Capítulo XIV - Coração Confuso
"Fica firme, Gio. Você tem que cuidar da Mari".
Ao recobrar os sentidos, Giovanne não abriu os olhos de imediato. Seu corpo estava todo dolorido, como se tivesse sido massageado por um rolo de macarrão furioso.
Não conseguiu pensar em nada por alguns instantes, mas logo sua mente começou a clarear. Lembrou-se do jogo, dos monstros esverdeados, de ter sido espancada por eles, de suas amigas ficando iguais a eles — céus, suas amigas! O que será que havia sido feito delas? —, da onda d'água que os engoliu, de Jungkook...
Jungkook.
Aquele era mesmo ele? Se era...
— EU ENFIEI MESMO A MÃO NA CARA DELE?! — berrou Giovanne, sentando-se de supetão, os olhos arregalados.
— De quem?! Enfiou a mão na cara de quem, Gio?
Mari? Giovanne estranhou, ela não devia estar na peça?, e se virou na direção da voz.
Marianne estava mesmo ali, logo a sua direita, com o notebook apoiado sobre as pernas cruzadas e uma expressão assustada no rosto. Ela ainda estava com as mesmas roupas que usava pela manhã — blusa manga de sino roxa e jeans —, diferente de Gio, que tinha tido seu uniforme preto e branco do time de futebol substituído por uma camisa cinza de mangas longas que parecia mais um vestido nela — e que por sinal ela jamais havia visto. A visão da porção de travesseiros e almofadas em que Marianne se recostava fez com que a mais nova percebesse que estavam sobre a mesma cama, e era uma puta cama! Tão grande que fazia a do quarto de seus pais parecer um bercinho de maternidade.
Logo, não estavam em casa, na enfermaria de seu colégio, muito menos num dos quartos de hospital do SUS. Mas, então, onde estavam?
Giovanne deu uma boa olhada ao redor.
O quarto não era especialmente grande. Tinha espaço o bastante para comportar a cama, ambas as mesinhas de cabeceira, uma bancada de trabalho com computador, tablet profissional e outros materiais de desenho alinhada à parede à esquerda da cama, uma bateria à direita e as estantes onde livros, CDs, DVDs, troféus, bonecos e miniaturas de plastic models dividiam espaço a ladearem a porta no centro da parede na outra extremidade do recinto. Uma segunda porta, que provavelmente dava para um closet, quem sabe um banheiro, ocupava o restante de espaço vazio na parede direita, e um par de grossas cortinas, ambos os lados da parede atrás da cama.
Giovanne o achou aconchegante não apenas pela funcionalidade, como pelos tons: mármore azul-claro ia do chão ao teto, a brancura dos móveis contrastava com a cor turquesa das cortinas e da roupa de cama. Aquele era o quarto dos seus sonhos sem tirar nem pôr, o que era ridículo! Nunca o havia descrito para ninguém, não com aquela precisão de detalhes.
— Mas onde é que a gente tá?! — bradou Giovanne ao se deparar com um urso de pelúcia gigante (que por sinal combinava com as paredes) sorrindo sobre os travesseiros, logo atrás dela.
— Num lugar seguro — respondeu Marianne. Ela havia voltado a mexer no computador, como se estivesse tudo na maior normalidade.
— Ok, mas onde exatamente fica isso?
— Não faço ideia, também acordei aqui.
— Então como sabe que é seguro? — Ruguinhas de espanto surgiram na testa de Gio. — Você já tentou explorar por aí?
Marianne negou com um aceno de cabeça.
— Sei porque uma das pessoas que me salvou disse que seria seguro, e eu confio nela.
— Salvou? Não me diga que aquela gente esverdeada também te atacou!
— Também...? — Marianne prosseguiu, pensativa, parecendo dizer mais para si mesma do para a irmã — Então, minha dedução estava certa, você realmente é o outro Fragmento de Ak'Mainor...
— Fragmento de Aqui-o-quê? Que que é isso, Mari?
— Os hospedeiros de Akasha, o Alfa, e Akisha, o Ômega. Não sei bem o que isso significa, mas Jimin-ssi chamou Akasha de "yeonsin-nim".
Como sua irmã, Giovanne manjava um bom bocado de coreano, mas a menção ao nome de Chim fez com que o significado daquela palavra fosse para o espaço.
— Jimin-ssi-? Jimin? Tipo, o Jimin?! — Marianne assentiu, e Gio tapou o rosto com as mãos. — Ai, merda, merda, merda, um milhão de vezes merda! Era mesmo ele! Não acredito!
— Está falando do BTS que foi te resgatar? — Giovanne sacudiu a cabeça, confirmando com o rosto ainda coberto, totalmente infeliz. — Quem foi?
— Jungkook. Eu pensei que ele fosse uma das meninas, todas elas tinham virado monstro e estavam me atacando, e dei um tapão na cara dele! Um tapão tão forte que a marca dos meus dedos ainda deve tá lá! Merda! Eu já tava me sentindo péssima só por ter batido nele... E era por causa de mim que ele estava lá, e eu ainda bati nele. Tadinho. Burra, burra! Ai, o que eu faço, Mari? O que faço?!
— Mostra que está arrependida e se desculpa. Eu também tenho que me desculpar com Jimin e Taehyung. Ainda não sei como, mas sei que causei problemas pra eles.
Então foram Jimin e V que salvaram a Mari daquelas coisas? Dá pra ficar mais surreal? Giovanne pensou com vontade de gritar de nervoso e frustração, mas se limitou a esfregar as mãos no rosto e dizer o seguinte (não queria abalar a calma que sua irmã conseguia manter):
— Você sempre se preocupa com o bem-estar dos outros, Mari. Não importa o que fez, não pode ter sido tão ruim.
Sim, você sempre pensa antes de agir, por isso que quase nunca mete os pés pelas mãos, Gio acrescentou consigo mesma. Diferente de mim...
— Foi suficiente pra fazer os dois chorarem... Muito. — Percebendo a repentina fragilidade no tom da irmã, Giovanne tirou as mãos do rosto e a encontrou amuada com os olhos marejados. — Jimin-ssi prometeu que iria responder todas as minhas perguntas assim que me trouxesse a um lugar seguro. Eu já estou aqui e estou acordada, então por que ele ainda não apareceu?
Calma, o caramba... Gio se achegou para junto da irmã e emprestou seu ombro para ela, envolvendo-a num abraço protetor. É só o jeito dela de sofrer: fazendo o máximo para não incomodar ninguém.
Enquanto Giovanne pensava no que dizer para confortar a irmã (um "vai ficar tudo bem" depois de tudo que tinha acontecido e em meio às tantas perguntas sem resposta que tinham seria irresponsável demais), deram duas batidas na porta.
Segundo Marianne, deviam estar num lugar seguro, mas não dava para ter certeza, não sem provas. Até onde Gio sabia, bem podia ser alguém hostil lá fora. Não aqueles monstros esverdeados, porque eles não se dariam ao trabalho de bater na porta, mas sim a mente por trás deles. Pra eles terem invadido o colégio sem chamar a atenção das autoridades, deve ter alguém controlando eles... Se esse desgraçado aparecer na minha frente, eu mato!
Por isso, enquanto a mais velha se sobressaltou com as batidas, limitando-se a encarar a porta, entre assustada e ansiosa, Giovanne a soltou, saltou para o chão, ignorando a dor ainda presente e os protestos de Mari, agarrou as primeiras possíveis armas que avistou — que por sinal eram as baquetas da bateria — e se colocou à frente da cama, pronta para enfrentar quem fosse. Não ia deixar que encostassem um dedo em sua irmã.
Mais duas batidas, dessa vez acompanhadas de uma voz que soou abafada através da porta (e que pareceu estranhamente familiar a garota; estranha, pois não pertencia a nenhum amigo, familiar ou a qualquer pessoa com quem convivesse, ela tinha certeza absoluta):
— Marianne-nim, Giovanne-nim... — A forma de tratamento pegou Gio desprevenida e fez com que ela se desse conta do porquê daquela estranheza. Sua ferocidade bambeou na mesma hora. Oppa? Será possível? — Precisamos conversar com as senhoritas. — Ela estreitou os olhos. Não, deve ser algum truque...Pensando bem, tudo isso deve ser um truque. Antes e agora. Não tem como os meninos estarem aqui. Só a simples ideia já a deixava com raiva, muita raiva. Tinha se sentido culpada por Jungkook! Se aquele não fosse ele... Hum... — Será que podemos entrar?
— Só um instante, Hoseok-ssi! — Marianne gritou em resposta, evidenciando que ambas haviam chegado à mesma conclusão (a primeira, ao menos) e fazendo Giovanne fuzilá-la com os olhos. Mas, será possível, Mari?! Será possível logo você, sempre tão inteligente e reflexiva, não ter maldado essa aparição repentina e sem explicação dos meninos?! Se havia uma forma fácil de dobrá-las seria usando as pessoas de quem elas gostavam, e eles, com toda certeza, faziam parte da lista! — Abaixa isso e volta pra cá, Gio! É o Hobi!
— Como você pode ter tanta certeza? — Giovanne rebateu com irritação. — Até onde eu sei, o Hobi não fala nem inglês direito, quanto mais português! E ele deu a entender que tem alguém com ele!
O olhar de Marianne vacilou por um instante, e Gio soube na hora que ela estava pretendendo sonegar informações (convivia com ela a vida toda, conhecia melhor as reações dela do que as suas próprias). Mas que informações? E por que ela esconderia algo de mim numa situação dessas?
— Confia em mim, tá legal? — A mais velha disse por fim. — É ele, juro que é. Solta isso e vem pra cá. — Ela estendeu a mão em sua direção e assim ficou, olhando-a séria e sem dizer nem mais uma palavrinha sequer.
Giovanne teve vontade de xingar uma porrada de palavrões, porque sabia que quando Mari fazia aquela cara não adiantava gritar, espernear, dar cabeçadas ou socos nas paredes: não conseguiria arrancar nada dela. Poderia ignorá-la e permanecer onde estava, claro, mas sabia que se fizesse isso ela iria levantar e fazer de tudo para impedir que desse em quem quer que quisesse entrar ali. Não daria para protegê-la assim, então bufou e voltou para cima da cama batendo o pé (mas sem largar as baquetas). Marianne a olhou feio, mas peitou a carinha brava dela. Não ia se desfazer da única defesa que tinham. Então, ela suspirou, insatisfeita e disse, encarando a porta:
— Pode entrar, Hoseok-ssi!
A porta se abriu de imediato, e J-Hope (ou uma cópia muito bem-feita dele) entrou no quarto, seguido por RM e Suga, o que fez com que a garota entendesse o que ele havia querido dizer com "podemos entrar". Ele tinha o cabelo bagunçado, com vários cachinhos para cima, e um sorriso nos lábios — amarelo, verdade, mas era um dos sorrisos dele e isso era um golpe baixo do cacete.
Sem contar Namjoon, fofo em uma blusa terracota de mangas longas e jeans, parado logo à esquerda dele...
Giovanne engoliu em seco e espremeu as baquetas nas mãos numa tentativa falha de aplacar o conflito instalado em seu interior, entre seu coração e sua cabeça. Não era hora de surtar, não podia se dar ao luxo de surtar. Se eles não passassem de ilusões criadas por algum maníaco desgraçado, iria se transformar num Hulk com muita raiva, e isso nunca era bom.
Fica firme, Gio. Você tem que cuidar da Mari. Ela tentava se controlar quando se lembrou de que não era a única sendo covardemente pressionada ali. Porra, a Mari...
Seus olhos se voltaram para o rosto da irmã por um ínfimo instante e a acharam de cabeça baixa, mais amuada do que antes. Apesar de não ser o que Giovanne esperava, a visão não era nem um pouco animadora. Será que ela está preocupada por Jimin e V não estarem aqui?
Hobi pigarreou.
— Desculpem termos vindo incomodá-las no quarto. Imaginamos que já tivessem muitas dúvidas a essa altura, então achamos melhor esclarecer tudo logo. Seremos o mais breve possível, promessa.
— Nossa! Quanta formalidade — disse Gio em tom brincalhão, porém o olhar que lançava deixava sua acusação bem evidente. — Nem parece o Hobi falando...
— Ah, realmente não costumo falar assim. — J-Hope riu, agitando as mãos em negativa. Não parecia ter notado a acidez da garota, ou era muito hábil para não deixar transparecer. — Soa estranho, até! Mas achei que seria apropriado nas atuais circunstâncias... — Mais um risinho, ele enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta esportiva. Pela cara que fazia, adoraria cavar um buraco para se esconder. — Estou nervoso, desculpem.
Suga revirou os olhos, e lá estava sua voz arrastada.
— Eu te disse que esse floreio todo só iria atrapalhar, Hoseok. Você não é o Namjoon.
Rapmon se manifestou de imediato.
— Um pouco de formalidade não mata, hyung.
— Não, mas enche o saco.
— Ei!
— Gente! As meninas!
O olhar de Leader Mon recaiu sobre as irmãs, e ele abriu a boca (talvez para se dirigir a elas), mas voltou a fechá-la e baixou um pouco a cabeça num movimento suave. Um pedido mudo de desculpas, quem sabe. Suga emendou um riso num suspiro e falou:
— Só seja você mesmo, Hobi. O dia de hoje já estourou a cota de estranhices faz tempo.
— Ser eu mesmo... tá... — Hoseok resmungou e começou a se aproximar da cama.
A reação de Giovanne foi imediata.
— Dê mais um passo pra cá, e eu enfio essas baquetas nos seus olhos!
— Uououou! Pra que isso?! Eu só quero conversar com vocês!
— E eu só quero acordar desse sonho bizarro. Quer falar, fala daí.
Para a surpresa de Gio, Marianne quebrou o silêncio que vinha mantendo (e da forma mais inesperada possível).
— Gio acha que vocês não são vocês. Acha que não passam de ilusões criadas para nos ludibriar. Ela tem medo de que a pessoa por trás dos Filhos de Larhen esteja por trás de vocês também.
— Mas que merda, Mari! — Gio ralhou com a irmã. Não estranhava que ela soubesse exatamente o que estava pensando (estavam na mesma situação e ela conhecia seu temperamento e modo de pensar como ninguém), o que a irritava era ela ter aberto o verbo para eles!
— Poxa, eu estaria tremendo de medo se pensasse assim estando no lugar de vocês... — Hobi reconheceu e se abaixou, sentando no chão mesmo. RM e Suga seguiram o exemplo dele. — Sabe, ainda me tremo todo só de pensar em tudo que já aconteceu hoje... Mas, não precisa se preocupar, Giovanne-ssi. Digo, não com a gente. Somos nós, os Bangtan Sonyeondan, e pode ter certeza de que não jogamos no mesmo time que os Filhos de Larhen. Um dos nossos deveres é neutralizá-los até que Akisha possa salvá-los, para que não passem Edoras para outras pessoas.
— Mas do que é que você está falando, afinal? — Giovanne esbravejou mais confusa do que nunca. Olhava do suposto Jung Hoseok para a irmã. — Quem são esses Filhos de Larhen? E Akisha? Do jeito que você fala, faz parecer que essa tal de Edoras é uma doença...
Os olhos de Marianne, imensos atrás das grossas lentes dos óculos, se cravaram no rosto então muito sério de J-Hope. Os dele haviam se fechado, enquanto Gio o bombardeava de perguntas, e, mesmo ainda sendo totalmente ignorante em relação a tudo que acontecia, quando a voz dele voltou a encher o quarto, a mais nova soube que não era ele a respondê-la:
— Estamos falando de muitas coisas, senhora Giovanne. Doença é uma delas. Cegueira e fanatismo são outras. A natureza, o tempo, o espaço, a vida... Falamos da origem desse universo e do que ameaça trazer o fim dele e de tudo que nele vive. Também falamos do que se coloca contra essa ameaça. — Hobi reabriu os olhos, e eram duas pedras de âmbar-amarelo. O queixo de Gio caiu. — Estamos falando disso tudo e muito mais. Falamos de vocês.
* * *
"Ela não vai dar bola pra minha opinião nessas circunstâncias, assim como Yoongi não deu pra do Nam-chan".
— Maldito desejo idiota! — Giovanne gritou para o céu noturno carregado de nuvens, batendo com o punho contra o topo do parapeito de pedra.
Estava no largo balcão que circundava todo o segundo andar do castelo — sim, estavam num castelo. O lugar era imenso, esculpido em blocos de pedra clara como pérolas no alto de uma elevação rochosa coberta de verde, de cara para uma floresta densa e povoada por árvores enormes. O mar se estendia ao longe, muitos, muitos metros abaixo. Não havia qualquer outra terra à vista, só o beijo entre céu e mar.
— Mas, onde é que a gente tá? — A garota jogou a pergunta no ar, tinha o olhar perdido no horizonte azul. — Onde?
— Gio... — Marianne chamou por ela, a voz suave e compadecida demonstrando que entendia bem o conflito instalado em seu interior. Com a mão livre, ela alisava a mão que mantinha cerrada ao redor do pulso dela. Literalmente a havia arrastado por todo o caminho (que por sinal havia sido bem longo, porque aquele lugar parecia um maldito labirinto) até o lado de fora das paredes de pedra. — Não podemos fugir disso. Temos que voltar, Berat ainda têm muito que-
— Voltar...? — A garota cortou as palavras da irmã mais velha, encarando-a com uma expressão quase sentida. Era toda agonia. — Como você pode estar tão calma depois de tudo que o oppa disse? Como pode querer que eu volte depois do que ele disse? Como eu posso voltar? Minhas amigas acabaram zumbificadas por minha causa! Porque um covarde baba ovo filho da puta queria me encontrar! Eu não posso ficar sentada ouvindo as histórias que o oppa tem pra contar, não tenho o direito nem de ouvir a voz dele, de qualquer um deles, com as minhas amigas metidas nessa situação de merda. Elas também são ARMY, droga! — Giovanne se calou por um momento, segurando as lágrimas que ameaçavam escapar de seus olhos. — O oppa disse que essa coisa que tá dentro de mim pode trazer todas de voltar ao normal, então vou até elas. Só vou conseguir pensar com clareza depois que elas estiverem bem.
— Vai me desculpar, princesa Giovanne — uma voz grave e bem conhecida pelas meninas as alcançou, e Marianne desistiu do que quer que pretendesse dizer, voltando a cerrar os lábios —, mas a senhorita não vai a lugar algum.
Giovanne quase caiu para trás quando viu Leader Mon vir na direção delas, flutuando rente ao parapeito com nada, além de metros e mais metros de vazio entre os pés dele e as árvores que cresciam na encosta do monte. Não era uma metáfora... Ele pode voar. Mesmo. Poucos segundos depois, ouviu sons de passos apressados e a voz de Suga, preguiçosa e para lá de descontente, às suas costas, virando-se a tempo de vê-lo atravessar o arco que dava acesso ao interior do castelo. Ao menos ele nos seguiu com as próprias pernas...
— Viu só porque eu falei que era melhor contar o que aconteceu antes de revelar qualquer coisa sobre os Fragmentos de Ak'Mainor? Mais um pouco e os poderes de Akisha vão sair de controle.
— Eu não vou perder o controle! — Gio se irritou ao ver que o comentário do rapper havia assustado Marianne. RM atravessou o parapeito (Atravessou. Literalmente.) e se colocou logo a direita de Giovanne, o acúmulo de nuvens nos olhos dele deu lugar ao habitual castanho-escuro assim que seus pés tocaram o chão.
— Você já perdeu, e os poderes de Akisha também se não desistir dessa ideia estúpida logo. — O tom de Suga era a encarnação da indiferença, e suas mãos metidas nos bolsos da jaqueta jeans, mostra de displicência. Tanto que conferiram uma falsa leveza ao real peso de suas palavras seguintes. — Já basta um de nós ter tido que se sacrificar por causa de vocês-
— Min Yoongi!
— Elas precisam ouvir, Namjoon. Elas precisam saber que não serão as únicas a se machucarem se fizerem merda.
Marianne tirou o braço da mão da irmã com um puxão, e esse movimento pereceu ter custado toda a força que ela tinha no corpo. As pernas mal a sustentavam quando, com passos vacilantes, ela começou a se aproximar de Suga.
— O- onde... onde estão Jimin e Taehyung, Min Yoongi-ssi? — Ela se agarrou a camisa dele para não cair, ele não se mexeu para ajudá-la. — Onde?
A resposta dele foi imediata e quase mecânica, o olhar que lançava sobre ela não dizia nada.
— Taehyung está no quarto dele. Estava agitado demais, então Berat o colocou para dormir.
— E... e Jimin?
— Não sabemos. Perdemos todo o contato com ele desde que a passagem para o aveso de Hasa-Ithor-nim se fechou. — Rapmon atalhou, recebendo um olhar preguiçoso (porém cortante) do amigo e o sustentando, resoluto. "Elas precisam saber!", "A decisão não era só sua, mas já que a tomou, eu determinarei o quanto elas devem saber e digo que é esse tanto!", essas eram as palavras que eles se abstinham de proferir, Giovanne percebeu. Todo seu ímpeto confrontador havia secado sob a hipótese de um dos meninos se ferir por conta de seus atos, já bastavam suas amigas. Marianne tinha levado uma mão à boca, aflita, os olhos marejavam depressa. Namjoon pigarreou e mudou de assunto. — De qualquer forma, ainda é cedo para que vocês duas ajam. O Corpo e a Alma de Ak'Mainor ainda dormem. Por agora devem apenas se apoiar em nós e se fortalecer, isso irá acelerar o Despertar e o expurgo de Edoras.
Marianne retirou a mão da boca e perguntou, baixinho, porém alto o suficiente para ser ouvida por todos que a cercavam:
— O que aconteceu com Jimin?
— Ahgassi- — RM principiou a protestar.
Ela voltou a se virar para Suga, atando os dedos à camisa dele uma vez mais.
— Por favor, Min Yoongi-ssi, o que aconteceu?
Suga abriu um sorriso seco, e Rapmon pôs as mãos na cintura, balançando a cabeça, vencido, e desviou a atenção para algum lugar fora dos muros do castelo. É mesmo. O oppa disse que o espírito que acompanha Suga é o comandante dos Hagar de Akasha, isso significa que Suga responde à Mari, Gio se recordou, preocupada com a irmã. Marianne já se sentia bastante culpada sem saber o que tinha acontecido de fato, talvez fosse melhor continuar sem saber. Mas, sabia que ela não daria bola para sua opinião nessas circunstâncias, assim como Yoongi não havia dado para a de RM. Nam-chan¹ não pode fazer mais nada para calá-lo agora que ela perguntou diretamente a ele.
Yoongi disse:
— Resumindo: você persistiu num desejo idiota e se matou por causa disso. Jimin te salvou, mas pode ter se matado no processo. Eu pensaria muito bem antes de querer assumir mais responsabilidade do que aguento carregar de novo se fosse você, porque Taehyung está temporariamente indisponível e eu não vou jogar minha vida fora por causa de uma Criança tola com mania de grandeza. Não dou a mínima para quão peculiar você é, você não é Akasha, é só um invólucro substituível. — Namjoon fechou os olhos no exato instante em que Giovanne cerrou os punhos, seu ímpeto confrontador estava de volta. — Por isso, se a princesinha meter os pés pelas mãos e se matar quando eu estiver de vigília, vai ficar morta. Akasha também ficará por um tempo, e muitas pessoas vão morrer por conta disso, mas fazer o quê? Melhor temporariamente morta do que com uma hospedeira que pode vir a colocar tudo a perder de vez. Se entendeu o que eu disse, me siga. Vou mostrar seu quarto.
Suga se afastou da garota, fazendo com que os dedos dela se soltassem de suas roupas e deu as costas a ela. Rumava para o interior do castelo, deixando-a ali plantada (Mari estava mortificada demais pela notícia para proferir qualquer juízo, quanto mais para se mover).
— Retire o que disse... — A voz de Giovanne era um chiado gutural. — JÁ!
— Ou o quê? — Yoongi se virou, tirando uma das mãos do bolso da jaqueta e a encarando. Estava coberta de chamas solares, tal qual seus olhos. — Vai se matar tentando me dar um peteleco no nariz? É tão fraca quanto sua irmã e tem que aceitar isso se quiser continuar viva. A não ser que Namjoon esteja disposto a desistir da vida dele por você... — Rapmon passou uma mão pelos cabelos, puxando um pouco os fios da nuca, mas não disse nada nem se dignou a olhar para qualquer um dos presentes. Suga deixou escapar um risinho sem humor, e as chamas na mão dele regrediram até sumir. — É, parece que não. Então, se conforme, Giovanne. A única coisa que pode fazer por enquanto é nada. Vamos, princesa. — E, sem esperar por retruque, ele agarrou a mão de Marianne e a levou embora.
[NOTAS: 1 – Nam-chan é a junção do primeiro bloco do nome do Namjoon com o sufixo que indica grau diminutivo no japonês. Gio tem ascendência nipônica? Não, só é viciada em animes ao ponto de enfiar o japonês em suas falas do dia a dia.]
* * *
"Ele não parece um ser iluminado vindo de outro mundo, só um garoto alto e fofo com um cabelo divino".
— F'ay — Rapmon disse assim que Yoongi e Marianne sumiram castelo adentro.
— Quê? — Gio se deteve (estava prestes a correr atrás da irmã — e do bolinho de arroz estragado para enfiar a mão na maldita carinha fofa dele) e se virou para o rapper com as sobrancelhas franzidas.
— Você queria saber onde estava. Essa é a resposta: F'ay. Na língua primeva, significa "primeiro". Esse foi o primeiro pedaço de terra a se desprender completamente de Pangeia. Passou milhões de anos nas profundezas do oceano, e Berat decidiu soerguê-lo uma vez mais. Quer dizer, ao menos uma parte dele... — A expressão de Giovanne equivalia a uma interrogação gigante. Namjoon deu um risinho sem graça, fazendo com que ela pensasse de imediato que ele não parecia um ser iluminado vindo de outro mundo, só um garoto alto e fofo com um cabelo divino (diferente de Hobi e do açúcar azedo, que pareciam ter pulado da cama às pressas e saído para vê-las). — Muito provavelmente, você não está nem um pouco interessada nesse assunto.
A garota deu de ombros, se recompondo daquele pensamento super fora de hora e respondeu:
— Foi mal, mas agora eu tô mais interessada em ir socar a cara do seu amigo.
— Parece que as palavras dele não conseguiram quebrar o seu espírito...
— Nem a pau! Só não voei no pescoço dele na mesma hora, porque o nível de escrotice dele me chocou. — E, pensar que a Mari adora aquele idiota! Gio trincou os dentes, zanzava de um lado a outro. — Qual é o problema dele, hein? — Giovanne se virou para RM, encontrando o olhar sério dele sobre ela. Ele parecia para lá de contrariado. — Que foi? Está desapontado, por acaso?
Rapmon suspirou.
— Em parte. Apesar de desaprovar os métodos de Yoongi hyung, compartilho do objetivo dele.
— Que seria...? — Gio soou áspera de propósito, para que ele pensasse bem antes de lhe responder. Quem se propõe a bater em um k-idol, bate em dois sem nenhum pingo de remorso (ok, mentira, ainda mais se tratando daquele k-idol, mas ela bateria do mesmo jeito se fosse pelo bem de Marianne). — Quer dizer, além de nos deixar com a autoestima no chinelo...
Namjoon não pareceu preocupado com sua ameaça desvelada.
— Depois de tudo que Berat-Enira-nim e Hoseok disseram, a resposta a essa pergunta é visível, não?
Deve ter ficado bem evidente na expressão de Giovanne que não, porque ele sorriu, exibindo as covinhas (o que, apesar da resistência da garota, mandou boa parte das ondas de raiva que a tomavam para o espaço) e respondeu:
— Sua segurança, é claro. Ah, e a propósito... quando aceitei En-Ephir-nim, eu estava plenamente consciente de que minha vida não seria mais tão preciosa quanto costumava ser. Antes dela, agora vêm as de todos os Filhos de Menora, as de Jin hyung, Jungkook-ah e Hoseok e a sua. Então, sim, eu desistiria da minha vida por você. Mas, isso não significa que eu quero morrer. Quanto mais tempo eu puder ficar ao seu lado, mais poderei ajudá-la em sua missão. Então, por favor, peço que se calme, pense com seriedade em tudo que viu e ouviu hoje e cuide de todas as suas ações, bem como de suas emoções e pensamentos a partir de agora. Apesar de não ser fácil, é necessário por agora. Não pode ceder à vontade de agir antes que Akisha desperte. Afinal, sua vida já não é só sua, mas de todos, assim como a minha.
Giovanne estalou a língua e virou a cara para outras bandas, tentando evitar que ele visse que tinha conseguido deixá-la totalmente desconcertada e corada de uma só vez. Culpa dos beiços, porque ela não tinha prestado atenção a metade do que ele tinha dito (ele falava muito e rápido demais para o gosto dela), só o bastante para saber que tinha sido algo fofo (total oposto do "Espyoongi"). A risadinha que ele deixou escapar, contudo, mostrou que era inútil. Ele já tinha percebido.
Ela resmungou, encabulada — o restante de sua raiva havia ido embora:
— Ah, pô... Qualquer um ficaria envergonhado com o que você disse...
Ele assentiu, ainda sorrindo e disse:
— Vai acabar resfriada se continuar vestindo só isso nesse frio. — Giovanne baixou o olhar para si mesma e ficou de boca aberta ao ver que ainda estava com aquela camisa cinza, sem nada além da roupa íntima inferior por baixo e sem nada nos pés. Havia estado tão transtornada que nem se dera conta de estar congelando ao sabor do vento, e... bem, aquela camisa não era muito grossa. Ela se cobriu com os braços, fuzilando-o com uma cara brava e vermelha. Rapmon se segurava para não rir, mas, ao menos, tinha tido a decência de voltar os olhos para outro lado. — Vamos voltar para dentro.
* * *
"Droga, Jin hyung, [...] Pajear garotas bonitas com naturalidade é sua especialidade, não minha!"
— Quem foi que trocou a minha roupa? — quis saber a princesa Giovanne ao sair do closet, de banho tomado e devidamente vestida, trazendo uma montoeira absurda de agasalhos (ao menos na opinião de RM) pendurada num braço e um par de botas de montaria na outra mão.
(Ela usava uma calça azul-marinho bem-marcada e uma segunda-pele branca sem mangas, o que obrigou RM a baixar os olhos — ou ela era muito distraída pra não notar o quanto aquilo era impróprio, ou estava querendo testar seu autocontrole. Ela está sem maquiagem... Será que Jungkook-ah esqueceu de incluir isso no nécessaire dela? Não que faça falta... ou seja relevante. Sua boca estava seca e não era por estar falando sem parar há minutos, estava acostumado a falar muito mais do que aquilo. Se concentre, Kim Namjoon. Pense nela como você pensa nos outros caras do grupo, pense nela como pensa no Jin hyung e aja normalmente. Droga, Jin hyung, você bem que podia acordar logo. Pajear garotas bonitas com naturalidade é sua especialidade, não minha!)
Haviam retornado ao quarto dela há cerca de uns quinze minutos e desde então conversavam na base do grito, porque ela havia feito questão de trancá-lo do lado de fora do closet (mesmo tendo trancado a porta do banheiro que ficava no outro extremo dele) e não se abstinha de lhe fazer perguntas apesar da distância — todas imbuídas de um constante tom confrontador, como se estivesse pronta para atacar ao menor sinal de ameaça ou desagrado que fosse.
(Como o fruto não cai longe da árvore, Namjoon chegou à conclusão de que Akisha também devia ser assim, o que En-Ephir confirmou. Isso o fez pensar que o Hagar da Temperança não havia sido escolhido para ser o comandante dos guardiões dela apenas por seu nível de poder e inteligência. Só alguém de temperamento sempre calmo para lidar com aquela figurinha arisca.)
— Não sei. A senhorita já estava vestindo isso quando cheguei — ele respondeu, vendo-a colocar os agasalhos ao lado dele na cama e sentar do outro lado para calçar as botas. Os cabelos castanho-escuros, atados numa trança cheia que vinha rente à cabeça desde o topo, foram cair onde quiseram: sobre as roupas e o colo de Namjoon. Entre tirá-la ou avisar a princesa para que ela tirasse, ele preferiu se concentrar no assunto em pauta. A camisa cinza, ok. Ele ergueu uma sobrancelha ao detectar a dita peça entre as roupas e a apanhou, enfim a reconhecendo pelas pregas que tinha nas laterais da barra e pelos passadores dos ombros. — É do Jin hyung. Deve ter sido ele.
Sua Alteza parou de subir a meia por um momento e fez uma careta. Os olhos levemente caídos se estreitaram, e ela resmungou antes de começar a vestir o primeiro calçado no pé:
— Estranho. Eu não esperava que ele fosse o tipo de cara que despe uma garota enquanto ela dorme...
— Não é tão estranho assim — Namjoon discordou, distraidamente. Dobrava a blusa (tentava, ao menos; era um bom exercício de concentração). — Foi ele quem cuidou da senhorita, mas foi Jungkook-ah quem a resgatou. Os poderes de Zaku pertencem a esfera d'água... Hum... Ele deve tê-la entregado toda molhada nas mãos do hyung, é o mais provável.
Por mais que tentasse, ele não conseguia nada melhor do que um amontoado torto, então desistiu e colocou a blusa ao lado das outras peças de roupa, olhando para a garota logo em seguida. Achou-a já calçada, pensativa e com um brilho assassino nos olhos. Só aí ele prestou atenção ao que tinha acabado de falar e abordou o Hagar da Sabedoria:
En-Ephir-nim... Eu não acabei de dizer para a princesa que o Jin hyung é de despir garotas enquanto elas dormem, disse?
Disse. Usou o risco de ela ter um resfriado como justificativa, mas disse, Namjoon.
Ai, mas era só o que me faltava!
— Não entenda errado, princesa! — disse ele, apressado. — O hyung não é nenhum pervertido!
— Kim Namjoon
— Ah- ahgassi?
— Pare com essa de princesa, senhorita, Giovanne-nim e com toda a enxurrada de tratamento polido que você já usou até agora. É irritante pra caramba, cria uma parede enorme entre a gente e faz você parecer um velho.
— Eu sou mais velho do que a- — Ela olhou feio para ele. — ...do que você.
Ela apanhou um dos agasalhos, uma blusa branca de mangas cumpridas, e começou a vesti-la. Ele quase teve sucesso em não se ater aos pedacinhos de pele morena que iam desaparecendo. Quase. Você vale alguma coisa, Kim Namjoon? Ahn? Vale?
— Como pode ter tanta certeza? Minha irmã te falou?
— Ainda não tive a honra de conversar com sua irmã em separado. Sei por causa dos elementos que compõe o seu corpo. — Namjoon se pôs a enumerar as informações nos dedos, mais um exercício de concentração. Sua Alteza já colocava o primeiro casaco, um cardigã azul-bebê. — Dezenove anos, sete meses, dezessete dias, vinte e três horas, trinta e oito minutos e três segundos. Essa é a sua idade.
— Tenho dezoito anos — disse ela (depois de uma breve hesitação) e começou a vestir o segundo casaco, um blazer azul-aço. — Faço dezenove em julho.
— Sim, mas, você já estava viva antes de nascer. Esse tempo entra na contagem composicional — RM explicou e mordeu os lábios, fechando os olhos e dando tapinhas sobre a boca ao perceber que estava falando demais outra vez. Aish... Contagem composicional? Idade dos elementos? Sério, Kim Namjoon? Por acaso, ela é algum fóssil de dinossauro pra você ter de descobrir a idade dela por datação de carbono, ahn? Bastava ter dito que ela parece mais nova do que você ou não ter dito nada! — Você deve estar me achando superesquisto agora, não é?
— Não, que isso! — Ela ajeitava os punhos do último agasalho, uma jaqueta folgada azul-marinho, se segurando para não rir abertamente. — Esse é um papo muito normal... de gente normal, sabe?
Namjoon choramingou, escondendo parte do rosto, especialmente os lábios, atrás das mãos de dedos entrelaçados. Ao menos, minha gafe fez aquele brilho terrível desaparecer dos olhos dela... Akisha é uma bellatora, os poderes dela poderiam muito bem reagir se a princesa Giovanne decidisse bater no hyung... Droga, preciso controlar a minha boca. Quase causei uma tragédia.
Seu raciocínio não está errado, Namjoon. Falta algo nele, contudo. Do contrário, os poderes de Sua Excelência teriam despertado antes, quando Min Yoongi afrontou o Fragmento.
Falta algo? Ela ter partido pra cima dele, talvez? Porque ela queria e havia decidido agredi-lo, teria tentado se eu não a tivesse distraído com aquela conversa sobre a ilha.
É uma hipótese válida. Quanto a sua boca... Receio que seja difícil de controlar, pelo menos quando estiver ao redor do Fragmento de Akisha. Sua Excelência é excessiva, e nos tornamos excessivos sob sua influência.
Que notícia animadora, En-Ephir-nim.
Namjoon deixou escapar mais um choramingo.
— Ei, não precisa ficar assim, garoto. Eu só tava brincando — disse a princesa Giovanne, e o rapper sentiu o toque da mão dela em seu ombro. — Não é como se você nunca tivesse tido uma inclinaçãozinha pra agir feito um nerd, né? Vamos... levante o rosto, não é o fim do mundo.
Olhou-a por cima dos dedos. Ela estava tentando mesmo não rir, mas era uma péssima fingidora.
Ele sacudiu a cabeça, ao menos a vergonha servia para ajudá-lo a se concentrar no que devia.
— Espere até Akisha despertar. Vai ficar tão deslocada quanto eu com o conhecimento de En-Ephir-nim fervilhando na minha cabeça...
— Você tem um ponto. — A princesa voltou a se sentar ao lado dele, mais perto agora que as roupas não atrapalhavam. — Em que buraco fomos nos meter, hein, Nam-chan? — Nam-chan? Quis até perguntar o porquê daquele apelido, porém como ela parecia tê-lo usado sem nem notar, por pura força de hábito, achou melhor não. Para não a constranger. Então, para ter certeza de que ela não notaria (mantê-la sorrindo, por agora, significava também mantê-la segura), voltou a morder os lábios, acabando com uma careta para lá de ansiosa. A princesa Giovanne suspirou e sorriu com paciência inédita. — Vai, pode falar...
— Tecnicamente, você não se "meteu" nesse buraco. Foi arrastada para dentro dele.
Dessa vez, ela não pôde conter o riso.
— Nerd, nerd, nerd... Supernerd... — E, de quem é a culpa? Namjoon pensou, e o Hagar da Temperança o lembrou. Nossa, sua e minha. A influência dela só nos deixa mais falantes. Leader Mon fez um muxoxo, concordando. — Suga também tá tendo problemas pra lidar com os pensamentos do tal Asha? Foi por isso que ele agiu feito um babaca escroto?
As perguntas dela pegaram RM de surpresa e fizeram com que ele se recordasse na hora do que o Hagar da Sabedoria havia lhe dito quando insistira em saber a respeito da situação de seus amigos, a respeito de quais deles ainda poderiam escolher lutar ou não.
"Eu o aconselho a se concentrar em si mesmo por agora." Sabia que a princesa Giovanne não se contentaria com uma resposta assim, por isso teve de pegar outro caminho. Disse:
— Eu não sei. — Mentira. — Apesar de ter um conhecimento preciso a respeito de uma porção de coisas, En-Ephir-nim não é capaz de ler pensamentos. — Não, porém podia ler padrões de comportamento... — Não faço ideia do que Yoongi hyung está pensando, também fiquei surpreso com a atitude dele. — ...e, ao confrontar as mudanças com o contexto, tinha uma resposta bastante clara para a atitude de Suga. — Ele não é daquele jeito. — Ele era exatamente daquele jeito, Asha era daquele jeito, e logo a princesa descobriria sua mentira, mas estava tudo bem, pois ela acreditaria que estava enganado, não mentindo. — Talvez seja por não ter ideia do paradeiro de Jimin. Todos nós estamos preocupados, mas para ele é pior. Por causa de Asha-Maiura-nim. Hasa-Ithor é responsabilidade dele, afinal. — Não deixava de ser verdade, e era uma mentira. — Deve pedir perdão a você e sua irmã mais tarde.
Uma suposição com base em nada. Pedir perdão? Yoongi bem poderia piorar tudo ou não fazer nada. Dependeria de muitos fatores, não podia prever nada.
Sua Alteza ficou quieta com os próprios pensamentos, parecia considerar tudo que havia dito.
A única certeza que podemos ter acerca de Asha-Maiura e Min Yoongi é que eles não pretendem enxugar as lágrimas da princesa Marianne, a voz de En-Ephir soou em sua cabeça, tão austera que evidenciava desagrado. Nunca. O pedido que fizeram a Berat prova isso.
Isso te aborrece, En-Ephir-nim? RM indagou, incerto. Apesar de forte, muito forte, o sentimento que vinha do Hagar não pendia em nada para o descontrole. O humor dele permanecia plácido. Deveras desagradado, no entanto. Aborrecimento despido de tudo que fazia do aborrecimento um aborrecimento. Era paradoxal e intrigava o rapaz.
O objetivo é importante, Namjoon. Contudo, não adiantará cumpri-lo se Asha se afastar de Akasha. Nossos Escudos não protegem esse universo nem mesmo os Filhos de Menora. Ak'Mainor os protege, e nossos Escudos são para seus Fragmentos. Esse é o nosso propósito. Escudo sem propósito é Escudo sem poder.
Mas, eles não vão deixar de proteger o Fragmento, En-Ephir-nim...
Um punhal no coração ou culpa sem consolo. O Hagar mudou de assunto de repente. O que é mais fatal?
Namjoon pensou um pouco.
O punhal. As chances de causar morte imediata são muito grandes. A culpa sozinha não pode matar e mesmo sem consolo pode ser impedida de provocar estrago.
O punhal pode levar uma vida depressa, verdade. Mas, a culpa desconsolada pode levar incontáveis, porque ela pode se tornar muito forte escondida sob outras peles. Tristeza, conformismo, até mesmo alegria. É difícil impedir o que não se vê, e, partindo do princípio de que ver é ser visto, o não-visto é cego e não pode fazer nada, absolutamente. Você ainda tem muito que aprender, minha Criança.
Ainda bem que terei o melhor professor.
De certo, não. Sei muito, não sei tudo. Qenía sabe. Quando souber tudo que sei, Namjoon, saberá que quase nada sabe e quererá saber mais.
Então, você pensa como Sócrates? "Só sei que nada sei"?
E, não é isso que significa ser sábio num contínuo de verdades relativas?
Rapmon refletia sobre a pergunta do Hagar quando se deu conta do que ele havia dito antes.
Opa, espera um minuto... Qenía-Araso-nim sabe de TUDO mesmo?!
Antes que o Hagar da Temperança pudesse respondê-lo, a princesa Giovanne lhes tomou a atenção ao abandonar o mutismo:
— Desde que Suga se desculpe com a Mari, eu fico de boa. Foi ela quem saiu mais machucada disso tudo. — A princesa ficou quieta por mais um instante, até acrescentar. — Eu tive sorte... pelo menos, nesse aspecto.
Que aspecto? Namjoon quis perguntar a ela, entretanto se segurou. Aquilo também havia saído sem que ela notasse. O vento lhe sussurrou algo ao ouvido, e ele sorriu, aliviado, revelando as covinhas — o que atraiu a atenção da princesa — e disse a ela:
— Ele vai pedir. Não sei se com palavras também, mas vai pedir. — Ele escutou um ronquinho de procedência suspeita, que a princesa Giovanne tentou disfarçar batendo com a sola das botas no chão. Foi a vez dele rir. — O que acha de darmos uma volta pelo castelo? Você precisa conhecê-lo se quiser ter sucesso em pelo menos sair dele na sua próxima tentativa de fuga.
— Haha, engraçadinho. Eu até quero, mas preciso ficar com a Mari. Sei que ela tá péssima por causa do Jimin.
— Ela vai ficar bem. Como eu disse, Yoongi hyung vai pedir desculpas.
E, a senhorita quer é ir à caça da cozinha que eu sei!
— Agora? Tem certeza?
— Daqui a pouquinho. O vento me disse. Vamos dar um tempo pra eles, ok?
— Se você continuar falando assim, eu topo.
— Se insiste... — disse ele, levantando e caminhando em direção à saída do quarto. — Giovanne-ssi?
— Nam-chan? — A princesa devolveu o teste, seguindo-o.
RM sorriu e abriu a porta para ela.
— Vai ser um passeio interessante.
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