais bonita que eu tinha visto na vida.
Apesar de ser grande, a porta era leve. Meu coração acelera um pouco, ter um quarto aqui significa que eu moro aqui, é como se a ficha tivesse caído. Ignorando meus pensamentos intrusivos entro no quarto sem mais delongas. E obviamente fico sem palavras.
O quarto era enorme, e a cama em si conseguia ser quase maior do que meu dormitório no orfanato. As paredes eram pintadas com um degradê roxo, o chão todo era um carpete lilás bem clarinho, tinha uma tv de frente para a cama, em um canto do quarto tinha uma mesa de estudos grande onde continha um notebook novinho e do lado um celular de última geração no outro canto do quarto tinha duas poltronas roxas viradas para uma mesinha pequena, parecia muito um cantinho do chá. Uma das paredes era de vidro, e a paisagem era nada mais nada menos do que o mar. Tinha duas portas que ligavam meu quarto a outros cômodos que eu já fazia uma ideia do que era.
-E então?- ela pergunta após deixar eu analisar o quarto por alguns segundos.
-Eu adoro roxo.- um sorriso se abre em seu rosto pela minha resposta.- está tudo muito lindo, eu amei Pepper, obrigada.
-Não tem o que agradecer meu bem. Vou deixar você se acomodar, daqui a pouco te chamo para o jantar.- falou se dirigindo a saída e deixando minha mala ao lado da porta.
Sozinha no quarto, deixo o peso do que estava vivendo sair em lágrimas silenciosas. Até agora eu estava sendo muito bem tratada, então porque essa sensação de que algo vai dar ruim não sai de mim?
A sensação de tristeza começa a pesar, então então me jogo na cama que afunda imediatamente com meu peso. Tão macia e confortável… que ódio.
Olho em volta novamente. O quarto é lindo, mas saber que nunca viveria isso se o Stark não tivesse me descoberto deixa uma sensação no meu peito, uma sensação de que esse não era o meu lugar. Chega a ser errado desejar voltar pro orfanato, tantas meninas querendo estar no meu lugar, enquanto eu só queria voltar para lá, deitar no meu colchão velho e duro, e toda noite ter que sofrer com os roncos da Cléo. Mas o que me resta agora é aceitar que minha vida é essa, já que não posso mudar isso.
Lembrar da Cléo me fez lembrar do presente que ela pediu para o Dr. Hazel me entregar. Pego a caixa e tiro o post-it com cuidado e o coloco no criado mudo ao lado da cama, querendo ou não era uma das minhas únicas lembranças que tinha do orfanato. Tiro a embalagem e logo a imagem da viúva negra vem ao lado da marca da caixa de chocolates.
Um sorriso sincero surgiu no meu rosto e sequei as lágrimas insistentes.
Abro a caixa e pego um bombom, e assim que o chocolate atinge minha língua, quase derreto. Antes de terminar o doce deixo a caixa ao lado do post-it, para que eu não comesse a caixa toda.
Agora renovada pelo chocolate, pego minha mala para arrumar minhas coisas antes que fosse chamada para o jantar.
Abro a primeira porta que era ligada ao meu quarto e acerto em cheio no closet, ele era enorme as duas paredes eram feitas de gavetas e suporte para roupas com cabides, no fundo do closet tinha uma penteadeira com um espelho com luzes dando um ar de camarim, o chão era todo feito de tapete felpudo branco. Tão exagerando e lindo.
Começo a guardar minhas coisas e acabei por ocupar apenas alguns cabides e nem metade de uma gaveta, chego na parte onde tinha suporte para colocar sapatos e não consigo segurar a risada de escárnio ao colocar apenas meus três pares de sapato no lugar onde era feito para vários.
No fim, o closet continuou vazio, mesmo com minhas coisas.
Volto para o meu quarto com meu livro, fotos e remédios na mão. Deixo meus remédios em cima do criado mudo, junto com a caixa de chocolates e o post-it. Coloco meu livro e minhas fotos na gaveta.
Olho em volta novamente, apesar de ser lindo, o quarto precisava de personalidade, minha personalidade, talvez um poster da viúva negra ajude.
"Senhorita Torres, a senhorita Potts está te chamando para o jantar."
Não deixo de tomar um susto com sua voz mecânica, acho que demoraria a me acostumar.
-Só Kelly por favor, e já estou indo.
"Como desejar, Kelly."
Antes de sair do quarto, vou até o banheiro, que era enorme, com direito a banheira e um chuveiro espaçoso que parecia sair água de vários lugares, exagerando eu diria, igual tudo nessa casa. Passo uma água no meu rosto para tirar o vestígio de choro e ajeito meu cabelo ondulado tentando diminuir o frizz, não dá certo. Então compenso tentando ensaiar meu melhor sorriso no espelho antes de sair do quarto, obviamente meu sorriso não dá certo, mas desde quando algo dá certo na minha vida?
Me pergunto se é agora que conheceria o Tony.
Vou para o andar de baixo sem pressa, olhando cada canto, era tudo tão tecnológico, grande e chique.
Ao terminar de descer as escadas, olho para os lados confusa, ok eu estava oficialmente perdida.
"Perdida, Kelly?"
A voz robótica me faz tomar um susto novamente, depois solto um riso sem graça.
-Completamente.
"Não se preocupe, irei auxiliá-la. Siga por favor."
Pede logo depois de pequenos pontinhos de luz azul surgirem no chão, formando um caminho.
-Obrigada, Jarvis.
"Disponha."
Antes de dar meus primeiros passos para seguir o caminho, escuto um barulho vindo de baixo das escadas. Imediatamente olho para a direção do som, mas como não vejo nada, apenas sigo o meu caminho.
Ao chegar na cozinha vejo Pepper colocando a mesa para três pessoas, o que significa que Tony viria.
Noto um cheiro delicioso vindo de uma travessa que continha várias Enchiladas.
-Que cheiro bom.- digo chamando a atenção da ruiva que olha pra mim sorrindo.
-Fiz um prato Mexicano pra você, queria que você pudesse se sentir em casa com um prato da sua terra natal, espero que goste.- sorri.
Sorrio pela tentativa sincera da mulher e sobre como ela se importa tanto comigo.
-Na verdade eu sou cubana.- relevo fazendo com que sua expressão fique surpresa e sem graça.- não é como se eu gostasse de lembrar da terra natal, então mesmo assim obrigada por se preocupar.- digo antes que ela se desculpe por errar a minha nacionalidade.- Sei que fez com carinho, então com certeza vou gostar.
Ela me lança um sorriso sincero que eu faço questão de devolver. É loucura dizer isso, mas já me sinto tão apegada a ela. Certeza que é por conta da atenção materna que nunca recebi e agora ela tá fazendo questão de me dar.
-Jarvis, chama o Tony.- Pepper pede quebrando nosso contato visual.
Me sento à mesa tentando não me sentir nervosa com isso.
"O senhor Stark diz que está muito ocupado para jantar no momento."
Pepper solta um longo suspiro com a fala mecânica de Jarvis.
-Me desculpe por isso Kelly.- diz se sentando à mesa comigo.- Tony quer te conhecer, eu juro, ok? Ele disse que viria para jantar com a gente, para te conhecer, então se ele não veio foi por um bom motivo.- diz como quem não acredita nas próprias palavras.
-Tudo bem.- digo dando de ombros, mas em seguida solto um suspiro que mostra que não está nada bem.- promete responder uma pergunta com sinceridade?- Recebi um aceno positivo.- Ele realmente me queria aqui?
-Ah querida, é lógico que ele te queria aqui.- pega a minha mão por cima da mesa, fazendo carinho.- foi totalmente escolha dele, posso ter influenciado um pouco, mas ele tomou a decisão!- assegura.
Sorrio concordando e tiro minha mão do seu carinho antes que ela deslizasse a mão pelo meu pulso.
-O cheiro está realmente muito bom.- digo me referindo a comida.
Pepper aceita a mudança de assunto sorrindo e pega meu prato para me servir.
O cheiro realmente estava ótimo e a aparência então, dava água na boca. Seria uma tarefa difícil segurar meu descontrole alimentar se ela cozinhasse tão bem assim.
-Está uma delícia Pepper.- elogio após engolir o primeiro pedaço.
-Fico feliz que tenha gostado. Confesso que tinha medo de não gostar.
-Não precisava se preocupar, não sou difícil com comida.- Tanto que meu corpo deixa bem claro isso.
-Bom ouvir isso, o que acha
de sushi no jantar amanhã? Tem um restaurante…
-Sem restaurante!- a interrompo me sentindo imediatamente arrependida pelo tom de voz.- desculpa, é que não quero ir pra um lugar que tenha muita gente…
-Tudo bem querida, vamos pedir e comer aqui, certo?
-Certo.- Sorri em forma de agradecimento.
O restante do jantar foi tranquilo, com conversas tranquilas, Pepper parecia muito interessada em me conhecer, e eu respondia todas as suas perguntas, não vou mentir, estava amando a atenção feminina que estava recebendo.
Ela foi gentil e não fez nenhuma pergunta sobre meu passado com meus avós ou sobre meus problemas psicológicos, mesmo que sua curiosidade sobre isso gritasse.
Assim que terminamos de comer, tento a ajudar a tirar a mesa.
-Não precisa, querida, vai descansar, o dia deve ter sido cansativo pra você.
-Certeza?
-Completamente, e me chame qualquer coisa, ok?
-Ok.- respondo lhe lançando um sorriso.
Volto para o meu quarto e assim que entro nele o cansaço realmente cai sobre mim.
Por pura preguiça não tomei banho, já que tinha tomado antes de sair do orfanato, apenas troco a roupa por meu único pijama que estava no closet, era bem velhinho, mas muito confortável.
Antes de me deitar na cama olho para os lados procurando uma maneira de apagar a luz e fechar a cortina da parede de vidro.
"Kelly, está se preparando pra dormir?"
-Sim… Anm, onde fica o interruptor?- pergunto meio envergonhada por não saber disso.
"A luz funciona com um sensor de palmas, mas deixe comigo, pode se deitar Kelly."
Obedeço Jarvis, e me deito na cama que é absurdamente grande e confortável. Assim que eu termino de me ajustar, a luz se apaga e a cortina vai se fechando.
"Tenha uma boa noite Kelly."
-Obrigada, tenha uma boa noite também Jarvis.- me senti na obrigação de dizer, mesmo sabendo que ele não dorme.
Hoje resolvi não tomar o remédio para insônia, por conta do enjôo que ele me dá. E já estava sentindo o efeito da falta dele assim que meu sono se dissipou, e estar em um ambiente estranho faz a minha situação piorar.
Me remexi na cama frustrada por alguns segundos, pelo visto não conseguiria dormir sem o ronco irritante da minha colega de quarto.
-Jarvis, consegue colocar algum ruído ou som relaxante no meu quarto?- Mal terminei de dizer e um som de chuva enche o quarto.- Obrigada.
"Disponha."
Me ajeito novamente tentando me concentrar na tarefa difícil de dormir.
A ruiva terminou de arrumar a louça suja na pia e pegou um prato colocando uma generosa quantidade de comida nele.
Tony que estava entretido com suas invenções, para por um segundo ao ouvir sons de pessoas descendo as escadas.
-Você tinha prometido que ia para o jantar.- Pepper acusa assim que termina de descer as escadas.
-Eu sei.- diz com um suspiro culpado, mas ao notar o prato nas mãos da mulher dá uma gargalhada alta.- Você sabe que ela não é mexicana né?
Ela revira os olhos como resposta, prevendo que o noivo a zoaria muito por isso.
-Pelo menos acertei no quarto.- diz dando de ombros.
Pepper entrega o prato para Tony, que começa a comer alegremente, já que ficou o dia todo trancado na oficina. A ruiva resolve que deixaria o noivo terminar de comer antes de atacar com perguntas.
Enquanto isso ela passeia pela oficina e olha o progresso dele no projeto em que estava trabalhando, o projeto estava meio parado por conta da demora do ferro que tinha encomendado a quase um mês atrás, e era óbvio que isso estava estressando Tony de uma maneira absurda.
Pepper também nota uma lista com nomes de mulheres. Ontem Tony tinha comentado brevemente que se certificaria se mas nenhuma de suas proles residiam no planeta. Ao notar um x ao lado dos nomes de todas as mulheres, podia presumir que não existia nenhum outro filho dele.
-Você é a melhor cozinheira peps, sério, merece um prêmio.- Tony elogia assim que terminou a refeição.- quer saber eu mesmo vou criar essa categoria de prêmios e vou te dar o troféu, mas que merecido aliás…
A ruiva arqueia as sobrancelhas e cruza os braços já ciente do joguinho dele para evitar a discussão que viria a seguir.
-Tony!- Chama a atenção fazendo com que ele erga os braços, rendido.
-Está bem…- suspira.- Eu juro que ia para o jantar, ok? Mas daí eu tava subindo as escadas, e vi ela indo em direção a cozinha…
-Você está me dizendo que não foi jantar só porque viu ela?- pergunta indignada.- Tony, você disse que queria recuperar o tempo perdido, como vai fazer isso se escondendo dela?
-Eu sei… é que…- Tony perde as palavras, sem saber explicar o que sentiu.- eu não sei o que fazer.- admitiu envergonhado.
Vendo o estado do noivo, Pepper se aproxima dele que estava sentado. Ele imediatamente passa os braços na cintura dela e apoia a cabeça em seus seios.
-Sei que esses dias não estão sendo fáceis pra você.- Pepper diz começando um carinho nos cabelos de Tony.- embora você não fale sobre, sei o quanto a guerra com o Loki te assombra e o quanto isso te deixou marcas, você anda cansado e estressado, e quer descontar em qualquer coisa. A notícia de uma filha era a última coisa que precisava agora, mas aconteceu e você precisa lidar com isso. Kelly é uma garota ótima e precisa de você agora. Na verdade, vocês precisam um do outro.
Ao ouvir as palavras da noiva Tony assentiu. Era um poder de Pepper sempre saber o que dizer.
-Como Rhodes reagiu?- Pepper questiona ao se lembrar que o general esteve aqui mais cedo.- contou pra ele, certo?
-Sim, contei. Primeiro ele me chamou de irresponsável e tive que ouvir um grande discurso sobre responsabilidade.- responde se lembrando da conversa com o amigo.- Depois, o humor dele mudou drasticamente para animado, disse que estava ansioso para conhecer a sobrinha dele.
Pepper sorriu ao ouvir isso, conseguia imaginar perfeitamente Rhodes como tio do pavê.
-Só espero que ele não saia por aí contando pro resto da equipe sobre isso.- Tony diz em um suspiro escondendo o rosto na curvatura do pescoço da noiva.
A ruiva entendia Tony mais do que ninguém, e sabia perfeitamente que o noivo estava fugindo dos questionamentos e olhares julgadores que os outros poderiam lhes lançar.
Com certeza Tony contaria para eles que tinha uma filha, óbvio que sim, mas primeiro teria que aprender a lidar com os traumas da menina, e não sentir que estava pisando em ovos o tempo todo.
-Porque não vamos dormir?- a ruiva propõe ao ouvir um suspiro cansado do noivo.- Um bom sono é o que você precisa para pôr as ideias no lugar.
-Tenho que terminar isso.- aponta para seu projeto parado em cima da mesa.- mas que droga, o ferro tinha que ter chegado a uma semana atrás!
-Já está tarde, não vai poder fazer nada sem o ferro, então vamos dormir.- insiste deixando um leve selinho nos lábios do noivo.
-Tá legal.- Se dá por vencido e arruma um pouco as coisas antes de sair com Pepper.- Como foi com a garota?- pergunta assim que saem da oficina.
Pepper suspira ao lembrar da crise que a garota teve no carro.
-Ela teve uma crise no caminho pra cá.- diz fazendo com que o homem a olhe, preocupado. Ver um sinal de preocupação de Tony para com a garota fez o coração de Pepper se aquecer.- Eu consegui acalmá-la, mas confesso que foi assustador vê-la daquele jeito.
-Imagino.- responde tentando ignorar sua mente que o acusava por não estar lá naquele momento.
-Enquanto eu fazia o jantar, liguei para o Dr. Hazel e contei sobre a crise dela. Ele me falou sobre um possível transtorno social, disse que ela não saia do orfanato por conta própria e que não tinha quase nenhuma amizade, e então chegamos a conclusão que frequentar uma escola pode fazer bem pra ela, conhecer gente nova e fazer amizades.
-"chegamos a conclusão'' .- Tony repete as palavras com um pouco de ciúmes na voz. Não podia ser diferente, já que sua noiva estava decidindo coisas sobre a sua filha com outra pessoa, se sentia de certa forma trocado.
Pepper revira os olhos conhecendo o drama dele.
-Ouviu só essa parte ou…
-Ouvi o resto!- interrompe a mulher.- coloque ela na melhor escola da região, e vamos evitar a mídia por um tempo, até ela se sentir confortável.
Pepper sorri com isso e acena positivamente.
-O que mais sabe sobre ela?- Ele pergunta como quem não quer nada.
Tony queria saber mais sobre a menina, mas tinha medo de não saber conversar com ela, então pediu informações a Pepper, que parecia já ser próxima a sua filha. Na sua cabeça seria mais fácil conversar com a garota se soubesse mais coisas sobre ela.
Pepper sabe como o noivo funciona, e não vê problema em compartilhar um pouco do que a garota tinha lhe dito durante o jantar.
-Acredita que ela nunca foi à praia?- diz e ri ao ver a expressão surpresa dele, imaginando se essa foi sua expressão quando ouviu a notícia pela primeira vez.
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