PARTE II: FINN
18. Traumas
FINN
Não se via quase nada. Só sabia que estava em meu quarto porque lembrava vagamente de mandar o Eric ir à merda antes de subir com uma garrafa de whisky. As janelas que estavam trancadas há dias e a luz apagada do recinto me impediam de ver muita coisa sentado no chão, com as costas apoiadas na parede.
Enxuguei o rosto com a manga da blusa, apesar de não adiantar merda nenhuma por não conseguir parar de chorar enquanto tremia.
A garrafa se encontrava ao lado do meu corpo vazia e se não fosse pelo filho da puta no primeiro andar eu já teria ido até lá em busca de outra.
Puxei meus fios de cabelo da nuca ao esconder o rosto entre as pernas, para abafar o grito que não veio. Eu queria gritar por Megan, mas ela não está mais aqui. E nada teria acontecido com ela se eu não tivesse enfrentado Eric daquela maneira.
Megan era tudo o que eu tinha.
Sabia que a Mills iria me deixar assim que soubesse de tudo o que fiz, ou por outra merda qualquer, mas a Megan não.
Tudo porque eu nasci assim. Se eu nunca tivesse contrariado ele; me negado a ser obediente, ela não estaria morta.
Nunca fui um filho fácil. Mas por que ela tem que pagar por isso?
Era Primavera. A estação que eu mais odiava. Quando, em maior parte das árvores, brotavam flores com cores horrorosas. Havia uma igualzinha em frente ao banco do lado de fora do parquinho da minha escola.
Chutei uma pedrinha próxima ao meu tênis importado enquanto esperava por Meg cabisbaixo. Algumas crianças que brincavam no parquinho, olhavam pra mim. Desviei o olhar por imaginar que sentiam medo.
Havia jogado tinta em um colega na aula de artes por ter rabiscado meu desenho. Estava voltando pra casa com um recado idiota na agenda de novo. Com toda certeza, papai me mataria hoje. No mínimo, gritaria com toda força em seus pulmões e eu realmente odiava quando ele gritava. Me aterrorizava e eu sempre acabava chorando até cansar de socar o travesseiro à noite.
Um suspiro infeliz escapou dos meus lábios ao fitar o chão, com os cotovelos apoiados nas pernas enquanto um servia para que descansasse meu queixo sobre a mão aberta.
Três meninos jogavam bola perto da calçada. Um deles a chutou para o que eu só podia ver as costas. Ele não foi rápido o bastante para pará-la e ela seguiu a rua até minha direção. Bloqueei a passagem com o pé e os três correram até mim para pegá-la de volta.
Engoli em seco, assustado com a aproximação deles e me levantei do banco.
Um havia se abaixado para recuperar a bola, sem se importar muito com minha existência ali. Já o segundo, me analisou dos pés à cabeça, dando um passo para trás.
— Ei, você é aquele menino órfã?
— Ele não é órfã, seu idiota! — retrucou o terceiro, acertando um tapinha com as costas da mão no ombro do outro. — Ele só não tem uma mãe como a gente.
Meu coração disparou ao me sentir completamente exposto e me distanciei deles, querendo enfiar minha cara em algum buraco e chorar.
— É verdade que você não tem mãe? — perguntou o menino que havia falado comigo primeiro, dando quatro passos em minha direção com curiosidade.
Assustado, me afastei, caindo sentado no banco com os olhos marejados.
Por coincidência, o carro do meu motorista havia acabado de entrar na rua da escola. Saí correndo ao agarrar a alça da minha mochila para entrar dentro do Bugatti Veyron branco, e me atirei nos braços de Meg, enterrando minha cabeça em seu colo aos soluços.
— Meg, me tira daqui, por favor. Me tira daqui — eu pedia, apesar de sentir o carro se movimentar. A porta do veículo atrás de mim já se encontrava fechada e travada.
— Anjo, o que aconteceu? — questionava preocupada com meus soluços e as lágrimas grossas que molhavam meu rosto, me abraçando de forma reconfortante. — Está tudo bem, querido. Shhh, já passou.
Eu queria ter dado menos trabalho pra ela. Talvez, assim, Megan ainda poderia estar aqui.
Uma batida na porta me assustou e enxuguei as lágrimas, imaginando que fosse algum funcionário. Porque Eric jamais pediu para entrar no meu quarto.
— M-me deixa em paz... — falei, tentando soar o mais firme que consegui, apesar da minha dificuldade em regular minha respiração. Mesmo assim, a porta foi aberta sem minha permissão. — Eu já disse pra me deixar em paz!
Não fiz questão de saber qual funcionário era. Escondi meu rosto entre as pernas de novo e inclinei meu corpo para o lado, apoiando meu ombro no guarda-roupa.
Toques gentis e delicados, bastante familiares, em minha volta me surpreenderam. Reprimi a vontade de soluçar com aquele abraço e, seja lá quem fosse, não afastei. Acho que estava desesperado em receber um. Porque parecia que era isso que eu precisava.
— Tá tudo bem, Finnie. — Levantei o rosto, passando os braços trêmulos pelo corpo de Mills.
Me perguntei se havia caído no sono sentado no chão e estava tendo o mesmo sonho de novo. Apoiei meu rosto na curva de seu pescoço. O cheiro dela.
— Você está tremendo. — A preocupação em sua voz era de certo reconfortante. Ela me afastou um pouco para me olhar e a luz que entrava pela porta era o suficiente para que eu pudesse enxergar seu rosto. — Respira com calma, Finn.
Ela começou a inspirar e expirar fundo para que eu fizesse a mesma coisa. Tentei repeti-la, sentindo todo meu corpo tenso.
— Eu não consigo. — Me soltei dela, percebendo que não conseguia controlar a respiração.
Minha falta de ar era audível.
— Consegue sim — insistiu, tentando segurar meu rosto para olhá-la.
Não fui capaz de lhe dar atenção. Não quando minha consciência gritava em ter Megan de volta. O corpo dela na maca da Ambulância depois de uma briga com Eric, tudo por nossa causa.
Mal conseguia ouvir o que Millie dizia. Era como se eu estivesse no fundo de uma piscina tentando nadar até a superfície e ela estivesse tentando gritar alguma coisa pra mim do lado de fora.
Com minha visão nublada, eu mal a via e meu rosto pendeu para o chão.
Sobressaltei assustado quando seus lábios se chocaram contra os meus. Mills me beijou com tanta delicadeza, me deixando tão chocado por sua atitude, que tudo o que pude fazer foi ficar parado, sentindo a ponta de seu nariz fazer cócegas em minha bochecha.
Fitei seus olhos fechados, me lembrando de como era bom estar assim com ela. Mills se afastou, abrindo seus olhos. Apesar de mal vê-la, eu sabia que estava analisando todo o meu rosto.
A encarei atônito. Mills jamais teria me beijado se não tivesse... me perdoado.
Já não estava mais com falta de ar e minha visão não estava mais turva. Ela sabia que isso ia me ajudar.
— Como sabia...?
— E-eu li em algum lugar que... — hesitou, com um tom preocupado. — Que prender a respiração ajuda com crises de pânico.
— 'Crises de pânico'? — repeti ao estreitar os olhos, sabendo que a gravidade disso era ainda maior.
Ela assentiu.
— Crises de ansiedade podem avançar para crises de pânico. A primeira vez que eu te ajudei percebi que ela era forte. Mas... — Millie se interrompeu com um suspiro. — Finn, você precisa voltar com as consultas.
Seu olhar foi para a garrafa ao meu lado e eu a arrastei para atrás das minhas costas.
— Depois vemos isso. — Me forcei a levantar com dificuldade e Millie imediatamente me ajudou.
Nos sentamos na cama. Com o silêncio que se formou no recinto, suspirei fundo e passei as mãos pelos meus cachos desordenados, sentindo o suor ali.
— Há quanto tempo não dorme? — Baixei o rosto para minhas mãos. Minha falta de resposta não pareceu lhe surpreender: — Finn.
— Dias — resmunguei.
Ela levantou subitamente.
— Vai tomar um banho. Vou ficar aqui até você dormir.
A olhei. Apesar de gostar de vê-la demonstrando que se importa, eu sabia que era inútil.
— Eu não vou conseguir dormir agora.
— Irei ficar até cair no sono — assegurou, com o olhar firme.
A olhei por um momento, até dar o braço à torcer e me levantar para pegar uma roupa e uma toalha. Deixei Mills no quarto e tomei um banho rápido por causa do frio. Fui obrigado a colocar a temperatura no morno pelo álcool que tomei.
Voltei ao quarto bagunçando meus fios com a toalha para que secassem logo. Ela não me deixou dizer nada e me obrigou a deitar, recolhendo a toalha de minhas mãos.
— Você veio aqui para me dizer alguma coisa — murmurei, com o tom surpreendentemente rouco.
Ela apagou a luz novamente e se sentou na cama. Quase resmunguei. Por que está tão longe?
— Isso não importa agora.
Não acreditei nela. Millie não viria até aqui se não tivesse nenhum motivo. É a pior mentirosa que conheço. Esse pensamento me fez sorrir de lado.
— Não vou dormir com você aí. — Ela entreabriu a boca, apesar de não parecer tão surpresa.
Sem dizer nada, se arrastou vagarosamente para perto, até deitar do meu lado. Nos encaramos sem dizer nada e percebi que meus olhos começavam a pesar.
— Promete me contar depois? — pedi. Mal podia acreditar que estava quase caindo no sono depois de semanas passando a noite quase inteira em claro.
Estava sentindo minha cabeça leve com ela aqui.
Mills assentiu rapidamente, com certa ansiedade nos olhos. Assenti de leve, colocando uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha, aproveitando para acariciar seu rosto.
Quando menos percebi, já estava dormindo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro