4. A avó de Noah
Se consegui prestar atenção na aula? Mais ou menos. E pela primeira vez, Wolfhard realmente conseguiu me irritar. Porque ele tinha que ser tão convencido? Ok, ele já conseguiu ficar praticamente com a escola inteira e as meninas ficam loucas quando o vêem mas isso não é motivo para você se achar o Deus do mundo. Não importa quantas garotas você consegue "pegar".
Faço todos os exercícios rapidamente e durante as três últimas aulas, até os professores ficam impressionados por meu silêncio quando eles fazem alguma pergunta para a sala.
Pois é, até a minha vontade de focar na aula foi para o buraco.
Ok, chega. Eu nunca perco o controle e muito menos um terço de atenção na aula, não será agora que isso irá acontecer.
Respiro fundo e ouço o professor de física:
- Dilatação térmica é a variação que ocorre nas dimensões de um corpo quando submetido a uma variação de temperatura. De uma maneira geral, os corpos, sejam eles sólidos, líquidos ou gasosos, aumentam duas dimensões quando aumentam sua temperatura. Eu passarei alguns exercícios agora, se vocês quiserem optar por realizá-los em dupla não tem problema.
Bufo.
Escrevo meu nome no papel e começo a copiar os exercícios. No fim da aula, o professor não pergunta porque eu havia "preferido" fazê-los sozinha, como quase sempre acontecia antes de eu conhecer Noah.
No final da última aula, fecho meu caderno e o guardo na mochila sem pressa, ao contrário dos outros alunos.
Quando saio da sala de aula, sinto alguém passar por mim rapidamente. Minhas bochechas esquentam e o frio em minha barriga retorna quando percebo que era Jacob. O cheiro amadeirado de seu perfume chega às minhas narinas e eu inspiro profundamente, tentando sentir o máximo daquilo. O perfume dele.
Mas vendo ele indo embora sem nem me olhar, é o meu choque de realidade. A verdade era que, Jacob nunca olharia pra mim, e eu teria que me conformar com isso, querendo ou não.
Porque nos dias de hoje, garotos legais saem com garotas interessantes e ponto. Enquanto as nerds - que não são nada interessantes de acordo com a nossa atual sociedade estúpida. - ficam em casa estudando. Sempre foi assim e não é agora que isso mudará.
Não me entenda mal, eu tenho orgulho de ser do jeito que sou e nunca mudaria meu jeito ou a minha própria personalidade - que é algo único, pois é o que mais diferencia os seres humanos. - por causa de um garoto. Simplesmente não vale a pena.
E eu quero que quando eu estiver em um relacionamento de verdade, seja com alguém que me ame. Que me ame exatamente do jeito que eu sou. Mesmo que não seja o Jake.
Meu coração aperta com esse pensamento.
Só não acho certo as pessoas julgarem e apontarem o dedo para alguém que elas nem ao menos chegaram a tentar conhecer. E é exatamente isso que o grupo revoltado da minha sala faz. Isso é o que eles fazem de melhor.
Quando volto pra casa, enquanto dou uma revisada diária, aos poucos os meus pensamentos vão longe. E de repente, não estou mais tentando resolver a fórmula de delta, mas pensando na cena que presenciei na biblioteca. Do Wolfhard beijando aquela garota de tal forma que a fazia quase perder o fôlego.
Distraída, nem percebo quando levo minha mão direita, que está segurando a caneta, até meus lábios e acabo mordendo a tampa da mesma enquanto que por um segundo, eu acabo desejando estar no lugar daquela garota e que no lugar de Finn, estivesse Jacob.
Me dando conta disso, balanço minha cabeça, frustrada e abaixo minha mão.
Eu definitivamente não estou em meu estado são! O quão esse pensamento foi estranho?
Respiro fundo e volto a - tentar - me concentrar. Estou começando a ficar irritada com o Wolfhard por ter me feito pensar algo tão pervertido.
Veja bem, eu já namorei antes. Eu tinha quatorze anos na época. O Romeo era um cara legal, mas nosso relacionamento não durou mais de seis meses. Ele terminou comigo, por que teria que se mudar para a Flórida e eu não quis continuar à distância. Não parecia certo nem com ele e nem comigo. Relacionamentos precisam daqueles momentos em que estamos interagindo com alguém de forma não verbal. A forma de olhar, de falar, de rir, e uma presença geral é muito importante, porque apesar de tudo é necessário haver uma química, é preciso ter algo que nos mova por dentro... então eu aceitei o fato de que se arriscássemos poderíamos tornar o nosso relacionamento tóxico com inseguranças, desconfianças e ciúmes, por isso achei mais saudável terminar.
Se sofri com o término? Bom, um pouco. Mas eu devo admitir que foi apenas um "namorinho" e que ambos não éramos tão maduros na época. E o máximo que fizemos era nos beijar e ficar apenas nas mãos bobas, nada mais do que isso.
Meus sentimentos pelo Jacob não são a única coisa que eu omiti dos meus pais. Eles nunca souberam de Romeo. Como nós estávamos no 9º ano, e eu era um pouco mais nova, sabia muito bem que meus pais nunca iriam concordar com o meu namoro. Apesar de Romeo ser um cara legal na época, eu sabia que não ia dar certo envolver meus pais nisso. Principalmente o meu pai. Então eu nunca contei.
"Da próxima vez que resolver assistir as pessoas foderem, recomendo assistir um pornô ao invés de me espiar, pervertida."
Pego meu lápis entre as mãos enquanto me recordo das palavras do Wolfhard.
"Não finja que não queria estar no lugar dela."
Sem perceber, acabo partindo o meu lápis ao meio em um momento de raiva.
Fito o meu lápis incrédula pelo o que eu fiz e grito em frustração:
- Que droga, Wolfhard!
Naquela noite, eu estava em um total silêncio. Meu pai chegou a tempo hoje para o jantar, mas ao contrário dos outros dias, eu estava calada. Calada demais.
Eu estava com raiva até de mim mesma por ter aumentado ainda mais o ego daquele idiota. Eu sei que ele sempre foi um arrogante excêntrico mas até hoje, eu nunca havia me importado com isso. Mas agora...
Sempre ouvi de longe as meninas tagarelando sobre ele e o quanto ele é bom de sexo - isso sem contar o quão elas falam do quanto o pênis e a língua do Wolfhard podem fazer "maravilhas" -, pois é e eu acho isso um completo exagero. Sinceramente, ele nem é "tudo isso".
- Planeta Terra chamando Millie. Filha? - saio de meus pensamentos quando ouço o milésimo chamado de meu pai e me recordo de onde estou.
- D-desculpe, pai. O que foi? - pergunto, voltando a comer.
- Você está tão quieta hoje. - ele comenta achando o meu comportamento estranho. - Aconteceu alguma coisa? - pergunta, para logo em seguida tomar um gole de coca em seu copo.
- Aaahn... - sim, eu flagrei uma cena íntima de um garoto extremamente arrogante da escola e agora ele pensa que eu havia visto a cena de propósito e eu estou completamente irritada por isso. - Nada demais, pai.
- Tem certeza, querida? - minha mãe pergunta ao meu lado e eu balanço minha cabeça assentindo.
Depois do jantar, descarrego toda a minha raiva no primeiro jogo que encontro no meu quarto. Depois de meia hora, eu já estou mais calma em relação ao Wolfhard.
Quando resolvo ir dormir, Jacob retorna aos meus pensamentos e quando caio no sono, acabo sonhando com ele como em outras várias vezes.
***
- Oi. - Noah me cumprimenta enquanto prende as alças de sua mochila na cadeira ao meu lado. Seu tom é tristonho.
O que será que aconteceu?
- Oi, aconteceu alguma coisa? Você faltou ontem.
- Eu sei, me desculpe por não ter te avisado. É que... - ele hesita e eu imediatamente o interrompo preocupada:
- Se não quiser me dizer agora, tudo bem.
Ele nega.
- Não, tudo bem. É que... A minha avó está internada... - ele começa. - Eu fui vê-la ontem... Ela está com câncer, Millie.
Abro minha boca em um "o" e após um segundo, me levanto e vou até Noah para abraçá-lo. Sussurro várias vezes que vai ficar tudo bem e que sua avó vai melhorar enquanto Noah retribui o meu abraço e apoia sua cabeça em meu ombro, de forma que ninguém que possa estar na sala veja seu rosto. Fico um pouco surpresa quando ouço um soluço vindo dele e minha preocupação aumenta. A coisa mais difícil é ver um garoto chorar, ainda mais em público.
- Ela havia melhorado, Millie. - ele afirma, sua voz sai abafada por ele não levantar o rosto e trêmula pelo choro. - Mas o câncer voltou ainda mais forte. - mais um soluço.
- Está tudo bem. Não se preocupe, ela vai vencer. Aposto que ela é uma grande guerreira, Noh. - o apelido sai de meus lábios sem que eu me desse conta. Desfaço o abraço para encará-lo. Seu rosto está vermelho, assim como os seu olhos, ver essa cena parte o meu coração - Se você quiser eu vou visitar a sua avó no hospital com você.
Ele tenta sorrir.
- Obrigada, Millie. Eu... - ele é interrompido por uma voz feminina atrás de mim que está acompanhada de vários risos:
- Olha só, o nerdzinho da sala está chorando! - Apatow exclama.
Me viro rapidamente, com raiva.
- Coitadinho! - mclaughlin exclama em tom sarcástico. - Aconteceu alguma coisa, Schnapp? - ele ri junto com o resto do grupo antes de continuar. - Aposto que foi por que sua mãe percebeu o quão o filho dela é esquisito, não é mesmo pessoal?
Agora chega, eu não posso deixar eles zombarem de Noah com ele neste estado. É uma tremenda covardia.
Me levanto furiosa.
- Quem vocês pensam que são?! Deixem ele em paz! - eles apenas riem.
- Pare, Millie. Não vale a pena. - escuto sua voz ainda um pouco trêmula atrás de mim.
- E se não deixarmos?! O que você vai fazer?! - o Wolfhard se pronuncia. Seu olhar é penetrante e eu sei que ele está tentando me desafiar para ver se eu conseguirei responder à altura. Mas sua pergunta desmancha a minha súbita coragem.
Fico parada, sem responder enquanto eles me fitam em afronta.
Antes que eu possa tentar retrucar, o professor de matemática entra na sala, nos interrompendo e eles saem de perto da gente depois de nos lançarem um olhar de triunfo.
Suspiro e sento em meu lugar. Fito Noah e vejo que seu rosto já voltou ao seu tom de pele normal.
- Não devia ter feito isso.
- Eu não podia deixar eles mexerem com você, com você nesse estado. - respondo e um pequeno sorriso finalmente invade seus lábios.
- Obrigado, Millie.
Retribuo o sorriso e viro meu rosto para o professor.
Resolvo não comentar com Noah a respeito do episódio - o que havia acontecido na biblioteca - de ontem porque (a) ele está péssimo e provavelmente sem cabeça para falar disso e (b) seria algo muito constrangedor.
Mas no intervalo, ele felizmente já estava mais calmo e me surpreende quando me pergunta como foi os estudos com o Wolfhard enquanto íamos até a fila da cantina para pegarmos algo para comer:
- E você nem me disse, como foi os estudos depois da aula?
- Bom... - repenso tudo que aconteceu e só agora percebo que foi bastante coisa para apenas um dia. - você sabe o quão animado ele estava para estudar comigo, certo?
- Ele deu o cano em você. - ele deduz, sua expressão torna-se zangada, o que me deixa surpresa, pois Noah assim como eu nunca se irrita facilmente. Estou começando a perceber que o grupo de Iris está mudando cada vez mais nós dois e não estou gostando nada disso.
- Não. Bem... quase isso. Ele apenas se recusou.
Noah franze a testa.
- "Ele se recusou"? - ele repete minhas palavras em um tom incrédulo.
Balanço minha cabeça assentindo.
- Exatamente. Segundo o próprio, ele sabe muito bem ler e escrever e que é capaz o suficiente de estudar sozinho. - explico, tentando usar palavras menos hostis para dizer o que o Wolfhard disse.
A expressão de Noah não está nada boa.
- Capaz? Pois ele não parece nada capaz! - ele exclama.
- Eu sei.
- E o que você dirá para o professor?
- Nada. Eu não posso simplesmente obrigá-lo. - respondo.
- É, - ele reflete. - Talvez tenha sido melhor assim. Agora você não terá dor de cabeça e muito menos escutar as baboseiras que ele diz.
Balanço minha cabeça em concordância enquanto vamos até a mesa mais próxima para nos sentamos já que já tínhamos pego nossas bandejas com comida.
***
Fiquei satisfeita de passar as próximas aulas ao lado de Noah. Agora que ele estava mais calmo, conversamos animadamente no fim de cada aula. Era realmente ótimo tê-lo de volta. Prometi a ele que iríamos visitar sua avó no hospital às 16h00 e que eu ficaria ao seu lado sempre que ele precisasse, principalmente quando ele fosse visitá-la sozinho - quando os pais dele estivessem trabalhando, por exemplo - e precisasse de apoio.
Quando o sinal toca na hora de ir embora, Noah se despede de mim e sai da sala junto com alguns outros alunos enquanto eu me levanto e passo as alças por meus ombros, me viro para sair da sala também mas acabo batendo contra um abdômen - bem definido, aliás - de alguém que eu não havia percebido que estava ao meu lado.
- Desculpe. - murmuro.
- Será que é tão difícil olhar para onde anda, Brown, ou é uma tarefa muito difícil? - o Wolfhard exclama enfurecido.
Trinco os meus dentes e fecho minhas mãos com uma força que eu não tinha ideia que eu tinha.
- O que você quer agora?! - pergunto, ficando surpresa pela grosseria em minha voz. Eu nunca havia tratado ninguém assim antes. Mas o Wolfhard não parece ligar. Na verdade, ele parece estar se divertindo bastante.
- Eu resolvi estudar com você. - ele diz, como se não fosse nada.
Ah, que lindo!
- O quê?!
Esse garoto é bipolar ou o quê?!
Ele dá de ombros.
- Eu não tenho nada melhor pra fazer mesmo. Vamos? - e ele sai da sala sem olhar para trás.
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