37. A primeira consulta de Finn
Meu despertador havia ficado no silencioso mas apenas o som do aparelho vibrando era suficiente para que despertasse.
Contudo, me surpreendi quando notei que o corpo de Finn estava sob o meu quando tentei me mexer. Ele respirava profundamente, a expressão tão suave quanto a de um anjo. O braço descansava em volta da minha cintura.
O quarto estava pouco iluminado pelo horário, o pouco de claridade que o adentrava era pela janela do corredor.
Sorri ao observá-lo dormindo. Enfim, toda aquela tensão de ontem com meus pais havia valido à pena.
As suas olheiras ainda estavam lá, mas felizmente menos aparentes em comparação ao dia anterior.
Seu rosto tão sereno e tranquilo era algo realmente lindo de se ver. Observei seus olhos, sua boca. As sardas salpicadas em suas bochechas e nariz, o que eu achava mais atraente nele. Perfeito.
A vibração do celular começou a me irritar, trazendo-me de volta para a realidade, tínhamos aula.
Suspirando, retirei seu braço sobre mim com cuidado e me levantei para desligar o aparelho irritante ao lado da minha cama.
Em seguida, me virei para Finn, que continuava dormindo. Parecia que o mundo poderia desabar que ele não acordaria.
Sorri com esse pensamento e resolvi deixá-lo dormir mais um pouco. Pelo que pude perceber ontem, ele toma banho e se veste mais rápido do que eu, então não haveria problema deixá-lo descansar um pouquinho mais.
Peguei uma roupa para a escola no armário, um pouco preocupada com o maldito ranger da porta. Ao fechá-la com cuidado, me virei para o cacheado. Ele não havia movido um músculo.
Abafei um riso e caminhei ao banheiro. Enquanto a água caía em meu rosto, ficava um pouco mais desperta. Tentei me apressar um pouco mais do que o normal, já que seríamos dois tomando banho, mas não funcionou tanto. O frio do lado de fora em contraste com a água quente do chuveiro não ajudava muito.
Me vesti no banheiro mesmo. Coloquei a camiseta que Sadie havia comprado para mim e um moletom branco por cima, com a estampa das Relíquias da Morte.
Voltei ao quarto para colocar um tênis e pentear meu ninho - cabelo - dando graças a Deus por Finn não ter acordado até aquele momento e tê-lo visto.
Deixando a escova sobre a estante, fui até o colchão do cacheado e fiquei de joelhos para tentar balançar seu corpo de leve, sem ter certeza de como acordá-lo.
- Finnie? - murmurei. - Ei, Finnie...
Ele abriu os olhos lentamente. A expressão sonolenta dele me fez sorrir e baguncei seus cabelos por instinto.
- Não me diz que são seis da madrugada, Millie. - murmurou ele, esfregando os olhos, o tom rouco de sono.
- São seis e meia da manhã. - o corrigi, achando graça da sua expressão de birra de quem claramente não queria levantar. - Vai tomar banho antes que se atrase.
- Eu posso levantar mais tarde. Levo cinco minutos para estar pronto e cinco para comer alguma coisa. - disse, virando-se para o outro lado, cobrindo até a cabeça com o cobertor.
Suspirei e murmurei um ok.
- Mas se eu não ouvir o chuveiro em dez minutos, virei te arrastar para o banheiro. - avisei num tom brincalhão, apesar de estar falando sério.
- Já está querendo tomar banho comigo, não é, Mills? - sua voz rouca tentou me provocar.
Dei um tapinha no lugar em que julguei ser o seu ombro e me levantei, me perguntando como ele podia pensar em uma coisa dessas logo cedo de manhã.
Encontrei mamãe na cozinha preparando as torradas e mais algumas coisas, vestindo um pijama de frio, assim como eu, os cabelos presos em um coque. Sobre a mesa já estava meu achocolatado e meus tão adorados waffles com calda por cima. Com o estômago já roncando, me sentei.
- Oi. Cadê o Finn? - ela se virou para mim, sorrindo.
- Deitado. - respondi, enquanto a mesma colocava o prato com as torradas sobre a mesa.
- Vocês vão se atrasar. - ela repreendeu, sentando-se à minha frente.
Eu sorri. Não havia puxado a pontualidade de papai.
- Não se preocupe, não vamos. - garanti, antes de dar uma boa mordida no meu waffle.
A mesma assentiu.
- Ele conseguiu dormir? - perguntou, o tom um pouco preocupado.
- Pelo o que pude notar, sim. - respondi, tomando um longo gole do achocolatado, queimando um pouco a língua acidentalmente.
Ela assentiu.
- Notei as olheiras. Aquele menino passou noites em claro. - comentou.
- Eu sei... - não gostava nem de pensar nisso, muito menos no responsável.
- Querida - a encarei, notando o tom um pouco sério ou triste, não soube dizer. - não pode ajudá-lo.
Minhas sobrancelhas se juntaram e precisei de um segundo para compreender o que ela queria dizer com aquilo. O ar da cozinha ficou pesado e eu acabei fechando a cara.
- Como assim, mãe? - questionei, dando um leve riso incrédulo. - É claro que eu posso.
Afinal, o que ela queria dizer com aquilo?
- Pode. Você pode. Mas ele não pode ficar dependente de sua ajuda. - disse ela, assentindo. - Se ele ficar, não estou dizendo porque vai acontecer, mas quando vocês terminarem, ele ficará pior do que já está.
Suas palavras me atingiram como um tapa, fazendo parte da minha felicidade dissipar-se. Mamãe não estava falando por mal, dava para notar isso claramente pela preocupação em seu tom, mas não poderia conter a chateação que me atingia.
Tentaria fazer o impossível para ver Finnie bem, dormindo oito horas por noite e sem as acusações doentias e sem cabimento algum de seu pai lhe aflingindo o tempo todo. Mas o que ela queria que eu fizesse? O deixasse nessa sozinho? E por que diabos estava falando sobre término quando estávamos tão bem? Afinal, não havia motivos para que ele e eu terminássemos. Nunca o deixaria. Sentia que precisava dele assim como meus pulmões precisam de ar.
- Isso não vai acontecer. - afirmei, um pouco seriamente demais.
- Tudo bem. Eu sei, vocês se gostam. Mas pense nisso.
Eu não pensaria. Queria fingir que simplesmente não havia escutado suas palavras. De repente, senti vontade de sair da mesa, mesmo que ainda estivesse com muita fome.
O contato intenso de nossos olhares fora cortado quando o motivo daquela conversa completamente estranha adentrou a cozinha.
- Bom dia. - o cacheado disse, e pelo seu tom meio contido, havia ficado claro que ele havia sentido a tensão presente no ambiente.
- Bom dia. Sente-se Finn. - mamãe abriu um sorriso para o mesmo.
Não era falso, mas havia ficado irritada com ela. Como ela me dizia aquilo e depois o tratava daquele jeito no segundo seguinte?
O mesmo arrastou a cadeira ao meu lado e ocupou seu lugar.
Resolvi deixar aquilo de lado e me voltei totalmente para o cacheado. Os cachos estavam secos, o que mostrava que o frio o impediu de molhá-los, e também não estavam realmente definidos, ele provavelmente devia ter penteado o cabelo.
- Você realmente foi rápido. - observei impressionada, tntando afastar as palavras da minha mãe para longe.
Em resposta, Finn piscou pra mim.
O mesmo se serviu com uma simples xícara média de café forte e roubou um pequeno pedaço do meu waffle, recebendo um tapinha no braço de minha parte por sua audácia.
Tomar café da manhã com ele era algo realmente muito bom, e me passava uma calmaria muito boa, logo eu já tinha esquecido a conversa com minha mãe. Senti aquela necessidade de que aquilo se repetisse mais vezes.
Nos despedimos da minha mãe antes de irmos pegar nossas mochilas e sair.
Fomos pra escola com o mesmo reclamando um pouco de sono, mas não pude deixar de sorrir feliz por ele ter conseguido dormir em paz ontem à noite.
Para animar um pouco seu ânimo, peguei meus fones de dentro da mochila e lhe entreguei o lado direito antes de selecionar a música About a Girl.
O mesmo sorriu pra mim e parou de reclamar na hora.
- Espertinha, me colocando pra ouvir a nossa música. - ele me provocou, enlaçando meu pescoço.
O encarei um pouco surpresa.
- 'Nossa música'?
- Claro. Já que a ouvimos no dia em que... - ele desviou os olhos e se calou, continuando andando como se o assunto tivesse simplesmente se encerrado.
- Em que o que, Finn? - insisti.
- Em que percebi que o que eu sentia por você era diferente. - ele desviou os olhos, como se revelasse um segredo.
Parei de andar e toquei seu rosto, obrigando-o a parar também. Estava me lembrando das lágrimas em que haviam escapado dos meus olhos no fim daquele dia, em como me senti quando ele agiu de forma tão estúpida quando Iris ligou. Foi o momento em que percebi que não estava mais apaixonada por Jacob, e sim por ele.
- Também percebi isso naquele dia... - murmurei.
- Fui tão babaca com você. - ele murmurou de volta, o arrependimento claro em seu tom. - Como pode ter começado a gostar de mim naquele momento?
- Acho que a decepção abriu meus olhos.
- Não queria que você tivesse percebido daquela maneira. - diz, sincero.
- Eu sei. - assenti.
Quando havíamos voltado a andar, percebi que havíamos perdido boa parte da música e Finn riu quando a voltei do começo.
As aulas foram um pouco mais monótonas hoje, pela troca de temas em praticamente todas as diciplinas, tivemos basicamente revisão com algumas questões e textos dos novos assuntos.
Foi decepcionante e chato. Gostava muito mais de discutir sobre os assuntos com o professor do que ficar copiando rios de textos.
Percebi certa distância entre os amigos de Finn, Noah e eu. Provavelmente ele os estava impedindo de mexer novamente com nós dois, mesmo que Iris não se importasse se eu era namorada dele ou não, na verdade, com certeza isso a estava deixando cada vez mais irritada.
No intervalo, saí com Sadie e Noah da sala, sem nos importarmos muito por eles estarem vendo ou não. À essa altura, Iris parecia ter entendido que não poderia fazer nada a respeito para tê-la de volta.
Havíamos combinado de comprar lanches para nós três ao invés de comer a comida da cantina como Noah e eu sempre fazíamos, então havia trago um pouco de dinheiro dessa vez. Papai sempre deixava um dinheirinho sobre minha estante quando eu esquecia de pedir. Para que comprasse um jogo novo ou algum lanche quando não quisesse comer as sobras do jantar assim que chegasse da escola.
- Podem ir, eu compro os lanches. - falei para os dois no corredor.
Sentia que eles gostariam de ficar um tempinho sozinhos pra variar um pouco. Ambos assentiram e cada um entregou o dinheiro.
Segui pelo corredor e adentrei o pátio lotado de alunos. Fui até a fila da lojinha ao lado da cantina, onde vendiam doces e vários tipos de salgados. A fila estava enorme e meu tamanho nunca ajudava na hora de pedir. Era apenas uma moça para toda aquela gente.
- Três lanches, por favor. - pedi, após uns dez minutos que, para mim, pareceram uma eternidade.
Deixei o pátio satisfeita por estar cada vez mais distante de todo aquele falatório e entrei na biblioteca.
Não encontrei Sadie nem Noah e presumi que eles estavam mais para o fundo. Passei por algumas prateleiras e deixei nossos lanches sobre a mesa que mais utilizávamos para sentar para comer e conversar.
Continuei andando e os encontrei na última prateleira encostada na parede. Sadie estava sobre o primeiro degrau da escada com Noah à sua frente, sorri satisfeita por ter acertado em cheio ao vê-los se beijando.
Me afastei para lhes dar um pouco mais de privacidade e virei no corredor entre as pratreleiras para ir até a mesa onde estavam nossos lanches.
Me sentei e saquei o celular do bolso do meu jeans quando o total silêncio da biblioteca me possibilitou de ouvir a porta bater. Estranhando aquilo, me virei. Me perguntei se alguém havia acabado de entrar ou sair e quem teria sido, pois era horário de almoço da Sra. Teresa.
- Millie? - escutei Sadie me chamar, provavelmente para checar se havia sido eu.
- Estou aqui. - falei.
Eles vieram até onde eu estava. Noah com um sorriso feliz no rosto, já Sadie não sorria, parecia preocupada.
- Você que bateu a porta? - perguntou ela.
Com a barriga roncando, deixei meu celular sobre a mesa e desembrulhei o papel do meu lanche. Em seguida, levantei os olhos para respondê-la enquanto dava uma mordida.
- Eu devo tê-la deixado aberta, ela deve ter batido. - foi o que lhe respondi.
Afinal, era a única explicação.
A ruiva hesitou, mas resolveu dar de ombros e se sentar também, assim como Noh.
Comemos em silêncio por um tempo. O silêncio agradável preenchia a biblioteca. Comecei a fitar as prateleiras por um instante, pensando em, talvez, pegar algum livro alguma outra hora.
- Nossa, estão bons. - elogiou a ruiva, quebrando o silêncio.
- O lanche daqui é ótimo. - concordou Noah.
- Então por que vocês ficam pegando comida da cantina? - questionou a mesma.
- Não sei - dei de ombros, após terminar de mastigar. -, para não ficar comendo lanche todo dia, eu acho.
Ela riu:
- Uma americana acabou de dizer isso mesmo?
Soltei uma gargalhada curta.
- É, acho que sim.
Não conversamos muito hoje. Ao invés disso, fiquei limpando as prateleiras perto da mesa da bibliotecária, apesar de sentir que Sadie havia ficado um pouco tensa por causa do estranho ocorrido com a porta, mesmo que eu tivesse repetido mais de uma vez que provavelmente havia sido descuido meu.
As três últimas aulas foram praticamente iguais às primeiras, menos, é claro, pela aula de sociologia. A aula em que Finn trocava de lugar com Noah. Contudo, o professor simplesmente havia resolvido trocar todos de lugar de novo. Segundo ele, por termos conseguido nos dar melhor com ambos os nossos parceiros.
Obviamente que ninguém havia ficado feliz após já termos nos acostumado com nossas duplas. Mas a minha única preocupação foi ter que fazer dupla com a Apatow, isso sim, seria uma tortura.
O professor Pedro passou a mudar algumas fileiras de forma totalmente aleatória e eu já estava prevendo a merda quando ele chamou o meu nome:
- Millie?
- Sim? - respondi.
- Por favor, troque com a Edith.
O alívio me atingiu. Eu sentaria ao lado de Sadie. Olhei para Noah com um sorriso e fizemos acenos de cabeça antes de eu me levantar.
Edith era uma aluna loira e tímida que nunca participava das aulas. Na verdade, eu mal conseguia notá-la na sala. Pelo visto, seria difícil para Noah conseguir fazer amizade com ela.
O professor pediu o mesmo exercício das perguntas para todos e, assim como o anterior, teríamos uma semana para entregá-lo.
Bom, eu não tinha certeza se o Sr. Pedro me manteria como dupla de Sadie, já que ficávamos rindo juntas e não conseguíamos prestar tanta atenção na aula como os outros. O que era estranho, já que antes eu estava ansiosa pela aula dele, agora minha conversa com a ruiva parecia um milhão de vezes mais interessante.
No fim da aula, estava pronta para pedir o caderno de Noah, que, apesar do professor utilizar a lousa muito dificilmente, tanto Noh como eu, sempre tirávamos notas do assunto abordado.
Porém, assim que recoloquei meu material em seu devido lugar, Noah me olhou desanimado pela escolha de sua dupla e murmurou:
- Sem chance.
Eu ri enquanto me sentava.
- Calma, você vai conseguir fazer o exercício. Ela só precisa de tempo. - o encorajei.
- Millie, ela parecia que ia ter um ataque a cada vez que olhava pra mim. E eu não estou exagerando. - arqueei a sobrancelha para ele. - Ok, talvez um pouco. Mas não totalmente.
- Relaxa - toquei seu ombro. -, vocês vão dar um jeito. Qualquer coisa fala com a Sadie, ela era a dupla antiga da Edith.
Ele suspirou e assentiu. Noah odiava ter a nota prejudicada por outra pessoa, por isso gostava de fazer dupla comigo. Nosso dez era quase sempre garantido.
Depois da aula, me despedi dele e da ruiva e arrastei Finn até a biblioteca, que simplesmente parecia estar com preguiça de estudar hoje.
- Vamos tirar uma folga hoje? - implorou ele, abrindo o caderno por livre e espontânea pressão minha.
- "Uma folga"? - ri debochada. - Uma folga dos estudos?
Ele assentiu.
- Isso aí. - concordou.
- Você é muito cara de pau. - desdenhei, abrindo o livro de filosofia para ele. - Aqui, página duzentos e três.
- Argh, Mills. - resmungou.
- Não me chama de Mills. - avisei, notando o golpe baixo de longe.
Não respondia por mim quando ele me chamava assim.
- Não gosta mais? - ele sorri, levando a mão até meu rosto para colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
O toque de Finn parecia gerar uma reação espontânea no meu corpo e o pior era que ele parecia estar ciente disso.
- Gosto, mas se você continuar com isso... - ele desceu a mão para a minha nuca, acariciando o local com os dedos enquanto aproximava um pouco o rosto. - Vou acabar cedendo...
Ele sorriu, vendo que estava funcionando e eu realmente pensei em deixar os estudos para o dia seguinte mesmo.
Finn se inclinou para beijar meus lábios, mas a prova de filosofia que teríamos amanhã me fez repensar novamente.
- Só essa matéria, Finn. Ok? - virei o rosto e o cacheado apoiou o queixo no meu ombro, como se tivesse errado o alvo.
Ele se afastou com um sorrisinho.
- Tá querendo me matar?
- Deixa de drama, vai, leia o texto da página duzentos e três.
Ele bufou um 'está bem' e obedeceu.
Olhei no celular para checar a hora e decidi que provavelmente conseguiria marcar finalmente uma consulta para o cacheado. Pedi seus documentos e o mesmo os deixou separados sobre a mesa.
Peguei o número de telefone já salvo no celular e liguei. Tocou três vezes antes de uma voz bonita de mulher soar do outro lado da linha:
- Clínica Welfare, boa tarde.
- Boa tarde, eu gostaria de marcar uma consulta no psicólogo.
- Para a senhorita?
- Não, não, para... - hesitei por algum motivo em dizer que era para meu namorado, não soava mal educado na minha cabeça, mas de alguma forma resolvi não dizer isso. - um amigo.
Finn abafou um riso do meu lado enquanto respondia à primeira questão em seu caderno e eu o cutuquei com o cotovelo.
- Está bem. - ela precisou de um instante. - Qual o nome completo dele?
- Finn Skata Wolfhard. - ele respondeu antes que eu pudesse lhe perguntar. O fitei um pouco surpresa e o mesmo me olhou dando de ombros. - Ela é meio escandalosa.
Abafei um riso e continuei dando informações para a mesma. Ela pediu o CPF e o RG do mesmo e o número de telefone que só então eu descobri que sabia de côr.
Após dar todos os dados necessários, a mesma avisou que a consulta ficou marcada para amanhã e logo perguntei o preço. Arregalei os olhos quando ela disse o valor, mas o cacheado murmurou:
- Seja lá qual for, pode aceitar.
Respondi que tudo bem para a moça e desliguei após agradecer e então o mesmo me fitou com aquele sorrisinho de canto.
- Como sabia meu número?
- Eu... não sabia que sabia...só acabei memorizando. - respondi com sinceridade, um pouco sem jeito.
- Sabe o número do Romeo? - ele se voltou para o livro.
- Humm... 1-832-56... - o olhar dele me fez interromper Imediatamente. - O-obviamente que ele deve ter trocado.
Ele apenas riu.
- Para quando é a consulta?
- Amanhã, às três.
- Mas já? - ele pareceu realmente desconfortável.
- Não precisa ficar nervoso. É praticamente como ir ao médico fazer um enxame.
- É, um médico que vai perguntar sobre a minha vida. - ele rebateu, realmente desconfortável.
Suspirei e peguei em sua mão.
- Finn, colocar o que sente pra fora, vai te fazer bem.
- Prefiro fazer isso com você. - respondeu, num tom um pouco birrento.
Eu ri, achando ele fofo.
- E você pode, mas precisa ser alguém que entenda e que possa te ajudar. - naquele momento, as palavras da minha mãe vieram à minha mente e foi quando eu compreendi o que ela quis dizer. Ele precisava ir ao psicólogo para melhorar, contudo só estava fazendo aquilo por insistência minha, quando ele tinha que fazer isso por ele mesmo. - Me promete uma coisa?
- Hum?
- Que vai continuar indo ao psicólogo nos dias em que ele pedir, mas vai fazer isso por você e não por mim. - pedi.
- Para ser sincero, só estou fazendo isso por sua causa, Millie. - foi sincero.
- Eu sei. Mas agora me prometa que, não importa o que acontecer, você vai tentar melhorar. - ele suspirou e desviou os olhos para o caderno. - Finn... - implorei.
- Está bem. Eu prometo. - ele assentiu, fazendo uma carena, como se deixasse claro que ele não havia gostado daquilo, mas fiquei feliz por Finn ter prometido.
- Mas é estranho...pensei que a clínica fosse pública. - falei, como se lhe pedisse desculpas.
- Deve ter se enganado. Qual o nome dela?
- Welfare.
- É particular. - ele disse, voltando-se ao livro. Um instante depois, ele me olhou e completou quando notou a dúvida em meus olhos. - Passei lá várias vezes pra fazer consulta. Mas não se preocupa. Apesar do Eric ser do jeito que é, ele me dá dinheiro para que não seja necessário eu ficar pedindo o tempo todo e...bom, digamos que é um bom dinheiro.
- Entendi.
O mesmo arrastou o caderno para mim.
- Já terminou? - falei, surpresa.
Contudo quando o virei em minha direção para que eu pudesse corrigir, o mesmo bufou:
- Depois você corrige isso. - e em seguida tomou meus lábios.
Eu não resisti e retribuí ao beijo. Finn passou a língua delicadamente na minha, voltando a segurar minha nuca outra vez. A sensação de beijá-lo era sempre tão intensa. Finn era como uma droga da qual eu nunca me cansava. Me inclinei para frente, tentando ficar mais perto dele.
Quando vi, o beijo já havia se tornado mais intenso. Segurei seus cabelos com certa força e Finn grunhiu em minha boca. Ele desceu os beijos para a minha mandíbula até chegar ao meu pescoço.
Já havia perdido o controle para pensar em parar e me preocupar caso alguém entrasse na biblioteca agora. Finn era o único capaz de conseguir me fazer esquecer tudo ao nosso redor.
Um gemido involuntário escapou de meus lábios, o que fez o cacheado repetir o ato contra meu pescoço. Ele segurou minha cintura e me puxou, se levantando para deixar meu corpo sobre a mesa. Não me importei com o barulho de alguns cadernos caindo no chão.
Ele se colocou entre minhas pernas e voltou a me beijar, segurando minhas coxas. Comecei a me perguntar até onde iríamos quando Finn pressionou sua ereção contra a minha intimidade.
Eu abri os olhos. Não iria ter relação com ele aqui na escola. Por mais que eu estivesse com vontade.
- Finn... - afastei minha boca da sua enquanto o mesmo voltou seus lábios para meu pescoço, meu tom de voz havia saído estranho e eu limpei um pouco a garganta para poder falar: -Não podemos fazer isso aqui...
Ele parou por um instante, como se tentasse se controlar e respirou fundo contra a curva do meu pescoço, querendo respeitar a minha vontade.
- Eu sei. - murmurou.
Ele se afastou para que eu pudesse descer da mesa e o fiz. Pegamos seu caderno e os livros que haviam caído no chão e passamos a guardar nossas coisas, já que ele realmente parecia estar fora do clima de estudar hoje.
A porta da biblioteca se abriu atrás de nós e a Sra. Teresa entrou, com um copo de café na mão e uma expressão nada amigável no rosto.
Finn e eu nos no mesmo instante, pensando na sorte que tivemos por termos parado há tempo.
Mandei mensagem de noite para o cacheado para lhe perguntar se Megan poderia ir com a gente no consultório. Além do mais, ele precisava ao menos ser acompanhado por algum adulto que o conhecesse mesmo que não fosse seu responsável, já que o mesmo estava totalmente fora de questão.
O mesmo me assegurou que a faria ir e desliguei para ir jantar.
Na mesa, notei que meus pais estavam um pouco mais quietos do que o normal, mas não senti nada no ar e resolvi ignorar a sensação. Mamãe havia feito macarrão com queijo, que estava tão bom que eu mal os olhava.
Não tive outra conversa relacionado com o assunto que mamãe abordou hoje de manhã, mas ela não parecia ter ficado brava de como eu havia reagido. Compreendia seu ponto, entretanto não queria falar no assunto de novo e estava grata por ela não ter dito mais nada também.
- Como está Finn? - papai me olhou.
- Bem. - tomei um gole do meu copo de suco antes de continuar, abrindo um sorriso. - Obrigada por deixá-lo dormir aqui ontem, pai.
Eu sabia que permitir Finn ficar aqui em casa ontem não havia sido tão fácil pra ele, contudo papai não retribuiu.
- Filha, você não está sabendo. Mas havia sido claro quanto ao fato dele não poder ficar aqui sozinho com você ou você ir até a casa dele na semana. E ele descumpriu o acordo.
Suspirei levemente. Finn havia me alertado que provavelmente meu pai somaria dois mais dois quando eu explicasse o porquê dele vir dormir aqui em casa, no momento não me pareceu algo que realmente significasse. Mas agora eu teria que explicar e pior: dizer que havíamos desobedecido.
E desobediência era algo que papai não tolerava.
- Estou ciente. - falei friamente.
Ele pareceu se irritar mais ainda.
- Ah, ótimo. - disse ele, de forma um tanto áspera. - Então você sabia. Melhora ainda mais a sua situação.
- David. - mamãe fechou os olhos.
- Aah, não me venha com "David", Winona, Millie errou e vai ficar de castigo! - afirmou.
O encarei com a boca entreaberta. Não era possível que ele não via o quanto estava exagerando.
- O quê? Só porque eu não segui as suas regras idiotas?! - me levantei, sentindo-me bastante irritada. Se ele queria que eu obedecesse, tinha de falar comigo para começo de conversa.
- Olha o tom, garota. - avisou.
- Não. - balancei a cabeça. - Eu não vou ficar sem ver o meu namorado porque meu próprio pai não confia em mim. - apontei, fazendo menção de sair.
- Ei, ei. Espere aí! - exclamou o mesmo.
- Me castigue se quiser. - dei de ombros, deixando meu prato pela metade e subi para meu quarto.
Mais tarde, mamãe bateu à porta, me encontrando concentrada no videogame.
- Querida.
Desisti da partida, mesmo sendo online. A encarei enquanto a mesma entrava e se sentava ao meu lado.
- Estou muito encrencada? - perguntei, num tom baixo e delicado.
Ela sorriu.
- Você nunca enfrenta seu pai. Ele ficou bravo, mas sabe que está errado em um ponto. - assenti. - E você também.
- Eu sei. - desviei os olhos. - Sinto muito, quando Finn me contou fiquei muito irritada. E então reagi mal.
- Isso é novo para vocês dois, filha. Não pegue tão pesado com ele.
Disse a mesma antes de me dar boa noite e sair.
***
Finn simplesmente não parava de se mexer na cadeira azul acolchoada de espera da clínica, o que me arrancava alguns risinhos vez ou outra.
A sala era espaçosa e, apesar do quase total silêncio, metade dos outros bancos estavam ocupados por pessoas que também esperavam atendimento. Havia um balcão do outro lado, onde estavam três recepcionistas.
Quando havíamos chegado, tratei de deixar Megan falando com uma delas e lhe entreguei os documentos de Finn, para afastá-lo dos olhares nada discretos da que aparentava ser mais nova.
Enlacei seu pescoço e o puxei para nos sentarmos do outro lado, longe da mesma.
O mesmo não disse nada, apenas sorriu de lado e depositou um beijo no canto da minha boca antes de deixar eu puxá-lo pela mão.
- Por que caralhos está demorando tanto? - murmurou para si mesmo, olhando ao redor enquanto deitava o pé sobre a perna.
- Tenta relaxar, faz apenas quinze minutos que chegamos. - murmurei de volta.
O ambiente estava tão silencioso e calmo que parecia ser errado falar em um tom alto.
Finn bufou, deixou o pé novamente no chão e escorregou as costas na cadeira.
- Pra mim faz uma eternidade. - afirmou de cara feia.
Ri e baguncei seu cabelo, levando meu olhar instintivamente para a recepcionista que havia secado Finnie. A mesma não nos olhava com uma cara muito boa.
- A recepcionista disse que o médico chegou a pouco tempo. - avisou Megan.
Finn murmurou um palavrão e eu lhe dei um soquinho no ombro.
- Pare com isso. - pedi.
Ele aproximou o rosto do meu ouvido e sussurrou para que apenas eu conseguisse ouvir, o tom rouco fazendo os pelos da minha nuca se eriçarem:
- Se fizer isso de novo, vou tascar um beijo em você na frente de todo mundo, inclusive da garota que está te incomodando.
Entreabri os lábios, surpresa e ao mesmo tempo tentada, contudo uma voz masculina preencheu o ambiente assim que uma das portas brancas à nossa frente se abriu:
- Finn Skata.
Finn olhou para frente, como se não tivesse me dito nada demais no segundo anterior e se levantou em um sobressalto:
- Wolfhard. - corrigiu.
A porta se fechou e eu suspirei, esperando que fosse tudo bem e que ele não achasse tão ruim ao ponto de não querer voltar.
- Como conseguiu?
Encarei Megan sem entender.
- Como?
- Como conseguiu convencê-lo? - repetiu a mesma, sorrindo gentilmente.
- Ah, não sei, eu...tivemos uma briga e um pouco depois ele acabou aceitando. - sorri um pouco. - O que aconteceu quando Finn voltou pra casa?
- O Sr. Wolfhard deve ter percebido que vocês estão juntos então não se importou. - disse ela.
- Claro que não se importou. - murmurei mais para mim mesma, desviando os olhos para o chão.
- Millie, não quero passar pano para as coisas que o pai de Finn fez com ele, mas não o odeie. - pediu ela.
- Como assim? - me virei para ela. - O que quer dizer?
- O Sr. e a Sra. Wolfhard eram realmente muito apaixonados quando ela era viva. - começou ela, parecendo feliz em lembrar daquele tempo. - Pareciam feitos um para o outro. E perdê-la...
Pensei nisso por um segundo. No quão difícil deve ter sido para o mesmo, vendo sua mulher morrer após dar à luz. Mas colocar a culpa no bebê, alguém tão inocente...
Balancei a cabeça em discordância.
- Não justifica. - afirmei. - Não justifica tudo o que ele está fazendo o próprio filho passar.
- Eu sei. - ela assentiu, com lágrimas brotando no canto dos olhos. - Eu sei que não. Mas ver o amor da sua vida morrer, e ter que criar um bebê sozinho, do qual ele nunca quis ter...
- Ele não queria ter filhos? - questionei.
Ela negou.
- A empresa estava indo muito bem e ele sempre foi um homem ocupado. Mas a Sra. Mary insistiu tanto...dizia que seu sonho era ser mãe. - sussurrava, e eu senti sua tristeza. Mary nunca pôde realizar seu sonho, nem sequer vê-lo. - Ele cedeu por ela. E quando ela se foi...
- Então ele nunca se importou com o Finn...
- Não é isso, o Sr. Wolfhard chorou muitas vezes por seu próprio comportamento. Por não conseguir nem sequer olhar pra ele sem lembrar da esposa. Ele joga toda a culpa no filho quando está muito bêbado. Sóbrio, ele se mantém distante.
Desviei os olhos, sentindo-me confusa. Era um ponto de vista diferente do de Finn. Megan estava praticamente me dizendo que Eric sofria pelo modo de como tratava Finnie, como se... quisesse mudar.
- Por que está me dizendo tudo isso?
Ela segurou a minha mão, olhando fundo em meus olhos, como se estivesse prestes a me fazer um pedido muito importante.
- Acredito num milagre. Em que o Sr. Eric pede perdão e o filho consiga perdoá-lo, e eu acho, Millie, que você é esse milagre.
Fiquei sem palavras. O que Megan estava me pedindo...
- Eu sou só namorada dele... - comecei, abrindo um sorriso meio sem graça.
- Eu vejo como ele te ama, Millie. Finn nunca se abriu para ninguém como fez com você. Se tem alguém que consegue, é você. - afirmou. - Por favor, pense nisso. Vou buscar um café pra gente.
Em seguida, ela se levantou, deixando-me sozinha com meus pensamentos.
Ela conhecia, sem dúvida, muito bem aquela família. Mas o que havia me pedido não era algo simples de realizar. Na verdade, parecia ser algo de um mundo totalmente paralelo do nosso. Onde Finn e seu pai se dão bem. Mas será que seria tão impossível assim?
E se eles realmente conversassem? Francamente?
Fiquei pensando nessa possibilidade durante uma hora, mesmo depois de Megan retornar com dois copos médios de café.
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