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Prólogo - Segredo em Sacará

Sacará, um dos sítios arqueológicos situados nas areias do Egito (sim, porque é sempre no Egito que histórias como essa começam).

Era o início de uma tarde como outra qualquer, como muitas das tardes que os homens que ali labutavam vinham tendo: insossa e desinteressante. A única distração — se é que podemos chamar o ofício de cavar e cavar sob o sol quente de distração — era tirar pás de areia daquele buraco. Cada vez que eles tiravam um punhado de areia, mais parecia surgir — dava a impressão de que cavavam e cavavam sem chegar a lugar nenhum. As entranhas da terra se abriam infinitas.

Nem sabiam o que caçavam. Ou melhor, o que o explorador estrangeiro caçava. Eles só estavam desempregados há muito tempo antes do dito homem chegar, e tinham filhos para sustentar.

— Pausa para o almoço! — ordenou o chefe dos escavadores.

— Espere, achei alguma coisa! Aqui! — disse um dos operários, batendo a pá numa superfície rochosa, ele era um dos que se encontrava mais a fundo no grande buraco aberto ali, nos confins do deserto egípcio.

Os outros começaram a descer para ver o que ele havia achado. O chefe da expedição passou à frente de todos, ansioso. Ele empurrou o operário diante da grande descoberta: claramente, um bloco de rocha quadricular fincado no chão arenoso, de corte perfeito demais para ter sido feito pelas mãos da natureza.

O estrangeiro retirou o excesso de areia que cobria a pedra com um pincel e qual não foi sua surpresa ao ver que havia palavras gravadas nele — egípcio antigo, fácil para alguém de seu naipe. Ao traduzir os hieróglifos, ele se deparou com a seguinte mensagem:

"O que guardo está lacrado e não deve ser perturbado,

Do contrário, a ira divina se abaterá sobre a Terra.

O que é dos vivos, aos vivos. O que é dos mortos, aos mortos.

O que é dos deuses, aos deuses: eis a lei jamais revogável."

— Usando a fúria dos deuses como desculpa... — O homem resmungou consigo mesmo. — O truque favorito dos antigos para manter os curiosos longe, mas não passa disso: um truque. — E levantou a voz, empolgado — Vamos, me ajudem a levantar isso!

Foi necessário cerca de cem homens, oito pinos e quatro cabos de aço e uma boa dose de paciência para erguer o bloco, que no fim acabou se revelando um obelisco, um obelisco cravado na areia como se fosse uma estaca. Haviam hieróglifos ao longo de toda a peça, compondo uma vasta gama de encantos de proteção.

Estava ficando quente, muito quente, aquele com toda certeza era o túmulo de um sacerdote. Que seja ele, que seja ele! Torceu o explorador enquanto era baixado até o fundo do buraco. Mais nove homens se juntaram a ele.

O lugar era maior do que se poderia imaginar, uma verdadeira pirâmide invertida, com toda sorte de armadilhas mortais a que se tinha direito. O arqueólogo venceu todas sem perder nenhum membro de sua apreensiva equipe, era realmente um expert no que fazia, um Indiana Jones moderno ou a imagem invertida de Lara Croft.

E finalmente alcançaram a câmara funerária.

O sarcófago estava no centro do espaço, sobre um pedestal escalonado. Quatro canopos o ladeavam, um em cada extremidade do altar. Com cuidado redobrado, o grupo se aproximou dele. Nada mirabolante aconteceu.

Ávido, o explorador começou a analisar o sarcófago, este todo de ouro. Ele logo percebeu as inscrições entalhadas na tampa, ao longo do torso da imagem. Essa mensagem era mais tenebrosa que a encontrada na base do obelisco da entrada da tumba.

"Na vida embalei os mortos, na morte guardo os vivos

Bastião postado entre o mundo e a morte em vida,

Guardião que jaz imóvel aqui e que aqui há de permanecer

Por mantenedor da ordem cósmica contra a fome de Apófis."

Dessa vez, o explorador permitiu-se rir, causando um incômodo ainda maior nos já apreensivos membros de seu grupo, um quase derrubou a lanterna que segurava.

— Se engana em pensar que suas palavras irão me parar. Sua época dominada por mitos e magia já se foi há tempos. Não temo os avisos tolos de quem já morreu. Vamos a parte em que sou recompensado, mas primeiro quem é você...? — O líder da expedição olhou ao redor, pelas paredes, estudando os hieróglifos grafados nelas, e finalmente descobriu quem era a pessoa dentro do sarcófago. Suas expectativas tinham sido atendidas! — Sim, sim, sim, é você! Aí está você, Imhotep! E fui eu que o achei. Eu, eu! — Ele riu mais, batendo palmas. — Vamos, vamos, depressa, homens! Vão buscar ajuda e os equipamentos. Temos que tirar nosso amigo desse buraco! O mundo precisa vê-lo!

Quase duas horas depois, os operários egípcios estavam prontos para retirar o sarcófago do pedestal. Devagar, com toda a delicadeza possível para não danificá-lo, eles soergueram a peça com o apoio de um sistema de roldanas e a colocaram sobre uma carroça para transportá-la até a saída de sua antiguíssima morada subterrânea. Porém, o arqueólogo estrangeiro logo notou que havia bem mais ali do que um sacerdote-arquiteto mumificado e seus tesouros, que de nada lhe serviam no pós-vida, para catalogar.

Encaixada no centro do pedestal, exatamente sob o lugar onde o caixão de ouro de Imhotep jazera estendido em seu descanso milenar, havia uma placa longa cuja coloração ficava entre o âmbar e o amarelo. Era semitransparente, como vidro temperado, brilhava em um pálido tom de pérola-dourado e era lavrada de cima a baixo por inscrições. O estudioso não fazia ideia de que material aquela placa era feita, muito menos a qual língua aqueles escritos pertenciam, apesar de ser perito em dialetos antigos. Só conseguia se admirar. E se fosse uma língua perdida há muito? E uma substância desconhecida pela ciência?

— Eu quero isso... Tirem-na dali! E não se atrevam a fazer nenhum arranhão, nem um arranhãozinho nela, entenderam?! Vamos, vamos, não vejo a hora de mostrar o que descobri ao mundo, e depressa, não aguento mais o calor desse deserto escaldante!

Quando os homens iam tocar a placa misteriosa, a câmara toda sacudiu. Foi um tremor breve, mas gelou a espinha de todos os presentes. E se aquele teto desabasse sobre suas cabeças? Seriam soterrados por toneladas de areia, enterrados junto com a múmia do célebre Imhotep. Não deixaria de ser irônico. Eles tinham ido levar Imhotep dali, e ele os faria ficar.

Ninguém se mexia, ninguém se atrevia a respirar.

Seguida a brevidade do tremor e do silêncio, veio um som, quase um assobio. Um torvelinho de areia se formou sobre a placa translúcida, surgido ninguém sabia como. Não havia vento, e toda a areia que recobria o chão e os objetos na câmara funerária permanecia assentada. Simplesmente surgiu, e girava, e girava, e girava... Zombando da racionalidade de todos que o viam.

Foi quando aquilo aconteceu. Algo, que parecia muito com uma voz, mas que não era, não podia ser, subiu dele e ecoou pelas paredes de pedra. As palavras que disse, mais sensação do que som, soavam ininteligíveis aos seus ouvidos, contudo isso não os impediu de entendê-las. Todos ali entenderam, diferente das mensagens transcritas nos hieróglifos. Todos.

— Essa é a pedra angular sobre a qual o equilíbrio de seu mundo foi fundado. Não deve conhecer a vida, pois vida chama vida, assim como morte, morte. Se ela receber o toque da vida, irá ruir e com ela virá a maldição que romperá o equilíbrio do mundo. Os emissários da destruição estarão libertos, e a praga que fará a vida em morte chegará sem demora.

O grupo que permanecia na câmara estava bem reduzido, muitos haviam corrido no instante em que a palavra "maldição" foi pronunciada. Outros só se acovardaram diante do termo "praga". Apenas o arqueólogo e mais seis operários permaneciam ali.

Uma grande quantidade de areia brotou do chão, nas laterais do pedestal. Como o torvelinho, moveu-se sem explicação em direção à placa translúcida e, como serpentes deslizantes, como braços fortes e delicados, a envolveram. Por um momento, não pareceu estar acontecendo mais nada, até que o pedestal ganhou uma grande rachadura e outras mais, muitas mais, a seguiram. A pedra estava sendo puxada para baixo e descia sem dificuldade alguma, era como se afundasse em areia fofa, não em rocha sólida. A voz saída da garganta do torvelinho acrescentou:

— O que é dos vivos, aos vivos. O que é dos mortos, aos mortos. O que é dos deuses, aos deuses: eis a lei jamais revogável.

— Não... Não! — protestou o estrangeiro. — Não podemos deixar uma relíquia como essa voltar para o ventre do deserto! Peguem-na!

— Mas a voz- — um dos trabalhadores tentou contestar.

— Isso não passa de um truque como qualquer outro, tolo! É só um truque que se aproveita de superstições idiotas para coagir os crédulos a deixarem os tesouros nas tumbas! Se não acreditam, vejam! — Ele colocou a palma da mão aberta sobre a placa. A superfície era incrivelmente lisa e fria. — Viram? Não aconteceu nada. Venham-

O explorador não chegou a concluir o que dizia. Emudeceu no exato instante que algo — ou alguma coisa — semelhante a ondulações de calor emergiu da placa translúcida, cujo brilho havia diminuído, e perpassou seu corpo.

Foi muito rápido. Num instante ele era o forasteiro que fazia pouco caso das tradições do povo egípcio, no instante seguinte era a face da vida feita em morte, como bem advertira a voz advinda do extinto torvelinho. Os demais homens tentaram correr, entretanto não puderam escapar. Aquilo, o que quer que fosse, não estava só, mais saíam da placa e partiam com o primeiro atrás dos desgarrados, alcançando-os antes que pudessem pôr os pés para fora da câmara funerária. Depois perpassaram as areias, ganhando a superfície e lá vitimaram os demais membros da escavação. A placa, agora transparente e sem qualquer brilho, espatifou-se em mil pedaços sob os dedos da areia, produzindo um som que era quase um lamento, e o vigor que tomava os grãos se dissipou. Era o fim de sua extensa vigília, e o começo de uma nova. Uma que, embora ainda ignorasse, seria regada a muito sangue, suor e lágrimas.

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