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Capítulo XII - Mente Aberta

"Fui eu quem começou brigando, afinal".

Quando Zaku-Zaoh emergiu das águas, viu-se na mira do olhar rebrilhante do Hagar do Amor. Estavam ambos no banheiro da suíte do quarto de hotel de Suga e Jin, Zaku de pé na banheira com a hospedeira de Akisha nos braços e Qenía perto da porta com uma toalha nas mãos. O último disse ao deixar seu olhar recair sobre a garota:

— Então, não me enganei. Ela está precisando mesmo de cuidados... Como isso aconteceu?

— Ah, o moleque — resmungou o Hagar do Orgulho, saindo da banheira e encharcando o piso antes de caprichar na dose de antipatia — Não estou com paciência para lidar com nenhum pirralho fedendo a leite agora. Vá tirar um cochilo, quero falar com Qenía.

Jin fez uma careta, uma pequena demonstração de impaciência, mas se recolheu para o oceano de luz em seu sangue, deixando ambos os servos de Ak'Mainor a sós. Já estava mesmo na hora de verificar se a praga das pragas não havia sido liberada em nenhum outro local.

Qenía-Araso se aproximou de Zaku, indagando enquanto desdobrava a toalha:

— De mau-humor de novo, meu irmão?

— E tem como ficar de bom-humor com um estorvo desses por companhia? Veja o que ele fez com Sua Excelência!

O Hagar do Orgulho enfatizou o que dizia, indicando a garota com um aceno de cabeça. Ela estava total e completamente apagada, pendendo dos braços dele como uma boneca de pano encharcada e molenga.

Como se não bastasse os ferimentos que o Fragmento de Ak'Mainor tinha espalhados pelo corpo, Jeon Jungkook tinha se aproveitado do pequeno momento de choque que Eoir'miresa experimentou por causa do tapa que levaram e usado as habilidades dele para sacolejar todas as células da garota, levando-a a imediato nocaute. Nossa, como Zaku-Zaoh queria poder esganar aquele moleque por isso!

Fique à vontade para me esganar, Jungkook o provocou. Vai morrer junto, embuste.

Peste-!

— Ora, ele só estava pensando em evitar novas agressões — Qenía cortou o pensamento inflamado do companheiro, estendendo os braços com a toalha aberta para que Zaku lhe passasse a menina. Ele o fez, e o Hagar do Amor tratou de enrolá-la com ela, já se encaminhando para fora do banheiro. O importante agora era cuidar das feridas dela e deixá-la aquecida. Zaku o seguiu, logo depois de fazer a água que ensopava suas roupas evaporar (não havia feito antes para não expor as células já fragilizadas do Fragmento a mais desgaste). — Sob todo o estresse em que Sua Excelência se encontrava, a probabilidade de que batesse em vocês de novo não parecia nada nula.

— Pois que batesse — Zaku resmungou, ainda irritado, passando pelo outro e indo desforrar o edredom da cama intocada de Jin para que Qenía acomodasse o Fragmento sobre os lençóis. — Estávamos em falta, merecíamos e mesmo que não merecêssemos, ela tem todo o direito de fazer o que bem quiser, com quem desejar.

Vai sonhando que eu vou virar saco de pancadas da sua deusa, Jungkook não perdeu a chance de se manifestar, impertinente. Já basta ter que aturar você.

Jungkook-ah, você não está errado em querer se preservar. A voz de Jin atraiu a atenção do maknae, Qenía tinha acabado de depositar a garota na cama e já começava a envolvê-la com suas brumas de luz. Mas tem que admitir que agiu errado...

Eu agi errado, hyung? Sério? Jeon sorriu de deboche, depois arregalou os olhos. Não, espera, você está na minha cabeça? E eu achando que ter o embuste bisbilhotando meus pensamentos era ruim...

Está claro que você está muito abalado, confuso e irritado por causa de tudo que está acontecendo, Jungkook-ah. É normal, e não vou me aborrecer com as besteiras que você disser por conta disso. Mas peço que não perca de vista o que é importante, ok?

E o que é importante? Diz pra mim, hyung?

Você sabe muito pouco sobre o que significa ser um Ak'hagar, além de nunca ter tido poder algum. Por isso, não pode passar por cima da autoridade de Zaku-Zaoh-nim e usar as habilidades dele como bem quiser.

Ele pode usar o meu corpo, mas eu não posso usar os poderes dele? Isso não me parece justo, hyung.

Os poderes dele não são brinquedo nem a vida é um jogo para que você lide com ela de maneira irresponsável. Você poderia ter matado essa menina, já pensou nisso?

Esse argumento fez o maknae estacar e olhar para a garota desmaiada na cama. Realmente, não havia pensado antes de colocá-la naquele estado. Havia agido por impulso, indignado por ter sido tratado daquele jeito brusco depois de salvar a vida dela. Ela nem devia ter se dado conta de que já estava a salvo quando me acertou... Jeon suspirou, sentindo-se envergonhado dos próprios atos não pela primeira vez no dia.

Jin deu a volta na cama e retirou o edredom (que o dongsaeng nem se lembrava de ainda estar segurando) de seus braços, cobrindo o Fragmento até os ombros. Depois, depositou uma mão em seu ombro, tão de leve que mal sentia o toque dele, e disse em tom apaziguador:

— Não estou querendo te passar lição de moral nem bronca. Só quero evitar que faça algo de que possa se arrepender depois. Porque me preocupo com você.

Jungkook baixou os olhos.

A expressão complicada no rosto de Jin e a postura cabisbaixa o faziam parecer mais velho. Exausto, ele estava exausto e nem um pouco afim de brigar. Jungkook percebeu que por baixo daquela implicância toda também se sentia daquele jeito, e, não sem algum espanto, reconheceu que com Zaku-Zaoh se passava o mesmo (sentia também a contrariedade dele por se ver nesse estado, não devia ser fácil para um espírito naturalmente conflitante aceitar que não estava afim de conflito). Ele estava recolhido quieto, quase amuado. Jungkook se perguntou o porquê daquilo e não demorou a descobrir a razão. Zaku havia agido nesse plano sem um corpo físico, além de ter sido eletrocutado por Makir-Edash e agora devia estar sofrendo as consequências.

Você está bem? Perguntou ao Hagar do Orgulho antes que pudesse pensar melhor e sentiu seu estômago embrulhar. Era claramente a mostra de Zaku estranhando sua atitude — não o culpava, também não sabia muito bem o que pensar sobre ela —, mas ele o respondeu. Vou ficar. Só preciso descansar um pouco. Não faça nenhuma estupidez em minha ausência.

A barreira de implicância que tinha erguido contra Eoir'miresa pedia que não baixasse a cabeça e desse uma resposta petulante, mas se segurou ao reconhecer que só vinha mostrando egocentrismo e imprudência desde que o conheceu. Não podia reclamar dos modos dele, nem cobrar menos antipatia. Fui eu quem começou brigando, afinal.

Jungkook deixou o Ak'hagar em paz e finalmente se dirigiu a Jin, que o observava com um sorriso mínimo de alívio. Com certeza, sabia bem a extensão das mudanças em seu ânimo, a despeito de sua expressão pensativa não denotar nem metade do que sentia:

— Eu sei que só está preocupado comigo, hyungnim. Sei que preocupei todo mundo... Desculpe por eu ter agido como uma criança birrenta. Não vai se repetir.

Seokjin assentiu, sorrindo mais e perguntou:

— Você ainda não comeu nada hoje, não é? — O maknae balançou a cabeça, negando, e Omma Jin lhe deu alguns tapinhas de incentivo nas costas. — Então, vai, vai cuidar de você. Araso seonsaeng-nim e eu ficamos com o Fragmento. — Jeon quis protestar, porque era visível que o amigo necessitava de descanso urgente, mas Jin prosseguiu. — Não se preocupe, os outros já estão voltando. Vamos aproveitar esse tempo para curar essa mocinha e, assim que eles chegarem, desmaiamos em algum canto.

— Tá bem, hyung, mas vou trazer alguma coisa pra você comer.

Os olhos de Jin piscaram com força, brilhantes, e o sorriso se alargou mais antes dele cantarolar, movendo as mãos no ar como se regesse uma orquestra de pequenos e adoráveis corações cor de rosa falantes:

— Isso é música pros meus ouvidos...

*     *     *

"[...] quem estava espionando, e de propósito, era eu".

Os batimentos do coração de Marianne haviam se acalmado. Seu amigo improvável estava sendo sincero ao dizer que estavam seguros. A preocupação dele e o alívio que agora a substituía demonstravam que ele vinha sendo sincero desde o início. Mesmo assim, a garota estava longe de estar tranquila.

Ainda que ele se recusasse a lhe contar o que estava acontecendo, estava claro que aquele homem tinha vindo atrás dela. O que queria dizer que todas aquelas pessoas haviam estado em perigo por causa dela, que vários haviam se machucado por causa dela.

Nem imagino o que fiz para tê-lo deixado tão irritado, mas uma coisa é certa: não posso voltar para casa. Ele me seguiu até aqui, poderia me seguir até lá. Não posso colocar meus pais e Gio em risco. Marianne sentia vertigem só de pensar em ficar afastada de sua irmã, ainda mais sem dar qualquer tipo de notícia, mas não tinha escolha. Se contasse tudo que tinha acontecido para Giovanne, ela não aceitaria ficar longe. Ela abriria mão da própria segurança e daria um jeito de encontrá-la. Gio, por favor, não fique com raiva de mim...

— Daria qualquer coisa para saber o que você está pensando... — A inconfundível voz do amigo improvável de Marianne a chamou de volta ao presente. Ele ainda estava ali, invisível e com as mãos suavemente repousadas sobre os ombros dela, como se para impedir que ela tentasse se afastar novamente de sua proteção.

— O que aconteceu aqui não pode se repetir — disse Marianne baixinho, virando-se na direção da voz dele, ainda pensativa. As mãos dele a ajudaram a se posicionar e retornaram aos seus ombros logo que parou na frente dele. — Então, não posso voltar para casa. — Ela se calou e franziu as sobrancelhas, os olhos grandes se tornaram ainda maiores por detrás das grossas lentes de seus óculos. — Não... Não posso ficar perto de ninguém! O que aconteceu aqui não pode se repetir, não pode!

Dito isto, Marianne tentou se desvencilhar das mãos de seu amigo improvável, porém foi impossível. Ele tinha adivinhado sua intenção e a puxado para perto, prendendo-a num abraço antes que pudesse se mover. O aperto não era forte o bastante para machucá-la, apenas o suficiente para não a deixar ir. Sua cabeça acabou recostada ao peito dele.

— Calma. Não vai se repetir. — Sem soltar Marianne, ele subiu uma mão pelas costas dela, pondo-se a afagar de leve seus cabelos. — Você está segura, Marianne-ssi, e eu vou, nós vamos nos assegurar de que permaneça assim. Calma.

Marianne ficou quieta alguns instantes. Ele estava perto demais, e ela não estava acostumada a ser tocada, mas, de alguma forma, o toque dele não a incomodava. O calor dos braços dele, os dedos alisando seus cachos, o perfume suave... Tudo nele era reconfortante e lhe inspirava confiança. Normalmente, isso a teria feito ficar com o pé atrás — afinal, aprendera desde cedo que quem muito aparenta na verdade não é confiável —, mas não conseguia. Talvez estivesse sendo afetada pelo fato dele ser um dos K-idols de que mais gostava.

Incapaz de rejeitá-lo (essa ideia se esvaiu de seus pensamentos logo que surgiu), Marianne perguntou baixo, ansiando por uma resposta positiva e se sentindo boba por isso (era óbvio que ouviria um "não", por mais que tudo que ele houvesse dito até então indicasse o contrário; não adiantava se iludir):

— Então, vocês não vão embora?

Marianne sentiu o peito dele balançar, ele ria. Não podia vê-lo, pois ele seguia invisível, mas a garota teve certeza de que ele dava aquele sorriso, com as bochechas espremendo os olhos e fazendo com que eles se tornassem duas adoráveis fendinhas. No entanto, quem lhe respondeu foi Deva'seyire:

— Desse lugar, com certeza. Do seu lado, não mesmo. Faremos qualquer coisa por você, lembra? Para isso temos que nos manter por perto. Muito perto. Sempre.

— Se- sempre?

— Vinte e quatro horas por dia, pelo resto da sua vida. Oh, você está corando. Que adorável! — Hasa-yah! O amigo improvável de Marianne ralhou com Deva'seyire e se apressou em soltá-la, dirigindo-se a ela, o tom delatando que estava a ponto de se desfazer de tanta vergonha — Me perdoe por isso... Eu não quis deixar você desconfortável...

Nossa, que embaraçoso! O que eu digo agora? O que eu posso dizer?!

Por que está tão nervoso, Jiminnie? O que é tão embaraçoso?

Você só pode estar de brincadeira comigo, Hasa-yah! Aigoo, ela deve achar que sou um pervertido maluco! Como eu resolvo isso?!

Marianne não pôde segurar o riso. Céus, sabia que não devia rir por conta de tudo que acontecia ainda há pouco e, coitadinho, ele estava desesperado, mas não conseguia evitar. Era muito, muito fofo.

— Não... Não acho — disse ela, ainda rindo.

— Ahn? — Fizeram seu amigo improvável e Deva'seyire, sem entender sua reação.

— Eu sei que não foi você que disse aquilo. Sei que foi Deva'seyire.

— Como-? Como você sabe o título de Hasa-yah? Como sabe que ele está comigo?

— Aquele homem de capa o chamou assim antes de vocês voltarem, e... — Ok, Marianne sabia que ia ter que contar para ele uma hora, e o momento havia chegado. Então, continuou com suas explicações; suas palavras saindo baixas e hesitantes — ...eu posso ouvir vocês conversando... desde que você me deixou te abraçar... antes de ir buscar ajuda... Jimin-ssi...

É tão perceptiva... Essas novas Crianças de Ak'Mainor não param de me surpreender, disse Deva'seyire, parecendo maravilhado. Por outro lado, Jimin não teve qualquer reação. Devia estar chocado demais por descobrir que havia conseguido realizar o desejo de Marianne e, pior, que o primeiro feito dela houvesse sido invadir sua mente.

— Eu não quis bisbilhotar, nem nada — Marianne tentou se justificar. Não havia desejado entender e ser entendida para violar a privacidade de ninguém, não era fofoqueira. — Só ouvi. Acho que você acabou concedendo meu desejo sem perceber...

— Não se preocupe, meu docinho. — Foi Deva'seyire outra vez a responder. — Você é uma mocinha que se recusou a recorrer à trapaça para se beneficiar, então, óbvio, que não ficaria ouvindo a conversa dos outros de propósito. Sabemos bem. Mas não se engane. Não lhe concedemos desejo algum, isso é mérito seu e nem de longe algo ruim. É lindo.

— Ah...

Eram tantas questões a explodirem na cabeça de Marianne agora que ela não conseguiu dizer nada. Só ficou parada lá, olhando com uma expressão desnorteada para onde achava que Dooly devia estar. Aquele homem... ele veio mesmo atrás de mim.

Oh, tadinha! Deve estar surtando... E você, Jiminnie? O gato comeu sua língua, foi?

Não. Eu só... Me sinto constrangido, Hasa-yah. Hesitei tanto em me apresentar que acabei perdendo a chance. No fim quem estava espionando, e de propósito, era eu.

Não acho que seja para tanto... Foi pensando no bem-estar da nossa menina que não nos revelamos, lembra? E eu duvido que ela esteja aborrecida com a gente por isso. Está, meu docinho?

Marianne se limitou a menear a cabeça, negando (não havia se aborrecido antes, ao descobrir que tinha alguém invisível lhe observando, não tinha porquê se aborrecer agora, depois de ele ter literalmente salvado sua vida) e perguntou meio tímida (e um tico encorajada pelo "nossa menina"):

— Será que eu poderia ver você agora?

— Como se fosse mesmo possível dizer não com você fazendo essa carinha — disse Deva'seyire. Logo em seguida, o ar tremulou e se partiu numa montoeira de caquinhos que desapareceram ao tocarem o chão, e Marianne teve sua primeira visão ao vivo e a cores de Park Jimin.

Ele usava as mesmas roupas da apresentação do BBMA (camisa de mangas longas com estampa zebrada semitransparente sobre uma camiseta branca, calça justa com alguns bottons presos ao quadril esquerdo e botas de couro de bico fino — ambas pretas) e, se não fossem por seus olhos (agora duas mantas de nebulosas multicores eletrizadas), seria o mesmo de sempre.

O primeiro pensamento que Marianne teve dali de seus modestos um metro e cinquenta e um de altura foi: pequeno, onde?

Jimin se curvava um pouco para frente, observando Marianne bem de perto (ou talvez fosse Deva'seyire. Afinal, o Bangtan Boy admitira estar constrangido ainda agorinha e aquela aproximação toda denotava o oposto disso). Sorria lindamente, com as mãos abarcando o queixo e as bochechas acentuadas que, por sua vez, espremiam os olhinhos. Mas, num movimento rápido e para lá de inesperado, as mãos dele saltaram sobre a garota e emolduraram o rosto dela, apertando-o e o agitando de levinho. Marianne acabou com os olhos arregalados, os óculos tortos, o rosto amassado e um biquinho nada proposital. Seu coração parecia até que ia saltar pela boca, e tinha certeza de que havia corado de novo.

— Santo Berat, como é fofa! — exclamou Deva'seyire (é, era ele a agir com tamanha liberdade). A expressão que ele emprestava às feições de Jimin era um misto de contemplação e euforia. — Ah, e a propósito, me chamo Hasa-Ithor. Deva'seyire é o nome que meus inimigos me deram. Pode me tratar por qualquer um deles ou por qualquer outro que prefira, como nossa princesa você mais do que tem esse direito.

Marianne ficou em dúvida quanto ao que de fato Hasa-Ithor se referia ao chamá-la de princesa — não lhe parecia ser somente por ela ser fã de Jimin —, então se limitou a assentir (tanto quanto podia com o rosto preso pelas mãos dele — que por sinal eram tão fofas quanto esperava, mas nem de longe tão pequenas quanto as suas).

— Mil desculpas por isso, Marianne-ssi — pediu Jimin, inegavelmente encabulado e soltou o rosto dela, recuando alguns passos. As mãos se apertavam num sinal claro de nervosismo. — Hasa-yah é...

— Cheio de energia? — Marianne tentou ajudá-lo.

Tanto que até transborda, querida. Para ilustrar, Hasa-Ithor fez faíscas saltarem dos olhos de Jimin. — Você tem algum apelido fofo? Seu nome é lindo, mas você é tão delicada que chega a ser um crime não usar uma modulação fofa para me dirigir a você.

— Costumam me chamar de Mari...

A face de Dooly se curvou numa careta desgostosa.

— Mari? Não tem nenhum outrozinho, não?

— Já tentaram usar Marianninha — a garota admitiu, a contragosto —, mas não me sinto confortável quando me chamam assim. Já sou muito pequena e a impressão que tenho é de que esse apelido me faz parecer ainda menor.

Oh! Jimin se sobressaltou, no entanto foi Deva'seyire a responder:

— Mas, que mal há nisso, minha princesa? Não percebe que quanto menor uma Criança, mais adorável ela é?

Marianne até teria dito que não era "criança", mas o significado dessa palavra também não lhe pareceu habitual, então não disse nada. Mas, dessa vez, sua dúvida deve ter ficado bastante clara em sua expressão.

Hasa-yah, acho que esse não é o momento nem o lugar mais apropriado para ter esse tipo de conversa...

Os olhos de Dooly piscaram, e a cabeça dele se inclinou um pouco para a esquerda. A expressão se fez pensativa, beirando a cisma e, então, Hasa-Ithor suspirou, concordando:

Claro e evidente que não. Sou só eu me distraindo de novo... Ai, mas, Jiminnie! Você tem que concordar que nossa menina é um motivo e tanto para perder o plumo e se perder, mesmo com esses aros de plástico e todo esse vidro distorcendo parte da beleza dela...

Marianne agarrou a barra da blusa, sentindo o rosto explodir. Ou Deva'seyire havia se esquecido de que ela podia escutar os pensamentos deles ou simplesmente não se importava que "a menina deles" soubesse qual era a opinião dele sobre ela nos mínimos detalhes.

Hasa-yah!

Jimin se importava, estava tão vermelho quanto ela.

Ok, ok, não é a hora nem o lugar... Hasa-Ithor suspirou e abriu um sorriso charmoso para Marianne, a despeito da face ainda tomada de rubor. — Vou pensar num apelido apropriado que não a deixe desconfortável. Até lá, será somente minha princesa, está bem assim, querida?

Marianne desviou o olhar para a parede de prismas e assentiu (não conseguiria fazer isso vislumbrando aquele sorriso), avistando a porta do teatro se fechando. Olhou em volta e percebeu que não havia mais ninguém ali, além dela e dos garotos da Bangtan. Que bom. Todas as pessoas normais já estão fora de perigo... Espere, pessoas normais? Oh, Deus do céu, o que eu estou pensando? Eu devo estar presa em algum sonho bizarro ou, que Deus me livre, sou personagem do imagine de alguém.

A garota não sabia bem que cara estava fazendo, porque não conseguia definir bem a verdadeira mistura de sentimentos que reinava em seu interior, porém deve ter sido confusa o bastante para fazer com que Jimin passasse por cima da mudez envergonhada a que os atos pouco discretos de Hasa-Ithor o haviam lançado. Ele disse com a medida certa de gentileza:

— É muita coisa para processar, Marianne-ssi. Sei disso. Eu mesmo estava assim há algumas horas, de certa forma ainda estou. Prometo que vou responder qualquer pergunta que você tiver, só nos deixe te levar para um lugar protegido primeiro, ok?

— Hasa disse que vocês fariam qualquer coisa por mim... — Marianne pôs uma mão sobre a outra junto ao peito, ainda com o olhar fito na parede de prismas e nos feixes coloridos de luz que a atravessavam. — Isso inclui se colocar em perigo, não é?

— Protegê-la é parte dos nossos deveres, sim.

— Se eu me recusasse a acompanhá-los...

— Ainda assim ficaríamos ao seu lado. — Jimin não deixou que levasse aquela ideia adiante. — Hasa-yah teve pouco tato para lhe explicar, mas ele não mentiu. Estaremos por perto, sempre. Se se recusar a nos acompanhar, seremos nós a acompanhá-la.

Não se engane, minha princesa. Não vai estar ajudando ninguém ao se recusar a vir com a gente, porque nem Khro nem eu somos capazes de ocultá-la dos olhos de Larhen-Edriza, acrescentou Deva'seyire com um muxoxo e deu de ombros de leve, desculpando-se. Esse é um privilégio do Guardador dos Espíritos Condenados, e, sem ele, o risco do episódio desagradável de antes se repetir é grande.

A garota estremeceu da cabeça aos pés com a notícia, e Jimin prosseguiu:

— Espero que entenda, Marianne-ssi. Não seria exagero dizer que o destino nos reuniu e que não podemos fazer nada quanto a isso, só aceitar e viver da melhor forma que podermos daqui por diante. Esse não é o tipo de coisa que meus amigos e eu geralmente diríamos, mas logo que você se inteirar de tudo vai entender que essa é a melhor postura para se adotar nessa situação. Você aceita vir com a gente? Sei que não estamos te deixando muita escolha, mas você não é forçada a vir se não quiser.

Jiminnie... Essa foi a primeira vez que Marianne ouviu a voz de Hasa soar tão séria.

Pelo menos uma escolha que seja, Hasa-yah. O tom de Dooly foi quase suplicante. Ao menos essa escolha.

Pela graça de Akasha, você é gentil demais. Deva'seyire ainda o censurou antes de ceder, recuperando o ar descontraído. Mas, por mim, tudo bem. Vamos fazer como nossa menina achar melhor. Os olhos de Marianne rolaram da parede de prismas para a face de Jimin, e Hasa retribuiu sua mirada com um sorriso encorajador. — O que vai ser, minha princesa?

— Está claro que vão estar mais seguros se eu for com vocês — ela abriu um sorriso tímido, esforçando-se para calar a enxurrada de dúvidas que preenchia sua mente; teria as respostas de que precisava em breve, tinha certeza que sim —, então eu vou.

— Ah, que maravilha! — Hasa exclamou, batendo palmas. O alívio dele era evidente. — Adoro brincadeiras perigosas, mas me revira o estômago só de imaginá-la no meio delas... — Ele moveu uma mão na direção do rosto de Marianne, mas se deteve a meio caminho, deixando-a cair ao lado de seu corpo e suspirou, voltando a sorrir. Devia estar tentando não criar outra situação embaraçosa. — Vamos nos juntar a Khro e Taetae.

*     *     *

"Akasha, Fragmento, eu devia ter direito a pelo menos uma escolha que fosse..."

Dito isto, ele estalou os dedos, e as paredes de prismas trincaram, cobrindo-se de rachaduras e desabaram numa chuva de cacos brilhantes. Marianne se encolheu um pouco, receando que os caquinhos que caiam sobre suas cabeças os machucassem, mas não aconteceu nada de ruim. Eles eram como pequenos sopros beijando sua pele.

V se virou na direção dos dois no exato instante em que a cortina de estilhaços despencava e se encaminhou para onde estavam, não havia mais nada desfocando a imagem dele ou sombras a rondá-lo.

Como Marianne pensara antes, ele estava todo de preto (camisa de botões de manga curta com dois bolsos, calças saruéis e sapatênis) e o estado das madeixas, então castanhas-escuras, dava a impressão de que ele tinha pulado da cama às pressas. Os olhos vinham fitos nela. As íris eram duas poças de negror, as escleras lar de intrincadas gavinhas povoadas de negrura e partículas brilhantes — como minúsculos rios de petróleo dissolvendo e tragando punhados de tinta cintilante e purpurina que tivessem caído acidentalmente em seu leito.

(Os olhos de Jimin haviam assumido aspecto semelhante agora que Hasa tinha se desfeito das paredes de prismas, com gavinhas pintadas de nebulosas marcando o branco de seus olhos e íris de vórtices cruzados de raios.)

O que chamou mesmo a atenção de Marianne foi o ferimento que Tae tinha no lado esquerdo do rosto. Ia do meio da bochecha até bem perto da têmpora, uma linha tão reta que Marianne teve certeza de que havia sido feita pela espada daquele homem de capa. Estava bem feio e sangrava um bocado, embora Taehyung não desse qualquer mostra de incômodo. Jimin se sobressaltou, preocupado com o amigo, mas Deva'seyire garantiu que alguém chamado Qenía daria um jeito naquilo rapidinho.

Ao parar na frente deles, sem deixar de analisar a menina, V disse:

— O Fragmento — o olhar dele passou de Marianne para Jimin — é uma garota.

Dooly sorriu e falou em tom de brincadeira:

— Muito observador, Tae.

Taehyung não sorriu de volta. Parecia estar entre preocupado e aborrecido.

— Você não disse que era uma garota.

Marianne engoliu em seco e observou os próprios pés. Jamais imaginaria que um dos meninos pudesse vir a criar caso por causa de algo tão sem sentido quanto diferença de gênero, ainda mais Taehyung.¹ Quem dirá num contexto impensável como o em que agora eles estavam metidos!

Por sua vez, Jimin franziu as sobrancelhas, encarando o olhar acusatório do amigo com óbvia confusão. Se Marianne não esperava aquela reação, ele como amigo, quase irmão de V muito menos. Ele disse:

— Também não disse que não era.

— Você devia ter dito.

— Que diferença faz?

Taetae até abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la ao olhar uma vez mais para Marianne. Os olhares de ambos se encontraram, e a garota ficou sem reação. O que via nos olhos dele era medo. Dela. Dela! Como ele podia ter medo de alguém tão baixo e franzino quanto ela?! Ainda mais agora que ele tinha aquelas habilidades! Não fazia sentido algum. Ignorada, preferiria mil vezes ser ignorada por Taehyung a receber aquele olhar que a fazia se sentir uma leprosa (considerando a situação de modo distante, essa terminologia pode até parecer exagerada, mas experimente se imaginar nessa situação, com um idol que você tanto admira te lançando esse tipo de olhar... Ok, ainda é um exagero, mas todos viajam na maionese em algum momento).

Foi aí que ela ouviu um sussurro distante, parcialmente encoberto por um chiado que parecia a mescla do som de uma porção de lâminas raspando umas nas outras, do barulho de muitas revoadas de pássaros farfalhando juntas e do bate-bate de um milhão de dentes em pleno processo de mastigação.

Como [...] que [...] faz? [...] morar [...] a gente...

Não [...] isso. [...] outras vezes [...] hospedeiros consonavam [...] unidade [...] rompida [...]

[...] imaginei. [...] dar ruim, né?

Não [...] sabido. Ela [...] diferente. [...] na nossa cabeça [...] sem Akasha.

Os olhos de Taehyung se cravaram nos de Marianne, e ele — ou Khro, ela não conseguia discernir bem um do outro como fazia com Jimin e Hasa — disse:

— Você nos ouve.

— Só algumas palavras e muito longe — Marianne admitiu e voltou a baixar o olhar para os pés. Fragmento, Akasha, o que Jimin disse sobre eu ter ao menos uma escolha que fosse... Ela cismava, sentia que a razão de toda aquela implicância residia na maneira como o cerne desses três elementos estavam vinculados a ela. — Sua mente é difícil.

— Difícil?! Ouça só isso, Khro. — O fato de Hasa-Ithor soar tão descontraído e bem-humorado atraiu a atenção de Marianne. Ele sorriu para ela, parecia se divertir com sua confusão. — Talvez esse seja um ótimo momento para lhe contar que as trevas consomem tudo que cai nos domínios delas, minha princesa. O espírito de Khro é composto dessas mesmas trevas implacáveis e a mente dele fica por detrás delas. Ou seja, devia ser insondável, impossível de acessar, mas você acabou de acessá-la e retirar informações. — Ele se voltou para Taehyung, esbanjando empolgação. — Apenas difícil mesmo com Sua Excelência imersa em sono profundo. Ela não é incrível, Khro?

A expressão de V se amainou até não restar nada que delatasse o que ele sentia, exceto por seus olhos negros. Estes, então concentrados na face de Dooly, exprimiam claro apreço, alguma preocupação — preocupação do tipo boa, que inspira cuidado, não a arisca que ele demonstrava antes, por causa dela. De repente, Marianne se sentiu uma intrusa tanto entre Jimin e Taehyung, quanto entre Hasa e Khro e decidiu apanhar seus pertences (alguns haviam ido parar no chão durante o corre-corre de mais cedo). Afinal, fosse para onde fosse, aquelas seriam as únicas coisas, além de suas lembranças que poderia levar. Além disso, não queria que Jimin e Hasa percebessem as lágrimas que começavam a se empoçar em seus olhos. A situação já estava péssima, não deixaria que piorasse.

(Céus, teria que ir embora com eles sabe-se lá para onde. Segundo Hasa, eles deveriam permanecer sempre ao seu lado. Como seria isso se V nunca a aceitasse? E se os outros meninos também a vissem como uma ameaça?! Se eu ainda estivesse na minha cama e isso não passasse de um pesadelo, eu seria tão grata. Até se fosse um imagine escrito por alguém sem piedade seria melhor. Engoliu as lágrimas como pôde e começou a apanhar os objetos.)

— Singular. — A resposta veio dos lábios de V, entretanto Marianne imaginou que as palavras fossem de Khro. Ele possuía um tom próprio, monótono e inalterado, desprovido de qualquer acento emotivo, que ela começava a identificar. — Não me admira que o Portal a tenha encontrado tão facilmente.

— Aham- Marianne-ssi? O que foi? — Jimin a abordou ao vê-la de joelhos, cortando o que quer que Hasa fosse dizer ao amigo.

A garota forçou um sorriso, agitando uma mão num gesto de pouco caso sem levantar o olhar.

— Tudo que estava no meu estojo veio parar no chão — explicou ela, voltando a pegar os objetos. — Não quero deixar nada para trás.

— Deixa que eu recolho para você.

— Não, não precisa, Jimin-ssi — Marianne negou, avistando a última caneta desgarrada embaixo de um banco. — Já estou acabando.

Por favor, não abaixe. Por favor...

— Mesmo com a marca das trevas ativa, esse lugar não é seguro — Khro retomou a palavra, atraindo a atenção de Deva'seyire para o alívio da garota. — Devemos levar o Fragmento até Berat.

— Ora, mas a gente já estaria a léguas daqui se seu Taetae não tivesse dado esse pequeno surtinho, não é? Não precisa ter medo, Criança. Nossa princesa é um poço de fofura bem-intencionada, não morde nem um pouco. — Marianne estava com a cabeça enfiada embaixo do banco, caçando sua caneta fujona (no corre-corre, as três primeiras fileiras de bancos haviam sido empurradas para trás, colando-se e a caneta estava bem sob um dos assentos da segunda), no entanto teve certeza de que Hasa-Ithor havia invadido o espaço pessoal de V ao ouvi-lo praticamente ronronar — Oh, assim eu não aguento! Vamos, Jiminnie. Vamos antes que eu tenha uma overdose de aegyo.

— Espere, Hasa. Preciso que me ajude com uma das memórias de Aevarast antes de irmos.

— Você devorou memórias dele?!

— Apenas uma. Acho que contém a voz do Portal. Se você a ouvir, vai poder ajudar Berat a procurar por ele. Mas deve ouvi-la logo. A dissolução começou, e não posso pará-la. Quase já não posso atrasá-la.

— Ora, então, não perca mais tempo falando, bobinho. Dê ela pra mim!

Marianne tirou a cabeça de debaixo do banco e ergueu o olhar discretamente, curiosa para saber qual seria a aparência de uma memória (não havia risco de suas lágrimas serem notadas, a atenção dos rapazes não estava nela). Khro assentia, sério, ao dizer:

— Um instante. É tudo que vai ter, Hasa. Faça o que puder.

Dito isto, V abriu a boca. Um minúsculo fio de energia faiscante emergiu de sua garganta e se dispersou pelo ambiente assim que passou por seus lábios, aparentemente nada diferente de uma faísca de eletricidade que escapa de um fio desencapado. Aparentemente, pois ao se dispersar, como se desse um último suspiro, a memória se metamorfoseou em ruído e palavras longínquas.

"Atem os Fragmentos."

Atem os Fragmentos? As sobrancelhas de Marianne se franziram. Fragmentos de quê? A frase lhe soava estranha sem essa informação. É tão vago... Não dá para entender sem o contexto. Bem, Khro queria a voz dessa pessoa, talvez o que foi dito não seja importante... Foi aí que ela se deu conta de que a frase não era estranha por ser genuinamente vaga, mas sim por ter se tornado lacunar devido à perda de um som. Seus olhos se arregalaram. Matem os Fragmentos?! Aquele homem veio me matar, então é isso?! Espere, Fragmentos? Tem mais alguém como eu?! Será que está bem? Será... que conseguiram salvá-lo antes que alguém se machucasse?

Eram tantas perguntas a rondarem a mente de Marianne que ela se perdia.

— E então? Conseguiram escutar alguma coisa? — A indagação de Taehyung trouxe a garota de volta à realidade, então ela voltou a se enfiar debaixo do banco, concentrando-se uma vez mais no resgate de sua caneta fujona.

— Tinha muito ruído, o som foi corrompido pela corrosão — Hasa-Ithor soou contrariado, quase lamentoso, e suspirou. — Mas, escutei o suficiente para reduzir o raio de busca. O Portal é mulher. Soprano, primeira voz. O tom que usou foi controlado, porém emotivo. Imperante, porém sem arrogância. Preocupado, quase dolorido. Tudo isso indica que ela considera demais os Lirthua'shoa, demais até pro meu gosto. — Pela pequena pausa que ele fez e pela resposta que deu, Khro (ou Taehyung) não devia ter entendido aonde queria chegar. — Ah, os Lirthua'shoa estão com ela há menos de doze horas, muito pouco tempo para que um vínculo forte com eles ou com os ideais de Larhen tenha sido criado. Por isso, a emotividade dela só pode estar ligada aos hospedeiros deles. Vi o bastante deles para saber que são jovens, então vou arriscar dizer que ela é jovem. — Marianne teve certeza que ele dava um sorriso travesso. — Acho que estamos atrás de uma jovem apaixonada.

— Por doze homens? — Foi V a estranhar. — Ah, não... Não me diga que-

— Eles são idols também? — Jimin antecipou as palavras do amigo. — Pode ser. Não é comum dois raios caírem duas vezes no mesmo lugar, mas pode acontecer. Nesse caso, ela seria uma fã. Sim, é seguro dizer que ela é uma fã. Já quanto a eles serem idols... Bem, seja como for, devemos buscar por uma jovem de voz aguda que é fã de um grupo de doze pessoas. — Deva'seyire engatou a dizer, empolgado — Vou pedir a Qenía para me ajudar a traçar o perfil das Filhas de Menora que se encaixam nesse perfil e vou escutar as vozes de todas! Mesmo que eu só tenha escutado fragmentos da voz dela, vou reconhecê-la se me deparar com ela. Pode apostar. Muito bem, Khro-mi'on! Taetae! — V deu risadinhas nervosas (talvez estivesse sendo algo de cócegas) e palmas se estalaram em comemoração. — Vamos, vamos tirar nossa princesa desse lugar. — Marianne ouviu som de vidro se partindo, e se recordou do portal que se abriu em plano ar para que Jimin fosse buscar ajuda mais cedo. — Está na hora, querida. Podemos?

— Só mais um instantinho... — pediu ela, esticando o braço o quanto podia e só conseguindo arranhar o piso. As cadeiras eram baixas, não conseguia avançar mais do que aquilo. Não estava enrolando nem nada, já havia conseguido secar as lágrimas na manga da blusa, só não queria deixar mesmo aquela caneta para trás. — Eu não posso deixá-la aqui... Foi presente da minha irmã...

Do nada, não tinha mais nada impedindo seu avanço. O banco sobre sua cabeça havia sumido. Não, não sumido. V o havia erguido juntamente com o restante da fileira.

— É aquela? — ele indagou ao ver que a garota não se manifestava, permanecendo com os olhos enormes flechados na mão com a qual ele equilibrava o conjunto de móveis no ar com a mesma facilidade com que se equilibra uma pluma.

— Sim — Marianne confirmou e recuperou a caneta, logo se pondo de pé e se afastando para que ele pudesse recolocar os bancos no lugar. — Obrigada.

Ele assentiu — o olhar voltara a ter um brilho acuado, mas parecia diferente de antes, ela não teve tempo de identificar o que exatamente — e se virou para passar pelo portal, uma abertura ovalada com cerca de dois metros de comprimento que dava num lugar que parecia o manto espacial, avistado do interior de uma bolha de sabão. Jimin estava parado logo à direita da passagem, segurando sua mochila pela alça de mão.

A Gio... Ela não deixaria as coisas desse jeito...

— Espere, Kim Taehyung-ssi... — Marianne pediu, passando por ele e se apressando até Jimin, que presumiu que ela quisesse mexer na bolsa e a ergueu um pouco para facilitar o trabalho. Ofereceu um sorriso de gratidão a ele. — Esse corte está sangrando muito. Devia fazer pressão com um pano para estancar.

— Corte?

— No lado esquerdo do seu rosto.

A garota se virou com um casaquinho lilás nas mãos. Sempre levava um na mochila — mesmo em dias de calor —, porque costumava se resfriar com facilidade, e aquele era seu favorito. Não eram ataduras, mas estava limpo.

Taehyung havia levado a mão esquerda até o local indicado e arregalara os olhos, arquejando ao vê-la voltar emplastada de sangue. Parecia que custava a acreditar que aquele era realmente o próprio sangue.

— Não está sentindo dor? — quis saber Marianne, erguendo um pouco o casaco na direção do rapaz.

V balançou a cabeça sem dar mostras de ter percebido seu movimento e falou:

— Eu nem tinha percebido... Achei que Aevarast não tivesse encostado em mim.

[...] uma [...] terceiro golpe depois que [...] das asas. [...] fagulha da lâmina [...] Não previ [...] Desculpe, Taehyung.

Taetae abriu um sorriso frouxo, mesmo assim foi o suficiente para pressionar o ferimento e fazer verter mais lágrimas rubras. Ele se dirigiu a Khro:

Não precisa [...] um acidente.

— Aqui, pega — Marianne chamou a atenção dele, aproximando mais o casaquinho. V recuou um passo, dois e sacudiu a cabeça, recusando. Ela apertou o casaco contra o corpo e baixou novamente o olhar. Seus olhos se empoçavam de novo, não podia evitar. Será... que ele me culpa pelo que aconteceu com aquelas pessoas? Se eu tivesse sabido que aqueles loucos queriam a mim há tempo de salvar uma alma que fosse, eu teria me entregado a eles. Se ele me culpa, é porque ainda não sou capaz de ser entendida... Não, nem mesmo sou capaz de entender devidamente. Do contrário, eu saberia ao certo o que ele tanto teme em mim... — Não vou te fazer nenhum mal... Juro, só quero ajudar.

— Ele é importante para você, igual àquela caneta. É por isso que não quero.

Ahn?

Marianne voltou a erguer a cabeça, e seu olhar esbarrou outra vez com o de V. Lá estava o medo, e algo mais: culpa. Ela não estava imaginando coisas. A expressão dele, nem um pouco indiferente, provava que seu julgamento não era infundado. Talvez eu só esteja exagerando, talvez ele só tenha descarregado o estresse por tudo que está acontecendo em cima de mim. Faria sentido, já que sou aquela que eles agora são obrigados a proteger... Mesmo não sendo o que ele e Khro esperavam que eu fosse...

— Também foi presente da minha irmã. — Foi tudo que ela conseguiu dizer.

V sorriu, o que fez o ferimento dele sangrar ainda mais. Ele se apressou em cobri-lo com a mão e disse sem dar um pio por causa da dor (não era possível que um corte daquele tamanho não doesse):

— Agradeço a consideração, mas é mais um motivo para eu não aceitar. Guarde com carinho. — Marianne estava em dúvida se assentia ou não, pois por mais especial que aquela peça de roupa fosse a saúde dele era mais, quando V se curvou, fazendo com que ela tomasse um susto. — Eu também quero pedir desculpas. Acabei deixando meus receios me controlarem e tratei você mal. Eu... eu realmente sinto muito por isso. Farei de tudo para compensar, promessa. — O tom monocórdio de Khro se fez presente. — Também gostaria de me retratar. Considerei sua singularidade e as possíveis mudanças que ela pode gerar antes de conhecê-la e isso acabou influenciando o discernimento de Taehyung. Peço seu perdão, Marianne.

— Por favor, já chega. Esse dia está sendo difícil, vamos só deixar esse mal-entendido para lá. Cuidar desse machucado é muito mais importante... — Marianne olhou para o casaquinho espremido em suas mãos e voltou a ofertá-lo. — Eu realmente acho que você devia usá-lo.

Mesmo de costas para Jimin, Marianne soube que Hasa-Ithor dizia sem proferir som, só movendo os lábios: "Eu disse que ela era um poço de fofura". V riu, concordando com um aceno de cabeça. Começava a escorrer sangue por entre os dedos da mão que ele mantinha sobre a ferida, mesmo assim ele recusou:

— Não precisa, sério. O hyung vai dar um jeito.

O hyung... Na certa, outro dos meninos... Por minha causa todas aquelas pessoas ficaram em perigo, várias se tornaram loucas, e Jimin e Taehyung tiveram que lidar com isso. Taehyung se feriu porque teve que lutar por minha causa e outro deles vai ter que lidar com isso também? Não é justo, não é. Por que tudo isso está acontecendo? Qual o motivo? Akasha, Fragmento, eu devia ter direito a pelo menos uma escolha que fosse... Mas quem é Akasha? O que significa ser um Fragmento? Que escolha não me foi dada?

Um coral desordenado inundou a mente de Marianne, com vozes se sobrepondo às demais para logo voltarem a se misturar naquele emaranhado caótico de ditos, como ondas a se agitarem no oceano, e a deixou surda para todo o resto. Submergiu todas as questões que ela levantava em suas águas de som e vozes se levantaram em retruque, ecoando muito acima do coral por um ínfimo instante e compondo um mosaico sonoro. A cada nova palavra, a cada som inédito parecia que o crânio dela ganhava uma rachadura. As vozes diziam:

"Akasha, o Alfa [...] Akisha, o Ômega, as duas existências nas quais Sua Excelência se fragmentou, e seus respectivos hospedeiros, os Fragmentos de Ak'Mainor."

"[...] até que os Fragmentos de Ak'Mainor despertem não dá pra reverter a infecção, só impedi-la."

"Devia ser escolha deles nos aceitarem ou rejeitarem, e pretendo permitir que assim seja para todos que permanecem livres."

"Cada escolha feita são modos de viver que se mata..."

"Ela ainda pode rejeitar Akasha yeonsin-nim, Hasa-yah?"

"Ela nunca pôde, Jiminnie."

E as vozes se calaram.

Notas finais:

1 - Só quero ressaltar aqui que os comentários de V não foram alimentados por nenhuma concepção machista, como Marianne acabou por interpretar nesse primeiro momento. Foi só o alerta de pânico dele ligado, ok? Lembremos que de todos os meninos, o V foi o único que se inteirou de tim-tim por tim-tim dos deveres dos Ak'hagar.

**ALERTA DE SPOILER CONCEITUAL**
(nada que vá matar, mas é bom avisar)

V sabe que mais do que lutar pela causa de Ak'Mainor e dar as vidas pelos Fragmentos se necessário (coisa que já é por si só bastante assustadora, mas com a qual ele até ficou de boas, porque ele é otaku e prefere encarar as batalhas de frente a fugir delas — ok, isso foi um senhor exagero, mas o Taehyung aqui é assim) eles terão que literalmente obedecer a todas as ordens dos Fragmentos. Todas mesmo. Os Hagar são servos de Akasha e Akisha em todos os sentidos possíveis da palavra. O Zaku não tava sendo lambedor de saco ao dizer que Akisha tinha o direito de fazer o que quisesse com ele e com o Kookie. Essas divindades têm poder de vida e morte sobre os Ak'hagar e, consequentemente, sobre seus hospedeiros (não esqueçam o que o Qenía disse quando estava explicando sobre quem eles eram: "Nós, os sete Ak'hagar, acompanhamos Sua Excelência para auxiliá-la em sua tarefa e abrandar sua solidão"). Ou seja, se elas disserem para eles se atirarem de uma ponte, eles têm que se atirar. Se elas mandarem eles trucidarem uns aos outros, eles têm que se trucidar. E se elas quiserem "pegá-los"? Eles têm que deixar.

O Taetae sabe disso e até estava levando na boa a ideia de ter um soberano mestre, porque Akasha é bastante benevolente e sempre tratou seus Hagar mais como amigos do que como servos. Mesmo considerando as variações de comportamento ocasionadas pela intervenção das particularidades dos inúmeros Fragmentos com a natureza de tal divindade, ao longo de suas muitas encarnações a consideração e o tratamento que Akasha dispensava aos Hagar era constante, sobretudo companheiros de batalha e amigos. Isso porque as condições de temperatura e pressão sempre foram as mesmas desde o início do Aprisionamento de Carne. Desde que permanecessem assim, nada se alteraria.

MAS, como o Khro disse, essas condições mudaram. A hospedeira de Akasha é uma menina, enquanto os de seus Hagar não são. A igualdade de gênero entre eles, que era uma constante, deixou de ser. Era a esse rompimento que Khro se referia. (Notem que o problema não é o gênero do Fragmento ser feminino, mas sim ser diferente do dos hospedeiros dos Hagar. Se fossem todos meninas tava ótimo, tudo lindo, mas não são, daí a reação um tanto arisca do nosso garotinho trevoso.) A ideia de morar com uma menina que não é parente dele, somada ao fato de que ela é literalmente a senhora da vida dele — e das de seus amigos —, foi o que o fez surtar. Já ficou comprovado que os Filhos de Menora são capazes de interferir nas ações dos espíritos antigos e de bagunçar os sentimentos deles, tudo por causa de sua vasta gama de sentimentos e emoções. Ninguém — nem os Ak'hagar — sabem o que pode acontecer daqui para a frente.

**FIM DOS SPOILERS**

Dei essa volta toda para esclarecer que a atitude do Taetae não teve nada de machista. Ele só estava ressaltando um ponto da Mari (o fato dela ser diferente deles) que pode vir a acabar com toda a possível tranquilidade da relação deles (Ak'hagar e BTS) com a divindade Akasha, o medo (de ser feito de escravo [incluindo de cama]) fez ele surtar.

Particularmente, se eu estivesse no lugar dele, teria surtado muito antes, enquanto conversava com o Khro naquele closet. Afinal, os seres humanos são bastante diferentes de todas as Crianças que hospedaram Akasha no passado. Mesmo que o Fragmento fosse um garoto, as coisas ainda poderiam destoar do que costumava ser habitual para os Hagar.

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