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Capítulo XVII - Alma Aberta

“Eu posso criar sonhos, porém jamais sonho. Eu sonhei dessa vez, eu estava lá com você […]”.


Taehyung voava acima das nuvens.

Sem peso, sem preocupações, sem nada a não ser a brancura fofa a cercar sua pequena espaçonave.

Viajava numa bolha de sabão. Acima de tudo, mais leve que tudo, uma pluma só alma.

E, a gravidade se abateu sobre ele, sugando-o e o empurrando para baixo, contra o colchão nuvioso. Por um instante, temeu que seu veículo se rompesse em um rastro de cheiro, mas de algum modo a fina parede resistiu. E desceu.

Desceu, desceu, desceu, chocando-se contra um telhado vermelho. A parede de sabão estremeceu.

Desceu através dele, através do escuro e da umidade, tanta umidade que ela atrapalhava a sua visão. Mesmo assim, viu cachos dourados, um carvalho através de uma janela aberta e sentiu dor, medo e muita raiva. Havia uma cama e alguém agonizando sobre ela, alguém chorando sobre ela.

Como posso trazer ordem a tudo? — Uma voz de menina, uma voz entremeada pelo choro, indagou. — Como?!


A bolha estourou.

V acordou como se emergisse de um mergulho demorado, sentando-se de supetão e bebendo ar como se sua vida dependesse disso. Sua camisa estava empapada de suor.

— Khro… Esse sonho… foi você?

Não. Foi espontâneo. Eu posso criar sonhos, porém jamais sonho. Eu sonhei dessa vez, eu estava lá com você, Taehyung. Eu também ouvi.

— Você acha que era…

O Portal? Não posso precisar a voz, não sou Hasa. Entretanto, a sensação de estar naquele quarto foi deveras parecida com à que senti ao devorar a memória de Aevarast. São existências semelhantes, asseguro. Quanto ao outro ser sobre a cama…

— O Senhor dos Fazrat, Zadha-Rine… Lembro bem da presença maçante dele…

O ponta de lança de Larhen está impossibilitado de combater, e Aevarast-Evanih e Danae-Ie, que poderiam aceleram seu processo de cura, estão sob a influência das trevas. Todos os Lirthua’shoa, exceto Makir-Edash, estão marcados pelas trevas. Entramos num período de calmaria, Taehyung. O Portal se debate, impotente.

Taetae espreguiçou, a boca escancarada em um bocejo longo e desregrado; suas palavras saíram por entre ele:

— Vamos cuidar de… um assunto mais urgente, então… comer. Sinto que vou começar a… devorar a mobilha… se eu não colocar algo… no estômago logo. Talvez, eu coma metade da despensa.

E, da despensa de congelados, e da adega. Tem coisas lá que eu jamais provei. Vamos provar, Taehyung.

— Ok, depois… vamos procurar notícias de Jimin-ah… e Hasa-Ithor-nim e… ver a noona. Quero vê-la logo…

*     *     *

“O caminho que nos aguarda […] fará a nós e àqueles que amamos sangrarmos vida e choro.”.

Às nove e quarenta e três da manhã, a princesa Giovanne bateria à porta, pedindo por comida (especialmente doces). Seokjin não tinha mais doces em seu quarto — seu pequenino estoque acabara durante a madrugada —, então a garota iria até a cozinha e depois passaria na despensa. Não iria encontrar nenhuma guloseima por lá, assim como nada para comer. Khro e Taehyung, que teriam perdido o controle ao tentar saciar sua fome negra, seriam os responsáveis por não haver nada nos armários, nas geladeiras nem nas despensas. (Dizer que o estômago do Hagar da Amizade era como um buraco negro não seria exagero, e não era culpa de ninguém. Só um fato difícil de lidar, inclusive para o próprio Khro. Ele sempre se sentia péssimo por tirar comida da boca dos amigos.)

Uma catástrofe total.

Qenía-Araso se sentou na cama e, ainda de olhos cobertos por um tapa-olho de dormir rosa todo bordado, calçou as pantufas e se levantou. Caminhou em direção à porta, saindo do quarto e indo na velocidade da luz para a cozinha (não acordou Seokjin. Não havia necessidade de ele despertar por enquanto).

Chegou à porta da cozinha meio-minuto antes de Khro. Então, cruzou os braços e esperou.

Ali, parado sozinho naquela pequena fração de minuto, o Hagar de Akisha se recordou dos pensamentos acerca do futuro que Seokjin havia tido durante a visita de Sua Alteza e da resolução a que ele havia chegado. Ele estava certo, o futuro não era uma linha contínua e invariável. (Aliás, Qenía sempre achara a noção una de tempo posterior criada pelos Filhos de Menora afável por ser uma mescla de inocência e teimosia, uma tentativa de dar rumo certo e previsível à trajetória de suas existências fugazes. O futuro não era uno, o termo “possibilidades” cuidava de descrever melhor o universo de infinitas combinações que compunha o destino do contínuo espaço-tempo.) Como seu hospedeiro, Seokjin não poderia se enganar acerca disso. Havia, no entanto, se enganado quanto a achar que o futuro não estava definido.

Era verdade que cada escolha de cada ser levava a uma versão diferente de futuro, alguns relativamente similares, outros infinitamente distintos, porém havia quem conhecesse essas escolhas e as pudesse influenciar para tornar real a versão de futuro que melhor lhe aprouvesse: Ak’Mainor-Menora quando uno, Larhen-Edriza totalmente desperto — condição que os Portais jamais conseguiram alcançar, pois os trinta e dois que antecederam o atual foram sacrificados antes que o Ruído os consumisse por inteiro —, e ele, Qenía-Araso, chamada Profanação de Menora por se atrever a vislumbrar com seus olhos inferiores o que apenas os Altos Exilados conseguem ver. Ak’Mainor havia aberto mão da visão e Larhen havia tido sua visão retirada, o que fazia de Qenía o único capaz de saber tudo que havia de vir e de escolher o que havia de ficar. O futuro estava, sim, definido, pois o Hagar do Amor o definira ao conhecer cada novo Filho de Menora e cada uma das escolhas vindouras deles.

Infelizmente, sou cego em meu sono às Portas da Morte… do contrário, teria podido salvar àquelas pobres Crianças do inocente descuido de Seokjin… Protegê-lo em uma frágil e efêmera redoma de ignorância é tudo que posso fazer, no entanto, e por agora. O caminho que nos aguarda é tudo que posso desejar como o Hagar do Altruísmo, é tudo que posso ter como o Hagar do Amor, e fará a nós e àqueles que amamos sangrarmos vida e choro. Como antes nunca e pela última vez, minha Criança.

Menora’orphia enviou tais pensamentos ao âmago de seu Espírito e os trancou por lá.

Sua fração de tempo havia terminado.

E lá veio Kim Taehyung num andar preguiçoso (usava uma blusa preta folgada de mangas largas, calça de pijama xadrez, preto-cinza, e pantufas de macaquinhos. Os cabelos estavam uma bagunça só), esfregando os olhos enquanto bocejava. Ele venceu os degraus da escada e andou diretamente para a cozinha, sem sequer olhar para a frente (Qenía o via perfeitamente, mesmo com os olhos vendados).

De cabeça baixa, Kim Taehyung avançou até colidir com o corpo de Seokjin.

— Ahn?! Hyung? — perguntou o rapaz num misto de susto e surpresa. Qenía viu que os pensamentos jorravam a mil na mente dele. Os olhos do mais novo reluziram com as estrelas purpurizadas envolvendo suas íris de miniburacos-negros, e Khro emendou — Qenía, eu só…

— Quer devorar tudo que há de comestível no castelo — afirmou Menora’orphia, plácido. Taehyung sorriu com o olhar emprestado de Khro, pensando “Tudo, não. Só a metade da metade”. Qenía ergueu o tapa-olho para o topo da cabeça e fitou o amigo com seus orbes de cristais luminosos. — Sabe que tem mais gente morando aqui, não é?

— Só queremos saciar nossa fome — alegou o Hagar da Amizade, e Taehyung piscou de forma dengosa. Essa Criança é deveras meiga e esperta. Me conforta o coração ver que ela e Khro estão se dando tão bem ao ponto de acobertarem um ao outro… O Hagar do Amor deu um sorriso ameno, negando com a cabeça. O aegyo de Taetae não foi o bastante para amolecê-lo e deixar que ele ficasse sozinho na cozinha. — Certo, apenas um pouquinho. Vai ser rápido.

V tentou contornar o Hagar do Amor, que o deteve com um braço. Os ombros do rapaz arriaram, e ele deu alguns passos para trás, parando à certa distância. Ele não ia embora de mãos vazias, Khro tampouco, por isso Qenía girou a maçaneta da porta, convidando-os:

— Venham comigo.

Mainor’dore estava muito ansioso (e a um passo de começar a roer o próprio cotovelo), então Qenía cortou uma baguete ao meio e preparou dois sanduíches com alface, tomate, picles, mortadela, salame, presunto, peito de peru e sete variedades de queijo. Khro e Taetae ficaram esperando grudados em seus calcanhares, com o olhar esfomeado acompanhando cada um de seus movimentos.

— Aqui — disse o Hagar do Amor, estendendo uma travessa com os sanduíches e um copo de um litro de iogurte de morango para a duplinha faminta.

Khro-Yehath pegou o lanche, engolindo em seco e em seguida franziu as sobrancelhas, fazendo um muxoxo:

— Só isso?

— Coma devagar — aconselhou Qenía, lavando a faca que havia utilizado. Taehyung puxou a manga de seu pijama (rosa como tudo mais que Jin usava no momento), manhoso.

— Quero mais… — Qenía pegou mais umas fatias de salame e presunto e colocou no pão. V fez biquinho, e Khro olhou triste para o lanche. — Hum… — Outro poderia achar que ele estava rendido, mas não Qenía. Ele conhecia bem aquele Hagar de Akasha, e o hospedeiro dele não parecia nem um pouquinho inclinado a ceder. — Hum…

Vencido pela teimosia de Khro e Taetae, o Hagar do Altruísmo pôs uma mão sobre os sanduíches. Luz saiu de seus dedos e os cobriu como camadas de chantili. Aquele plus equivalia à cerca de dois mil sanduíches.

— Valeu! — Os dois agradeceram com um sorriso imenso, os olhos cravados no lanche.

— Apreciem com calma, certo?

Eles assentiram e fizeram uma mesura, virando-se para partir, mas retrocederam, e Taehyung indagou:

— Tem notícias de Jimin e Hasa-Ithor-nim?

— Estão no quarto deles. Retornaram durante a madrugada.

— Verdade?! — Qenía confirmou com um aceno de cabeça. — Ai! Graças a Deus! Muito obrigado, viu, Araso seonsaeng-nim?!

Dito isto, eles desapareceram do recinto. Literalmente.

Sozinho, Qenía suspirou, a despensa estava segura.

— Tudo bem. Já está na hora de chamá-lo. — Fechou os olhos e tocou a consciência adormecida de seu hospedeiro. — Acorde, Seokjin. A princesa Giovanne está vindo. Temos que nos aprontar para atendê-la.

O rapaz estremeceu, despertando e piscou, tomando ciência do que havia acabado de acontecer por ali (ele se assustou com a fome sem limites do amigo). Em seguida, concordou:

— Sim, Araso seonsaeng-nim. Vamos. — E retornaram ao quarto logo após beber o resquício de iogurte que sobrara na garrafa.

*     *     *

“Não foi um sonho…”.

J-Hope franziu o rosto. O véu que conservava seu sono se rompia depressa, deixando-o às portas de um novo dia. Ele não se lembrava do que havia sonhado, tudo que tinha era uma sensação bastante nítida de que tinha sonhado. Julgou que tivesse sido algo bom, porque se sentia bem-disposto.

Ainda deitado e de olhos cerrados, se espreguiçou, bocejando e estalou os lábios algumas vezes, preguiçosamente. Foi nesse instante que uma lembrança lhe veio à mente, dolorosa demais para se descrever, sangrenta demais para se evocar detalhes: duas vidas perdidas.

Hobi abriu os olhos, imensos de susto. Imagens inimagináveis açoitavam sua mente. Um ser megalomaníaco, forte e antigo tentando acabar com todo o universo, outro ser igualmente temível lutando para detê-lo, uma doença se espalhando, um bando de doidos a espalhando…

Ak’hagar.

— Foi tudo um sonho, não foi? — O rapaz jogou a pergunta no ar, levando as mãos à cabeça num gesto de desespero. Os olhos vacilavam pelo teto, sem prestar atenção ao que viam. — Só pode ter sido um sonho. Não tem como- — Estacou ao virar o rosto para a direita e se deparar com seu equipamento de trabalho em cima da escrivaninha mais esquisita que já tinha visto: tinha o formato de um longo e robusto “L”, várias gavetas e era feita de madeira. Viva. Era uma árvore vivinha da silva. Tinha galhos e até frutinhas crescendo por ela. A cadeira idem. Ela fazia parte da mesa, um galho que havia crescido demais. — Omo… — Do outro lado, Hobi encontrou uma cama (de pedra, pelo que via através do pequeno espaço entre a barra do edredom e o piso). Só então se deu conta de que se deitava no chão, a uma distância considerável de ambos os móveis. — Omo!

Se sentou, apressado, dando uma boa olhada em volta.

O lugar era amplo e claro, todo em arenito. Heras emergiam dentre os blocos de pedra e subiam pelas paredes, algumas alcançavam o teto e se ramificavam em tortuosas trilhas verdes, algumas convergiam até a luminária e desciam por ela, dando a impressão de que a lâmpada era uma grande flor de luz. Uma grande árvore carregada de frutos dourados ocupava o centro do espaço — era tão impressionante que fazia o restante das coisas do quarto parecerem simples e quase normais, quase. Um tapete de grama se desfraldava aos pés dela e se estendia até os fundos do cômodo. Um grande vão tomava conta de quase toda aquela parede, com nada além de um farto conjunto de lianas amarrado junto às extremidades do vão fazendo vez de cortina. Pequenas flores cintilantes como ouro puro se espalhavam por elas, tornando-as ainda mais surreais. Uma brisa fresca corria solta.

Junto à parede da escrivaninha, havia um pequeno living com um bando de pufes verdinhos — os aparelhos estavam dispostos sobre outra árvore de formato impossível, e a TV era tão grande que se pusesse nela os clipes dos girls groups que tanto gostava de imitar seria quase como se estivesse dançando dentro deles. Alinhados à parede do outro lado do recinto, só havia a cama — que era encimada por finos ramos com mais daquelas florezinhas douradas — e um par de simpáticos tronquinhos em suas laterais — desnecessário dizer que estavam vivos, tudo naquele lugar transbordava vida… Era confuso e lindo a um só tempo.

Definitivamente, aquele não era o quarto que dividia com Jimin.

— Mas onde é que eu…? — Hobi engoliu em seco. Aquele era seu quarto, seu novo quarto. Estava em F’ay, na fortaleza onde agora ele, os demais Bangtan Sonyeondan, os Fragmentos Ak’Mainor e os Ak’hagar se baseavam. Todos os músculos de seu corpo foram paralisados pelo medo. Ainda podia ser só um sonho, certo? — Berat-Enira-nim?

Bom dia, Hoseok.

O retruque plácido do Hagar da Esperança findou com as frágeis esperanças de Hope.

Não foi um sonho… Hobi levou as mãos à cabeça uma vez mais, puxando os cabelos de nervoso. Não foi um sonho, não foi! Uma gênese de sentimentos explodiu no rapper, levando-o à histeria. Um monte de gente virou Edoras’sedoni, e com os Lirthu’shoa por aí, mais gente vai acabar virando! Ai, merda! Os servos sanguinários de Larhen-Edriza continuariam cometendo atrocidades, até que seu mestre estivesse liberto. E apenas Akisha pode salvar quem foi pego por Edoras. Ela tem que acordar o quanto antes! Berat não fizera esforço algum para selar os infectados na Terra das Lágrimas, mas era uma medida paliativa, eles continuariam piorando até serem consumidos de vez. (Ficava com dor de cabeça só de pensar nisso). Não podiam permitir que mais ninguém se transformasse, ninguém.

Não vou aguentar, é muita pressão! Achava que agia bem sob pressão. Nunca estivera mais enganado. Não dá, é muita coisa. Não fazia nem dois dias completos que sua vida se transformara, caramba! Como vou estar em uma semana? E daqui a um mês? Quanto tempo levaria a guerra contra Larhen-Edriza? Semanas? Meses? Anos…? Não. Era desesperador demais para ser pensado.

E, como se já não houvesse uma tonelada de problemas pesando sobre ele e todos naquele castelo, ele era o responsável por chefiar os assuntos bélicos da equipe. Era para Namjoon ser o chefe… Tanto da BTS quanto dos Hagar (o nível mental deles não tinha nem comparação!). Não. Berat-Enira-nim é o líder. Eu sou só o corpo dele. Nossa! Não importava o quanto pensasse nisso, continuava sendo pra lá de bizarro!

Era um crime que se sentisse tão bem. Droga.

Ainda com a mente cheia de pensamentos que vinham num jorro desenfreado, parecendo correr uma maratona (como seu coração acelerado), Hobi tentou focar nas lembranças do dia anterior.

Após Hoseok e Berat trazerem F’ay à superfície, eles puseram o projeto arquitetônico de Jungkook em ação. “Erguer um castelo de cabo a rabo, ainda mais de níveis tão catastróficos, vai ser uma tarefa megadifícil. Haja fôlego e ânimo!”, foi o que Hobi achou, porém viu que tinha sido uma dedução precipitada. Bastou os grandiosos poderes de Hagar’miresa unidos a uma dose de otimismo para pôr em prática o rascunho do dongsaeng. Além da construir o castelo e de abastecer suas despensas com legumes, frutas e verduras (fazer plantas simplesmente brotarem era demais!), Hoseok havia ajudado com a decoração — lembrava de bastante coisa dos quartos de Marianne, de Giovanne e dos outros caras, achava até que podia descrever uma boa parte deles. De todos os lugares do castelo, seu quarto e o do Hagar da Esperança foi o que exigiu mais atenção, esforço e tempo, pois era um dos mais importantes, senão o mais importante.

Aquele era o centro de F’ay, cujo coração era a grande árvore no meio do recinto, revitalizada e regada com o poder de Berat. Era ela que mantinha as barreiras da ilha e do castelo. Caso aquela árvore fosse derrubada, os campos de proteção de F’ay ruiriam e as portas de sua nova casa estariam escancaradas para qualquer Lirthua’shoa que quisesse fazer uma visitinha (imaginar essa possibilidade fez o rapaz ter arrepios).

Haviam passado o dia em busca de rastros da energia de Hasa-Ithor, mortos de preocupação com ele e Jimin, e só puderam sossegar ao senti-la. Foi por causa deles que acabaram dormindo no chão, porque J-Hope havia se recusado a dormir sem conversar com o amigo. Haviam sentado nos degraus diante da porta para esperar que Chim Chim e o Hagar da Confiança saíssem do quarto da princesa Marianne e, em algum momento, acabaram deitando e pegando no sono. Por sorte, graças às esferas de poder de Ak’houan-a-rae, o arenito agora lhe parecia tão macio quanto um colchão de plumas.

Como pude pensar que foi sonho? Jimin-ah e Hasa-Ithor-nim ainda devem estar descansando, tenho que ir ver como eles estão… Pensou um pouco mais calmo, um tico só. Não importaria quanto tempo ficasse ali cozinhando aquelas ideias, não faria os problemas desaparecerem e, mesmo que tentasse não pensar, não havia forma de fugir deles (não tem como escapar do que é inevitável. E já tinha reclamado demais. Não ia ficar mais um minuto enchendo os ouvidos espirituais de Berat com seu chororô). Já que não dá pra fugir, só me resta erguer a cabeça e seguir em frente, pensou Hoseok decidido, abrindo um de seus sorrisos que o tornava digno do apelido Smile Hoya e levantou do chão num salto. De pé, conseguiu ver melhor o quarto, percebendo os detalhes com mais precisão.

J-Hope estava de frente para a parede com as portas do lugar — uma levava para fora, uma para o closet e o banheiro —, que ficavam numa área rebaixada do quarto, uma escada minúscula com apenas três degraus dava no segundo piso onde ficavam os demais elementos que compunham o ambiente. Andou até a porta do banheiro, ia tomar uma ducha, escovar os dentes e ir caçar o que comer. Porque saco vazio não para de pé! (Fora que ficar pensando — o que ele mais tinha feito instantes atrás — com fome faz você pensar muita abobrinha.)

Tá com fome, Berat-Enira-nim?

Você está, Hoseok. Portanto… sim.

Hobi deu uma risada sem graça enquanto passava creme dental na escova de dentes (se ele tinha fome, seu Hagar também tinha, dã! Uma das consequências de compartilhar o corpo). Berat-Enira fora algo positivo que acontecera dentre as diversas preocupações que agora tinha. Estava feliz em conhecê-lo, mesmo com toda as dificuldades que vieram junto. Eu vou lutar pelas pessoas, vou ser a esperança de todo mundo! Mesmo que pudesse morrer de medo ou enfartar. Mesmo que pudesse morrer de verdade.

*    *    *

“Meus Escudos… já é tempo de restaurá-los.”.

Berat-Enira permanecia em silêncio, apenas aproveitando a sensação da água correndo pelo corpo de Hoseok, enquanto o rapaz cantarolava Daydream com uma porção de animados “papapapas”.

Desde o firmamento da Prisão de Carne, Ak’houan-a-rae estava ciente de que a maioria de seus companheiros a viam como uma limitação tão somente, como um “mal necessário” que devessem suportar pelo bem de seu objetivo maior. Porém, como Hasa-Ithor, Berat não a via dessa maneira. Conforto, era isso que a Prisão significava para ele.

Havia uma vasta gama de razões para explicar seu ponto de vista.

Era o Mestre dos Selamentos e como tal formas delimitadas o alegravam, pois selos consistiam em espaços finitos. Possuir uma existência incontida e sem forma o incomodava desde que recebeu essa alcunha, ainda durante a Primeira Guerra, quando Yggdrasil ainda purgava vida em vívidas chamas.

Na Prisão, tinha um fim.

Formas delimitadas também o alegravam como Ak’houan-a-rae, pois existências puramente espirituais podiam se dispersar ao ponto de mascararem suas energias, e existências corpóreas, não. Sempre seriam o epicentro, o ponto mais intenso de poder, uma vez que liberassem suas energias e brilhariam à sua vista. Por isso, nenhum dos Portais haviam se aberto até então, porque a luz que escapava pelas frestas deles era inevitável e os delatava.

Na Prisão, era eficiente.

Das existências espirituais, apenas os Alto Exilados haviam sido capazes de desenvolver sentimentos. Ak’Mainor-Menora concedera dois dos dele a cada Hagar, para que pudessem interagir com esse universo, pois sentimentos eram as chaves para atuar no mundo físico. Dois bastavam para que convertessem suas energias em elementos naturais e lutassem, eram poucos, no entanto, para que o universo atuasse neles, para que de fato interagissem com ele e com os Filhos de Yggdrasil, como faziam com os Ramos de Verso. Berat havia esperado por isso desde seu primeiro momento sob o domínio do espaço-tempo, e a Prisão de Carne findara com sua espera. Na Prisão, podia experimentar sensações que os sentimentos e as emoções desencadeavam.

Na Prisão, podia sentir o sentir e se alegrava.

Ela era a realização de uma esperança antiga e por isso o alegrava. Saber que poderia estar nela era uma das poucas coisas que impediam seus Escudos trincados de se partirem de vez. Uma esperança, uma alegria e um conforto para a imensurável sempre-idade de sua vida era sua Prisão. Hoseok não fazia ideia do quanto lhe era precioso. Devo permitir que o perceba para segurar a mão que ele me oferece. Meus Escudos… já é tempo de restaurá-los.

Hobi fechou o chuveiro, meteu-se em um roupão de banho e foi se arrumar no closet. Só então ele parou de cantarolar e puxou assunto, esbanjando bom-humor. Não lembrava em nada o rapaz angustiado de quinze-minutos antes…

O que vamos fazer hoje, Berat-Enira-nim? Procurar pelo Portal?

Essa é uma busca constante, Hoseok. Era feita enquanto repousávamos e é feita agora, pois equivale a respirar para mim. Você estará familiarizado com isso em breve, asseguro. As demais Crianças, no entanto, seguem desprotegidas sem Akisha, e, embora todos os Edoras’shoa tenham recebido a marca das trevas, não temos como saber quando voltarão a espalhar Edoras. Por isso, devemos estar preparados para saber quando ela for liberada.

E como é que vamos fazer isso?

Criando uma rede de defesa global: eis o que faremos hoje. Ela servirá para detectar e retardar a ação da praga das pragas e contribuirá para a descontaminação do planeta e a restauração de sua flora. Depois que a terminarmos, faremos o que você preferir.

Sério?! Não seria melhor a gente se preparar para a próxima batalha?

Nossa ligação é recente, Hoseok. Além disso, não posso superar sua vastidão de sentimentos. Precisaremos nos conhecer e nos habituar um ao outro se quisermos ter sucesso no futuro. Você já sabe um pouco a meu respeito, é minha vez de conhecê-lo.

Ai, mamãe!

*     *     *

“Escudo sem propósito é Escudo sem poder.”.

En-Ephir observou a princesa Giovanne dormir por longas horas — RM observou por muito menos; quando ele começara a dormitar, En dissera que tomava conta da princesa, e o rapaz se permitiu descansar. Então ela despertou de repente, surpreendendo-o um pouco.

Ela dormiu menos do que precisava. Avaliou o Ak’hagar, estudando as feições da garota. Ela se levantou da cama, nem se preocupando em calçar as pantufas e foi andando em direção ao banheiro ao passo que coçava as nádegas com uma mão e com a outra os cabelos, bagunçando-os ainda mais (já tinham vários nós). Ela passou direto por ele, sem nem olhar para o lado.

En ergueu uma sobrancelha, guardando na bolsa o último dos documentos que analisara. A princesa já está de pé. Posso ir, pensou, levantando-se da cadeira. Saiu do quarto e foi até o de Zaku-Zaoh e Jeon Jungkook. Deu dois toques na porta, ninguém atendeu. Atravessou-a, entrando no quarto. A Criança de Zaku dormia como uma pedra. Parou ao lado da cama, chamando pelo garoto. Ele acordou depois de muitas tentativas (incluindo cócegas com o vento, os cutucões nos ouvidos foram a solução).

— Zaku, Jeon Jungkook, é a vez de vocês pajearem a princesa Giovanne — disse o comandante dos Hagar de Akisha em tom professoral. — Embora F’ay seja protegida pelas barreiras de Berat, não devemos nos descuidar. Por favor, não saiam do lado de Sua Alteza nem quando ela for dormir. Qenía os renderá amanhã de manhã.

Jeon Jungkook anuiu sem abrir os olhos, seu rosto amarrotado de sono se encontrava meio enterrado no travesseiro.

— Sim, senhor… — o Hagar do Orgulho respondeu com a voz arrastada, ainda de olhos fechados. En foi para seu quarto e de Namjoon. Quem precisa dormir agora sou eu. As Crianças dessa geração necessitavam de bastante descanso.

A Prisão de Carne, às vezes é… Arviehe’prabath não terminou de pensar. Tudo que poderia derivar daquela linha de raciocínio seria fruto de frustração fabricada e pseudoagonia. Irracional demais para ser pensado, e iria contra seu propósito de Hagar da Sabedoria. Isso fez com que En se lembrasse de Asha. Escudo sem propósito é Escudo sem poder. Verdade inquestionável. Tudo que se passasse pela mente do comandante dos Hagar de Akasha agora seria mistério para qualquer um — até mesmo para a própria Akasha — que tentasse ler os pensamentos dele, ocultos por um poderoso selo do Mestre dos Selamentos. En-Ephir não concordava com a escolha de Yaser’kyfieh, quem dera ele o escutasse uma vez que fosse. Asha foi imprudente, nada de bom poderá resultar dessa decisão. O que Akasha pensará ao descobrir? Bem, enquanto o Antes permanecesse na inércia do sono profundo que enredava a ele e a Sua Excelência, o Depois, Asha-Maiura ainda poderia mudar de ideia. Ele precisa rever seus atos enquanto há tempo.

Entrou no quarto sem abrir a porta e flutuou até o banheiro. Quando terminava seu banho, o vento lhe sussurrou novidades. Sua princesa havia percebido que ele estivera no quarto dela (ela tinha visto a cadeira ao lado da cama ao voltar do banheiro e encostado a mão no assento, vendo que estava quente e que, portanto, alguém estivera ali por muito tempo e saíra há pouco). A princesa soube que não esteve sozinha e não se aborreceu, isso é bom. A conformação dela facilitará o trabalho de Zaku. Pediu silêncio ao vento e se deitou, cerrando os olhos. Amanhã bem cedo iniciarei os treinos de sincronização com Namjoon. O tempo urge…

Teriam um longo dia de sono.

*     *     *

“O que fiz para merecer isso, Dæhir’mehær?”.

Zaku estava irritadíssimo, e essa era uma descrição fraca para precisar a enormidade do sentimento que o preenchia. Um esboço disforme, quase uma angústia.

Angústia seria, se o servo do Ômega a pudesse sentir.

Além de ter acabado em maus lençóis com Sua Excelência, estava proibido de provocar Jungkook — coisa que se tornara seu passatempo desde a primeira palavra que trocaram. Desde o primeiro momento em que teve que lidar com ele, havia sabido que a hipercarga de sentimentos dos novos Filhos de Menora somada ao forte — além de egoísta e equivocado — senso de individualidade que o moleque possuía resultaria em problema. Só não previra a magnitude de seu infortúnio. Como poderia?! Jamais vira semelhante caso!

Uma Criança de Ak’Mainor que se atrevia a desafiá-lo — a ele, um dos escudeiros d’Aquele Que Se Assenta No Trono Do Espaço-Tempo —, mesmo após saber a verdade sobre sua origem… Uma Criança que desejava cultivar a pequenez de seus dias a aceitar o privilégio de ser útil àquele que lhe soprou vida. Uma Criança que preferia seguir os próprios anseios a se deixar guiar por uma vontade maior que a dela. Inimaginável! O que fiz para merecer isso, Dæhir’mehær?

Se Jeon não tivesse se indisposto consigo desde o começo, Zaku-Zaoh não teria tido motivo para espezinhá-lo. Não se arrependia de nada que tinha feito, era incapaz disso por conta das ações conjuntas de Orgulho e Ira. Todavia, se o pirralho tivesse tido o mínimo de respeito, não o teria magoado e agora não estariam metidos naquela relação de ódio desgastante e absurda, não estaria tão apoquentado sob o jugo de seu vexame.

“Curtir o trajeto sem encher a paciência” significava não fazer nada que contrariasse o moleque, nada que o descontentasse, nada que o causasse o menor incômodo. Ou seja, não podia lhe dirigir a palavra nem mesmo se fazer perceptível — já que ele o detestava, sua simples presença seria um insulto a ele. Não podia fazer nada. Nada. Que loucura sem cabimento, maldita individualidade egoísta e burra! Estava em fúria, a um passo de explodir, não podia, porém, permitir que Jungkook percebesse. Isso o oprimiria, como havia ocorrido de madrugada, e opressão era uma das piores formas de incômodo. Então, não cederia à tal emoção, não desobedecia aos mandos de Sua Alteza.

Mesmo assim, mesmo não querendo, era difícil. Nunca havia tentado suspender por completo as ações de Orgulho e Ira — os mais fortes Escudos de Ak’Mainor —, por isso sofria para manter a influência deles restrita à porção de seu Espírito que seguia desvinculada da alma de Jungkook. Fechava-se ao redor dos Escudos, formando um precário círculo de proteção para a paz de seu hospedeiro mimado — precário, pois eram eles próprios parte de quem era. Separar a própria existência, essa era a tarefa, tarefa que só o Único realizou. Sua Alteza podia lhe pedir o que quisesse e, ainda assim, lhe pedia demais.

Insustentável era a situação que Zaku-Zaoh precisava sustentar.

Um grito suprimido, quase uma agonia.

Agonia seria, se o servo do Último a pudesse sentir.

Era de se esperar que o pivete tivesse encontrado sossego no mal que lhe causava, mas ele só estava um pouco aliviado. Um pouco! Malditas Crianças egoísta e cheia de vontades! Por pouco não perdeu o controle de Ira. Um pouco… já é alguma coisa, não? Não sou culpado pelo que ainda o atormenta, não desagradei Sua Alteza. Estou fazendo minha parte, ele que se emende agora. O Hagar encontrou algum consolo nesse pensamento. Talvez, a princesa o ajude, se ele for chorar no ouvido dela…

A princesa. Pensar nela o acalmava.

Se Zaku pudesse ficar feliz, teria se sentido assim quando seu comandante lhe delegou a tarefa de tomar conta da princesa Giovanne. Mesmo que ela não quisesse vê-lo nem pintado de ouro — na lama da vergonha, como se deixou chegar a tão deplorável condição? —, era agradecido por tal honra (pouco se lhe dava o que o pivete achava a respeito disso; os sentimentos dele, aquela manada sem fim, eram uma bagunça só, já tinha desistido de tentar entendê-los).

Enfim, tudo que lhe restava agora era agir em silêncio, enquanto tentava conter os novos picos de raiva que os estorvantes feitos do moleque lhe provocavam. Como agora.

Se ir ao banheiro se resumisse a tomar banho, não teria problema algum, mas óbvio — porque a desgraça tinha que ser completa — que os novos Filhos de Menora não eram livres dos defeitos fisiológicos que Eoir’miresa tanto detestava. As chamadas privadas eram de alguma ajuda, porém isso não tornava as coisas menos ruins e abjetas. Por que seu general não os havia atado a um punhado de plantas aquáticas? A Prisão de Carne era um maldito pesadelo.

Depois de seu comandante ir embora — e que o Hagar do Orgulho enviou um olho d’água para vigiar os passos de Sua Alteza —, Jungkook saiu da cama e foi até o banheiro, cambaleante de sono (Zaku desejou pela enésima vez ter a habilidade de sair temporariamente do corpo dele. Isso o pouparia de passar por aquela situação degradante e nojenta). Zaku só pôde se recolher para si mesmo enquanto esperava impacientemente o moleque terminar (o empecilho ainda demorou!). Será que essa criatura existe apenas para me incomodar? Caso não fosse a compatibilidade que infelizmente tinham — céus, como podia ser possível aquele pivete aparvalhado e melequento ser seu hospedeiro ideal? Não era insuportável que nem ele, não podia ser! — e Zaku pudesse escolher com liberdade, teria se apossado de qualquer Filho de Menora que lhe apetecesse. De preferência, um que não tivesse opinião própria e que quase não comesse…

Todo aquele silêncio conseguiu ser pior que suas discussões com Jeon, passar raiva por causa da língua desregrada e da burrice dele era deveras preferível do que entrar em choque com seus Escudos. Quem dera tivesse sabido de antemão…

Findados os assuntos desagradáveis — e tudo mais que cabia aos momentos de higiene —, eles se encaminharam à cozinha do castelo. Era para lá que a princesa havia se encaminhado e era para lá que o pirralho também queria ir. As Crianças de Ak’Mainor precisavam repor suas energias, e parte delas era reposta se alimentando (outra perda de tempo em sua existência imortal). Lá encontraram Qenía e Berat — e seus respectivos hospedeiros — tomando café da manhã com o Fragmento de Akisha.

Jungkook se arrepiou todo ao vê-la, e, mesmo não sendo um empata como Khro, Zaku soube que ele ficou nervoso, quase paralisado (as batidas do coração dele aceleraram na hora, somando-se à enxurrada de pensamentos a respeito dela que chovia no cerebrozinho parvo dele). Eoir’miresa conseguiu mascarar parte da ansiedade de Jungkook, exibindo um semblante imparcial ao passo que ia até os outros.

(Não fez mal agir nesse momento, já que sua ação ajudou o pirralho a manter o pingo de dignidade que ele achava que detinha. Tolo idiota.)

— Jungkook-ah! — disse Jung Hoseok, animado ao vê-lo. — Vem logo, antes que Jin hyung coma tudo. — Kim Seokjin franziu o rosto para o outro, sua boca estava cheia. Zaku não lia mentes como Qenía, mas o jeito compulsivo de comer do hospedeiro de seu companheiro serviu para provar que a Criança sorridente de Berat tinha razão.

O moleque irritante abriu um pequeno sorriso e se juntou a eles na mesa, sentando-se de frente para Giovanne e recebendo um imediato sorriso dela. Você está me provocando de novo, Jeon-ssi. Se não fosse contra minha fidelidade à Sua Excelência… Zaku interrompeu o pensamento, voltando a fomentar toda a sua cólera somente no silêncio de seu espírito. Difícil, quão difícil era. Quem dera tivesse sabido de antemão… Em nome do grandioso Ak’Mainor, espero que Jungkook me reconheça como aliado enquanto ainda há tempo.

Desde o momento em que Jungkook o aceitou por medo — medo de decepcionar os amigos, não de morrer, entretanto, ainda assim medo, não orgulho, não ira — que receava a próxima batalha, e, apesar dessa prece, seu receio havia se transformado em certeza agora que já não podia nem tentar convencê-lo a cooperar: o próximo combate contra os Lirthua’shoa seria o seu último nessa guerra.

Será mortal, é sabido. Zaku se permitiu olhar para a princesa Giovanne através dos olhos do moleque uma vez mais antes de se trancar com seus Escudos. Ela sorria. Hei de enfrentá-lo de cabeça erguida, como sempre. Só espero que Sua Alteza não esteja conosco… não suportaria falhar desse jeito, Dæhir’mehær… desse jeito não.

*     *     *

“Não há espaço para ciúme ou desejos egoístas na nossa relação […]”.

Hasa bufou, já de saco cheio de ficar na cama.

Já tinham jogado todos os jogos instalados no celular de Jiminnie, e nenhum conseguiu entretê-los. Já tinham stalkeado uma porção de fãs no Twitter, atrás do perfil de Marianne — era como querer achar uma agulha num palheiro, era, e eles tinham plena consciência disso, mas isso não os impediu de tentar. Ser confiante demais podia ser uma maldição de vez em quando…

Liam um livro agora. Ou melhor, Jiminnie lia. Hasa já havia desistindo de tentar se distrair. Queria ir até sua menina, isso era tudo que queria fazer e era exatamente o que não podia fazer, porque estavam proibidos de sair do quarto até que Qenía lhes desse o aval, até que se recuperassem.

— Isso não é justo! — Hasa reclamou em voz alta. — Não é justo nos obrigarem a ficar longe da Mme! — Jiminnie suspirou e passou a página do livro sem muito entusiasmo. Sua frustração era a dele, só que Jiminnie sabia engolir os próprios desejos para ser razoável. — Não, não é, Hasa-yah. Mas, não podemos fazer nada. Foram ordens do hyung.

Tô me lixando pras ordens dele, Jiminnie.

Ele é nosso comandante… Jiminnie balbuciou, espantado com sua reação rebelde. Depois de compartilharem pensamentos e palavras unos, aquela dissonância era estranha e quase cômica. Era o lembrete de que seguiam sendo entidades separadas, apesar da grande proximidade que agora possuíam.

Hasa continuou, audacioso — não era o Hagar da Ira, mas, sob as atuais circunstâncias, as emoções resultantes do choque das emanações de Confiança e Carência se equiparavam a uma ira genuína:

E, a Mme é nossa princesa. Ainda tá pra nascer o dia em que as ordens dele vão me impedir de estar com ela. Só não me levantei dessa cama ainda e fui atrás dela, porque não quero que nada de ruim te aconteça, Jiminnie. Nosso corpo tá bem ferrado mesmo, o hyung tinha razão de se preocupar. Mas, ele podia ter nos deixado ficar junto da Mme! Ela também tá doente, poxa…

Mas, ela ia acabar percebendo que a gente tá mal, Hasa-yah. Ela vai ficar triste, se souber.

Ah, podíamos dizer que estávamos lá pra fazer companhia a ela. Quando Qenía hyung fosse lá pra cuidar da gente, bastava distorcer a imagem. A Mme pensaria que a luz dele só estava atuando sobre ela, ficaria tudo bem. Não tem cabimento nos manter trancados aqui nesse quarto idiota! O hyung tá pegando no nosso pé de propósito!

Jiminnie ficou quieto por um momento, só encarando a página do livro sem de fato lê-la.

Você acha que o hyung também tem sentimentos pela Mme?

Como os que nós temos? Não mesmo. Como um Hagar de Akasha, os Escudos de Asha são para Sua Excelência e para seu Fragmento, mas isso é tudo. Eles não tiveram um bom começo com a Mme, então Yoongie não deve ter qualquer sentimento por ela, senão incômodo. Além disso, ele e Asha estão no Primeiro Portão, portanto nosso comandante não é influenciado pelos sentimentos dele. Não podem estar fazendo isso por ciúme, e se estivessem seria uma grande bobagem. Somos ambos casados com Sua Excelência, não há razão para ter ciúme.

        — É o quê?! — Jiminnie gritou num sobressalto.

        Como assim casados?! E indagou simultaneamente.

Os sentimentos dele se revolviam como água fervente em uma chaleira, uma confusão só! As bochechas explodiam em vermelho, o coração pulava enlouquecido, a temperatura havia se elevado, os olhos, crescido… Deva’seyire entendeu se tratar de uma mescla de pânico e euforia, timidez e excitação, desconcerto e felicidade. Então, aquelas eram as sensações que esses sentimentos causavam. O Ak’hagar nunca havia imaginado serem assim tão intensas! Achou-as adoráveis, bem como tudo que vinha de seu Jiminnie. Ainda assim, se fez de desentendido e o questionou, queria sentir mais:

Por que a surpresa, Jiminnie?

É que… casados… Você… tem certeza de que usou o termo certo, Hasa-yah?

Hesitação.

Pela Graça de Ak’Mainor, Jiminnie… Servo do criador das palavras, hello!

Eu não gosto da ideia de dividir a Mme.

Ciúme.

Oh, então isso é ciúme? Vamos, Jiminnie! Pense um pouco. Como seria se você não pudesse tocar a Mme, se não pudesse sequer se aproximar dela porque ela já pertence a outra pessoa?

Nem brinque com isso, Hasa-yah! Sabe que é insuportável…

Para Asha hyung e Khro também é, e com o passar do tempo, também vai ser para Yoongie e Taetae. Hagar de Akasha, é isso que todos somos. Devemos “cuidar” dela em todos os sentidos do termo. Somos seus guardiões, seus criados, seus amigos e seus consortes. Só podemos ver a ela, pois existimos para ela. Sentimos por ela. É assim desde que Sua Excelência nasceu e sempre nos sentimos honrados por lhe ser úteis. O bem-estar dela é nossa meta e nos ajudamos mutuamente para cumpri-la.

Mesmo com suas explicações, ainda sentia certa resistência em Jiminnie. Uma parte dele preferia dispensar a ajuda dos demais Hagar de Akasha para ter Mme só para ele. Poderiam protegê-la sozinhos se se empenhassem, tinha certeza. Egoísmo, forte e tentador egoísmo.

Seus Escudos quiseram se apoiar àquela ideia, mas os segurou e se segurou. Era companheiro de Asha e Khro e, por mais que detestasse admitir, sabia que não poderia assegurar a completa proteção de Mme, não sempre. Precisava da ajuda deles, assim como eles precisavam da sua.

Jiminnie também se colocava no lugar dos amigos e se sentia mal por querer mantê-los longe de Mme. Solidariedade, compaixão, culpa. Era esplêndido ter tantos sentimentos, mas tão terrível quanto. Estava claro que cada novo portão aberto seria uma difícil e deliciosa experiência — e Deva’seyire iria abrir mais deles, ah, se ia! Jiminnie também o desejava, receava e mesmo assim não parava de desejar. A unicidade os chamava!

Ainda assim, ao menos por agora, era melhor que mantivessem os pés no chão.

Não há espaço para ciúme ou desejos egoístas na nossa relação, então não os tenha, ok, Jiminnie?

Vou tentar, Hasa-yah. Juro que vou tentar. Jiminnie entendia bem o “senão eu também vou começar a tê-los e daí lascou-se” implícito em seu discurso “responsável”. Mas, se o hyung se sente assim tão bem cuidando da Mme, por que ele a destratou ontem? Ele devia ter abraçado ela e a consolado em vez de repreendê-la e fazê-la chorar mais. Não faz sentido algum!

Hasa ficou quieto. Buscava em seu universo de memórias algo que pudesse dar sentido ao estranho comportamento de seu comandante — porque Jimin estava com a razão, Asha-Maiura havia agido mesmo esquisito. Não poderia ter a ver com Akasha, Yaser’kyfieh era inteiramente leal a ela, portanto devia ser algo com o Fragmento. Mas o que poderia ser?

Os detalhes sobre o Despertar vieram à mente do Ak’hagar, dolorosos pela primeira vez, e ele sentiu o coração ficar pequeninho dentro do peito. Tinham que dar um fim àquela guerra o quanto antes, não havia espaço para erros. Tinham que melhorar logo, e se ficar ali morrendo de tédio era o único remédio, então que fosse. Poderiam estar com Mme quando sarassem. Tinham que sarar logo.

Hasa-yah? Está tudo bem?

Hum?

É que de repente tive a impressão de que tinha algo te oprimindo…

Só estava tentando achar uma justificativa para as atitudes do hyung. Yoongie estava muito preocupado com você, tenho certeza. Ele culpou a Mme pelo que aconteceu, e os sentimentos dele devem ter superado os Escudos de Asha. Não é grande coisa, não se preocupe, Jiminnie.

Antes que seu Jiminnie pudesse responder, alguém bateu à porta.

— Tá aberta! — gritaram ambos, e em seguida Khro e Taetae adentraram o quarto.

— Você voltou! — Taetae festejou, pulando para cima de sua cama.

— Eu disse que ia voltar, não disse? — responderam ao mesmo tempo, soando convencidos.

— Me responda também, Jimin-ah — reclamou o garoto, fazendo um biquinho dengoso. — Eu estava preocupado…

— Eu estou te respondendo, Tae.

— Mas, seus olhos…

— Ah, não há o que fazer. São assim agora. Permanentemente. — Os olhos de Taetae se tornaram enormes. — Os seus também serão quando atingir o Terceiro Portão.

— O Terceiro?! — Ele se espantou e começou a esquadrinhá-lo com o olhar. — Você tá bem?

— Bem, beeeem, não. Mas, logo vou ficar — minimizaram o problema e prosseguiram, aflitos por notícias de sua menina. — Você estava com a Mme, né? Ela está bem?

— Não. — Hasa e Jiminnie fizeram uma cara desesperada, Taetae se emendou apressado — Quero dizer, eu não estava com ela. — Alívio. Que sensação maravilhosa… — Fui dormir pouco depois que Jungkook-ah e eu terminamos de abastecer as dispensas e só acordei agorinha. — As íris dele se cobriram de negror, e fragmentos de estrelas pintaram as escleras. Khro indagou — Por que você não passou a noite com ela? Imaginei que fosse fazer isso se voltasse, Hasa.

— Eu queria, mas estou trancado aqui… Aish, mas, o hyung é fogo, hein?! Eu pedi pra ele te mandar ficar com ela. Será que ela passou a noite sozinha? Ela ainda está muito impressionada com tudo isso… — Eles se calaram, franzindo as sobrancelhas ao perceber que Taetae continuava ali, assentindo sem parar todo concentrado. Perderam a paciência. — Tá fazendo o que aqui ainda? Vai! Vai ficar com a Mme, vai! É seu dever também!

Taetae fez uma carinha de cão sem dono, piscando os olhinhos, cabisbaixo.

— Eu já ia fazer isso, só passei pra ver você… tsc…

— Oh! Que fofiiinho, chingu! Brigado! — miaram, pegando Taetae de surpresa com um abraço. Com a mesma agilidade com que o agarraram, soltaram-no e lhe deram um leve empurrãozinho para fora da cama. — Agora vai lá paparicar a nossa Mme, vai. E, se ela perguntar por mim, diga que estou de castigo. Nem um piozinho sobre minha saúde, hein?!

— Marianne choraria se soubesse, e fazê-la chorar vai contra meu propósito — Khro concluiu, prático. — Então, seu pedido não há razão de ser, Hasa.

— Isso aí! Essa é a atitude correta — Jiminnie apontou, comparando o comportamento de Mainor’dore com o do comandante dos Hagar de Akasha. Hasa deu dois tapinhas no ombro de um Taetae pra lá de confuso. — Parabéns, Khro’mion! Você nunca decepciona.

*     *     *

“No fim o mérito vai ser seu e meu.”.

O quarto da princesa Marianne permanecia escuro, apesar de já ter amanhecido. Tudo graças às grossas cortinas que barravam as janelas. O único som no ambiente era o baixo ressonar dela, ainda adormecida sob as cobertas. Seguia muito fraca, poderia muito bem dormir pelo resto do dia.

Tamanha quietude… era de se imaginar que a princesa estivesse sozinha ali, embora tal impressão não passasse de um equívoco.

Asha-Maiura e Yoongi ocupavam uma poltrona junto ao canto à direita da porta, o mais longe possível da cama onde o Fragmento permanecia a dormir. Tão parados que poderiam ser facilmente considerados parte da mobília, uma estátua de Carrara. Vinham estando assim, imersos nessa vigília imóvel e silenciosa, desde que deixaram os aposentos do Hagar da Carência no meio da madrugada.

Não haviam olhado uma vez sequer para a cama, no entanto. Seu olhar flamejante se cravara num ponto qualquer do piso marmóreo ao chegarem ali e assim seguia até o momento. Já bastava terem tido de ouvir os choramingos agoniados que haviam conseguido emergir dos pesadelos do Fragmento.

Jimin não estava errado ao pensar que a princesa seria aterrorizada por pesadelos, só havia errado ao pensar que isso fosse algo ruim. Apesar de desagradável, aquele medo também contribuiria para o Despertar de Akasha, portanto não devia ser contido, e por essa razão, não poderia ter sido Khro a vigiar o sono da hospedeira de Sua Excelência.

Ver uma Criança sofrer seria uma tarefa demasiado penosa para ele — tratava-se de um dos Ak’hagar com Escudos empáticos, afinal —, e impossível para Kim Taehyung. Mesmo sendo contra o propósito de Mainor’dore, se fossem eles ali, os sentimentos do rapaz decerto já teriam sobrepujado Medo e, auxiliados por Amizade, teriam acabado com o sofrimento da Escolhida de Menora.

Como comandante dos Hagar do Primeiro, Asha não poderia permitir que isso acontecesse. O Despertar de Sua Excelência não podia ser adiado, não importando o motivo. Por isso, ele mesmo assistia a princesa, para se certificar de que o sentimento fluísse em liberdade pela alma dela e a tomasse inteira. Porém, não a olhava. Não porque a visão do estado agoniado dela o incomodasse, era incapaz de se incomodar com algo que ia de acordo com seu propósito, não a olhava por causa de Yoongi.

Porque ele se incomodaria, ele que era uma ameaça infinitamente pior do que Kim Taehyung.

Os Novos Filhos de Menora eram difíceis de lidar, devida à grande gama de sentimentos que possuíam. Ela os fazia hospedeiros impróprios, pois superava o valor de seus Escudos, concedendo certa parcela de autonomia a eles mesmo após o estabelecimento de seus espíritos nos corpos deles. Quando tais sentimentos desembocavam em fortes emoções, seus Escudos, sua ligação com a esfera material, acabavam sufocados pelo fluxo das Crianças e o controle de suas ações, bem como de suas energias, recaía nas mãos delas. Se isso acontecesse por acidente em uma batalha, poderia significar a morte de hospedeiro e Hagar, talvez até mesmo do Fragmento sob sua custódia. Sistemática e propositalmente, poderia vir a se tornar uma ameaça à sua missão, pois qualquer decisão dos Hagar que as desagradasse, elas poderiam rechaçar e agir conforme os próprios desejos.

Esse era o caso de Yoongi. Ele era tão bom em controlar as próprias emoções, quanto em mascará-las e não tardou nada a descobrir que poderia usá-las para comandar Coragem e Sinceridade.

Os servos de Ak’Mainor tinham o costume de resguardar as Crianças que os acompanhavam, deixando-as a par apenas dos fatos que angariassem suas cooperações e a manutenção de suas sanidades. Não mentiam para elas — como Hagar da Sinceridade, Asha era incapaz de mentir —, somente omitiam o que poderia lhes causar moléstia. Os detalhes do Despertar dos Fragmentos de Ak’Mainor faziam parte das coisas que nunca revelavam aos seus hospedeiros, porque só fariam magoá-los e afundá-los em impotência.

Ao menos até essa encarnação. Essas Crianças poderiam passar da mágoa à ação, se estivessem suficientemente motivadas para isso. Elas poderiam se tornar e tornar os Escudos ameaças para a Alma e o Corpo de Ak’Mainor. Os Escudos deles eram para os Fragmentos, como En-Ephir tinha feito questão de lembrar quando Asha pediu que Berat selasse sua mente e a de Yoongi. Os Escudos eram para os Fragmentos, não para Suas Excelências Akasha e Akisha e se chegassem ao ponto de ter de machucá-las para proteger os Fragmentos, não hesitariam em fazê-lo. Era essa a Grande Falha de Ak’Mainor-Menora: sentimentos fortes capazes de se voltarem contra o próprio ser que os originou. A única coisa entre eles e as divindades eram a soberania do propósito dos Hagar e suas próprias consciências, sem elas para segurá-los, o Alfa e o Ômega seriam só mais um inimigo a ser detido.

Por isso, Asha contou tudo a Yoongi, enquanto os sentimentos dele ainda permaneciam aquém da influência do Fragmento de Akasha. Assim ainda haveria chance de ele seguir seu aliado e ajudá-lo a lidar com essa variante situacional. Era certo que com o passar do tempo os demais Bangtan Sonyeondan aprenderiam a dominar as próprias emoções e seus Escudos com elas. Se nada fosse feito, passionais como vários deles se mostravam, quando o Despertar viesse causaria uma contenda entre as forças de Ak’Mainor e era muito provável que as comprometeria. A pior consequência disso seria a vitória de Larhen e seus lacaios. Tudo pelo que lutaram ao longo de éons retornaria ao nada.

Para o alívio de Asha, Yoongi havia compreendido a gravidade da situação, assim como seus motivos e aceitado ajudá-lo. Mas diferente do Hagar da Coragem, o rapper tinha sentimentos, e eles não deveriam ser provocados além do necessário. Essa era a única condição que Yoongi havia imposto em troca de sua cooperação. Por isso, não olhavam para a princesa.

Ouviam-na e nada mais. Os lamentos que rasgavam a calmaria da respiração dela vez ou outra eram só as notas de uma melodia criada por algum compositor de mau-gosto.

Coincidentemente o compositor sou eu… Yoongi pensou em resposta às divagações de Yaser’kyfieh. Quem diria…

Não foi você quem enraizou tal medo na alma da princesa, Yoongi.

Faz diferença? No fim o mérito vai ser seu e meu. Mal posso esperar pela reação de Hasa-Ithor…

Vamos neutralizá-lo até que Sua Excelência desperte. Depois ele deixará de ser um problema.

Antes que o rapper decidisse o que perguntar primeiro — porque a declaração de Asha havia fomentado um bocado de questões —, ambos sentiram uma leve alteração de temperatura do outro lado da porta. Tinha alguém prestes a entrar no quarto. Rolaram o olhar para lá no exato momento em que ela era aberta.

*     *     *

“Yoongi afastou Jimin e Hasa dela, agora também quer nos afastar.”.

— Acha que a noona ainda está dormindo? — Taehyung indagou ao Hagar da Amizade. Haviam acabado de deixar Jimin e Hasa-Ithor e se encaminhavam para o quarto do Fragmento de Akasha, duas portas à esquerda do de seus amigos inquietos.

Não sei. Khro ponderou por um breve instante. Marianne ainda não está saudável, entretanto os pesadelos podem tê-la forçado a um despertar precoce.

— Vamos entrar de fininho, então — decidiu Taetae. — Se ela estiver acordada, nós a cumprimentamos. Se estiver dormindo, não incomodamos.

Prossiga, Taehyung.

O Bangtan Boy girou a maçaneta e abriu a porta, indo na pontinha dos pés para dentro.

O lugar estava um breu, mas isso não era problema. (Na verdade, Taehyung acabou por perceber que na escuridão enxergava ainda melhor que na luz e se alegrou. Adeus às bicudas e aos esbarrões que sempre dava nos móveis do dormitório em suas deambulações pela madrugada.) Encontrou a cama na outra extremidade do quarto de imediato. Marianne estava lá, deitada entre uma montoeira de travesseiros e almofadas lilases e roxas. Os olhos fechados e a respiração constante indicavam que ainda dormia.

Um forte descontentamento, vindo de algum lugar à direita, atingiu a dupla. Qual não foi a surpresa de ambos ao olhar para lá e dar de cara com os orbes flamejantes de Asha-Maiura os encarando.

— Oh? Você estava aqui, hyung? — V ficou confuso por um momento. — Entendo… Você e Asha-Maiura-nim ficaram cuidando da noona… Aish, vocês podiam ter avisado, a gente se preocupou à toa! — Deixou escapar um suspiro, não tinha por que se aborrecer, certo? Era um alívio que a menina não tivesse tido que lidar com tudo sozinha. Jimin e Hasa ficariam felizes em saber. — Hã… Ela não ficou só, isso que importa. — A expressão séria no rosto de Yoongi era um tanto intimidadora, mas sorriu para ele e para o comandante dos Hagar de Akasha. — Obrigado, hyung, Maiura seonsaeng-nim. Vocês podem ir descansar agora, Khro e eu vamos tomar conta da-

— Cai fora. — A aspereza entediada inerente a Yoongi cortou suas palavras, e o olhar dele abandonou seu rosto, fiando-se a um ponto qualquer do chão.

— O quê?

Taehyung estava perplexo, Khro também não entendia aquela reação. Tudo bem que Suga nunca foi muito dado a interações matinais, e Asha dispensava sentimentalismos, porque ele não possuía qualquer tipo de empatia, mas aquilo era demais até para os dois juntos.

— Se manda, Taehyung. — A forma de tratamento indicava que a grosseria partira do rapper. — Quando eu precisar de ajuda, se eu precisar de ajuda, chamo você.

— Não precisa ser tão rude, hyung… Eu só quero ajudar-

— Ajudar? — Yoongi debochou, uma sobrancelha dele se ergueu de leve. — Então, devia estar treinando sua sincronização com Khro, não metendo o bedelho onde não deve.

O descontentamento que sentimos não foi devido ao risco de incomodarmos o sono de Marianne, concluiu Khro. Foi porque nós viemos até aqui, até ela. Yoongi afastou Jimin e Hasa dela, agora também quer nos afastar. O motivo disso, no entanto, não posso precisar.

— Qual- qual é o seu problema?! — Taehyung até se enrolou um pouco com as palavras, abismado com o quanto a teoria do Hagar da Amizade fazia sentido.

— Todos. Tudo. — Essa foi a resposta de Yoongi, curta e fria. — Tudo se tornou um problema e isso só vai mudar quando essa porcaria de guerra terminar. Então, pare de agir como se estivéssemos numa colônia de férias e vá cuidar de seus deveres, Taehyung. Como pode ver, o Fragmento não precisa de mais de um guardião nesse momento, então ele não é seu dever. Vaza daqui.

— Peça desculpas, Yoongi — ordenou Khro.

— Como é que é? — As microestrelas do rapper voltaram a flechar o rosto de BlankTae, maiores do que antes e liberando ondas de plasma. A irritação oculta por detrás da face indiferente e do tom preguiçoso, porém, revelava ter sido o rapper a reagir, não Yaser’kyfieh. Asha não se irritava, Asha não sentia nada.

— A marca das trevas se apoderou de dez dos Lirthua’shoa, dentre os quais Danae-Ie e Aevarast-Evanih — assinalou o Hagar da Amizade. — Sem os poderes de ambos, os demais não poderão se livrar dela, terão de esperar o fim de seu efeito. Zadha-Rine padece dos ferimentos que Asha lhe infligiu-

— Como pode ter certeza?

— Eu sei, Criança. Eu vi. Zadha mal se agarra à vida, o que sobe para onze o número de servos de Larhen incapacitados de combater. Não irão atacar tão cedo, não necessitamos de pressa, muito menos de forçar seus corpos à exaustão. A sincronização, bem como nossos demais deveres, pode ser feita aos poucos e em regime de alternância. Portanto, sua conduta ríspida não há razão de ser, Yoongi. Peça desculpas a Taehyung.

Suga suspirou, e a irritação dele se dissolveu no ato. O comandante dos Hagar de Akasha iria intervir enfim.

— Você viu… — disse Asha, ponderando as palavras do amigo. O tom desinteressado dele era natural, o fato de não ter repreendido a conduta do próprio hospedeiro logo de cara, não. Pois, se não o tinha feito era porque não o faria.

Asha concorda com os atos dele. Por quê? Khro se perguntou, fixando-se em um pequeno pedaço de nulidade temporal.

Talvez por que ele seja o verdadeiro responsável por eles? Chutou Taetae. Não importa o quanto eu pense, não vejo qualquer razão pro hyung estar agindo assim…

Ele nos quer longe de Marianne. Tem a ver com ela.

Por isso que eu acho que é coisa de Maiura seonsaeng-nim… O hyung não tem por que querer a gente longe da noona, ele nem a conheceu direito ainda, caramba!

De fato, Taehyung.

Retornaram ao Grande Fluxo, e Asha completou o que dizia:

— Parece que deixou coisas de fora de seu relatório, Khro.

— Não deixei. Vi essa manhã. — Seu comandante franziu o cenho, esperando mais informações, porém Mainor’dore hesitou. Nunca havia sonhado antes, a credibilidade de sua declaração seria reduzida se admitisse ter visto o Senhor dos Fazrat num sonho. — É complicad-

Suas palavras foram interrompidas por uma onda de terror seguida de um choramingo.

Era a voz da princesa.

Ela se remexia entre as cobertas. Tinha a respiração pesada, custosa. Pequenas lágrimas escapavam por entre as pálpebras dela, acumulando-se nos cantos dos olhos. Uma rolou pela lateral do rosto, tomado de horror. Ela estava tendo um pesadelo.

O Hagar do Medo enrijeceu.

Tadinha… Pensou Taehyung, destravando suas pernas e se aproximou da cama, objetivando livrá-la daquilo. Não precisaria acordá-la, bastaria mudar o sonho para algo bom. Graças a Khro, era mais do que capaz disso.

A voz de Yoongi os alcançou, estéril como um deserto. Era o comandante dos Hagar de Akasha uma vez mais:

— Irei ouvi-lo mais tarde, Khro. Pode se retirar.

— Não vai acordá-la, Asha? — Khro indagou só um pouco mais alto que um sussurro, e só então Taetae atentou para o estado dele: amuado ao extremo.

Você descobriu o porquê deles estarem agindo assim, né? Em vez de respondê-lo, Mainor’dore se encolheu atrás de Amizade e Medo. Parecia querer se esconder de sua vista, apesar de saber ser isso impossível. Dividiam o mesmo corpo, afinal. Khro, me diz!

— É um Ak’hagar. — Foi a resposta que Asha-Maiura deu ao questionamento cabisbaixo, para não dizer acovardado do companheiro. — Conhece nosso propósito.

Um não… Isso foi um “não”, certo? Maiura seonsaeng-nim não vai acordar a noona, Taehyung reconheceu, aterrorizado. O propósito… Proteger Akasha e seu Fragmento… Repassava em sua mente tudo o que o Hagar da Amizade havia lhe dito, tentado recordar com exatidão de como ele havia lhe dito. Então, também há uma ordem hierárquica nesse aspecto da missão de vocês? Existem situações em que o Fragmento deve ser largado de mão pelo bem de Akasha? Existe, e você não me disse, Khro?

Não leve a mal, Taehyung. O medo contribui para o Despertar de Sua Excelência, é por isso que-

— A noite toda… — disse Tae, ignorando o restante das palavras do Ak’hagar. Já tinha escutado o bastante. Se virou e encarou a face inexpressiva de Suga. — Vocês ficaram aqui, vendo a noona se debater a noite toda e não fizeram nada?

— O pedido de retratação que fez a Yoongi está revogado, creio eu, Khro.

— Sim… Eu o interpretei errado.

Os olhos de Taehyung se arregalaram diante da passividade de Mainor’dore, dizer que estava irritado não chegava nem perto de explicar seu estado de espírito.

Seu amigo só queria poupá-lo dessa visão, Khro tentou acalmá-lo. Não se aborreça com ele, Taehyung.

Não me aborrecer…? Taetae se esforçou para engolir os quilos de reclamações que se entalavam em sua garganta. Nada daquilo iria ajudar Marianne, brigar com Khro muito menos. Precisaria da ajuda dele para lidar com Asha-Maiura. Além do mais, havia prometido que iria se esforçar para entendê-lo e agir de acordo com as diretrizes dele. Ele sentia o sofrimento de Marianne, sentia e gostaria de acabar com ele, mas não tinha emoções suficientes para burlar as próprias regras. Mas eu tenho, já fiz acontecer uma vez. Chamou-o até a eternidade de um momento. Você disse que o medo contribui para o Despertar, não que Akasha depende exclusivamente dele para acordar, não foi?

Precisamente, Taehyung.

Então, a gente não vai contra a sua missão se ajudar a noona.

Meu propósito-

Temos tempo até o próximo ataque dos Lirthua’shoa, você mesmo disse! Akasha precisa despertar, mas não é preciso apressar nada. Vamos deixar que leve o tempo que tem de levar e livrar a noona desse pesadelo. Também é nosso dever cuidar dela, não podemos deixá-la tão assustada e sozinha, não é certo.

Eu… não sei. Sua Excelência deve ser prioridade, porém nesse caso não precisa realmente ser. É até como se… não devesse ser. Essa é uma situação sem precedentes, mas uma com esse Fragmento. O que eu deveria fazer? Quero ajudar Marianne, mas… não sei se é certo…

Vamos, Khro… não posso fazer isso sozinho…

Você pode.

Esqueceu da minha promessa? Não vou fazer nada que você não aprove. Somos uma dupla, lembra? Vamos lá… quais são suas prioridades?

Obedecer ao propósito dos Ak’hagar. Manter meus amigos seguros. Seguir as ordens de Akasha, Berat e Asha. Preservar a vida dos meus inimigos.

E qual é exatamente o propósito dos Ak’hagar?

Proteger Akasha e seu Fragmento e lidar com os Lirthua’shoa.

Os Lirthua’shoa estão amoitados lambendo as feridas. Vão ficar assim por um booooom tempo, então Akasha pode despertar naturalmente. O que resta desse propósito até que isso aconteça?

Proteger o Fragmento.

Uhum, proteger a noona! Ela também é nossa amiga, o que faz dela não só a primeira, como a nossa segunda prioridade. É bem simples quando usamos a lógica, né?

É, sim. Creio que também teria se dado bem como hospedeiro de En, Taehyung. Seu domínio das artes da retórica é de dar inveja, como diria Hasa.

Obrigado! Mas, não. Sou travesso demais para ser hospedeiro do Hagar da Temperança. Sou o parceiro do Hagar da Amizade, é o que eu sou e o que eu quero ser. Vamos ajudar a noona?

Vamos.

Decididos, retornaram ao Grande Fluxo.

— Retire-se — ordenou Asha e franziu as sobrancelhas ao ver que o Hagar do Medo não havia movido um músculo. — Khro?

— Marianne necessita de nosso auxílio — retrucou Mainor’dore com seu inconfundível tom monocórdio. — Não vamos embora.

O nível de irritação de Yoongi voltou a subir, e a ela se somou uma indisfarçável preocupação. Por fora, no entanto, ele permanecia indiferente.

— O Despertar de Sua Excelência não pode ser adiado.

— Ele não será. Virá no tempo certo.

— Foi esse argumento que essa Criança usou para convencê-lo a trair Akasha?

— Você a apressa sem necessidade. Então, onde está a traição? — Sentiram as emanações de Sinceridade se elevarem e serem prontamente suprimidas, o que delatava que Yaser’kyfieh não iria respondê-lo. Coragem, no entanto, não se agitou, comportamento deveras atípico dada à situação. Por sua vez, os sentimentos de Yoongi haviam se intensificado. De irritação à ira, e de ira à frustração. De preocupação ao receio, e de receio ao pânico. Frustração e pânico juntos geravam desespero. Havia apenas uma conclusão lógica para aquilo, inédita e inesperada. — É o Hagar da Coragem, Asha. Entretanto, há temor em você. O que você teme? — Coragem enfim se manifestou, mas só um pouco, o que confirmou sua hipótese: Asha e Yoongi temiam algo. Esse temor devia ser a raiz para as ações deles. Parece que ele não vai responder, Khro. Observou Taetae. Não vai, o Hagar da Amizade concordou. Entretanto, não é nossa prioridade ouvi-lo. Não nesse momento. Ouviremos quando Marianne estiver segura, se Asha ou Yoongi quiserem nossa ajuda. — Vamos mudar o sonho de Marianne e impedir que o medo volte a tocá-la.

Dito isto, rumaram em direção à cama.

O ar ao redor do leito tremulou, e várias ondas de plasma amarelo e laranja surgiram, formando uma parede e encerrando o Fragmento em seu interior. Uma das barreiras autossuficientes do Criador de Sóis, algo bastante difícil de lidar.

Pararam a dois palmos das chamas, e Taehyung se espantou por não sentir nem um pouquinho de calor que fosse, apesar do chão e do teto estarem fumegando. Khro disse:

— É meu comandante e meu amigo, mas se voltar a se opor à proteção do Fragmento, terei de tratá-lo conforme a natureza de seus atos exige: como um inimigo.

Pretende lutar com eles?! V se espantou. Se atracar com Suga e Asha-Maiura não era bem sua ideia de solução para aquele empasse.

Se for necessário para ajudar Marianne, sim. Mas para Khro-Yehath parecia ser. O tom monótono não havia se alterado, mas Taehyung sentia uma seriedade opressora vindo dele. Pronto para destruir qualquer pedra em seu caminho, era como Khro estava. Apesar das ditas pedras serem o próprio comandante dele e um de seus amigos.

Mais cruel que Zaku… Era a primeira vez que o via inteiramente como o Hagar do Medo, e era de arrepiar. Aigoo… talvez eu não devesse tê-lo incitado a agir… V sabia que ele não lhe faria mal, ainda assim ficou paralisado sob os Escudos dele, incapaz de interagir com o mundo exterior. Estava tão enredado pelo poder dele que nem havia percebido que a nulidade temporal os cercava. Khro, será que a gente não pode mudar os sonhos da noona daqui, não? Já mexemos com mentes que estavam mais distantes…

Era impossível antes e é impossível agora, por causa da barreira de Asha. Ela já estava ativa antes, ele apenas elevou sua temperatura para que nos impedisse de passar. Não há como haver uma solução pacífica, enquanto ele e Yoongi se colocarem contra nós.

Palavras eram inúteis, Khro não iria parar, e não podia culpá-lo. Era o propósito dele.

Ai, ai, ai! O que eu faço?

— Desfaça a barreira — decretou Mainor’dore através dos lábios de Taetae.

Por favor, reconsidere, Maiura seonsaeng-nim. Se você reconsiderar, vai ficar tudo bem!

Os olhos de Yoongi flamejaram mais.

— Acha que sou um obstáculo que você possa remover?

Não, não, não, não, não! Hyung! Por favor, faça ele reconsiderar, hyung!

— Não se trata de poder, é meu dever. Desfaça ou a desfarei por você. — V conseguiu reencontrar a própria voz e pediu — Jebal… hyung. Só queremos ajudar a noona.

A barreira de plasma se adensou, o ar ao redor de Suga tremulava como a atmosfera sobre asfalto castigado pelo sol escaldante. Os olhos de Taehyung se encheram de trevas.

— Bom dia, noona! — Uma inconfundível voz estridente somada ao som da porta sendo escancarada reverberou pelo recinto. J-Hope acabava de invadir o quarto, com seu sorriso de cem watts ligado e uma bandeja de madeira rustica nas mãos. Marianne soltou um resmungo, o pesadelo bambeava, balançado pela barulheira trazia pelo Furação Hobi. — Oh, vocês estavam aqui, é? Bom dia!

— Hoseok hyung… — murmurou Taetae, sentindo seus olhos marejarem de alívio. A atmosfera confrontante de segundos atrás havia sido completamente despedaçada pelos berros de Smile Hoya.

— Mas, o que você pensa que está fazendo? — Yoongi ralhou com ele, tentou ao menos. O bom-humor dele estava no nível máximo, tornando-o imune a toda sorte de sermão e rabugice. Era bom-humor demais para ser contido ou reprovado.

— O que parece? — Hobi baixou um pouco a bandeja, permitindo que Suga visse o que havia sobre ela. Um abacaxi grande, inteiro e com casca e coroa intactas. Não havia qualquer faca sobre a bandeja, nem mesmo um prato que fosse. Era abacaxi e só. — A noona precisa comer pra ficar boa logo, ué?

Espera, ele quer que ela coma com casca e tudo? O queixo de Mongtae caiu.

Não é pra comer? Indagou Khro, com a inocência de uma criança de três anos. Estavam uma vez mais no mundo das sombras.

Claro que não, Khro. É muito dura e nada saborosa! Não é pra comer, não!

O Hagar da Amizade coçou a cabeça, confuso e farejou na direção da fruta. O odor cítrico dela adentrou de imediato as narinas de Taetae, apesar da distância.

Eu comeria. Foi o veredicto final do Hagar. Podemos comer a casca e deixar o miolo para Marianne, o que acha, Taehyung?

Tae fez uma careta de nojo com direito à linguinha pra fora.

Nem a pau que eu vou comer esse treco!

Sua aversão a ideia foi tanta que acabou por retorná-los ao Grande Fluxo sem nem notar.

— Noona! — berrou Hoseok, passando por eles. Marchava em direção à barreira de Yaser’kyfieh.

— Esper-!

Hobi sustentou a bandeja com uma das mãos, e usou as costas da outra para bater contra a defesa de Asha. Taehyung achou que ele fosse acabar sem braço, mas as chamas perderam a consistência frente ao seu toque e se dispersaram, esvaindo-se em fumaça. Ele tinha literalmente as enxotado!

— Noona! — bradou ele, mostrando toda a potência de seus pulmões e jogou o bumbum com vontade contra o colchão, fazendo a cama estremecer. Delicadeza para quê, né? — É hora de acordar! — Marianne gemeu em protesto e se remexeu até estar toda sob as cobertas. — Vamos, vamos, não seja preguiçosa… Noonaaaaaaaaaa!

A garota gemeu um pouco mais e abriu os olhos ainda com metade do rosto afundado no travesseiro, mais para lá do que para cá na beirada da sonolência. Ser despertado pelo Hoseok hyung é o mesmo que acordar com o sol brilhando bem na sua cara… Tanto otimismo deixa a gente zonzo e quase cego. Taetae relembrava suas próprias experiências. Fazia beicinho, sentindo dó da garota. Tadinha da noona… A voz dela saiu fraca, pouco mais alta que um sussurro.

— Hoseok-ssi…

— Bom dia! Dormiu bem?

— Não muito…

— Não? Oh… — J-Hope pareceu sem-graça por um ínfimo instante. — Bem, eu tenho algo pra melhorar o seu humor. — Ele apanhou o abacaxi da bandeja que descansava em seu colo e o ergueu à altura dos olhos da princesa. — Olá, eu sou um abacaxi! — disse, engrossando a voz e agitando a fruta. — E eu sou… — emendou, agora afinando a voz — …uma maçã! — Uma suculenta maçã vermelha saltou da manga dele. — Oh! Mas o que você está fazendo? Eu que vou ser o café da princesa Marianne! — reclamou o “abacaxi”. — Só se for nos seus sonhos, eu que vou ser! — protestou a “maçã”.

Yoongi estalou a língua e deixou o quarto, batendo a porta com força ao sair. Estava uma fera com Hoseok…

No fim, quem acabou “caindo fora” foi ele, observou o Hagar da Amizade, fazendo aspas com as mãos e arriou os ombros. Ah. Ele não lhe pediu desculpas.

Não ligo, não. Acabou tudo bem, isso que importa.

Eu o assustei… peço desculpas, Taehyung.

Bah! Que espécie de Hagar do Medo você seria se não metesse um pouquinho de medo de vez em quando, hein? Tô de boa, parceiro. Desencana.

Hobi continuava com seu teatro de frutas.

— Ah, como se Sua Alteza gostasse de uma fruta tão sem sal quanto você — rebateu o “abacaxi”. — Sem sal? Oh, mas era só o que me faltava… E desde quando frutas têm sal, hein? Você tem sal por acaso? Não se preocupe, minha lady. Eu vou me assegurar de lhe prover todos os nutrientes de que precisa — prometeu a “maçã”. — Todos eles?! Que mentira! — acusou o “abacaxi”, bem zangado, e se acalmou sem qualquer explicação. — Está bem. Você quer ser o café da princesa, não é? Pois, então, pode ser! Junto comigo e com todos os nossos amigos! — Peras, morangos, uvas, laranjas, lichias, ameixas… uma porção de frutas emergiu de ambas as mangas de Hoseok, abarrotando a bandeja. — Oh?! Nããããããããããão! Essa honra devia ser só minha! O que devo fazer? O que eu vou fazer? — A “maçã” se desesperou. — Que pena, agora a honra será de todos nós! Se conforme e chupe esse limão! — gritou o “abacaxi”, “chutando” um limão contra a pobre “maçãzinha”. Ele saboreava a vingança, dando uma daquelas longas risadas a la vilões de filmes antigos. Marianna segurava a barriga de tanto que ria. Hobi sorriu para ela, um sorriso suave dessa vez. — Você está rindo. É engraçado, não é?

— É, sim! Obrigada, Hoseok-ssi…

— Ah… não me agradeça… É meu dever te deixar feliz e vou cumpri-lo com o maior prazer! Não se preocupe. Estamos aqui pra cuidar de você, então não tenha medo, ok?

— Ok.

— Mas, você não pode comer só frutas, não é? — Ele deu uma olhada na bandeja colorida de frutos e abriu um sorriso amarelo. — Acho que deixei o amor de Berat-Enira-nim pela natureza me influenciar… Vou dar um pulinho rápido na cozinha e trazer outra bandeja com coisas bem gostosas e não-naturais. Por que não aproveita esse tempo pra fazer sua higiene matinal, hum?

— Não quero atrapalhar, posso descer pra tomar café.

— Não, não, não, não. Já basta aquela corridinha de ontem, você precisa de repouso. Vou trazer a comida aqui pra você.

Hoseok hyung conversa com a noona como se a conhecesse há uma vida… Suspirou Taetae, amuado. Incrível…

O que você está sentindo agora, Taehyung? Não consigo precisar.

Eu não sei direito. Eu estou feliz que a noona não está mais com medo, mas estou triste que não consegui ajudá-la. Sinto admiração e respeito pelo hyung conseguir falar tão abertamente com ela, e… também sinto um pouquinho de inveja. Eu queria falar com ela assim, mas acho que ainda vou demorar muito pra conseguir. É meio frustrante, sabe?

Não sei. São sentimentos que não possuo.

Espera, agora que falou… Você é o Hagar que domina sentimentos, como pode não conhecer algum deles?

Eu conheço seus nomes, as definições que os descrevem, e posso influenciá-los, intensificando-os, apagando-os, transmutando-os em outros. Embora eu costume dizer que os “sinto” dentro dos seres, “detecto” delimita melhor o que de fato faço. Eu os detecto e os manipulo. Porém, não os possuo dentro de mim, não os sinto realmente. Sinto o seu sentir agora, é interessante.

Mas sentir o meu sentir não é o mesmo que sentir?

Não. Sinto que você sente, não o que você sente.

É bem confuso.

O que eu capto é um eco do que você sente, e quão maior for o número de sentimentos e emoções envolvidos, menos conseguirei precisá-los, pois se embaralham. Mas, quero entendê-lo, por isso praticarei para diminuir a margem de erro. Irei questioná-lo muito, Taehyung.

— Ei, Taehyung-ah! — Hobi o chamou, não pela primeira vez pela cara enfezada que fazia.

Ai, não! O que foi que o hyung me disse? Eu não ouvi!

Hoseok disse a Marianne que você fará companhia a ela e pediu a sua confirmação.

Ah, tá!

— Uhum, pode deixar comigo, hyung! — Taetae pôs ambos os polegares para cima, reforçando o que dizia e sorriu para a princesa. — Vou estar aqui pra o que você precisar, noonim.

J-Hope deixou escapar um risinho e se virou para Marianne.

— Se precisar de ajuda, peça a ele, ok? Eu já volto.

— Está bem. Muito obrigada, Hoseok-ssi.

*     *     *

“Crack.”.

— Ainda está aqui, hyung? — observou Jung Hoseok ao sair do quarto do Fragmento de Akasha, sorrindo como se tudo corresse às mil maravilhas.

Yoongi perdeu o pouco de paciência que lhe restava.

— O que você tem na cabeça?!

— Hum… depende. É uma pergunta literal ou uma daquelas questões filosóficas?

— Sem gracinhas, Hobi.

— Um montão de coisas. — O rapaz deu de ombros e olhou para cima, vestindo uma expressão pensativa e passando a contar nos dedos. — O que aprontar pro café da princesa, a rede de defesa mundial que Berat-Enira-nim e eu vamos montar, alguns passos para a nossa próxima coreografia… — É perda de tempo, reconheceu Asha. Deixe comigo, tratarei diretamente com Berat. Yoongi estalou a língua, apoquentado, e agarrou o braço do amigo, começando a arrastá-lo pelo corredor. Ele queria levá-lo aonde os Hagar pudessem conversar sem correr o risco das demais Crianças ouvirem. — Devagar com a louça… ui!

Apesar da reclamação, Jung Hoseok se deixou levar, o que derrubou a hipótese de que ele tivesse atrapalhado seus planos por mero acaso. Yoongi só o largou quando entraram em seu quarto, e a portas fechadas, Asha tomou as rédeas da conversa:

— Berat.

— Estou ouvindo, Asha — respondeu o general dos Ak’hagar, com seu tom sempre gentil e paciente, enquanto piscava repetidamente, tentando enxergar. O tênue brilho pérola-dourado emitido por seus olhos de pedra eram, junto aos orbes estrelados de Yaser’kyfieh, os únicos pontos de luz em meio à escuridão que dominava o ambiente. — Tão bem quanto ouvia lá no corredor.

Yoongi alcançou, certeiro, o interruptor à esquerda da porta e acendeu as luzes, revelando o espaço quase branco, salvo pelo piano de cauda diante da porta de correr envidraçada que tomava conta dos fundos do quarto e pelos equipamentos de som, vídeo e informática junto à parede direita, ambos negros. A parede à esquerda era cortada por prateleiras transparentes que acomodavam livros e CD’s, havia um pequeno sofá próximo a ela. A cama ficava no centro do recinto, sobre um tapete felpudo que parecia um recorte do céu noturno de Varlax: vermelho e povoado de estrelas das mais variadas cores, e era de longe o item mais impressionante da decoração, dadas às suas proporções exageradas, seu formato redondo e os três círculos de travesseiros e almofadas a cercar sua borda.

Asha disse:

— O assunto não diz respeito a Crianças.

Com uma piscada, a energia do Guardador dos Espíritos Condenados desapareceu dos olhos de Jung Hoseok, dando lugar ao habitual castanho-escuro.

— Tava demorando pra implicância começar… — A Criança de Berat se queixou, pondo as mãos na cintura, descontente. — O que você tem contra mim, hein, Asha-Maiura-nim? Ah, quer saber? Deixa pra lá. — Ele substituiu a careta insatisfeita por um grande sorriso. Realmente se esforçava para manter o alto-astral. — Até daqui a pouco, Yoongi hyung! Berat-Enira-nim! — Feita a despedida, o aspecto de Ak’houan-a-rae voltou a inundar seus olhos, e a pacificidade do Senhor dos Hagar, seu tom. — Estamos a sós, meu amigo. Do que se trata?

— Por que deixou o garoto intervir?

— Dois Hagar de Akasha estavam prestes a se embaterem, pondo seus hospedeiros e o Fragmento que deveriam guardar em risco. A meu ver, isso é motivo mais que o suficiente para uma intervenção. Por isso, deixei que Hoseok agisse.

Asha franziu as sobrancelhas de Yoongi de leve e tão rápido que foi quase imperceptível. Khro-Yehath era poderoso e estava disposto a enfrentá-lo a sério, isso não se discutia. Entretanto, era superior a ele em poder e estava previamente preparado para lidar com quaisquer imprevistos — a cama e o derredor da poltrona na qual se encontrava não eram os únicos pontos dos aposentos de Sua Excelência sob sua influência, poderia absorver qualquer energia dentro daquele recinto se assim quisesse. Khro cairia antes que fizesse o primeiro movimento. Com toda certeza, Berat sabia disso, então por que se preocupava?

Reforçou, apesar de considerar desnecessário:

— As Crianças não corriam perigo.

Ak’houan-a-rae lhe mostrou um sorriso sereno e se pôs a estudar os detalhes do espaço.

— Enquanto suas animosidades não passassem de uma troca de farpas verbais decerto. Uma vez que suas energias se embatessem dificilmente, visto que não poderiam controlar todos seus ataques uma vez que os liberassem.

O Mestre dos Selamentos se calou por um momento, algo na direção do piano e das portas de vidro ao fundo do recinto parecia ter capturado a atenção dele.

Em outras palavras, Berat acha que meus esforços não bastariam para impedir o combate. Por quê? Asha inclinou um pouco a cabeça para a direita. As Crianças? Ele acredita que a interferência delas poderia ocasionar variáveis situacionais, Yaser’kyfieh se convenceu. Você não é o único Hagar que reconhece nossas façanhas, afinal… Yoongi comentou, mostrando que prestava bastante atenção à conversa, embora se abstivesse dela. Só que ele não parece lá muito preocupado com o que elas podem vir a significar. Será que ele ignora essa ameaça ou só não quer fazer nada a respeito dela?

O Senhor dos Hagar voltou a falar:

— Foi imprudente, reprovável e desnecessário, independentemente da motivação. Espero que não se repita, do contrário voltaremos a intervir.

Mais um comentário preocupado que uma repreensão, um comando em pele de pedido. Assim eram os mandos de Berat, nem por isso se faziam menos claros. Nada de confrontos entre Hagar. Asha não o desobedeceria, e isso reduziria seu raio de ação no tocante à questão dos Fragmentos. Especialmente agora que Khro se convertera em um empecilho, como se já não bastasse ter de lidar com Hasa…

Impediu por muito pouco que o riso seco de Yoongi se externasse. “Haja conforme achar melhor”, esse havia sido o conselho lhe dado por Qenía-Araso quando tratou com ele durante a madrugada. Conforme eu achar melhor…

Seu general reconhecia a anormal autonomia de seus hospedeiros. Talvez pudesse convencê-lo a tomar medidas para evitar o porvir desastroso que os espreitava.

— Essas Crianças não deveriam ficar perto dos Fragmentos, Berat — disse Asha. — Não deveriam nem mesmo lhes dirigir a palavra.

Hagar’miresa pareceu estranhar suas palavras.

— Os Fragmentos são tanto nossas responsabilidades, quanto delas, Asha.

— Em circunstâncias normais, sim. Entretanto, essas Crianças são diferentes de todas as que já nos hospedaram. Se vierem a formar laços com os Fragmentos, o que decerto ocorrerá se forem mantidos juntos, o resultado haverá de ser uma catástrofe. Larhen estará livre para ordenar esse universo e destruí-lo se Suas Excelências Akasha e Akisha forem comprometidas. Não podemos arriscar.

— Quer isolar os Fragmentos com base em suposições?

— São bem mais do que suposições, meu general. Você já experimentou o que Jung Hoseok pode fazer, quase morreram nas mãos de Zadha-Rine por conta disso. Temos de mantê-los separados.

O Mestre dos Selamentos meneou a cabeça.

— Não posso-

— Berat.

— Não posso. É contra nosso propósito.

— Sabe que não é. Nossos Escudos são para os Fragmentos, não nós.

— E qual é a diferença?

— Eles são parte de nós, mas não são quem somos. Nós protegemos Suas Excelências, o Primeiro e o Último, e cuidamos para que os escravos de Larhen-Edriza não as impeçam de finalizar o Portal. Apenas isso. Não descumpriremos nada se nos mantivermos a uma distância segura dos Fragmentos. Nossas Crianças também não, elas não fizeram juramento algum afinal de contas.

Berat guardou silêncio por um instante, em ponderação.

— Você tem razão — admitiu por fim. — Não há um juramento que nos obrigue a assisti-las de perto. Desde que estejam seguras, cumprimos o dever de nossos Escudos. Não darei a ordem, ainda assim. — Era bom demais pra ser verdade… Yoongi resmungou. — É desumano.

— Não somos humanos.

— Mas nossas Crianças são, e nos tornamos um pouco como elas ao estar com elas. Não vou manchar os corações de Hoseok e seus amigos com culpa, nem vou tornar um deserto solitário os últimos dias das princesas. Esforce-se para conhecer Min Yoongi e compreendê-lo, deixe que ele o conheça. Se assim for, quando o momento chegar, ele há de sofrer, contudo compreenderá que nossa dor é necessária para que os demais Filhos de Menora vivam em bonança. Farei o mesmo com Hoseok. Nossos companheiros farão o mesmo com as Crianças deles, e não haverá catástrofe quando a dor chegar. É sabido.

Vai sonhando… Debochou Yoongi.

— Conta demais com a esperança, Berat — disse Asha, e seria um lamento, se ele fosse capaz de sentir e esboçar pesar.

Ak’houan-a-rae voltou a sorrir. Um sorriso pesado, fantasma de tristeza.

— É claro. Eu sou o Hagar da Esperança. — Asha desviou os olhos do rosto de Jung Hoseok, pois aquela expressão incomodava Yoongi. Já bastava o próprio Asha ser incomodado pela energia a escapar através das rachaduras dos Escudos de Berat. — Hoseok e eu vamos providenciar o café da princesa. Tente dormir um pouco. Tanto você quanto sua Criança precisam.

Dado o conselho, Berat se retirou de sua presença. Não lhe restava qualquer razão para suprimir o riso sarcástico de Yoongi, por isso não o fez. Em seguida, ele o alfinetou.

Parabéns por dificultar a nossa vida.

Dificultei?

Você contou o que pretendemos ao general dos Hagar, e ele nos mandou brincar de casinha. Yoongi soava quase como Zaku-Zaoh, apesar das vibrações que manavam da alma dele serem deveras diferentes. Máscaras. Os Novos Filhos de Menora gostavam de usá-las, e Yoongi não era diferente, apesar de ser seu hospedeiro. Não podemos fazer mais nada.

Berat disse que não nos ajudará, de resto fez apenas conjecturas. Não nos ordenou a não isolar os Fragmentos. Ele tem seus próprios deveres, não estará sempre por perto. Podemos restringir os momentos de interação coletiva às ocasiões em que ele estiver presente. Será o bastante, ao menos para resguardar os Hagar de Akasha. Quanto aos servos de Akisha, não sei o que fazer. O Fragmento sob a custódia deles está fora da minha jurisdição, e En não concordará em isolá-lo. Ele é do tipo que gosta de observar o que acontece. Berat é o único que poderia passar por cima da autoridade dele. Estou sem ideias.

Hum. Bem, o pior que pode acontecer nesse caso é acabarmos numa batalha de três contra quatro. É um pouco mais equilibrado do que um contra seis… Bom trabalho, Asha. Você fez bem.

Essas ironias devem diverti-lo, imagino. Para ter se dado ao trabalho de tecê-las. Não sou dotado de sentimentos empáticos, você bem sabe.

— Você não é nada engraçado… — disse Yoongi em voz alta, metendo as mãos nos bolsos da jaqueta e encarando os pés voltados um em direção ao outro. Embora a expressão apática, o interior dele se agitava em um sem-número de emoções, todas culminando num incômodo só. Sentia o sentir dele, desgraçadamente nítido.

Insegurança. A quem estava querendo enganar? Como se pudesse impedir que as coisas dessem errado, como se pudesse lutar contra seus amigos e os demais Ak’hagar. Perjúrio, pessimismo, descrença. Se machucar, era tudo que conseguiriam. Então, de que adiantaria? Medo. Talvez fosse melhor que nem tentassem. Poupariam esforço e doeria menos, pois doeria depois e em todos. Covardia.

Crack.

Os olhos de Yoongi se arregalaram, as chamas deles haviam se apagado sem que permitisse.

— Isso foi…?

Creio que você também não seja. É meu hospedeiro ideal, afinal. Asha, enfim, respondeu a provocação dele. Aquilo doía. Como seu general podia suportar tanto? Berat estava certo, é melhor dormirmos.

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