Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo IX - Súplica à Égide: o Cavalo do Rei se Move

Guiado pela voz
"Como um sussurro, diga no meu ouvido..."

[Enquanto J-Hope e o Senhor dos Hagar ainda estavam trancados no closet...]

Jimin ainda estava de molho na cama, deitado em posição fetal, de olhos fechados e embrulhado nas cobertas. Apesar de não sentir sono algum, não tinha vontade de sair dali — o mundo fora daquelas paredes agora lhe parecia assustador e frio — e não era necessário que saísse, pelo menos não até que o Hagar da Confiança e da Carência recebesse ordens para agir. Suspirou, enroscando-se mais em si mesmo, aproveitando o quanto podia do conforto daquele macio e breve refúgio, aproveitando o conforto daquele abraço. O grupo estar de folga era a melhor coisa desse dia...

Quanto a Hasa-Ithor, ele havia se desfeito da imitação faiscante de seu Jiminnie e retornado para dentro dele e agora cantarolava Best of Me, tão baixinho e suave que parecia uma autêntica canção de ninar. Sua presença era como uma cálida manta a envolver o coração dele. Se a intenção era abrandar o espírito de seu desnorteado hospedeiro, estava se saindo bem.

Tais palavras ecoaram baixas e melodiosas aos ouvidos de ambos:

Algo, por favor, me salve, por favor, me salve...

Música?! Hasa-Ithor se sobressaltou, parando de cantarolar, e Jimin abriu os olhos, sentando apressado e mirando em volta, arisco e receoso, à procura do intruso que tinha invadido o quarto (nesse caso, intrusa, pois a voz era de menina). Não encontrou ninguém, no entanto. A voz continuou — mais do que ecoar ao seu redor, ela o atravessava:

É interminável, mesmo se eu tentar fugir, eu caí em uma mentira.

É a minha música. Frisou Dooly, intrigado. De onde vinha aquela voz? Por que podia ouvi-la? Será que passaria a escutar vozes? Engoliu em seco. Hasa-It- Se deteve, pois o Hagar havia insistido que o tratasse de modo informal. Hasa-yah, estamos ouvindo essa menina por causa das suas habilidades?

Hum... É verdade que posso fazer o que eu bem quiser com todos os tipos de ondas, incluindo ouvi-las, mas não estou fazendo nada agora, Jiminnie. Foi essa voz — lindíssima, diga-se de passagem — que nos encontrou, não o contrário.

Liberte-me desse inferno...

Com notas de comoção ora mais acentuadas, ora mais incertas, a voz falhava, evidenciando a presença de um choro crescente. Isso dissolveu os receios que Jimin nutria por causa do caráter insólito daquela situação e o deixou sinceramente preocupado. Tinha uma garota — provavelmente uma ARMY — chorando, e era um pranto visceral. Por que ela estaria chorando? Curiosamente, saber a resposta dessa pergunta lhe pareceu mais urgente do que exorcizar suas próprias dúvidas e demônios. O Hagar da Carência acrescentou:

Linda e... também um tanto triste. A pobrezinha parece estar sofrendo muito.

Mas por quê? Podiam ouvi-la cantar, mas será que podiam fazer alguma coisa para ajudá-la? Podiam? Como saber? Quão longe ela estava? Onde ela estava? Onde?

Por favor, salve o eu que está sendo punido.

Movido pela necessidade já forte e mais e mais crescente de ir até a dona da voz misteriosa que o afligia, Jimin se levantou e foi apanhar a muda de roupas que Jin havia deixado cuidadosamente dobrada sobre o baú aos pés de sua cama. Eram as mesmas que usara na noite anterior — camisa de mangas longas com estampa zebrada, uma camiseta branca e calça skinny preta — e estavam tão impecáveis que faziam o relato que ouvira dos Ak'hagar e também as reminiscências que captava através de sua ligação com Hasa-Ithor parecerem mera fantasia. Vestiu-as depressa, calçou as botas, despejou um pouco da água da jarra que estava sobre a cômoda ao lado da cama nas mãos, molhou o rosto e se virou para a porta do quarto, finalmente se detendo. Esse não é o melhor caminho, é?

Hasa-Ithor deu uma risadinha convencida.

Não mesmo, Jiminnie. Nós fazemos nosso caminho. O ar tremulou a sua frente, como se convertido em tiras de tecido transparente. Ai, ver você percebendo isso sem eu ter dito nada é tão revigorante! Vamos, experimente!

Dooly estendeu o braço, e sua mão alcançou a tira mais próxima. Diferente do que pensava, não encontrou a maciez sólida de um tecido, só um assopro suave, como ondas de vapor sem calor ou frieza, apenas toque. A tira trincou ao primeiro contato com seus dedos, como uma camada ultrafina de gelo — o que era ridículo, nem sólido aquilo era! —, e se rompeu com a passagem de sua mão, desprendendo diminutos cacos. O outro lado era feito daquele mesmo vapor, e sua mão estava totalmente imersa nele, sendo atravessada e o atravessando como se compartilhassem da mesma natureza incorpórea. Sua alma, era como se só sua alma estivesse lá, imiscuindo-se àquele ambiente, talvez se tornando uma coisa só com ele. Única e indissociável.

Puxou a mão de imediato, estupefato.

Algo, por favor, me salve, por favor, me salve...

Era a voz da menina novamente.

Você decide, Jiminnie. Hasa até quis parecer neutro, porém sentia a ansiedade dele batendo no teto. Não era o único a ceder à necessidade de acorrer à dona daquela voz, afinal. Abriu um sorriso nervoso — o que, por Deus, estava prestes a fazer? — e deu um passo, depois outro, e seu corpo se chocou com as tiras de toques. Elas foram abaixo, uma cortina de estilhaços de sensação que deixava para trás para adentrar um mundo de infinitas sensações e cores.

*     *     *

Guiado pela poeira cósmica

"É interminável..."

Algo que seria facilmente confundível com o manto negro do espaço se não fosse pela ausência de estrelas, se desenrolava em todas as direções. Uma infinidade de nebulosas se espalhava por ele, iluminando-o com suas infinitas cores. Mas essa era a visão por trás da visão daquele lugar. Sobre tudo isso, havia uma camada iridescente como a superfície de uma bolha de sabão que refletia as cores das nebulosas e as fazia dançar a sós e umas com as outras, num movimento de mistura e remistura, espirala e desenrola incessante. Um som suave e contínuo enchia o ambiente, musicando a dança dos espectros. Era um cenário digno de um servo do Senhor do Caos.

Hasa-Ithor sorriu e abriu os braços de Jimin, dizendo através dos lábios dele:

— Bem-vindo ao não-lugar que leva a todos os lugares, Jiminnie!

— Uau! — Foi tudo que o rapaz conseguiu dizer, tamanho o seu deslumbramento. Embora imerso naquele mundo, sendo atravessado por seus toques, não se sentia "descarnado", nem nada. Ser um só com ele não significava se perder, mas conhecê-lo de ponta a ponta, do átrio aos confins de seus domínios, podendo fazê-lo levá-lo aonde quisesse, podendo ir aonde quisesse. Sob seus pés se estendia um caminho de pedrinhas, poeira e cacos translúcidos. Estava pisando em poeira cósmica! Continuou avançando por ele, pois o levaria para onde desejava ir. Seus olhos não paravam quietos, querendo absorver mais daquele mundo. De certo modo, vislumbrar tantas cores lhe trazia alegria e acalmava seu coração, tornando a necessidade que o fizera abandonar o conforto de seu quarto suportável.

Sabia que ia gostar.

O sorriso de Dooly diminuiu, e uma leve ruguinha se formou entre as suas sobrancelhas. A necessidade de ver a dona daquela voz havia sido abrandada, não sumido.

— Não ouço mais a voz dela...

Claro que ouve, Jiminnie. É essa fração de nota suspensa a nossa volta.

— Achei que fosse algum som oriundo desse lugar.

Oriundo? Ui, que palavra chique! Jimin riu. Mas, não, esse é um mundo silencioso. Ainda. Pode ser preenchido com música, que tal?

— É, esse é o toque que falta nesse oceano de toques. Mas por que a voz dela está parada numa única nota?

Bem, aqui as únicas leis que valem são as minhas, e eu não acho vantajoso me dobrar às leis do tempo. Estamos no agora ou tempo nenhum, chame do que preferir. Na dimensão física ainda é o momento em que saímos de seu quarto e será nesse momento que chegaremos a nossa triste mocinha.

— Você nunca deve se atrasar para nada.

Não por causa do deslocamento, asseguro. Esse universo está cheio de coisas belas e sem par, Jiminnie... Você e a música são ótimos exemplos. Ah, há tanto para se apreciar, tanto que merece ser apreciado. Para isso, infelizmente, é-se preciso dispor de tempo, algo de que não disponho. Nós, Ak'hagar, vivemos pela eternidade, sabe, mas é uma vida inteira e completamente devotada ao dever. Acordamos quando os Lirthua'shoa escapam do selo, nos embatemos contra eles e voltamos a dormir após selá-los. Não há espaço para apreciar nada. Há apenas a guerra e o sono. Abomino o sono, os braços dele são como um cordame cravejado de espinhos. Imagine ser atado por algo assim por um trilhão de vidas humanas... Sempre tive apreço pela guerra, pois é nela que a minha existência se move, mas ela só por si mesma já não me apetece. A unicidade pede minha atenção. Há algumas encarnações que tenho deixado apenas de querer apreciá-la. Me perco em apreciação quando me deparo com algo que me atrai e acabo distraído para todo o resto... Mas, veja só! Você faz uma observaçãozinha despretensiosa e eu aproveito a deixa para te empurrar amostras grátis do meu drama pessoal goela abaixo. Não pode, Jiminnie. Você tem que me dizer quando eu estiver caceteando, porque foco e semancol não são traços fortes da minha personalidade...

— Eu gostei de ouvir tudo que você disse até agora, mas se começar a cacetear, pode deixar que eu aviso. Esse seu desejo de achar tempo para outras coisas... Às vezes, também me sinto assim. Amo o que eu faço, amo sentir a emoção dos fãs e, se me fosse dada a chance de voltar no tempo para refazer a minha vida, eu escolheria ser um idol novamente. Mas, em alguns momentos, pequenos e raros momentos, eu gostaria de fugir para algum lugar distante, onde ninguém me conhecesse ou a BTS, e descobrir se sou bom em mais alguma coisa, se sou capaz de atrair a atenção de alguém sem artifícios, só sendo eu mesmo, descobrir se as minhas palavras ainda teriam algum valor...

Preocupe-se com o restante que a fuga é por minha conta.

Jimin riu um pouco mais.

— Diz pra mim, Hasa-yah. Qual é exatamente a sua habilidade? Além de, claro, me fazer rir, mesmo sob o peso das atuais circunstâncias. Quando você apareceu mais cedo, eu achei que fosse eletrocinese, mas agora, bem, não sei o que pensar.

Eu distorço o estado natural das coisas, Jiminnie. O espaço, as ondas, os corpos, a realidade... Tudo! É bem simples, mas bastante versátil e me permitiu montar esse cantinho bem ao meu gosto.

— Simples... — Dooly olhou em volta uma vez mais, buscando algum quê de simplicidade em meio a toda aquela imensidão e, não tendo encontrado, suspirou, contemplativo. — Fico imaginando o que seria complicado para você.

Hum... Hasa batucou um dedo nos lábios, pensativo. Os poderes de Berat e dos Hagar de Akisha. São todos uns complicados, você vai descobrir com o tempo.

— Ah, aqui estamos! — O Hagar da Confiança exclamou, feliz e contente, através dos lábios de Dooly e resmungou em seguida. — Seja lá onde seja aqui...

Jimin despencou do mundo da lua, enfim, percebendo que o caminho de pedrinhas brilhantes se acabava em outra daquelas cortinas de tiras semitransparentes — não a havia percebido antes, porque à distância ela desaparecia em meio a paisagem caótica daquele lugar. Mas, diferente da que usara para adentrar aquele local, esta revelava uma imagem por detrás de suas dobras. Era muito apagada e tremida, mas ele podia distinguir algumas linhas e contornos dentados. Apertou o passo e não demorou a descobrir que as linhas pertenciam a um palco escuro, de piso cor de marfim, e os contornos dentados aos encostos de fileiras de cadeiras de estofado bege. Cortinas de cor negras pendiam das extremidades do palco. Seu destino era um teatro.

E lá está nossa pobrezinha tristonha, observou Hasa-Ithor quando seus olhos recaíram por sobre a lateral esquerda do palco. Havia um piano ali, com uma pequena figura acomodada na banqueta. Não dava para precisar muito bem suas feições, o tremular das tiras não permitia, mas o brilho molhado em seus olhos e rosto, sim. Ai, ela está mesmo chorando, que dó!

Estavam prestes a transpor as tiras, mas Jimin se deteve, e o Hagar estranhou.

O que há de errado, Jiminnie? Ela está logo ali.

— Não podemos surgir do nada na frente dela. Se a gente fizer isso, ela pode gritar e sair correndo, desmaiar ou até pensar que ficou louca! Ela já está mal o suficiente sem um susto desses...

Sem problemas! Hasa moveu os dedos em direção a garota, como se fizesse um pequeno feitiço. Ok, podemos ir.

— Ela realmente não vai nos ver?

Nem ver, nem ouvir, afirmou Hasa convicto. Vamos lá!

*     *     *

Guiado pelos movimentos

"Mesmo que eu queira me desviar..."

Dooly avançou, passando pela cortina da qual a estampa era o teatro, e a passagem se quebrou. Lá estava a menina a alguns metros a sua frente, sem sequer saber que ele estava ali. Ela era baixinha, franzina e morena. Os cabelos se moldavam em cachos castanhos ao redor da cabeça e alcançavam seu pescoço. Os olhos grandes e amendoados eram castanho-claros e estavam escondidos atrás de óculos de grau enfáticos — um exemplar dos terríveis óculos fundo de garrafa. Usava uma blusa roxa com mangas compridas e largas, calça jeans e botas rasteiras pretas. Se tirasse os óculos, ela ficaria muito bonita.

O tempo tinha tornado a correr no exato instante em que pôs os pés para fora da cortina de estilhaços, a voz dela e as notas que dedilhava nas teclas do piano voltaram a encher o lugar com sua doce e melancólica melodia.

— "Pego em uma mentira, liberte-me desse inferno. Eu não consigo escapar desse sofrimento, por favor, salve o eu que está sendo punido."

Jimin quase indagou o que havia de errado em voz alta — a necessidade de abrandar o sofrimento dela vinha com força total agora que estava fora do mundo de toques. Queria falar com ela, saber o que a afligia, ajudá-la a se ver livre daquele peso. Queria que ela soubesse que estava ali. Ela não pode me ver ou ouvir. Teve de se recordar e comprimiu os lábios, armando-se de uma boa dose de força de vontade para deixar tudo como estava. Sentia que se desse asas a tais anseios acabaria anulando o truque de Hasa-Ithor e aparecendo à vista dela. A última coisa que desejava era assustá-la — já estava assustado o bastante por ambos.

Respirou fundo e começou a se aproximar do palco. Havia surgido no corredor que cortava o lado esquerdo da porção dianteira do teatro, na altura da sexta fileira de bancos, e se deteve ao se emparelhar com a terceira. Tinha uma mochila aos pés da quarta cadeira da secção central, roxa como a blusa da menina e repleta de bottons e bichinhos de pelúcia pendurados. Uma pilha de papéis descansava sobre o assento. Jimin olhou em volta à procura de indícios que pudessem em dúvida a certeza de que aqueles eram os pertences dela, mas não havia qualquer outra bolsa ou objetos pessoais por ali. Não era correto mexer nas coisas dos outros, mas na ausência de melhores opções...

Sentou-se na cadeira ao lado da demarcada pela mochila e apanhou os papéis, tomando cuidado para mantê-los ocultos à sombra do encosto da cadeira da frente, porque a visão de uma pilha de papéis suspensos por mãos invisíveis seria algo tão agradável de se presenciar quanto o surgimento de alguém em pleno ar.

Tratava-se do roteiro de uma peça, intitulada "Deus não está morto, vivemos entre o piscar de seus olhos", um bocado revisto pela quantidade de rabiscos feitos à mão que foi encontrando à medida que passava as páginas. Marianne Silveira era o nome da autora do texto. Marianne... O teor vocabular e a progressão dos acontecimentos descritos nas mudanças não condiziam com os do texto original, não pareciam ter sido obra dela.

De distorções eu entendo, Jiminnie, e posso dizer com segurança: isso não foi feito por ela, assegurou Hasa-Ithor, queixoso. Estamos olhando para dois diferentes modos de ver o mundo, o segundo querendo se sobrepor ao primeiro por não compreendê-lo. Ai, ai... É certo que seu povo é incapaz de se compreender facilmente por conta das diferenças linguísticas de cada localidade, mas ver que não há compreensão mútua entre aqueles que falam a mesma linguagem me choca. Faz parecer que a palavra, a dádiva que Sua Excelência lhes concedeu, é inútil... Isso é tão triste!

— Quem dera se só as diferenças linguísticas nos separassem, Hasa-yah — lamentou Jimin, fitando a data e o horário da encenação, grafados à caneta no canto superior direito da capa do roteiro: hoje, seria hoje, às duas da tarde. Bem, agora sabia a razão para o choro de Marianne, mas será que podia fazer algo para consertar aquilo? Ergueu o olhar condoído do roteiro para ela.

Marianne terminava Lie naquele exato momento, a expressão seguia amuada, mas ganhou alguns modestos e inesperados traços de determinação, e ela se ergueu da banqueta, retirando os óculos e depositando-os sobre o piano. Enxugou o rosto e os olhos sem muito esmero e se foi para o centro do palco.

Foi uma surpresa para ele quando ela começou a dançar.

Algumas das rubricas no texto relatavam a existência de coreografias na peça, e a que dizia "coreografia de Forget About Me¹ (Tema Principal)" estava marcada por três asteriscos e a palavra "ALTERADA" em letras de forma vermelhas. Será que... O Bangtan Boy não completou o pensamento, dedicando-se apenas a observá-la.

A coreografia era bastante elaborada, com muitas descidas, saltos e volteios. Os movimentos rápidos vinham como um jorro de fúria, explodindo de uma alma sufocada pela frustração, um terrível leviatã de anos e anos. Quando assumia lentidão, mescla de leveza e intensidade, passava a ideia de uma resolução trágica e inevitável.

Jimin não conseguia desviar os olhos, sequer pôde ficar em seu lugar. Devolveu o roteiro ao assento em que estava antes e rumou para o palco.

Uma mensagem de negação e revolta que deslumbrava tanto quanto causava desconforto em quem a assistia, pois legava a culpa de tal destino a todos, lançando-os ao desespero ao esfregar em suas caras a real natureza que possuíam e que não podiam revogar tal decisão para se eximirem da culpa, a culpa ficaria culpa em suas consciências. Esquecer? Não poderiam por mais que ordenasse, por mais que quisessem. Essa mensagem estaria em seus seres, escrita numa firme caligrafia de emoções, um lembrete para que considerassem seriamente dali por diante as consequências de seus atos.

Mensagem que agora ficaria por ser dada, lembrete que se recolheria à lembrança de quem o queria dar. Tudo por causa da incompreensão. A incompreensão, consorte do ruído, dele que era o Brasão de Larhen-Edriza. O Coeficiente Caótico permanecia elevado, no entanto a incompreensão reinava entre os jovens Filhos de Menora que habitavam esse mundo, Dooly havia deixado claro que sim.

O Hagar da Carência se encolheu por um momento, certo de que haviam dormido demais, e se segurou para não ir correndo abraçar aquela pequena menina chorosa. Os seus não eram os braços de Akasha. Era da orientação e do cuidado Dela, da Alma de Ak'Mainor, que as Crianças necessitavam. Do contrário, poderiam acabar como as Forças Antigas, cegas e fiéis seguidoras do Destruidor mesmo sem terem ganho o beijo de Edoras.

— Impossível de executar, não é? — perguntou Marianne, assim que parou de se mover. Ela ofegava pelo esforço e até tremia um pouco. Ficou óbvio que não estava acostumada a atividades físicas daquele porte antes mesmo que suspirasse, desabando sobre as pernas dobradas. Os olhos dela se empoçaram, e ela os fechou, cerrando os punhos sobre o colo.

Jimin, que já havia subido ao palco e estava bem ao lado dela, não resistiu ao ímpeto de reconfortá-la, não era justo que tivesse que passar por aquilo sozinha, e pôs a mão sobre a cabeça dela, acariciando seus cabelos de leve. Mais do que um simples toque, sentia as vibrações que vinham da menina. Eram calorosas e lhe traziam à recordação a brisa de um campo florido banhado pelo sol, as risadinhas de um bebê e a ventura de retornar ao conforto do lar depois de ter estado longe por muito tempo. Ela tinha uma presença agradável e delicada. Nunca pensou que poderia sentir as pessoas daquela forma, com certeza devia ser uma das habilidades de Hasa-Ithor.

Nesse momento, Marianne levantou o rosto e olhou ao redor com uma expressão fofa, ainda que abalada. Ela me notou! Pensou Jimin, entre alegre e alarmado, e Hasa se manifestou:

Nossa, Jiminnie! Essa foi por pouco! Esqueceu que estávamos invisíveis e inaudíveis, não imperceptíveis? Tem que me avisar quando for agir, porque eu não leio pensamentos...

— Me desculpe, agi por impulso... Mas... Será que não há nada que possamos fazer por ela, Hasa-yah? É doloroso vê-la desse jeito.

Podemos, mas teremos de esperar a hora da peça. Vamos causar alguma confusão — afinal, não tenho a habilidade de Khro para encobrir rastros, nem a de Zaku para forçar sua vontade — e, na certa, vamos levar esporro de Asha por isso depois, mas vai valer a pena. Tudo para que ela- Hasa se deteve de repente, como se algo o tivesse assustado. Para que... para que ela sorria... de novo. Ele continuou devagar, completamente distraído.

— O que há de errado? — Dooly estranhou.

O fato era que de tão preocupado em mantê-los ocultos de Marianne, Hasa só se dera conta das vibrações que Jimin sentia emanarem dela, vibrações que conhecia tão bem, no momento em que a mencionou. Ele explicou, em estado de êxtase:

Sei por que a voz dela chegou até nós, Jiminnie. Ela é um dos Fragmentos de Ak'Mainor, o hospedeiro de Sua Excelência, Akasha.

[NOTA: 1 - Forget About Me, quarta faixa do álbum Ungrateful, da banda norte-americana Escape the Fate.]

*     *     *

Guiado pelo laço

"Por favor, devolva o meu sorriso"

Os olhos de Jimin se arregalaram, e ele ficou boquiaberto. Então, a preocupação que sentia por aquela garota e a necessidade de estar junto dela eram por causa do laço entre Hasa-Ithor e sua divindade?

— Então, Akasha yeonsin-nim¹ nos chamou aqui?

Não, Sua Excelência ainda dorme-

Uma música tocou, interrompendo as explicações de Hasa e dando um susto de leve em Jimin. Era o toque do celular de Marianne — Best Of Me, da BTS, por sinal. Ela atendeu, quase derrubando o aparelho. Era uma tal de Gio do outro lado da linha. Vamos ouvir o que elas têm a dizer. Antes que o rapaz pudesse questionar qual era a necessidade de escutarem a conversa das garotas, Hasa fez sua magia, e escutaram a voz de Gio — o som era tão nítido que parecia que ela estava bem ali, falando diante deles.

O conteúdo da conversa não interessava ao Hagar da Confiança, apenas as vibrações do espírito da garota do outro lado da linha, carregadas pelas ondas sonoras e eletromagnéticas. Jimin ainda não sabia, mas, assim como os hospedeiros dos Ak'hagar, os Fragmentos de Ak'Mainor costumavam ser uma unidade, deviam estar ligados de alguma forma, por isso Hasa-Ithor quis verificar a garota chamada Gio, por estar claramente ligada à Marianne. Ele não era Ak'houan-a-rae, contudo conhecia o espírito do Corpo de Ak'Mainor. Se estivesse em contato com ele, saberia.

Uma palavra bastou.

As vibrações dela eram densas, quase palpáveis. Ora quentes demais, ora frias demais, extremosas. Fizeram com que Jimin pensasse no cheiro do metal de armas recém-saídas das forjas, no brado que incita os guerreiros no campo de batalha e no sabor do triunfo e do alívio de resgatar um camarada da morte certa, embora ele nunca tivesse tido contato com nenhuma dessas coisas. Intensa, a presença dela era intensa e implacável.

Achamos, Jiminnie! Hasa celebrou, envaidecido e esfuziante. Dava até pulinhos. Jimin, vermelho até as orelhas, agradecia a Deus por ninguém poder vê-lo agora. Achamos ambos os Fragmentos! Nem acredito!

— Então, essa presença pesada pertence à Akisha yeonsin-nim?! — Dooly se espantou com isso e por Gio ter acabado de chamar Marianne de "maninha". — Mas elas são como água e óleo!

E ainda assim suas hospedeiras são irmãs, como bem acabamos de constatar. É como vocês, novos Filhos de Menora, costumam dizer: "os lados opostos da mesma moeda". É isso que Akasha e Akisha são, diferentes como o céu e o inferno, e, ainda assim, entidades que se complementam. Mas entendo seu choque, Akisha pode ser bastante massacrante. Somos afortunados por servirmos à Sua Excelência Akasha.

Marianne havia se erguido e começava a abandonar o palco, parecia bem mais abatida depois de ter falado com a irmã. Deva'seyire a seguiu como o fiel escudeiro da Alma de Ak'Mainor que era, e Jimin se deixou levar. A necessidade de ajudá-la havia suplantado suas dúvidas e temores antes e, mesmo que isso pudesse ter se dado por causa da ligação que o Hagar da Confiança tinha com a divindade dele, ela ainda era uma garota entregue às lágrimas, uma ARMY. Estava ali por ela e para ela, especialmente agora que sabia estarem na mesma situação, ambos escolhidos para integrar as fileiras de Ak'Mainor-Menora.

— Ela ainda pode rejeitar Akasha yeonsin-nim, Hasa-yah? — indagou, vendo-a desabar numa das cadeiras da primeira fileira.

Ela nunca pôde, Jiminnie, disse o Hagar, sentando-se à direita de Marianne. Uma vez que um Fragmento é escolhido, seus portões do espírito se rompem, devido à densidade do poder de Sua Excelência. É como despertar ao contrário, não há dor. A Criança nem mesmo se dá conta de que não está só por algum tempo, esse é o caso da nossa pobre menininha chorosa. Akasha ainda dorme.

— "Pego em uma mentira..." — Marianne cantou com a voz quase sumida, estava toda dobrada sobre o banco, abraçando as pernas. — "Por favor, encontre o eu que era inocente..." — E recomeçou a chorar, um choro nervoso, apertando a boca contra as pernas para abafar os gemidos, e Jimin voltou a acarinhar os cabelos dela, perguntando agoniado ao Hagar da Carência:

— Temos mesmo que esperar pela peça? Não podemos ajudá-la agora?

Ai, Jiminnie! Eu estava torcendo para que ela tivesse se acalmado um pouco com a dança para agir só durante a encenação da peça, assim não teríamos de nos revelar. Mas, agora... Bem, não nos resta opção a não ser falar com ela. Me pergunto qual abordagem a assustará menos, sutileza também não é o meu forte...

Marianne murmurou entre soluços violentos:

— Alguém que pudesse me conceder esse desejo, alguém que estivesse aqui para mim... Como eu gostaria que fosse possível...

— Mas eu estou aqui! — Jimin saiu em protesto, a confusão de sentimentos a apertar seu peito vindo à tona com força total.

— Quem- quem está aí? — perguntou ela incerta e recolocou os óculos, esquadrinhando tudo ao redor com os olhos. Os cílios longos iam pintando as lentes com gotículas de lágrimas. Dooly tapou a boca com as mãos, apressado, seus olhos se tornaram enormes. — Quem disse isso?

Como?! Como ela me ouviu?!

Sentimentos e emoções são o que há de mais poderoso no universo, contou o Hagar da Confiança, mostrando que podia ler os pensamentos que direcionasse a ele, estrelas que habitam o coração de cada ser e fazem dele algo singular. Eu simulo muito bem, mas na realidade só possuo dois sentimentos, e minhas emoções se restringem ao domínio deles. Mas, você, Jiminnie... você brilha como um céu estrelado. Esse brilho sobrepujou meus Escudos e fez com que sua voz alcançasse Marianne. Bem, agora não adianta chorar sobre o leite derramado. Hasa deu de ombros e cantarolou, Ela está esperando uma resposta...

É melhor você responder. Posso acabar falando alguma besteira. Pensou Jimin, temia falar em voz alta de novo. Marianne podia muito bem reconhecer sua voz...

O ar tremulou a sua frente, e a cortina de toques se tornou visível. Hasa ergueu o braço e passou a correr a ponta do dedo indicador pelas tiras, em movimentos cursivos e bem de leve, só a camada mais superficial delas se rompia ao seu toque, desprendendo cacos tão pequenos que se assemelhavam a poeira estelar. O Hagar escrevia no ar, e Jimin enfim se deu conta de que estivera lidando com outra língua — o português — desde que pisara naquele lugar. Havia prestado tanta atenção ao conteúdo do roteiro, que ignorara totalmente a forma que o veiculava, as palavras de Marianne lhe soavam transparentes...

Marianne tirou os óculos para esfregar os olhos e voltou a colocá-los, estava boquiaberta. Palavras que pareciam talhadas em gelo surgiam, a flutuar, bem diante de seus olhos! Quando Hasa-Ithor se deu por satisfeito e baixou a mão, essa era a mensagem:

Alguém que está aqui para você e que pode fazer com que sua peça seja bem como você imaginou.

— Você é capaz disso? — O semblante de Marianne se iluminou, um sorriso se insinuou em seus lábios, porém logo se esvaeceu. — Eu... Eu não pude argumentar com eles quando me falaram das mudanças, só baixei a cabeça — desabafou ela com os ombros arriados. — Se você puder convencê-los-

Não é preciso convencê-los, farei acontecer. O Hagar escreveu em seguida. A peça que todos irão ver será a sua, não a deles.

— Mas, e a atuação?

Não se preocupe com isso. Todos verão aquilo que eu quiser que vejam.

— Não, não é isso que eu quero.

Não?

— Não — Marianne assegurou. — Todos trabalharam duro para estar aqui hoje. Por mais que não tenham considerado meu texto bom o bastante para ser encenado, nem minha coreografia boa o bastante para ser dançada, não acho justo o esforço deles ser jogado fora.

Justo? E quanto ao seu esforço? Eles o estão desperdiçando, não?

— E por isso posso dizer que dói, não desejo essa frustração para ninguém. Só... Só o que eu quero é que todos possam se entender. Se todos se entendessem, isso não estaria acontecendo. — Jimin ficou surpreso com o que escutou. Ela é tão gentil e compreensiva. Devia ser por isso que ela fora escolhida para abrigar o espírito de Akasha. — Pode me conceder o dom de entender e ser entendida? Esse é o meu verdadeiro desejo.

O meu também, Marianne. Hasa admitiu cabisbaixo depois de uma breve hesitação, e Jimin continuou mais desanimado ainda. Desculpe. Eu vim aqui querendo ajudar, mas no fim não posso fazer nada por você.

— Isso não é verdade. Você viu minha coreografia, senti seu olhar me observando... — Ela sabia o tempo todo que a gente estava aqui? Talvez não desse para enganar a percepção dos Fragmentos de Ak'Mainor, mesmo com os poderes deles estando adormecidos. — Sei que não sou uma dançarina competente, mas o que eu fiz deve ter bastado para você ter uma ideia de como poderia ter sido se dançada por alguém com talento. O que achou dela? Acha que... ela é complicada demais? E o meu texto? Acha que ficou... chato? Que valia mais a pena divertir o público do que incitá-lo a refletir?

Você quer... a minha opinião?! Foi Dooly a perguntar, pasmo.

— Você se manifestou quando eu disse que queria que alguém estivesse aqui para mim... — disse Marianne, aquela pequena menina doce, entrelaçando os dedos das mãos à frente do corpo. — Me desculpe se interpretei errado.

Não interpretou! Hasa assegurou, e Jimin completou. Só me espanta você estar tão calma numa situação dessas...

— Se você quisesse me fazer algum mal, já teria feito. Então, não tenho razão para ter medo, só para agradecer... por ter se importado comigo e por ter vindo até mim. Se você puder me dizer o que pensa, vai me ajudar muito a melhorar, bem mais do que ajudaria destacando meu trabalho ao excluir o dos outros — ela abriu um sorriso tímido —, e não vai precisar desperdiçar seu poder, só me ceder um pouco mais do seu tempo.

[NOTA: 1 - Yeonsin (여신) significa "deusa" em coreano. Vejam bem, Akasha não é uma divindade com sexo definido — afinal é um ser inteiramente espiritual (O mesmo vale para os Ak'hagar, ok? Por essa razão, o termo "gay" não se aplica ao comportamento de Hasa-Ithor). Jimin só escolheu tratá-la por "deusa" por causa de Marianne, assim como Hasa é tratado por "ele" por causa do próprio Jimin. Então, daqui por diante, a maioria das referências à Akasha serão no feminino, bem como às dos Ak'hagar são no masculino. Tudo por causa dos hospedeiros. Mas não estranhem se por acaso os gêneros aparecerem trocados em alguma ocasião, porque não faz diferença, ok?]

*     *     *

Guiado pelo dever

"Liberte-me desse inferno..."

Só perceberam que estavam papeando há quase duas horas quando as pessoas envolvidas nos trabalhos da peça começaram a retornar ao teatro. Ainda assim não interromperam o assunto, trocando a palavra falada e a escrita flutuante por papel e lápis. Em meio ao corre-corre, arruma daqui, arruma de lá, troca e retoca que se instalou por ali, ninguém perceberia um lápis se movendo sozinho...

Coisa de meia-hora depois, as portas foram abertas ao público. Distraídos um com o outro, nem perceberam que os assentos estavam sendo preenchidos depressa, e um senhor quase sentou em cima de Jimin — e Hasa —, que soltou um gritinho de desespero que mais parecia o miado de um gato escaldado. Foi por pouco! O moço se afastou com as grossas sobrancelhas franzidas, e Marianne caiu na gargalhada.

Duas horas, casa cheia. O narrador subiu ao palco para dar início à trama, mas não chegou a fazer nada, pois um grito cortou o ar, chamando a atenção de todos para as portas. Outros o seguiram.

Havia pessoas em pé ao longo das cadeiras próximas as portas, e mais gente ia entrando no teatro. Todos com um anormal tom esverdeado por sobre as cores naturais das peles. O curioso era que não estavam tentando achar lugares vagos, mas sim tirar as pessoas das cadeiras. Eram as últimas a gritar, pois não estavam apenas sendo arrancadas de seus assentos. Eram agredidas com arranhões, mordidas e murros e, em vez de revidar os ataques ou fugir, acabavam por se juntar aos agressores, indo contra o restante da plateia.

Não! Gemeu Hasa, se pondo de pé ao soar o primeiro grito, injuriado, e dando alguns passos em direção às saídas. Não, não, não, não!

— Não... — disse Jimin em voz alta, não querendo acreditar em seus olhos, nem no que seus instintos diziam. — Não me diga que são-?

— O quê? Eles são o quê? — quis saber Marianne, virando-se em direção a sua voz com olhos imensos, temerosos. O público corria aos tropeços e atropelos para o lado direito da sala (as portas desse lado estavam trancadas, por isso era o ponto mais distante da onda de violência), e a horda de agressores silenciosos os perseguia. Logo chegariam onde a garota e Hagar da Confiança estavam. — Por que estão atacando as pessoas?

Edoras'sedoni, respondeu Hasa apenas a Jimin — não havia tempo para explicações nem por que para assustar Marianne ainda mais — e bufou, estalando os dedos. As portas fecharam, lacradas por seu poder e estremeceram por um momento (eram os Filhos de Larhen que haviam ficado presos do lado de fora, tentando colocá-las abaixo), depois se tornaram borrões e desapareceram em meio à pretidão da parede. Logo agora que estávamos nos divertindo! Eles nunca, nunca, aparecem na hora certa!

Acha que estão atrás de nós? Perguntou Jimin, enquanto o Hagar lidava com os Espectros da Dádiva. Com os que estavam mais próximos às saídas, tanto dentro da sala quanto fora (estes se amontoavam junto às paredes, embatendo-se contra elas, em vez de procurar vítimas acessíveis, o que conferia sistematicidade àquele ataque; queriam algo — ou alguém — que estava no teatro), foi rápido, pois bastou separar a porção de espaço em que estavam do restante do ambiente, tornando-os incapazes de afetar o plano físico e restabelecer às portas ao seu estado natural (apesar de não poderem interagir com os Filhos de Menora, eles ainda podiam vê-los, e isso os atraiu todos para dentro do teatro, para longe do alcance de vistas curiosas). Mas com os que estavam misturados às pessoas foi outra história. Hasa-Ithor bagunçava os sentidos deles para impedir que tocassem nas Crianças, mesmo assim era um pandemônio. Um deslize, e gente inocente seria entregue de bandeja às garras famintas dos Edoras'sedoni. Dooly decidiu ajudá-lo. Podia ainda não entender muito bem como os poderes do Ak'hagar funcionavam, porém em matéria de foco era o mais capacitado dos dois.

São uns pobres coitados, não representam perigo algum para nós. Já para Marianne...

Foco, foco, foco! Dooly acompanhou as batidas do próprio coração disparado, para impedir que seu olhar se desviasse de sua melindrosa tarefa para buscar pela hospedeira de Akasha. Ela devia ter se juntado às pessoas do lado direito do teatro, não havia com que se preocupar...

— Você... Você ainda está aí?

Seus olhos quase saltaram das órbitas, era a voz de Marianne!

Não pôde se segurar mais e olhou para trás por cima do ombro. Ela ainda estava perto da cadeira em que a havia deixado, as mãos se apertando nervosamente junto ao peito, os olhos imensos cravados nos Edoras'sedoni mais próximos. Por Ak'Mainor, por Deus! Eles estavam muito perto! A menos de três metros dele, e a quase cinco dela. Não havia se preocupado com isso antes porque como hospedeiro do Hagar da Confiança era imune à praga, ela também devia ser, mas, diferente dele, não poderia lidar com aquelas coisas. Sairia machucada.

Jimin começou a recuar para junto de Marianne, esforçando-se para aprisionar a uma só vez na subdivisão dimensional os Edoras'sedoni que atingiam a marca de três metros de distância dela, sem se descuidar dos que iam contra as demais pessoas.

Esse ataque... Não foi coincidência. Estão atrás de Akasha, o que significa que também estão atrás de Akisha. Analisou Hasa-Ithor, visualizando o local que os ecos das ondas que cercavam a hospedeira do Corpo de Ak'Mainor haviam lhe revelado antes.

O espaço se rompeu como vidro logo a sua esquerda, e uma abertura mais ou menos de seu tamanho se abriu, um buraco de moldura pontiaguda. Do outro lado, muitos Filhos de Menora, dentre os quais vários jovens trajando uniformes azuis-escuros e brancos, corriam apavorados pelo que parecia uma quadra de esportes. Os Filhos de Larhen caíam em peso sobre eles, o silêncio de seus atos abafando os gritos de desespero de suas vítimas. Gio estava por lá. O Hagar da Confiança desconhecia a aparência dela, mas a voz lhe era inconfundível. Ela gritava com algumas meninas e as arrastava, tentando tirá-las do perigo. Atitude louvável e digna de Akisha, ainda que imprudente.

Mas mandar os Filhos de Larhen, mesmo com os Fragmentos sendo imunes a Edoras? O Hagar riu sem humor. Aposto que os Lirthua'shoa estão à espreita, só esperando a confirmação das identidades dos Fragmentos para agirem. Lutar contra os servos de Larhen em duas frentes de batalha, protegendo ambos os Fragmentos e as Crianças de Ak'Mainor... Hasa suspirou após sua breve ponderação, a próxima coisa que diria exigindo que pusesse parte de sua confiança de lado. Ai, Jiminnie... Até podemos tentar lidar com isso sozinhos, mas, como diria Berat, não é aconselhável, não se quisermos assegurar a segurança de todos.

Precisamos de ajuda, concluiu Jimin e inspirou fundo, pensando rapidamente no que faria e se dirigindo aos sussurros à Marianne (estava só a um palmo de distância dela agora):

— Estou aqui. — Para sua surpresa e alívio, sua voz soava tranquila. — Quem ordenou esse ataque está nos observando, então preciso que fique exatamente como está. — Ouviu o baixo ruído dela engolindo em seco, mas como ela não esboçou nenhuma outra reação ficou claro que ela tinha compreendido. — O que vai acontecer agora é um artifício meu, então não precisa ter medo, ok?

Logo que terminou de falar, o espaço ao redor deles se segmentou em incontáveis triângulos de aspecto vítreo, a iluminação do ambiente os atravessava, decompondo-se em vários espectros de cores, diminutos arco-íris se desfraldaram a volta deles.

— Estou aqui — repetiu, tateando o ar e esbarrando de leve no braço dela, pequenas mãos trêmulas agarraram a sua de imediato. Puxou-a para perto. — Me abrace — Hesitando, ela passou os braços em volta de sua cintura e encostou a cabeça em suas costas. — Não se assuste, ok? Não vou deixar que nada de mal aconteça a você, mas tem que confiar em mim e me prometer que vai ficar quietinha, não importa o que for, está bem?

Marianne concordou num "uhum" baixinho, apertando os braços ao seu redor. Nessa hora uma Filha de Larhen passou cambaleante por eles, literalmente por eles. Nada de estranho, pois estavam numa nova subdivisão do espaço, intangível ao plano físico. Mesmo assim, Marianne se sobressaltou, olhando para trás, seguindo a menina com os olhos. Foi aí que a viu: uma versão de si mesma, completamente idêntica, sendo derrubada no chão pela garota que a havia atravessado. A outra Marianne até tentou se defender das garras da agressora, porém, como ela, não era uma boa lutadora e estava apanhando feio. Inconscientemente, a verdadeira Marianne se retraiu e quase gritou, só não cedeu ao ímpeto de correr para ajudá-la — para si ajudar — por causa da voz de seu mais novo e improvável amigo:

— Está tudo bem, não é real. Não olhe, basta não olhar.

Marianne lhe deu ouvidos, fechando os olhos bem apertados e colando a bochecha molhada em suas costas bem a tempo de evitar a visão desagradável que era Edoras se apossando de uma pessoa. Ela perguntou:

— Por que isso tem que acontecer? O que é tudo isso?

— Não tenho como te explicar tudo agora, só que o alguém mal-intencionado que está observando esse espetáculo horroroso tem de achar que você é só mais uma pessoa dentre tantas.

— E eu não sou? — Ele não respondeu. A falsa Marianne havia acabado de se levantar e se juntado à marcha dos Filhos de Larhen, então a trancafiou com os demais Edoras'sedoni. — Quem é você?

Hasa-yah, será que não podemos mesmo levá-la com a gente até os outros?

Mesmo? Oh, você é tão instintivo, Jiminnie. Acho isso tão adorável! Hasa já estava se perdendo em apreciação, e se não fosse por Jimin, os últimos Edoras'sedoni desgarrados teriam conseguido seu intento. Aprisionou a todos na dobra espacial, só deixando restar os frutos da realidade distorcida que agora recobria o teatro. Aquela farsa não demoraria a ser descoberta, mas lhes renderia os instantes de que necessitavam. Mas não. Se os servos de Larhen-Edriza a encontraram aqui, quer dizer que perceberão se a levarmos. Isso colocaria as vidas das demais Crianças de Ak'Mainor que aqui estão em risco. A depender do Sho, ou Shoa, que os espreita, podem acabar sendo mortos em retaliação.

Mesmo angustiado e detestando a ideia de deixar Marianne sozinha, Dooly se deu por vencido e tocou as mãos dela, prestes a justificar sua retirada:

— Marianne-ssi...

— Eu ouvi. Você tem que ir.

— Como você-?! — Jimin se sobressaltou, assustado, mas suspirou, refreando as perguntas que explodiam em sua mente. Não havia tempo. — Vai ficar bem se ficar quietinha aqui. Eu não demoro, juro que não demoro.

— Eu acredito. — Marianne esboçou um pequeno sorriso, apesar das lágrimas e se desvencilhou dele. — Afinal, você é alguém que está aqui para mim.

Jimin não saberia explicar o quanto ouvir isso o deixou feliz.

As cortinas de toques surgiram a sua frente, e disparou por elas, sentindo que deixava um pedaço de seu coração sob a chuva de estilhaços.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro