Capítulo VI - Ante as Imagens
Diante da figura de terra
J-Hope estava uma pilha de nervos. Por que raios tinha que ter aberto a boca? Se tivesse se controlado e se contentado em admirar o teto em silêncio, não teria visto aquele brilho na mão de Jin e agora não estaria encerrado no closet com aquele espírito, que pairava a poucos centímetros do chão, bloqueando a saída. Um espírito! Ai, mamãe!
— E- então... — começou Hobi com a voz vacilante e os lábios tremendo de nervoso, os olhos enormes. — Vou estar mentindo se eu disser que não estou assustado com toda essa história de ter um ser megalomaníaco querendo destruir o universo, espíritos e coisa e tal...
— Hoseok — Berat-Enira o chamou, a voz suave, e J-Hope, que zanzava de um lado a outro pelo estreito corredor do closet, continuou seu falatório sem nem perceber:
— Mas, quero que saiba que acho muito nobre o que você e seus amigos fazem...
— Hoseok — Ak'houan-a-rae tentou de novo, e outra vez o rapper não o escutou.
— Quer dizer, proteger o universo e todos os zilhões de seres que existem nele deve ser um trabalho para lá de complicado...
— J-Hope! — Dessa vez, Smile Hoya ouviu o chamado de Berat, parando de andar. — Por favor, não torne tudo mais difícil.
— Mais difícil? — J-Hope deu um sorriso de mostrar todos os dentes, que logo se converteu em uma careta desesperada. — Por acaso você está pretendendo sugar o meu cérebro e devorar o meu coração para usar minha carcaça vazia? Porque mesmo que seja pelo bem das pessoas, eu não gostaria de morrer assim!
A reação de Hagar'miresa foi a última que o rapper esperava. Ele começou a rir, um riso descontraído daqueles que vem lá do fundo, segurando a barriga de terra e barro.
— Ai, que ideia! Vocês, jovens Crianças de Ak'Mainor, são mesmo criativas... Mas, não, eu não farei nenhum mal a você, Hoseok. Me admira isso, pensava que você tivesse mais fé nos outros e esperança no futuro.
— Mas eu tenho muita fé e esperança — objetou Hobi, pondo a mão em concha ao lado da boca. — Só que elas correm para debaixo da cama quando escuto algo como "fantasma", ou "alma penada", ou "espíritos ancestrais".
— Nós, os Ak'hagar, não somos almas mortas, somos seres espirituais e estamos vivos, assim como você e seus companheiros. Simplesmente, não temos forma física.
— Huuuuum, legal...
— Hoseok, não lhe farei mal — assegurou Berat, a descontração que havia tomado a voz e as feições terrosas dele acabou por se desvanecer em indisfarçável melancolia —, dou-lhe minha palavra e juro pelos nomes de Akasha e Akisha. Então, por favor, conversemos seriamente. Enquanto estamos aqui, vidas se perdem.
— Como assim? — Enfim, Ak'houan-a-rae tinha a atenção de Jung Hoseok.
— Para além dos Lirthua'shoa terem escapado, Edoras já havia sido liberada na Terra das Lágrimas, local onde mantive os servos de Larhen-Edriza lacrados por mais de sessenta e cinco milhões de anos. Seu povo o conhece como Egito. Os Shoa infectaram algumas centenas de Filhos de Menora ao se libertarem, e agora já são dezenas de milhares os caídos, e o número continua a crescer a cada minuto que passa.
— Mas por quê? — Hobi voltara a deambular pelo recinto, era só agonia. — Por que vocês não os impedem? Não é o seu trabalho?
— Acredito que Qenía tenha lhes explicado que precisamos de corpos físicos para atuar nesse plano... — Hoseok assentiu, passando as mãos pelos cabelos. — O sacrifício de nossas liberdades, esse foi o preço que paguei para impor a Prisão de Carne a Larhen-Edriza e seus servos. Por causa disso, não podemos fazer nada sem nossos hospedeiros. Se qualquer um de nós tentasse lidar com os Lirthua'shoa ou com Edoras sem um corpo, seria automaticamente banido dessa dimensão e não conseguiria retornar por muitas gerações de homens. Somos poucos, não podemos arriscar.
— Por que não falou isso na frente de todos? Algo tão importante...
— Porque eu queria lhes dar o direito de escolher. Contar isso a eles antes que se decidissem seria o mesmo que forçá-los a nos aceitar. Não acha isso? — J-Hope se apoiou num dos espelhos, incapaz de proferir qualquer palavra. Só concordou com um aceno de cabeça, o sal das lágrimas temperando seus olhos. — Gostaria que tudo fosse diferente, preferia ter permanecido adormecido junto ao selo dos servos de Larhen, mas meus desejos não podem mudar a realidade, e a realidade é essa: o ataque do Destruidor não está vindo, já começou. — Eu soube. No instante que ele quis conversar a sós comigo, eu soube. Droga... É responsabilidade demais, droga... Era para Namjoon ser o nosso líder... J-Hope não pôde mais segurar o choro. Berat se acercou dele e pousou a mão em seu ombro. Sabia que não adiantaria muito, mas tencionava confortá-lo mesmo que um pouco. — Sei que é difícil, mas preciso de você, Hoseok. Precisamos agir.
O choro de Hobi evoluiu para um pranto copioso, e ele desabou de joelhos, socando o espelho.
* * *
Diante da figura de gavinhas elétricas
Num momento, todos os garotos da BTS estavam no quarto, no outro Jimin se viu sozinho com aquela figura de pura energia. Até Jin, depois de se livrar daqueles olhos de espelhos reluzentes, o tinha abandonado com a desculpa de que queria lhe dar privacidade. Hyungs traidores. Praguejou mentalmente, voltando a se cobrir até o nariz. Aquele ser faiscante não parava de sorrir para ele.
— Não precisa ter medo de mim, Jiminnie. Eu não mordo.
— Não sei... O que Jungkook-ah disse, sobre vocês terem colocado nossas vidas em risco... Faz sentido, minha cabeça...
— Ainda está sentindo dor?!
— Não, a luz de... de... é...
— Qenía-Araso.
— Isso. A luz dele a fez sumir, mas ele ter me curado não exclui o fato de que eu estava mal. — O Ak'hagar se retraiu, afastando-se alguns centímetros da cama. — A culpa foi mesmo sua?
— Eu me distraí... — Os olhos dele, dois vórtices onde raios, nebulosas e poeira cósmica se enroscavam, rolaram de um lado a outro, vacilantes. — Mas não vai acontecer de novo! Eu juro! — Com toda certeza, aquele corpo feito de energia não respirava, mesmo assim o viu suspirar, arriando os ombros. — Me desculpe. Passamos tanto tempo dormindo dessa vez que estava se tornando difícil de suportar, fiquei tão feliz por ser outra vez necessário nesse plano, por poder lutar de novo, por você, que me tornei cego para todo o resto. Você não tinha me aceitado, então eu não podia usar nem um por cento do meu poder. Isso não me impediu de usar nenhuma das minhas habilidades, mas reduziu a efetividade delas. Tive que encerrar aquele lugar para que Edoras não escapasse para o exterior enquanto lidava com dois dos Lirthua'shoa. Eu os prendi, ao menos achei que tivesse conseguido prendê-los, e um deles me pegou desprevenido e... Bem, que bom que Qenía estava lá com a gente. Não me perdoaria se você morresse por causa de uma bobagem minha, Akasha não me perdoaria... — Ele riu, um riso nervoso. — Nossa, isso é tão constrangedor! Ainda bem que Berat disse para conversarmos a sós. — O riso se amainou num sorriso que podia ser interpretado como de pura confiança ou de insegurança mascarada. Era estranho. — Prometo que vou cuidar bem de você daqui por diante, Jiminnie.
— Eu sei — disse Jimin, mirando o teto e não vendo muito mais do que veria se estivesse com as pálpebras cerradas. Sua visão se voltava para dentro de si mesmo. — Estou bem agora, mas consigo sentir nitidamente cada ferimento que tive, cada pulso de dor que provocaram, só de ouvi-lo comentar sobre o que aconteceu. Também sinto que está sendo sincero em sua promessa...
Jimin ficou quieto por um momento, sem saber muito bem se queria realmente prosseguir. Talvez pudesse apenas cobrir a cabeça e dormir por mais algum tempo, sonhando com a vida que tinha até sair daquele camarim, sonhando com o passado. Mas, não. De algum modo, sentia que isso não seria justo com as pessoas, com aquele espírito, ou com ele mesmo. Não havia pedido por nada disso, mas ali estava e se não fizesse nada, se escolhesse apenas sonhar mais um pouco, tudo que acontecesse enquanto isso seria culpa sua, assim como era culpa dele quase ter morrido. Não queria carregar aquela culpa, então perguntou:
— Isso significa que eu não sou mais livre para escolher, não é?
— Sim... — Mais sentiu a resposta dele do que a ouviu de tão baixo que foi proferida. — Todos os seus portões espirituais, as barreiras que separavam nossas essências, se romperam por causa da surra que levamos. Sinto muito. — O silêncio pairou no ar por um momento, até o Ak'hagar sorrir para espantá-lo e dizer — A propósito, sou Hasa-Ithor, um dos Hagar de Akasha, o Hagar da Confiança e da Carência, Deva'seyire.
Andarilho Frenético...
Jimin fechou os olhos empoçados.
— Eu sei.
* * *
Diante da figura de trevas
Assim que RM saiu — tinha pedido um tempinho para fazer sua higiene matinal e se trocar, porque nem nessa situação ele conseguia deixar de ser limpinho e vaidoso —, V se trancou no closet com os olhos grudados na própria sombra no chão aos seus pés...
...E lá estavam aquelas ondas obscuras emergindo dela. Em poucos segundos, Taetae estava cara a cara com aquela silhueta de trevas densas e névoa, os olhos marcados com fragmentos de estrelas cravados em seu rosto.
Nenhum dos dois disse nada por um tempo, só ficaram se estudando. V viajava numa porção de perguntas, hipóteses e teorias mil sobre os Ak'hagar, seus poderes e afins. Do que exatamente aquela figura na sua frente era feita? Seriam realmente sombras palpáveis? Fumaça? Alguma substância escura parecida com tinta? Se tentasse tocá-la, sua mão a atravessaria? Se aceitasse ajudá-la, seu corpo também faria isso? Seu cérebro se acendia como uma árvore de natal...
— Você não tem medo de mim, Taehyung — disse ela ou ele (usava a sua voz, além de sua aparência, e isso confundia), interrompendo o emaranhado de linhas de seu raciocínio.
— Desculpe?
— Medo. Geralmente, é o que sentem quando olham para mim. Você não.
— Claro que não! Você é demais! Digo, tudo que está rolando é doideira, mas também é muito louco! — V se deteve (estivera falando rápido, empolgado e gesticulando com as mãos) ao se dar conta de que nem haviam se apresentado ainda. Tudo bem que aquele espírito sabia seu nome, mas fazia parte da educação. — Começamos isso da forma errada, né? Eu não devia ter ficado encarando você por tanto tempo. — Fez uma reverência e começou a falar de modo formal — Sou Kim Taehyung e me sinto honrado por conhecer você, seonsaeng-nim. Por favor, aceite minhas mais sinceras desculpas pela indiscrição.
— Sou Khro-Yehath, um dos Hagar de Akasha, o Hagar da Amizade e do Medo, Mainor'dore. — "Desolação de Mainor", o significado daquele último termo se iluminou para Mongtae, como havia acontecido antes com as palavras de Berat-Enira. — É uma honra poder enfim conversar com você, Taehyung, e sua escusa, não há razão de ser. Chame-me pelo meu nome: Khro.
— Khro? Mas eu ouvi esse nome nos meus sonhos. Foi você? Você me fez ter aqueles sonhos?
— "Será melhor dar-lhe sonhos a deixar que adormeça em meio ao nada", pensei. Errei?
— Não, eu voltei para casa e foi ótimo. Obrigado.
— Sempre que quiser.
— Nossa, tenho tantas perguntas! Não faço ideia de por qual começar.
— Pela que desejar. Não temos muito tempo, mas isso não é problema para mim.
— Você comanda o tempo?!
— Comando as trevas, e para elas não há tempo. Um instante é eterno.
— Que foda... Desculpe.
— Não há razão de ser.
— Eu quero saber tudo sobre seus poderes, pode me contar? — Khro assentiu. — Espera, espera! Primeiro: a gente tá preso um ao outro?
— Não — a despeito do receio que toda essa situação inusitada e possivelmente perigosa lhe causava, V ficou decepcionado com essa resposta —, a menos que queira, pois seis dos seus sete portões espirituais ainda nos separam.
— Portões espirituais?
— São as barreiras que resguardam o âmago de um espírito. Quando em possessão não-consentida, como as de que meus companheiros e eu tivemos de nos valer ontem, danos sérios infligidos ao corpo físico ocasionam o rompimento deles. O seu primeiro portão se rompeu quando... — Khro se calou.
— Quando eu me feri?
— Jamais. Eu jamais permitiria que o ferissem. Foi outra coisa.
— Não vai me contar o que foi?
— Não cabe a mim dizer. — V fez uma careta, então Khro não lhe contaria tudo, e o Hagar acrescentou de imediato — Há um laço que nos une, nós, os Ak'hagar, é tudo que posso contar sem entrar em assuntos alheios.
— Entendido, nada de gastar saliva falando dos problemas alheios. — Taehyung bateu continência e sentou de pernas cruzadas recostado à porta. — Não é um sofá macio, mas fique à vontade. — Khro aquiesceu com um aceno de cabeça e deslizou até o chão, sentando sobre as pernas dobradas. — Me conte sobre você. As coisas que gosta, suas manias, seus poderes, tudo, tudo que há para saber!
Khro-Yehath sorriu. Tinham assunto para um século.
* * *
Diante da figura de água
Jungkook fechou a tampa do notebook com irritação.
Estivera tentando ocupar sua mente com outras coisas que não o desagradável incidente do dia anterior. Mas escolhera mal, muito mal sua distração. Onde quer que entrasse, tinha gente comentando sobre o "sucesso" da performance da BTS no Billboard Music Award, elogiando o trabalho daquele embuste. Era o cúmulo! ARMYs deviam saber a diferença!
Debruçou-se sobre o computador, apoiando o queixo nos braços. Não fazia sentido ficar com raiva dos ARMYs, eles não tinham culpa alguma, só haviam sido enganados por aquele farsante que usara seu corpo como uma muda de roupas compradas na liquidação da lojinha da esquina.
Aish, sabia que tinha agido e que ainda estava agindo como um babaca egoísta e imprudente. Aquelas coisas podiam tê-lo matado e matado aos seus amigos por conta de sua atitude infantil. Leader Mon estava mais do que certo ao repreendê-lo, estava. Mas não pudera evitar, havia se enchido de medo só de imaginar os perigos que correriam metidos nas contendas daqueles seres ancestrais. Alguém tinha que dar um basta naquele assunto, senão eles não iriam embora e estariam perdidos, perdidos. RM era prudente e sensato, mas também era dono de um coração solidário. Jungkook não podia confiar a tarefa de expulsar aqueles espíritos a ele. Era certo que ele não os colocaria em risco, mas isso não quer dizer que não colocaria a si próprio se acreditasse poder ajudar pessoas com isso. Não podia arriscar. Bem, agora havia acabado. Poderia se desculpar com Namjoon hyung depois.
— Se engana se acha que vamos embora só porque você quer, fedelho insolente.
O semblante do Maknae de Ouro foi tomado por terror. A figura que antes era pura e simplesmente feita de água agora era uma perfeita imitação dele: um Jeon Jungkook com vestes tradicionais coreanas, a peça de baixo branca e a de cima azul-claro, e ele o fuzilava com olhos que eram inteiramente recortes de um mar avultante. Fora os olhos e as roupas, aquela coisa estava igual a ele.
— Saia — ordenou Jungkook, a voz imprensada e um tanto rouca por conta do bolo de medo e irritação em sua garganta, e se ergueu da cadeira, indicando a porta da suíte com um movimento brusco. — Saia do meu quarto!
— Tenho ordens para não tocá-lo, não para ficar longe, portanto não vou a lugar algum. — O Hagar deu um sorriso maldoso. — Você sabe que não tem poder sobre mim, é por isso que me teme e me quer longe. É esse medo que o move e o faz proferir essas injúrias tolas. Demorei a perceber e agora que sei o julgo patético. Será interessante assisti-lo sucumbir a esse sentimento.
O farsante encurtou a distância entre eles, e o maknae, que se controlava para não demonstrar seu medo, esforçou-se para não recuar. Engoliu em seco discretamente, mascarou o temor com um sorriso que trazia uma falsa coragem e disse:
— O espírito reluzente deu a entender que os Ak'hagar são bastante importantes para a continuidade do universo. — Jungkook se empertigou, outra máscara para seu medo. — Não imaginei que entre eles pudesse haver um desocupado, mas pelo visto me enganei. Então, vou viver minha vida, esperando que ela possa preencher um pouco do tédio dos seus dias vazios.
Dito isso, Jeon voltou a se sentar, levantando a tampa do computador e retornando a mexer nele, como se nada de estranho estivesse acontecendo, tentando ignorar o pavor que ameaçava lhe devorar.
— Não posso tocá-lo, mas a manutenção da sua vida depende dos atributos do meu poder — a coisa que usava a aparência de Jungkook sussurrou rente ao ouvido dele. — Quem sabe se o que você ingere não pode acabar por matá-lo? Eu pensaria bem antes de comer ou beber de novo.
— Não ganha nada me matando — disse Kookie sem se virar. Queria aparentar indiferença, mas sua voz tremida não ajudou muito.
— Não perco nada ao matar quem me rejeita — retrucou o espírito da água com genuína indiferença e afastou a boca da orelha do maknae da BTS.
— Esse corpo que está usando agora. Você o fez, não foi? Por que não se contenta com ele e me deixa em paz?
A resposta do Hagar foi cortar o abajur que estava sobre a mesinha de cabeceira à direita da cama ao meio com um jato d'água ultrarrápido, e, simultaneamente à queda dos pedaços do objeto, a réplica de Jeon despencou em uma cachoeira de estilhaços cinzentos que se fizeram gotas líquidas ao chegarem ao carpete e o encharcaram. Aquilo não parecia água, mas sim mercúrio.
— Por isso, Criança tola. — Jatos d'água voaram do banheiro, e uma nova figura de água se moldou na forma há pouco destruída. — Não posso criar vida, e só corpos vivos são capazes de suportar a manifestação de meu poder. Quando insisto, a água deixa de ser água e se torna o elixir da morte. Espero que não goste desse tapete, porque ele já era. — Quando Jungkook olhou de novo, viu os últimos trapos do carpete acabarem de ser corroídos, sumindo como se nunca tivessem existido. — Assim como você se continuar atrasando Zaku-Zaoh, um dos Hagar de Akisha, o Hagar do Orgulho e da Ira, Eoir'miresa. — Senhor da Mentira? — Passar bem, Jeon-ssi¹. Passar bem.
A figura despencou e não voltou a se formar.
[NOTA: 1 - Um dia desses, esbarrei com a informação de que esse tipo de construção (sobrenome + sufixo de tratamento -ssi) tem caráter ofensivo. Seu uso indicaria que a pessoa se considera superior à qual se dirige e que quer lhe empurrar sua arrogância goela abaixo. Não sei se essa informação é verídica, mas como até agora não vi ninguém falando assim em doramas e como esse uso caía como uma luva nesse contexto quis usar.]
* * *
Diante da figura de um amigo sofrido
RM saiu para caminhar, precisava arejar as ideias.
Enquanto enveredava pelas ruas de Las Vegas, rememorava sua conversa com En-Ephir.
— Sou En-Ephir, o comandante dos Hagar de Akisha, o Hagar da Temperança e da Sabedoria, Arviehe'prabath. — O primeiro passo que a entidade feita de espirais de vento e nuvens tomara foi se apresentar, Rapmon fizera o mesmo.
O Hagar lhe contara um monte de coisas: qual era a abrangência de seu vasto leque de habilidades, alguns detalhes sobre Akisha, o Fragmento de Ak'Mainor responsável por purificar aqueles já tocados por Edoras. Também lhe falou a respeito de Qenía-Araso e Zaku-Zaoh, os Ak'hagar que estavam sob a tutela dele, além de revelar pormenores sobre as guerras contra Larhen e os Lirthua'shoa. O meteoro que causou a extinção dos dinossauros? Aquilo havia sido uma última tentativa desesperada do Sho da Atração, Zadha-Rine, o Senhor dos Fazrat'shoa, de impedir que Berat-Enira os confinasse a todos em seu selo ao final da Segunda Guerra no Planeta Água.
En-Ephir fazia honra aos seus títulos de Hagar da Sabedoria e de Arviehe'prabath — o Escriba Cósmico —, respondendo a tudo com paciência (às dúvidas que colocou e às de que nem se dava conta de ter) e também questionando tudo quanto podia. Eram dois curiosos, e RM viu que se dariam bem.
Contudo ao abordar o tópico "escolha", RM não pudera se conter, perguntando quais de seus amigos ainda tinham o direito de escolher se unir ou ao não aos Ak'hagar e recebera a seguinte resposta:
— Entendo que como líder e amigo seja natural você se preocupar com eles, Namjoon. Entretanto, eu o aconselho a se concentrar mais em si mesmo por agora, pois você é exatamente um dos que o destino ainda não está definido e lidar com escolhas não é uma tarefa fácil, especialmente quando o próprio bem-estar e sobrevivência se está em jogo. Seja qual for sua decisão, eu a compreenderei.
Leader Mon assentira gravemente. Abrir mão da própria segurança em favor da dos outros ou desistir da deles em prol da própria, ter que estar preparado para morrer ou para esperar que outra pessoa escolha se sacrificar em seu lugar: essas eram as opções que tinha, essas eram as opções que seus amigos teriam.
Era compreensível porque nem o Senhor dos Hagar, nem o comandante dos Hagar de Akisha queria que soubessem das situações uns dos outros. Das escolhas, essa era uma das mais difíceis que uma pessoa poderia ter de fazer ao longo da vida, e seria infinitamente pior se eles estivessem pensando também em seus amigos e nas consequências das escolhas deles ao fazê-las. Já era pressão o bastante, eles não queriam que se tornasse ainda maior.
(O rapper não viu aquela insistente omissão de informações com maus olhos, pois, embora não soubesse explicar porquê, sentia que En-Ephir havia sido inteiramente sincero em tudo que tinha lhe dito. Não podia sentir a veracidade das palavras de Berat-Enira, mas, se Jin hyung na condição de hospedeiro do Hagar que podia desvendar todos os mistérios da consciência confiava nele, não havia porquê não lhe dar um voto de confiança).
Toda a bagagem moral e ética de RM, bem como a magnitude da situação, pedia que ele dissesse "sim" de imediato, mesmo assim se vira incapaz. Aquela palavra tão curta e simples, se saída de seus lábios, carregaria o peso de sua vida, da vida de cada ser que entrasse na mira dos emissários de Larhen-Edriza, da vida de Arviehe'prabath, até mesmo das vidas de Akisha, Zaku e Qenía. Uma decisão tão significativa quanto aquela, por mais certa que fosse, por mais única que devesse ser, não podia ser tomada de modo leviano. Por fim, pedira:
— Pode me dar um tempo para pensar a respeito?
— Claro.
Apesar de En-Ephir não tê-lo pressionado, RM tinha noção de que precisava ser breve. Os Lirthua'shoa estavam à solta, e a qualquer momento Edoras, a dita praga das pragas, se abateria sobre a humanidade, e os Ak'hagar eram os únicos capazes de lidar com isso e tinham de estar preparados quando o momento chegasse. Isso incluía estarem vinculados aos seus respectivos hospedeiros. Logo, precisava respondê-lo logo. Após refletir lógica e devidamente, mas o mais breve possível.
Mesmo assim, quase meia-hora depois, ainda não conseguira deixar que En-Ephir ouvisse sua resposta. O mundo está em perigo. Se eu posso ajudar a salvá-lo, por que estou hesitando tanto? Uma vida em risco em troca da segurança de muitas... Devia ser uma escolha lógica! Ele se recriminava, no momento caminhando pelo The Park, não tão longe do MGM Grand Las Vegas onde a BTS se hospedava. É realmente difícil ser lógico quando sua vida é que está em jogo...
Em sua andança encontrou Jin sentado todo encolhido num banco abrigado à sombra de uma árvore — àquela hora da manhã não havia muitas pessoas por ali, então se poderia dizer que era um lugar reservado. O hyung vestia um conjunto todo cinza, branco e preto — chapéu Fedora, pulôver, camisa social e calça —, os sapatos eram de cor creme, e usava óculos de grau com aros cor de rosa e redondos. A primeira coisa que Leader Mon percebeu era que ele estava comendo — pela aparência das embalagens era fast food, àquela hora da manhã! —, a segunda que estava chorando.
Mesmo que ainda não tivesse dado sua resposta ao Hagar da Temperança, e que ele e Berat-Enira desejassem preservá-lo o máximo possível de influências e pressões externas, jamais viraria as costas a um amigo, ainda mais para um em pleno momento de crise.
Do jeito que Seokjin hyung agiu mais cedo, usando os poderes de Qenía-Araso-nim mesmo sem que este o controlasse... Pensou Leader Mon, olhando para a própria mão fechada em punho. Por mais que tentasse, não era capaz de conjurar uma lufada de vento sequer. ...é certo pensar que ele seja um dos que já não têm escolha. Não irei influenciá-lo, e minha resposta... Ela já é suficientemente minha.
Foi até ele, Jin nem notou sua aproximação (algo bastante estranho para a nova condição dele).
— Posso me sentar? — indagou, baixando a máscara que usava.
— Namjoon-ssi... — Jin só o encarou, a face molhada e perdida, por um instante, quase como se duvidasse de que estivesse mesmo ali na frente dele, então abaixou o rosto como se quisesse escondê-lo sob a pequena aba do chapéu e assentiu, chegando para o lado. Se acomodou no banco, e ele continuou a comer em silêncio, o hambúrguer e também as lágrimas que o regavam.
— Eu tinha te achado abatido mais cedo. Então, não foi só impressão — comentou RM, depois de instantes observando o amigo encher a boca até não poder mais. — Sabe que pode falar comigo, não sabe? Estamos todos na mesma balsa furada.
— Não, não estamos — discordou Jin, calando o amigo por tempo o bastante para que terminasse seu hambúrguer e bebesse o que restava de sua Coca numa só golada.
— Os seus portões espirituais... Todos eles se abriram durante a batalha?
— Se abriram, mas não por causa da luta. Eu mesmo os abri, eu escolhi ceder. — RM não pôde esconder sua surpresa. Pular propositalmente de cabeça numa situação daquelas sem se dar a menor chance de pensar não combinava em nada com Jin. — Durante a performance, teve um momento em que eu já não via mais razão para continuar insistindo naquilo, era um desastre sem remédio e ponto, e desisti, parei de dançar, então veio a dor. Quando me dei conta, Qenía-Araso-nim estava conversando comigo, e tudo bem — contou o hyung, e Rapmon se compadeceu ainda mais da dor dele. Não devia ter sido fácil tomar conhecimento daquela realidade enquanto encarava uma batalha, tudo por causa de uma escolha inocente e descuidada. — Eu me assustei naquela hora, mas estou bem com isso agora. É muito bom poder contar com a luz dele para nos ajudar.
— Então, por que está chorando?
— Por que será? — O semblante de Seokjin ficou ainda mais abalado. — Talvez por ter comprovado o quanto a minha determinação é fraca se comparada às de vocês.
— Duvido que seja isso, você não é assim, Jin hyung — negou RM, preocupado com a resistência do amigo para desabafar a razão da angústia dele consigo. O que poderia ser tão terrível a ponto dele querer manter segredo mesmo na atual situação deles?
— O quê? — Jin tentou forçar um sorriso e deu de ombros. — Também posso ser um pouco mesquinho de vez em quando.
— Não. — RM não se convenceu. — Você presenciou tudo que houve ontem. Aconteceu algo de ruim que você agora não consegue tirar da cabeça, é o meu chute.
— Fez bem em se tornar rapper em vez de jogador de futebol, Namjoon-ssi.
— Aish... — Se aquela fora uma piada, Pink Princess estava realmente mal.
— Por favor, não me obrigue a falar, Namjoon-ssi. — O tom do hyung se tornou mais choroso, embora ele tentasse disfarçar. — Já está sendo tão difícil lidar com meu próprio julgamento...
Julgamento? Aigoo, isso é sério, preocupou-se ainda mais Leader Mon e assegurou, pois, fosse o que fosse, queria poder ajudá-lo, pegar parte do sofrimento dele para si (que ele o influenciasse, pouco se importava, vendo-o naquele estado):
— Não vou julgá-lo, seja o que for.
— Mas teria de suportar uma carga pesada demais. Não, por ser seu amigo não posso dividir isso com você. É como Berat-Enira-nim disse: você ainda tem escolha. — Jin enxugou a face banhada em lágrimas de qualquer jeito com a manga da camisa, só para derramar outra trilha lacrimosa. — Você não tem de tomar parte nesse problema. Eu aceitei Araso seonsaeng-nim, por isso devo lidar com tudo sozinho.
RM o encarou. Resumindo, ele não vai desabafar comigo porque acha que seria demais para mim por eu não ser um hospedeiro de Hagar. Até mesmo você, hyung, está prezando pelo meu livre-arbítrio, apesar do mundo estar prestes a desabar sobre sua cabeça. Quem sabe já esteja até desabando...
— Então é isso?
— Então é isso.
— En-Ephir-nim...
— Namjoon-ssi?
— ...Já tenho sua resposta!
A brisa matutina se intensificou e suas lufadas rodopiaram diante dos dois, materializando a figura de vento idêntica a RM (que bom que não havia ninguém além deles naquela parte do parque no momento).
— Estou ouvindo — disse o comandante dos Hagar de Akisha num tom cordial.
— Espere, não faça nada precipitado! — Omma Jin tentou dissuadir RM.
— Não é precipitado, hyung. Pensei bastante nisso e já tinha minha resposta. Só faltava um empurrãozinho para anunciá-la. — Ele deu um sorriso gentil para o amigo, que o olhava numa mescla de receio e choque. — Eu considerei tanto isso, pensando que por ter sido escolhido por En-Ephir-nim era meu dever aceitá-lo, pelo bem de todos. Mas, quem seria eu para ter a pretensão de salvar tantas vidas, se não puder ajudar nem mesmo um amigo? — Jin não soube o que dizer. Ao se voltar para o Hagar da Temperança, Rapmon continuou com toda a sua determinação. — Eu o aceito, En-Ephir-nim.
No ínfimo instante que se sucedeu, Kim Namjoon pode ver um reflexo dele mesmo nos anéis anuviados que compunham os olhos de En-Ephir. Viu admiração e agradecimento naquele olhar de ciclones. Arviehe'prabath se desfez num minitornado, que se adensou e desacelerou ao invadir o peito de RM. O toque dele foi como o roçar de uma brisa suave. Estava feito. Não havia mais volta, Leader Mon ajudaria os Ak'hagar e os Fragmentos de Ak'Mainor a salvarem o mundo. Ou morreria tentando. — Muito bem, agora as escolhas se foram.
Virou-se para Jin, que não desviava o olhar perplexo-assustado de seu rosto. Ele não havia dormido, Qenía-Araso não havia dormido. Haviam passado a noite ajoelhados no chão entre as camas de Jimin e J-Hope, divididos entre cuidar deles e chorar no ombro de Khro-Yehath, enquanto En-Ephir mantinha vigília na varanda. Agora RM sabia, o vento soprava aos seus ouvidos, e as memórias vinham, obedientes.
Quanto ao motivo da tristeza dele, deles... Não. Devia ouvi-lo dele. Por mais que o Hagar da Amizade tivesse tentado ajudá-lo, confortando-o durante a noite, ele precisava desabafar com um dos amigos, com sua família, assim como Qenía-Araso precisava do apoio que os companheiros lhe deram ao assumir o quanto podiam de seus deveres para que pudesse ao menos se deixar chorar.
Por isso mesmo não deixei que Seokjin se apercebesse de sua chegada, Kim Namjoon. Ele teria se retirado desse lugar se soubesse de antemão. Uma voz idêntica à de Jin ecoou pela mente de RM, suave e melancólica. Qenía-Araso, o rapaz soube no mesmo instante. Conheço todas as línguas desse universo, no entanto sou incapaz de proferir qualquer palavra que alivie a dor que essa Criança traz no peito. Creio que você possa, é o amigo a quem ele mais admira. Confiará no seu julgamento. Mesmo assim, peço perdão por envolvê-lo nisso. A você também, En.
Não precisa disso, Qenía-Araso-nim. Agradeço por ter permitido que eu me aproximasse de Seokjin-ssi.
Simultaneamente à resposta de Leader Mon, Arviehe'prabath também dirigiu seus pensamentos ao Hagar do Amor:
Tenho minha parcela de culpa no que aconteceu, Qenía, e Namjoon já havia decidido me aceitar. Ficaria sabendo de tudo mais cedo ou mais tarde. Não me deve nada, como sempre.
Um lampejo branco fez os olhos de Jin se acenderem por um ínfimo momento, só o suficiente para deixar uma lágrima de luz escapar e correr pela bochecha dele. Era Menora'orphia expressando sua gratidão e alívio, bem como sua própria dor.
Rapmon sorriu, e suas covinhas apareceram; dois adoráveis pocinhos de doçura. Foi um sorriso suave e gentil, daqueles que nos fazem lembrar que ainda existem coisas verdadeiramente boas e puras nesse mundo, coisas as quais vale a pena proteger. Bastou para desvanecer aquelas emoções arredias do olhar de Jin, dando vazão uma vez mais à tristeza e às lágrimas por ela premidas. RM se pôs a recolher as lágrimas dele com toda paciência e esmero e disse sem deixar de sorrir:
— Você sempre está pronto para cuidar da gente, hyung. Agora é minha vez de cuidar de você. Então, pode falar o que quiser para mim. Vou ouvi-lo e apoiá-lo como seu amigo e companheiro nessa nossa nova jornada.
* * *
Diante de um amigo amedrontado
Suga observava o céu matutino, empoleirado sobre uma mureta de segurança. Seus pés pendiam sobre uma Las Vegas sonolenta, suas mãos se esparramavam aos lados de seu corpo — uma retendo entre os dedos de cabeças mordidas um lápis igualmente mordido e a outra com unhas recém-roídas sobre um caderno de letras aberto numa página recheada de rabiscos. Quem visse seu semblante o consideraria indiferente a tudo e a todos, mas como se costuma dizer: "quem vê cara, não vê coração", e o seu parecia ter acabado de correr uma maratona.
Deixara seu quarto há alguns minutos, logo após tomar uma ducha fria que o havia deixado tremendo até o tutano dos ossos e se esgueirara até o terraço do hotel. Nem havia dado bola para o café da manhã todo arrumadinho e saudável que Jin deixara a sua espera. Era de pensar a sua fome, não de comida.
Não havia trocado muitas palavras com o espírito das chamas, só o bastante para saber que se tratava de Asha-Maiura, o comandante dos Hagar de Akasha, o Hagar da Coragem e da Sinceridade, Yaser'kyfieh. Isso e que ainda era livre para escolher aceitá-lo ou não em sua vida. Qenía-Araso havia lhe dado informações suficientes para pensar sua decisão, e agora que sabia poder tomá-la, não queria mais detalhes daquela história em sua cabeça, fazendo a balança de sua consciência pender mais para um lado do que para o outro antes que dissesse para ela perder o prumo.
Decisões, escolhas e abandono. As três coisas a mesma coisa, porque ao decidir por um caminho se abandona todos os demais, cada escolha feita são modos de viver que se mata e isso acarreta em consequências, sempre há consequências e nunca há volta. Sabia bem disso. Por essa razão queria pesar os prós e os contras de cada possível alternativa e decidir por si mesmo, para que quando as consequências viessem pudesse seguir de cabeça erguida e encará-las sem remorso.
Com tantos tipos heroicos espalhados pelo mundo, todos bem dispostos a embarcarem numa missão daquelas sem nem hesitar, por que um preguiçoso como ele teve que ser a melhor opção de Asha-Maiura? Porque talvez não haja verdadeiros tipos heroicos por aí, só momentos de insanidade corajosa. Fosse o que fosse, só provava que o sentido da vida era que nada na vida fazia sentido. Nossa, boa, Suga. Isso foi profundo... digno de ir parar no para-choque do caminhão de entregas do maior bar da Deprelândia...
Inflou as bochechas e bufou. Só estava andando em círculos ali. Maldição.
Voltou a atacar os dedos.
Foi quando ouviu um barulho e olhou para trás, vendo J-Hope despontar dos arredores da escada que dava acesso ao terraço. Ele vinha de fininho, meio abaixado e olhando para os lados com cara de quem está aprontando e teme ser pego bem com a boca na botija. Parecia o Scrat, da Era do Gelo, transportando sua preciosa noz. Suga decidiu curtir com a cara dele e bradou, engrossando a voz:
— Parado, polícia!
— Ah! — Smile Hoya gritou e ergueu as mãos acima da cabeça. Uma delas estava envolta em ataduras. A cara de desespero dele foi tão hilária que Yoongi não resistiu e caiu na gargalhada, delatando sua localização. — Su- Suga? Que que cê tá fazendo aqui? — Hobi abaixou os braços. De tão nervoso, tinha acabado falando em satoori.
— Me diz você. Não sou eu quem chegou aqui perecendo um gatuno na noite... Ou melhor, na manhã.
— Ha-ha, muito engraçado — J-Hope disse, fazendo uma careta. — Quase me matou de susto, gênio.
— Quem não deve, não teme, Hobi. — Suga apanhou o caderno, passou as pernas por cima do parapeito e se levantou, indo até o amigo. — O que ia fazer de tão importante a ponto de temer ser visto?
— Nada — Smile Hoya deu um sorriso amarelo —, só queria respirar um pouquinho de ar puro.
— Em Las Vegas? Podia ter feito isso da sacada do seu quarto, daria na mesma e gastaria bem menos suas pernas por não ter que subir escadas.
— E que tal você? Também está aqui.
— Mas não estou me esgueirando que nem um criminoso procurado. — Fez uma pequena pausa, considerando Jung Hoseok de cima a baixo. — Você o aceitou, não é?
— Ahn? — Sobressaltou-se Hobi.
— Não, nada disso — Suga reordenou seu raciocínio. — Você não teve foi escolha. — Sua assertiva foi implacável. — Aonde iam?
— A lugar nenhum! Por que não acredita em mim?
— Porque você mente tão bem quanto o Jin manda um rap. — Quase pôde ouvir o gulp de J-Hope engolindo em seco. — Abre o jogo, vai.
Hobi ficou quieto por um instante.
— Você já se decidiu-?
— Fala logo, Hoseok-ah!
— Pro Egito — J-Hope admitiu, arriando os ombros cabisbaixo, e os pequenos olhos de Yoongi se arregalaram. — Edoras, a tal praga do todo-poderoso e megalomaníaco criador do universo, já está correndo solta por lá. Alguém tem que ir dar um jeito nisso, então eu vou.
— Sozinho?
— É... Não me olhe com essa cara, hyung — pediu J-Hope e sorriu, querendo aparentar descontração. — Berat-Enira-nim é bem forte, ele é o líder dos Ak'hagar e os Lirthua'shoa tremem de medo dele.
— Mais do que você está tremendo? — indagou Suga provocativo.
— Aish... — Hope escondeu as mãos, de fato trêmulas, nos bolsos do casaco. Às vezes detestava o talento que Suga tinha para usar as palavras, querer ocultar coisas dele numa conversa era como tentar correr sobre areia movediça.
— E se um daqueles caras aparecer? Nós dois sabemos que você não consegue matar nem uma mosca, Hobi.
— Para, tá legal? Eu estou com medo, sim, mas não posso ficar de braços cruzados por causa disso. Tem gente pedindo socorro enquanto a gente tá aqui jogando conversa fora, Suga, e até que os Fragmentos de Ak'Mainor despertem não dá pra reverter a infecção, só impedi-la. Alguém tem que ir até o Egito ajudar as pessoas de lá, e eu posso, então vou. — Ele deu um de seus sorrisos de cem Watts. — Está tudo bem, sou a esperança da BTS, posso me tornar a esperança deles também. — Apesar das palavras corajosas, os olhos de J-Hope ainda estavam mais abertos que o habitual e as pupilas dilatadas. E você, J-Hope? Quem vai ajudar você? Quem vai ser a sua esperança? Yoongi se segurou para não dar um pescoção nele. — Diz pros outros não se preocuparem, eu volto assim que der.
Dito isto, Hobi passou por Suga, indo em direção ao parapeito do prédio e do grande vazio até o chão, a muitos e muitos metros abaixo. Cada escolha feita são modos de viver que se mata...
— Hoseok-ah... — Suga chamou pelo amigo, o tom despido de qualquer convicção, e se virou, encontrando-o parado a alguns passos da mureta de segurança, com a face voltada para o céu. — Hoseok?
Foi até ele e vislumbrou seu rosto, o mesmo de sempre, embora agora muito mais sério do que ele se permitia ser, e seus olhos, outros olhos, pedras vivas de âmbar a mirarem fixamente o céu. Suga não conseguiu dizer nada, só pensou que ao olhar para aquele estranho conhecido compreendia a reação arisca de Jungkook. Era de arrepiar.
— Ele decidiu aparecer — o Senhor dos Hagar proferiu com a voz firme.
— Quem? — O rapper procurou no céu e não viu nada, além de nuvens.
— Fazrat'miresa, Zadha-Rine — "Senhor dos Fazrat", traduziu, deduzindo que devia ser um dos tais Lirthua'shoa. — Deixe este local, Min Yoongi, não é seguro.
Suga franziu as sobrancelhas.
— E você?
— Vou lidar com ele.
— Então, eu fico. — Mas o que é que eu estou dizendo? Basta arrastá-lo para longe desse lugar! — Asha-Maiura pode pegar meu corpo emprestado como fez ontem.
— Decididamente, não. Só lhe restam dois portões espirituais. Se se romperem durante o combate, você e Asha serão alvos fáceis, e Zadha não é do tipo que deixaria a oportunidade de destruir um de nós passar. Irei enfrentá-lo sozinho, vá de uma vez, Criança. — Motionless Min não saiu de onde estava, fazendo jus a seu apelido. — Por favor, há muitas pessoas sob nossos pés. É imperativo que eu mantenha a luta aqui em cima e posso não conseguir se tiver que protegê-lo.
Suga recuou alguns passos, encostando as panturrilhas no parapeito por um segundo. O que estava pensando? Como se pudesse ser algo numa luta, além de um peso morto. Torcer para que J-Hope fique bem, é tudo que você pode fazer, idiota. Suprimiu um muxoxo e se apressou para a saída do terraço.
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