•004
-Vai tomar um café Happy.- Tony manda antes de descer do carro que estava parado de frente para o orfanato.
Já passava da hora do almoço, e um frio se instalava dentro de si, talvez nervosismo pela situação em que se encontrava.
Completamente diferente dele, Pepper sustentava um sorriso animado e ansioso, podia ser positividade demais, mas a ruiva realmente achava que se daria bem com a garota, e faria de tudo para que ela a visse como uma figura materna um dia.
-Vamos voltar e fingir que isso não aconteceu?- Tony murmura brincalhão e recebe um olhar cortante de Pepper.- Não está aqui quem falou.
O casal entra no local sendo recebido por uma secretária sorridente.
-Senhor Stark e senhorita Potts, que bom que vieram.- diz enquanto os comprimentava com um aperto de mãos.- A diretora aguarda vocês no escritório dela.
Enquanto eram guiados, eles prestavam atenção no lugar, ficando admirados com o zelo do orfanato, muito diferente de muitos que tinham por aí.
A secretária abre a porta da diretoria, dando passagem para que eles entrem.
-Muito prazer em conhecê-los, sou a diretora Georgia.- se apresenta assim que entram em sua sala.
Ela os guia até os assentos que ficavam de frente para sua mesa, e assim que eles se sentam ela apresenta o outro homem que estava sentado na terceira cadeira.
-Esse é o Dr. Hazel, o terapeuta do orfanato.- ela o apresenta e o mesmo os comprimenta com um aceno.
-Terapeuta?- Pepper perguntou surpresa, Tony não estava muito diferente.
-Exato, estou aqui para garantir a saúde mental das garotas, apesar da minha terapia não ser obrigatória.- explica com seu típico tom calmo.
-Estamos aqui para tratar do assunto da minha filha, então podem me explicar por que ele está aqui?- Tony pergunta impaciente, e se sente estranho por se referir a garota como filha.
A diretora e o terapeuta trocam um olhar nervoso antes que o homem assumisse a palavra.
-Vou ser direto senhor Stark. Sua filha tentou cometer suicídio a menos de duas semanas atrás, no dia do aniversário dela para ser mais presiso.
Pepper puxa o ar chocada, enquanto Tony o olhava como se ele tivesse duas cabeças.
-Ela tem depressão, ansiedade e sofre com trauma da época que morou com os avós.- o terapeuta continua após a pausa para que o casal voltasse a prestar atenção.- ela precisa de ajuda e cuidados, além dos remédios que ela toma.
-Nós vamos cuidar dela.- Pepper diz imediatamente, com uma determinação invejável.
-Sei que a tem as melhores das intenções senhorita Potts, mas quero ouvir isso do senhor Stark.- A diretora chama a atenção.- o Dr. Hazel não pode contar o que ela diz por conta do sigilo médico paciente, mas para terem uma idéia, ela chegou aqui extremamente machucada, e pelo que consta no registro, sua guarda foi retirada dos avós, após ela ter sofrido diversos tipos de abuso por parte do avô, a única figura paterna que ela tinha fazia muito mal a ela, vocês podem imaginar como ficou a cabeça daquela garota.
A nova revelação fez com que lágrimas surgissem nos olhos de Pepper e seu coração se apertasse diante da maldade que a garota havia sofrido. Enquanto um novo tipo de raiva se apossou dentro de Tony, um tipo de raiva que o fazia questionar "quem ousa tocar na minha filha?".
-Ela chegou a quase ser adotada uma vez, mas para vocês terem uma ideia ela se recusou a ir porque o "pai" lhe dava medo.- conta com pesar.- então lhe peço senhor Stark, não tire ela daqui se não for a tratar com um mínimo carinho.
Após a fala da diretora a sala fica alguns segundos em silêncio. Até que Pepper se levanta bruscamente interrompendo os silêncio que invadia os pensamentos conturbados de todos na salas.
-Com licença, eu e meu noivo precisamos conversar por um instante.- diz caminhando até a porta, fazendo com que Tony a acompanhasse sem questionar.
Já do lado de fora, um pouco afastado da sala, ambos soltam o ar que não sabiam que estavam prendendo.
-Acho que tentar não vai ser o suficiente, Tony.- Pepper quebra o silêncio olhando para o noivo que parecia estar tão mal quanto ela.- o que quer fazer?
Tony a olha por um instante, sabia que se recusasse a garota Pepper não ficaria brava, visto que ela está sendo muito bem tratada. Mas mesmo que não estivesse preparado, não podia negar sua filha.
Ele ficou sem dormir a noite toda pensando na menina e se culpando por cada momento perdido desses 15 anos, desejou incessantemente voltar ao passado para poder mudar isso. Tinha prometido a si mesmo que tentaria por ela e por todos esses anos que perdeu.
Mas quando ouviu sobre os problemas da garota, um novo sentimento avassalador encheu seu peito. Não estava pronto para cuidar dela, uma pessoa traumatizada exigia muito, tanto que não conseguia lidar com os próprios traumas, quem dirá os traumas de uma adolescente.
Porém se não assumisse essa responsabilidade isso iria o assombrar pelo resto da vida.
-Eu não sei…- admite com um suspiro.
-Eu vou estar com você.- diz acariciando seu rosto.- Aquela garota passou por muita coisa, agora ela precisa de um pouco de carinho, acha que pode dar isso a ela.
-Não é como se eu fosse tratá-la como o avô dela.- diz receoso.- e eu tenho vontade de recuperar o tempo perdido… Então sim, acho que posso dar isso a ela.
Pepper sorri acenando positivamente, seu noivo era uma boa pessoa, e sentia no fundo de seu coração que tudo daria certo.
-Vamos cuidar dela.- Tony diz assim que pisa novamente na diretoria, chamando a atenção das duas pessoas que os aguardavam.
-Ótima notícia!- A diretora comemora sorridente.- vou confiar que vocês saibam o que estão fazendo.- Diz ainda sem perder o sorriso.- Como eu estava positiva, já organizei a papelada para que passe a ter a guarda da Kelly, basta que você assine e amanhã de tarde ela já será sua filha oficialmente.
Tony sorri nervoso, parecia uma conspiração para que ele e a garota se encontrassem o mais rápido possível. E apesar do receio repentino que o fez vacilar por um instante, ele assinou os papéis, recebendo um sorriso orgulhoso e emocionado de Pepper.
O terapeuta tentava disfarçar sua expressão de frustração, não por Tony ter decidido ficar com a menina, mas por conta de que essa situação veio no momento errado, e muito provavelmente a garota surtaria com isso.
Depois de um papo um tanto quanto burocrático, o casal se dirige a saída, Pepper muito animada, e Tony tentando não pensar demais na situação para não se arrepender.
-Com licença.- o terapeuta os chama antes que saíssem do local.- Gostaria que soubessem que estou disposto a continuar a terapia da Kelly, tenho um escritório no qual atendo terças e quintas, mas estou disposto a atendê-la a domicílio.- diz entregando seu cartão de visitas para Pepper, que parecia ser mais receptiva para o assunto.- Me liguem qualquer coisa.
-Obrigada Dr. Hazel, muito gentil da sua parte.- a mulher agradece guardando o cartão em seu bolso.- com certeza vamos entrar em contato.- ela diz gentil e se despede do homem com um aperto de mão.
-Não acredito em terapia.- Tony murmura quando já estão do lado de fora.
-Bom, se a terapia está ajudando a Kelly, devemos continuar com ela. Inclusive você deveria tentar também, vem tendo muitos pesadelos de uns meses pra cá.
-Me recuso.- diz antes de entrar no carro, no qual já esperava eles.
°
-O Dr. Hazel deseja falar com você Kelly.
A inspetora interrompe o café da manhã da garota que a olha confusa.
-Mas minha terapia é só aos sábados.- diz confusa pela mudança de datas.
-Acho que ele não vai poder te atender no sábado.- retruca fazendo um sinal para que a menina a siga.
Dando de ombros, Kelly a segue até a sala do Dr. Hazel, só fazia três dias desde a última consulta, mas já tinha um assunto para falar com o terapeuta.
-Bom dia.- o doutor a comprimenta assim que a garota entra em sua sala.- tem tomado seus medicamentos, kelly?- pergunta enquanto a garota se senta à vontade na poltrona em frente a sua.
-Sim, comecei a tomar no mesmo dia da última consulta, não notei nenhuma diferença até agora.
-São remédios de longo prazo, logo você verá efeito.
-Ok.- diz sacudindo os ombros não dando muita importância para isso.- Você acredita que a Angela me chamou para ir ao cinema no domingo, eu fiquei surpresa, sabe, mas como o senhor me pediu pra sair eu aceitei, porém assim que eu dei meu primeiro passo para fora senti uma enorme fraqueza, quase caio no chão, acho que foi por conta do meu nervosismo e de como eu me sinto mal perto de pessoas que não conheço…
A garota começa a desabafar sobre o assunto, provavelmente achando que isso era apenas uma sessão de terapia fora da data.
O doutor suspira inaudivelmente, saber do possível transtorno social tornou a tarefa de contar que seu pai é o famoso Tony Stark ainda mais difícil.
-Kelly, não estamos aqui para uma sessão.- diz chamando a atenção da garota que para de falar.
-Não?- pergunta com o semblante confuso.- então porque me chamou aqui?
-Achamos seu pai.- diz rapidamente, e ao não notar nenhuma expressão na garota, continua.- no hospital fizeram vários exames em você, inclusive um exame de paternidade no qual consta que você é filha de Tony Stark, já entramos em contato com ele.
Diferente de qualquer reação que o doutor imaginou que Kelly teria, ela riu, como se tivesse acabado de ouvir uma piada extremamente hilária.
-Está falando sério?- questiona ainda rindo recebendo um aceno positivo como resposta.- mano, quais são as chances? O universo ou qualquer outro ser divino só pode estar brincando comigo.- diz já parando de rir.- Então, ele deu uma desculpa ou simplesmente falou que não queria ficar comigo?
O homem à sua frente voltou a suspirar e a reação da garota fez sentido, ela estava tranquila porque achou que não iria ter contato com o pai.
-Ele decidiu ficar com você.- diz e dessa vez recebe a reação que esperava.
-Não.- por seus olhos passam uma sombra de medo.- Ele não pode fazer isso!
-Ele pode, é seu pai…
-Não, por favor Dr. Hazel, não deixe ele me levar.- sua voz é falha, seus olhos se encontram marejados agora e ela tentava não chorar.- Eu não quero, por favor.
-Não posso fazer nada, me desculpe Kelly.- diz com o coração apertado por não poder atender a súplica da garota.- Ele vem te buscar ainda hoje.
A garota ofega diante dessa notícia, ela não queria isso, torcia para que isso fosse só um sonho, mas ao notar a realidade, as lágrimas começam a cair sem parar.
A garota só nota que saiu correndo da sala ao ouvir seu nome sendo chamado pelo terapeuta que tenta a alcançar, mas ela entra no elevador e aperta no andar de seu dormitório fazendo com que a porta se feche antes que ele chegue até ela.
Quando o elevador chega, ela vai correndo até seu dormitório trancando a porta logo em seguida.
As lágrimas embaçam a minha vista mesmo assim consigo caminhar até a janela.
Prefiro morrer do que passar por aquilo de novo.
Limpo meus olhos e tento controlar meus soluços.
São cinco andares, se eu me jogar de cabeça talvez morra antes de sentir dor. Meu coração dispara com medo e adrenalina, porém ao abrir minimamente a janela perco a coragem, e volto a fechá-la.
-Não sirvo nem pra morrer!- gritei me jogando na minha cama.
Fico um tempo imóvel e aos poucos o choro excessivo passa, agora pequenas lágrimas escorrem no meu rosto.
Me cubro e me ajeito na cama, eu sentia uma enorme melancolia se apossar de mim, um sentimento já conhecido por mim, aquele sentimento que me fazia ficar dias e dias somente deitada, sem forças para nada.
Em uma tentativa de me sentir melhor pego a caixa de chocolates que escondi debaixo da cama, a caixa fazia parte de uma parceria com a franquia dos vingadores, essa tinha a imagem da viúva negra ao lado da marca de chocolate, e dentro todos os bombons tinham embalagem vermelhas e pretas.
Pego um dos doces, e assim que o chocolate derrete na minha boca me sinto melhor, isso faz com que eu pegue outro sem nem mesmo terminar de comer o primeiro.
Pego meu celular e inconscientemente estou digitando Tony Stark na barra de pesquisa. Instantâneamente várias páginas, fotos e vídeos aparecem. Clico em uma foto do rosto dele e sinceramente, como eu poderia ser sua filha? Chega a ser uma coisa forçada de tão ridícula.
Sabia que como modelo minha mãe tinha fama com homens ricos, mas Tony Stark? Ainda por cima ter ele como pai? É uma coisa impensável.
Olhando a foto do homem eu tentava achar alguma semelhança entre a gente, sou bem mais parecida com minha mãe tendo meu tom de pele naturalmente bronzeado, como o dela, mas meu nariz e meus olhos eram dele, assim como o sorriso e o arquear de sobrancelha.
Termino minha pesquisa e percebo que nenhum bombom reside a caixa agora, isso faz com que a sensação de desespero volte, fecho meus olhos e volto a chorar tentando lutar contra meu impulso de comer mais.
-Você não vai se matar né? Ou é uma daquelas fases que você fica jogada na cama por dias?- olho para a dona da voz e vejo minha colega de quarto escorada na porta.
Não me dou ao trabalho de responder, apenas dou de ombros e volto a olhar o nada específico, tentando conter as lágrimas.
Ouço ela suspirar e minha cama afundar, sinalizando que ela se sentou ali. Seu olhar se dirige a caixa de chocolates vazia ao meu lado e sua expressão já prevê o que está acontecendo.
-Estou perdendo aula por sua causa, sabia?- diz e a olho com o cenho franzido.- o Dr. Hazel mandou eu vir te checar.
-Desculpa.- digo me sentindo péssima por isso, e por ter saído daquele jeito da sala dele, devo ter feito ele pensar o pior.
Na verdade quase cometi o pior, isso é uma coisa que exige coragem e um pico extremo de tristeza e desespero, porém as faixas em meus pulso não me deixam esquecer o quanto é doloroso.
-Na verdade eu agradeço, história realmente não é minha praia.- diz fazendo com que eu dê um sorriso mínimo, o que parece a deixar feliz, já ela que sorri também.- Quer me falar o que te deixou assim?
Noto que a pergunta é sincera, pela primeira vez em todo esse tempo que somos colegas de quarto, estamos dialogando sem que seja diálogos diários, então não vejo problema em desabafar um pouco com ela.
Quando eu termino de falar sobre o que me deixou assim, ela quase surta.
-Você é filha do Tony Stark, e está chorando por causa disso?- diz como se fosse um absurdo.- se eu fosse você, faria o bolso dele doer de tanto dinheiro que eu tiraria de lá.
Pela primeira vez em algum tempo solto uma gargalhada sincera, ela também ri e aos poucos vou tentando voltar ao normal.
-Ele é tipo bilionário, e tem praticamente todo o dinheiro mundo, pessoas como ele não ligam para pessoas como nós, mas por algum motivo ele te quis, então não fique pensando no pior.- ela diz dando um tapinha leve no meu ombro.
-Parece fácil na teoria, mas eu tenho medo ... .- digo me sentando na cama igual ela.
-Posso te contar uma coisa?- acenei positivamente e ela continua.- eu vi meus pais morrerem na minha frente.
-Nossa, eu sinto muito por isso Cléo.- a interrompo para deixar minhas condolências.
-Tudo bem, já está melhor agora.- diz com o olhar triste.- continuando, depois de ver eles morrerem eu fiquei com trauma de sangue, não podia ver uma gota, e fazer exames de sangue então… mas naquele dia, quando eu te vi sangrando…
-Me desculpe…- digo com os olhos cheios de lágrimas por imaginar a cena.- Eu…
Ela me interrompe e continua.
-Você já estava sangrando muito, tinha uma poça enorme de sangue em volta de você, mesmo eu tendo gritado e uma das garotas ter saído correndo para chamar ajuda, você não iria sobreviver se não parasse o sangramento.- suas mãos tremem enquanto conta isso.
Sinto ainda mais culpa, então cubro suas mãos com as minhas em um jeito de conforto. Seus olhos caem em meu pulso enfaixado e ela desliza seu polegar ali.
- Naquela hora, ou eu me entregava ao meu medo, ou eu salvava sua vida.- continua ainda acariciando meu pulso.- Foi a coisa mais difícil que eu fiz, tive que ficar praticamente ajoelhada no sangue enquanto apertava seu corte para parar o sangue. Quando a ajuda chegou eu estava chorando tanto e toda ensanguentada, como se os cortes fossem em mim. Nos dois dias seguintes, enquanto você estava no hospital tive que ter terapia obrigatória, e o Dr. Hazel me fez enxergar que enfrentar meu maior medo salvou uma vida, enfrentar meus medos me tornou uma pessoa melhor. E agora as minhas terapias são todas as segundas de tarde.- acrescenta soltando um pequeno riso.
-Eu não sei o que dizer Cléo… me desculpe por ter…
-Não, não. Não falei isso para se sentir culpada, te falei isso como um exemplo.- explica rapidamente.- Enfrentar seus medos vai ser a coisa mais assustadora e louca que você vai fazer na vida, primeiro é a negação, você vai relutar muito em enfrentá-lo. Depois vêm a adrenalina, onde você está decidida e vai pra cima. Aí vem o desespero, porque você está enfrentando seu medo e é a coisa mais assustadora que existe. Daí vem o alívio, porque seu medo não te domina mais. Digo por experiência própria.
-Você foi muito corajosa Cléo, nunca vou ter como te agradecer por isso. Desculpe por ter te traumatizado.- digo tentando um sorriso, e ao perceber que nossas mãos ainda estão conectadas, às solto com um sorriso nervoso.
-Você não me traumatizou, Kelly. O que me traumatizou foi ver meus pais morrerem na minha frente. Você me libertou, isso sim!
-E você me salvou, estamos quites.- recebo um sorriso sincero dela.
-Enfrente seus medos, Kelly. Isso vai te tornar uma pessoa melhor.- diz com um toque amigável em meu ombro.
Não acredito que nesse tempo todo sendo colegas de quarto, eu sempre a considerava uma patricinha sem coração, mas na verdade ela era incrível. O arrependimento bate junto com a tristeza de hoje ser meu último dia aqui, perdi todo esse tempo julgando pela aparência e nós poderíamos ser amigas.
O sinal para o almoço toca chamando nossa atenção. Ela se levanta da cama e estende a mão em minha direção.
-Vamos?
Seguro sua mão e ela me guia para o refeitório, pela primeira vez eu sabia o que era ter uma amizade.
No almoço eu sentei com o grupinho dela, por insistência da mesma. Até que elas não eram o que eu achei que seriam, suas conversas eram um pouco fúteis, mas eram legais.
-Que pena que você vai embora ainda hoje, bem quando a Angela cria coragem pra chegar em alguém que ela gosta.- uma das garotas diz distraída.
-Como assim?- pergunto tentando decifrar se foi isso mesmo que ouvi.
-A Angela tem uma quedinha por você, desde…- finge pensar por um tempo.- semana passada.- diz rindo fazendo com que as meninas a acompanhem.
-Aquela garota troca de crush a cada 15 dias.- outra garota diz.- ela comentou que te chamaria pra sair.
Então ela me chamou pra sair porque tava a fim de mim? Essa é nova. Nunca imaginei alguém tendo uma quedinha por mim, ainda mais uma garota como a Angela. Agora fez sentido ela ter sido tão paciente comigo quando não quis mais sair do orfanato, mesmo depois de ter aceitado ir ao cinema com ela.
-Perdeu as palavras?- minha colega de quarto zoa. E eu realmente não sei o que responder.
-Perdi as palavras.- confirmo a fazendo rir.
Minutos depois e o sinal para volta do restantes das aulas toca. As meninas tiveram que voltar para as aulas e eu resolvi ir até o Dr. Hazel pra ele saber que ainda estou viva.
Chego em sua sala e ele parece estar concentrado em alguns papéis, porém assim que eu entro ele desvia sua atenção para mim. Seu olhar me segue até que eu me sentei na poltrona à sua frente.
-Me desculpe por sair daquele jeito.
-Tudo bem, também peço desculpa, devia ter sido mais delicado com você.
Não contenho um sorriso, "delicado" é uma coisa que ele não é, sempre muito realista e trabalha jogando a verdade na cara de seus pacientes, é quase impossível imaginá-lo de outra maneira.
-Eu pensei em me matar para não ter que viver com meu "pai"- faço aspas com os dedos.- Obviamente não me matei, mas aquela sensação não saia do meu peito, inclusive acabei com minha caixa de bombons por conta disso, aí a Cléo chegou e nós conversamos e me senti melhor.
-Sobre o que conversaram?
-Eu falei que estava com medo e ela me contou sobre como enfrentou o medo de sangue para me salvar, ela disse que isso a fez uma pessoa melhor.
-Como você se sente sabendo que ela salvou a sua vida?
-Eu agradeci a ela, mas acho que foi porque me senti culpada por ela ter passado por aquilo.- jogo minha cabeça para trás olhando para o teto, consertaram a lâmpada que falhava.- Preferia estar morta, mas como eu não tenho coragem de fazer de novo, vou fazer o sacrifício dela não ser em vão.
Ouço o doutor suspirar, provavelmente sem saber como lidar com meu assunto depressivo.
-Ouça Kelly, o medo não passa de um sentimento ansioso sobre a possibilidade de que algo ou alguém possa te machucar, é uma forma do nosso cérebro de avisar sobre o perigo, então é normal sentir medo, porém tenha em mente que esse medo vai te privar de experiências. Por exemplo, uma pessoa que tem medo de altura nunca vai ter a experiência de pular de paraquedas. Uma pessoa que tem medo de palhaços dificilmente terá a experiência de um circo ou de festas infantis. O real questionamento aqui é, do que seu medo te priva?
-Ele me priva…- tento pensar em alguma palavra mas foram tantas coisas que deixei de fazer, coisas que eu deixei de…- de viver…- digo em voz alta, fazendo a fixa cair pela primeira vez.
-Não precisamos enfrentar nossos medos de uma vez. O caso da Cléo é diferente porque ela foi exposta a uma situação que exigiu isso. Mas você pode enfrentar seu medo vivendo de verdade, sendo você mesma, e deixando seu passado para trás.
Aceno positivamente, absorvendo seu sábio conselho.
-Antes de deixar que seu pai a levasse daqui conversamos com ele, explicamos sua situação e mesmo assim ele te quis. Talvez seja a hora de seguir em frente, certo?
-Vou tentar… Mas você não falou nada sobre o que te falo na terapia, né?
-Não se preocupe com isso, não falei e não vou falar, não sem sua permissão, apenas falei seus diagnósticos para ele ter uma ideia. Agora que você vai ter pessoas responsáveis por você, vou precisar dar as receitas de remédios na mão deles e caso você precise de alguma coisa vou ter que falar com eles também, mas é claro, tudo com sua permissão. A menos que seja algo que ameace sua vida. E agora vou estar com você todas as quintas feiras de tarde na sua nova casa, ok?
-Ok.- digo aliviada, pelo menos ainda vou ter alguém de confiança comigo. Porém me senti estranha por ele ter se referido ao lugar em que vou estar como casa.
-Melhor você ir arrumar suas coisas agora, vão te buscar hoje a tarde.
Aceno positivamente e me levanto, me despedindo brevemente do Dr. Hazel que me olhava com esperança nos olhos. Me pergunto se ele fez um discurso parecido com a Cléo, sobre enfrentar seus medos.
Seguindo o conselho, eu tentaria enfrentar meus medos aos poucos e esperava que isso me tornasse uma pessoa melhor, uma pessoa na qual sinta vontade de viver.
Oi pessoas, tudo bem com vocês?
Esse capítulo teve muitos pontos de vista, sei que nem todo mundo gosta, mas assim deixou todos os lados da história à mostra.
Por favor, não esqueçam de interagir na história para eu saber se estão gostando.
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