15. Toda História Tem Dois Lados
Não era desse jeito que imaginei que começasse as férias.
A lápide de Megan com as datas gravadas de seu nascimento e o dia de ontem eram surreais. Não conseguia sequer imaginar tamanho sofrimento que Finn estava passando se eu ainda estava entorpecida com tudo aquilo.
O Padre rezava uma Oração, e tentei acompanhar em silêncio. Mas os olhos de Finn cravados no túmulo da mulher que praticamente o criou quebrava meu coração.
Era difícil dizer se Finn ou os irmãos de Megan, que vieram às pressas assim que souberam, estavam mais desolados.
Todos os funcionários da casa também estavam presentes.
O Wolfhard mais velho também estava presente e um pouco afastado de todos. Os familiares de Megan haviam deixado claro que iriam entrar na Justiça para solicitar indenização por danos morais e materiais pelo fato de Megan ter falecido no ambiente de trabalho.
As outras pessoas, segundo Finn, eram amizades da família e que Megan conhecia da infância. Ao todo, o enterro estava relativamente cheio.
Dois irmãos de Megan fizeram um elogio fúnebre, afirmando o quanto ela foi uma mulher forte apesar de tudo o que eles passaram anos atrás ao perderem o pai na Guerra do Vietnã e a mãe logo depois, por ela ser a mais velha e ter tido que trabalhar para poder cuidar dos cinco.
Até que Finn subitamente saiu andando às pressas para longe. Algumas pessoas o observaram sem entender nada, mas logo voltaram sua atenção para os dois.
O Sr. Wolfhard soltou um resmungo aborrecido com a atitude do filho, mas permaneceu em silêncio.
Imediatamente segui o cacheado, que praticamente corria para fora do cemitério. Conhecendo-o bem, não dava para ter dúvidas sobre o que ele estava pensando.
- Finn! - Ele parou. Dava para perceber sua respiração ofegante pelo modo como seus ombros subiam e desciam continuamente. - Eu sei o que está pensando. E quero que saiba que não é verdade.
Ele se virou devagar com os olhos marejados.
- Foi minha...
- Não! - Fui até si rapidamente, para segurar seu rosto molhado pelas lágrimas. - Assim como aconteceu com sua mãe, você não teve a menor culpa. Entendeu?
- Millie, foi em uma briga minha com meu pai que ela... - Um soluço choroso escapou de seus lábios e Finn desviou os olhos.
Neguei, tentando mostrar para si o quanto aquela ideia era absurda. Finn estava mais uma vez se culpando pela morte de alguém.
- Finnie, ela estava doente. - Hesitei, mas acabei levando minha destra para seus cachos, acariciando-os no intuito de acalmá-lo. - Você ouviu o médico, ninguém sabia o que ela tinha antes da morte para que vocês pudessem evitar. - Ele começou a negar, sem me ouvir e falei mais rápido em insistência: - Ouviu o Doutor dizendo que qualquer pequeno nervoso causaria graves sequelas.
- Não, Mills. - Ele retirou minhas mãos de seu rosto com pesar, acariciando antes de deixá-las caírem. - Preciso ficar sozinho.
Abri a boca para protestar, mas apenas o observei indo embora.
Passei os próximos dois dias vegetando dentro de casa. Queria falar com ele, vê-lo, quem sabe ao menos enviar alguma mensagem.
Mas eu sabia que, se estivesse no lugar de Finn, não iria querer ninguém por perto. Então, resolvi respeitar sua vontade.
Durante esse tempo de angústia entre ir atrás do cacheado ou não, fiz o que tudo mundo faz nas férias de Inverno.
Dormi até tarde e maratonei várias séries do catálogo da Netflix. Pensei em talvez sair para patinar, mas não estava no clima depois do que havia acontecido.
Noah ligou para dar notícias e jogamos juntos online enquanto conversávamos sobre como iam as coisas. Noh comentou que seus pais haviam levado sua avó com eles na viagem, já que os médicos haviam declarado que não passaria de algumas semanas e os Schnapp's decidiram aproveitar esse pouquíssimo tempo.
Disse que sentia muito por ele e Noah rapidamente mudou de assunto. Assim que tocou no nome do cacheado não contive o suspiro triste, resumindo o infeliz acontecido.
Apesar do pedido do Wolfhard, Noh me convenceu a ir atrás dele.
Um dos seguranças liberou minha entrada, mas avisaram de antemão que Finn não estava. Suspirei preocupada e resolvi perguntar pelo Wolfhard mais velho, como quem não queria nada.
Assim que foi dito que o pai do cacheado estava trabalhando em seu escritório, repensei a ideia de voltar pra casa. Seria muita loucura aproveitar a oportunidade para tentar conversar com ele?
Provavelmente seria.
Mas mesmo assim resolvi arriscar.
Um dos funcionários avisou que eu estava ali e fui permitida adentrar o escritório, que ficava no primeiro andar.
O Sr. Wolfhard deixou alguns papéis sobre sua mesa de trabalho e desligou uma ligação ao me cumprimentar com educação, parecia bastante ocupado. Me perguntei se o fato dele estar em casa teria algo a ver com a família de Megan e o aviso de que ele seria colocado na justiça.
- Desculpe atrapalhar, senhor.
- Imagine. É bom receber uma amiga do meu filho e saber que ele tem alguém pra conversar, principalmente depois de tudo o que houve. - disse mantendo o mesmo tom educado, apesar de haver certa tensão em sua voz.
- E como ele está? - perguntei por perguntar, já que sabia que ele provavelmente não fazia ideia de como Finn estaria lidando com a morte de Megan.
- Ah, tentando expulsar à todo custo a empregada que eu contratei para ocupar o cargo de Megan, aquele moleque... - Soltou um suspiro de frustração.
- Sr. Wolfhard...
- Pode me chamar de Eric. - Ele sorriu pequeno. - Se até mesmo meu filho me chama assim...
- Eric... Não acha que seja difícil para ele agora com a morte de Megan? Ela p-praticamente o criou.
- Eu compreendo. - disse com o rosto neutro. - Mas não é a mãe dele, e eu preciso manter esta casa limpa, não concorda? - Ele se levantou de sua cadeira, indo até as prateleira atrás da mesa, olhando para os livros de forma distraída. - Honestamente, ele está demonstrando mais luto por ela do que pela Mary, acho isso uma completa falta de respeito.
Tudo bem, eu imaginei que não iria ser fácil. Mas ficava complicado com Eric relutando em, ao menos, procurar compreender o lado do próprio filho.
- Veja por outro lado. O Finn não conheceu a mãe como o senhor teve a chance...
Ele pareceu considerar minhas palavras.
Me lançou um olhar interessado e um tanto intrigado.
- Me diga uma coisa, Millie. O que ele diz sobre a mãe?
Havia um interesse real ali. Mas aquela pergunta era difícil de responder. Finn deixara entender várias vezes que o fato de não ter nem sequer conhecido Mary, havia lhe tornado completamente indiferente com ela. Mas eu nunca diria isso ao Eric.
- Perdão, senhor. Ele fala muito pouco dela... - menti desconcertada.
- Nunca, não é? - disse num suspiro cansado. Eric não era nenhum bobo. - Eu não sei o que faço com esse garoto. Mary deu a vida para ter ele e Finn agradece com rebeldia. Sempre foi assim...
- Como assim, senhor? - O olhei atenta.
- Durante seu crescimento, o levei em psicólogos infantis, procurei ajuda, para que ele pudesse ter uma infância o mais relativamente normal possível. Paguei muito caro por cada consulta. Você não tem ideia do quão ruim é o histórico escolar do meu filho, mesmo quando ainda era muito pequeno. Uma criança bastante hiperativa. Infelizmente, parece ter piorado com o passar dos anos. Como se já não bastasse isso, ele começou a se voltar contra mim. Era a minha esposa, eu a perdi também! - disse transtornado.
Por um momento, imaginei um menino entre seis e sete anos completamente arteiro e com problemas de se socializar com outras crianças, tendo de lidar com a morte da mãe desde tão novo.
- É possível que... ele sentisse muita falta da mãe... e precisou reagir ao luto de outra forma. - sussurrei mais para eu mesma do que para ele.
- Ele teve tudo na vida, mais do que muitas crianças por aí. Devia agradecer pelo o que tem, como um pai que nunca deixou que lhe faltasse nada.
O encarei desacreditada no que ouvira. Sério, havia algum coração dentro do peito daquele homem? Como Megan podia acreditar que ele pudesse ser capaz de se reconciliar com o filho mesmo após tantos anos?
O dinheiro não compra muitas coisas, Sr. Wolfhard, o amor incondicional materno é uma delas.
Estava a ponto de dizer algo parecido quando a porta fora escancarada e batera contra a parede com um baque.
- Eu espero que aquela mulher tenha retirado todas as coisas dela do quarto da Megan.
Encarei Finn assustada, que franziu a testa ao me encontrar ali.
- Finn, você não pode expulsar todas as empregadas que eu contratar. Eu preciso de alguém para limpar esta casa e ela precisa de algum lugar para passar a noite. - disse Eric estranhamente calmo, provavelmente por eu ainda estar presente.
- O que tá fazendo aqui, Millie? - o tom do Wolfhard não está mais alterado, mas não sou capaz nem de mentir ou dizer a verdade.
O moreno intercalou seus olhares entre o Sr. Wolfhard e eu como quem somava dois mais dois.
- Então é isso?! - Finn exclamou após algum tempo de puro silêncio, e eu não sou capaz de acalmá-lo, porque entendo totalmente sua fúria. - Vocês vão ficar aí parados sem dizer nada?
Ele deu as costas e respirei fundo, me virando para seu pai que não estava nada surpreso pela reação do filho.
- Me desculpe por isso - pedi mais pela necessidade que senti de ser educada e parti atrás do cacheado que soltava palavrões em forma de resmungos pela sala enorme.
- Sério, eu não acredito que você fez isso... - disse ao me ver me aproximar, enquanto andava praticamente em círculos.
- Pode, por favor, me ouvir? - Elevei um pouco meu tom.
- Millie, aquele homem... - Se virou para mim, esticando o braço para apontar para a sala de onde havíamos acabado de sair.
Falamos ao mesmo tempo:
- É o seu pai.
- É o responsável pela morte de Megan!
Finn arregalou os olhos ao entender o que eu disse, e estreitou os olhos em choque.
- O que você disse?
- Finn, ele foi um pai horrível durante todos esses anos, eu concordo com você nisso... Mas...
- Como assim "mas"?
- Você não acha que há alguma forma de vocês tentarem recuperar o tempo perdido? Eu não sei, eu... eu acho que nunca é tarde para...
- Não! - afirmou, enojado com aquela possibilidade. - Eu não posso acreditar que você, a única pessoa que sabe a farsa que ele realmente é, está me dizendo uma merda dessas... Porra, por que isso agora?
- E-eu... Não sei, a gente conversou...
- Essa é a última coisa que vou fazer com ele. - me cortou, com um tom de sarcasmo.
- Finn...
- Não, Millie, seja lá o que você quer me dizer, não. Eu não vou conversar com ele e te proíbo de continuar tentando falar com ele sobre coisas da minha família pelas minhas costas.
Eu devia saber que era uma péssima ideia. Principalmente pelo fato de Finn ainda estar bastante revoltado com seu pai pelo fato da briga dos dois ter ocasionado o falecimento de Megan. Mas também não devia ter esperado sucesso assim logo de cara.
Não tirava a razão de Finn por ter ficado irritado comigo. Seu pai não parecia se importar nem um pouco com o fato de ter perdido uma mãe duas vezes e isso simplesmente não entrava na minha cabeça.
Talvez eu não devesse mexer nesta história, ao menos por enquanto.
Apesar do olhar chateado que o moreno me lançava, ajudei Finn a arrumar - esvaziar - o quartinho onde Megan dormia, já que a família dela ficaria com suas coisas e o cômodo ficaria para a próxima funcionária, isso caso Finn não a expulsasse daqui a pontapés assim como imagino que fez com a primeira candidata que apareceu e fora contratada.
Percebi o olhar melancólico no rosto do cacheado por ter de esvaziar aquele quartinho, mas eu sabia que era para algum funcionário fazer isso e que essa era uma tentativa de Finn de estar envolto dos pertences de Megan pela última vez.
- Quer conversar sobre isso? - murmurei, minha voz saira tão baixa que eu mesma mal havia escutado.
- Você não acha que é cedo demais pra isso? Que ele mal esperou o caixão esfriar pra contratar outra pessoa no lugar dela? - o tom de Finn já não era mais agressivo como no escritório do pai, e sim indeciso, como se ele me questionasse se estava sendo imaturo ou não em não permitir que outra pessoa fosse contratada para as funções que Megan exercia.
- Eu entendo o que você quer dizer. - O fitei compreensiva. - Pra você não é apenas uma função, era a função dela. Entendo que queira lutar contra isso.
- É só que... Ele trata como se fosse algo simples. - Encarou a parede do quarto. - Como se a minha opinião não importasse.
Larguei as peças de blusas que guardava dentro de uma das caixas e me levantei. Segurei uma das mãos de Finn com a minha destra, olhando fundo em seus olhos.
- Agora o que importa é que ela sempre estará em seu coração, Finn. Sempre.
Ele ponderou o que eu disse, até balançar a cabeça positivamente, sorrindo pequeno.
Me afastei de forma um tanto relutante por seu olhar demonstrar o quanto Finn estava sensível com tudo o que estava acontecendo.
Abri o armário para retirar tudo de lá de dentro, começando com uma caixa branca no alto, a arrastando com cuidado por estar na ponta do pé e não perder o equilíbrio.
Algo leve caíra no chão ao conseguir trazer a caixa para o chão e descobrir que eram fotos guardadas da família de Megan.
Finn apanhou uma carta e o encarei com curiosidade.
- Mills, aqui diz que é pra mim.
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