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Capítulo III - Combate Sombrio

Berat-Enira, Hagar'miresa, Ak'houan-a-rae, Guardador dos Espíritos Condenados, Guardião das Chaves da Prisão de Carne, Mestre dos Selamentos.

Berat-Enira fechou seus olhos de contas de âmbar - preferiria permanecer nos braços da morte, apenas velando o sono dos servos de Larhen, a ser arrastado para outra guerra, forçado a ver esse mundo sangrar pela terceira vez. Não deixava de ser sua culpa. Se não os tivesse confinado nessa terra... - e ordenou no instante em que Vog, a meio caminho do palco, saltava por sobre si:

- Em guarda, Ak'hagar.

Os outros assentiram e se dispersaram para lidar com os Shoa de Larhen, Berat ficou onde estava. Normalmente, teria se encarregado primeiro de Oaber-Rune e de Zadha-Rine - o general dos Fazrat'shoa, que por sinal não estava presente; nem ele nem dois de seus comandados -, mas decidiu abrir uma exceção dessa vez. Era sabido que todos os Lirthua'shoa se ressentiam por tê-los banido para as entranhas da terra, entretanto para Vog-Xau, a antiga Força da Terra, isso fora mais do que uma derrota, fora um ataque ao seu orgulho. Devia lhe dar a chance de lavar sua honra, ainda que no fim tivesse de trancafiá-lo de novo.

Como gostaria de quebrar aquele ciclo de guerras, de fazer as Forças Antigas compreenderem seu propósito, de fazer tudo diferente... Como gostaria de poder, mas estava de mãos atadas, pois elas eram tão fiéis a Larhen-Edriza quanto os Hagar a Ak'Mainor-Menora. Não havia outro caminho, não havia esperança. Hope... Hum, não deixa de ser irônico...

- Love you so bad, love you so bad. - A voz de Park Jimin ecoou pelo ambiente. Hasa-Ithor amando a batalha, como sempre...

Vog-Xau alcançou Hagar'miresa.

O punho dele teria atingindo o rosto de seu hospedeiro em cheio se não desse um passo para o lado. O Sho da Terra passou como um raio a sua frente, mergulhando com tudo contra o chão envidraçado do palco, que cedeu, as barras de ferro se rompendo sob a pressão do golpe, deixando que o servo de Larhen escavasse uma passagem até o subsolo.

- Saiam todos daqui, agora! - ordenou En-Ephir, o comandante dos Hagar de Akisha, por cima dos gritos e brados de desespero da multidão.

Hagar'miresa permaneceu onde estava, equilibrado sobre uma das barras, até que o chão sob seus pés explodisse. Saltou, aproveitando-se do impulso da explosão e deu uma cambalhota no ar, pousando com perfeita precisão sobre outra barra.

- Hasa, as portas! - A voz de Qenía-Araso, um dos Hagar de Akisha, ecoou alarmada pelas paredes da arena. - Voltem todos, voltem para perto do fogo!

Por ter emergido do buraco com muita força, Vog chegaria ao teto da arena fácil e, a fim de se aproveitar disso, girou o corpo. Fez contato com o teto com os pés e o usou como um trampolim antes que a superfície se rompesse, disparando contra o adversário com a velocidade duplicada, no exato momento em que ele aterrissava.

Dessa vez, Berat não pôde se desviar com facilidade.

Lançou-se para fora do palco no último instante, pousando de cócoras no corredor improvisado, mais para o lado direito, onde ainda haviam várias Crianças de Ak'Mainor. Embora o ideal fosse se afastar delas, não teve chance. Vog-Xau estava em cima dele.

Saiu de um chute, girando sobre o próprio eixo enquanto materializava duas lâminas de diamante semelhantes a tonfas, uma rente ao seu antebraço e a outra em riste em sua mão. Aparou o golpe seguinte, a lâmina rompendo a pele do hospedeiro de Vog, reforçada pelo espírito dele, e se enterrando um centímetro na lateral da mão, e simultaneamente traçou um arco com a outra, fazendo um talho no peito dele.

Salvo um franzir da fronte, o Sho da Terra não pareceu incomodado. Era o esperado. Dentre os poderes dos servos de Larhen, os de Vog-Xau eram os que refletiam em maior resistência e força quando em possessão carnal. Se ele acertasse um único golpe, as coisas ficariam complicadas, talvez impossíveis, para seu lado.

Ele continuou atacando, fez o mesmo, mais três, quatro, cinco, seis, sete cortes. Vog não reagia aos ferimentos e parecia vir de todos os lados, restringindo o raio de ação de Berat. Agora que estavam tão próximos, não seria fácil afastá-lo, o corpo dele era uma arma. Um dos chutes do Sho raspou na bochecha direita de seu hospedeiro, e bastou para comprometer seu equilíbrio, ainda que por um ínfimo instante, pois estavam sobre o solo e para este ambos eram igualmente soberanos, não protegeria um mais do que ao outro.

Berat-Enira conseguiu se firmar, mas não a tempo de evitar a braçada que facilmente arrancaria sua cabeça. Bloqueou o ataque com as lâminas, e elas se estilhaçaram como se feitas do mais frágil vidro. A manga creme da camisa de Vog se rasgou em tiras, o antebraço dele ficou esfolado, mas ainda assim ele não parou. Os dois passos de distância que o tranco havia dado ao Senhor dos Hagar se perderam num piscar de olhos, cortados por duas bombas que varariam seu torso e o pregariam ao pavimento.

Revestiu as palmas das mãos com q-carbono para impedir que se rompessem e segurou os punhos dele. Após um diminuto silêncio, Vog-Xau gargalhou e disse:

- Não pode ganhar uma disputa de força contra mim, Berat-Enira! - Ele não estava sendo leviano. Usava toda a sua força, mesmo assim não conseguia manter posição; seus pés deslizavam pelo chão, cavando trilhas de impotência. Os ferimentos do Sho estavam se curando. - Eu tencionava matá-lo, ver a vida abandonar seus olhos de pedra, mas isso só o afastaria por algum tempo. Não, não farei isso. Irei partir esse recipiente ao meio e o levarei para Sua Excelência. O general de Ak'Mainor destroçado aos pés do Ente Criador... Será um presente apropriado depois do longo tempo de espera naquela realidade de solidão a que os ardis de vocês o lançaram.

Dito isto, ele o forçou mais, para trás, para baixo, sem fazer com que saísse do lugar. Mesmo com seu poder, aquele corpo não iria suportar tanta tensão por mais do que dois segundos. Seus músculos gritavam, iria perder os braços. Sentiu uma pontada na cabeça, esse era o limite.

Fake love, fake love, cantava a ausência dos gritos no silêncio.

O Sho da Terra finalmente deixou escapar um brado de dor. O corpo dele estava cravejado de pedaços de metal, restos das barras que sustentavam o palco. Ak'houan-a-rae fez brotar estacas de q-carbono de suas palmas abertas, enterrando-as nos punhos de Vog até que alcançassem as bases dos pulsos e se afastou dele. Neol wihaeseoramyeon nan / Por você, eu seria capaz de fingir... Mais um brado de dor, mas ainda assim ele tentou golpeá-lo. Então, fez com que os restos das barras de metal se fechassem sobre ele e convocou também os suportes das paredes do palco, envolvendo-o com eles, apertado o bastante para que não conseguisse mover um dedo. ...seulpeodo gippeun cheok hal suga isseosseo / ...estar feliz mesmo estando triste. Apenas a cabeça dele, ainda coberta pelo capuz, ficou livre a esbravejar injúrias.

Neol wihaeseoramyeon nan / Por você, eu seria capaz de fingir...

- Não, é certo que não posso derrotá-lo numa disputa de força. Mas não sou um dos sete guardiões de Ak'Mainor-Menora por causa de minha força. - Hagar'miresa sentiu mais uma pontada na cabeça e segurou um suspiro. ...Apado ganghan cheok hal suga isseosseo / ...ser forte mesmo estando machucado. - Agora retornará para o lugar de onde não deveria ter saído...

- Não! Não vou retornar para o post mortem! Não! - Vog-Xau se debatia, tentando se libertar. Porém, era inútil. Aqueles pedaços de sucata não eram os únicos a mantê-lo atado, a própria vida de seu hospedeiro se fazia em grilhões nas mãos do Senhor dos Hagar.

Mais uma pontada. Como gostaria de poder terminar o assunto com os Lirthua'shoa ali, e sem nenhuma baixa dentre os Filhos de Menora. Como gostaria de poder, mas não havia como, era o limite, e mesmo que não fosse, mesmo que houvesse um caminho que terminasse ali, ainda haveria aqueles que não poderia salvar. Sarangi sarangmaneuro wanbyeokhagil / Eu queria que o amor fosse perfeito por si só... Não havia esperança. Hope... É, sem sombra de dúvida, irônico, mestre Menora. Continuava com o que dizia, ignorando os protestos enérgicos de Vog-Xau, assim como às suas frustrações pessoais, e voltando a se aproximar dele:

- ...Se não puder enxergar a verdadeira natureza de Larhen-Edriza, que ao menos tenha um sono tranquilo-

- O deles não será tranquilo! - Dessa vez, Vog conseguiu fazer com que Berat se detivesse. Outra pontada, e Hagar'miresa cobriu o olho direito, que brilhava em pérola-dourado, com a mão. ...Nae modeun yakjeomdeureun da sumgyeojigil / Queria que todas minhas fraquezas pudessem ser escondidas. - Leviath!

Caído sobre o palco de premiações, estava Pityu-Leviath, o Sho da Luz. O corpo dele estava bastante machucado, especialmente da cintura para baixo e nas costas. Não poderia sair dali, e não precisava fazê-lo para atender o pedido do companheiro. Ao chamado dele, focou seu olhar aceso em branco nas Crianças que ainda se espremiam perto da face direita do campo vazio diante do palco.

Irweojiji anneun kkumsogeseo / Eu plantei uma flor que não pode florescer...

Uma nova pontada. Os dois, ainda podia banir aqueles dois ali e agora. Dois de treze passos rumo à restauração do caos pacífico.

Piul su eomneun / Em um sonho...

Dois feixes luminosos saíram dos olhos de Pityu. A maioria dos seres costumava achar a luz linda, por vezes se esquecendo que sob a beleza está oculta a brevidade de um instante que é só brilho e que ofusca tudo. E outra pontada, era o limite.

...kkocheul kiweosseo / ...que não pode se tornar real.

* * *

Asha-Maiura, comandante dos Hagar de Akasha, Hagar da Sinceridade e da Coragem, Yaser'kyfieh

Asha-Maiura considerava um grande desperdício de tempo ouvir as balelas de quem há muito havia aberto mão da capacidade de pensar por si mesmo, e só se contivera até o momento por respeito ao seu general, coisa que aquele Edor'sho, Vog-Xau, não parecia ter nem um pouco. Então, assim que Berat-Enira deu o aval para que agissem, disparou uma das esferas de energia chamejante a queimar em suas mãos contra ele e a outra contra a barreira do Senhor dos Edoras, já descendo do palco.

Os Filhos de Menora que enchiam aquele lugar entraram em pânico.

Simultaneamente à fala de Ak'houan-a-rae, Oaber-Rune, que ainda tinha os dedos entrelaçados rente ao peito, separou as mãos, e a insólita barreira se desfez de imediato, deixando seu grupo indefeso perante o golpe de Asha-Maiura. Filetes e gotas d'água pairaram pelo ar, como se não houvesse gravidade, por um instante libertas do domínio do tempo.

Aquele foi o sinal que marcava o fim das ações conjuntas dos Lirthua'shoa.

À dispersão dos Shoa - e dos Ak'hagar que vinham sobre eles -, e ignorando sua iminente derrota, Oaber-Rune apontou para a esfera que derrubaria Vog-Xau, e as águas se moldaram numa gigantesca flecha líquida, que partiu veloz e certeira contra o ataque do comandante dos Hagar de Akasha. Ao menor contato, os elementos se anularam, e apenas vapor quente bafejou o corpo de Xau antes que este alcançasse o palco. Oaber-Rune também escapou ileso das chamas de Asha, pois Redish-Eo, o Sho da Geada, as interceptou com uma rajada de ar gélido.

Enquanto isso, chamas pululavam pelo recinto, seus braços afoitos indo de encontro à multidão e se chocando contra uma barreira de vácuo.

- Saiam todos daqui, agora! - Os Filhos de Menora não pensaram duas vezes ao seguir a ordem do comandante dos Hagar de Akisha. Mesmo sem entender o que se passava ali, mais valia confiar na face de RM do que permanecer na mira daqueles loucos de capuz e capa.

Com o Senhor dos Hagar ocupado com o Sho da Terra e En-Ephir focado em manter os Filhos de Menora a salvo das chamas de Yazi-Larale, lidar com o Senhor dos Edoras - e, por consequência, com Redish-Eo, já que o Fazr'sho permanecia junto a ele - seria dever de Asha-Maiura. Mas, ele ia sem pressa, pois, apesar de ser um ente de ações enérgicas, o era quando necessário. Essa era uma característica que compartilhava com seu hospedeiro. E, como no momento seu único objetivo era conter os Shoa, não precisava correr.

Conter, sim, porque embora as Forças Antigas fossem inimigas dos Ak'hagar, Berat jamais admitiria que as destruíssem, dada à importância que tinham como mantenedoras da vida primeva desse universo. Não era sabido se seguiam sendo necessárias ao cosmo, por isso Berat preferia selá-las a arriscar comprometer a segurança dos Filhos de Menora e o Selo da Gaiola de Larhen.

Asha-Maiura caminhava calmamente sob a torrente de estacas e flechas de gelo que Oaber-Rune e Redish-Eo faziam chover sobre ele; estas sublimadas pela nuvem de calor a emanar de seu corpo.

- Love you so mad, love you so mad - cantava Hasa-Ithor, displicentemente.

A praga das pragas, a morte em vida, Edoras, liberada pelo Edor'sho do Vento, Gama-Tash, arrebatou em seus braços todos que estavam nas proximidades dos acessos da arena, espraiando-se para os que acorriam à saída ao passo que desembestava para as portas, sedenta de conceder a dádiva de seu beijo ao mundo.

- Hasa, as portas! - gritou Qenía-Araso, dividido entre reter Gama-Tash, rendido de joelhos sob uma chuva ondulante de luz, e ofuscar a visão dos seres tocados pela praga. Hasa-Ithor, que segurava um dos Shoa pelo colarinho e outro pelo pescoço, impeliu os dois para dentro de dobras no espaço, indo atender o pedido de Qenía sem interromper seu canto. - Voltem todos, voltem para perto do fogo! - Aqueles que não tinham sido infectados, terrificados com o que viam, seguiram o comando de Kim Seokjin como ovelhas seguem a voz do pastor. Ao se aproximarem das zonas de vácuo, que mantinham os focos incendiários barrados, En-Ephir ergueu um paredão de ar entre os Filhos de Menora e os recém-nascidos Filhos de Larhen. Uma leve brisa para seus protegidos, o bafo de um furacão para os que se perderam.

Para evitar que o comandante dos Hagar de Akasha se aproximasse mais, o general dos Edoras'shoa abriu mão das setas, liberando um jorro d'água contra ele. A água não chegou a atingi-lo, a temperatura daquele escudo de calor era muito elevada, mas o cercou de névoa de vapor, obstruindo a visão dele. Desse modo, não poderia impedir sua próxima manobra. Então, lançou lâminas d'água em forma de shurikens para decapitar o hospedeiro do comandante dos Hagar de Akisha, Kim Namjoon. Isso liberaria Edoras dentro da arena.

Também sem interromper o ataque a Maiura, o Fazr'sho da Geada se aproveitou da brecha aberta por Oaber para espalmar a mão no chão. Uma trilha de cristais enregelados partiu dela, alastrando-se rapidamente. Visava os pés de Hasa-Ithor, que distorcia o espaço, encerrando a arena num plano alternativo e impedindo, assim, que qualquer coisa pudesse entrar ou sair dali. Se Park Jimin, o hospedeiro do Hagar da Confiança, virasse uma estátua de gelo e se espatifasse em mil pedaços, os Filhos de Larhen ficariam livres para levar Edoras aos amaldiçoados que infestavam essas terras.

- Love you so mad, love you so mad - Hasa cantava, alheio ao perigo que corria. Asha bufou, estorvado, e parou ao ter sua barreira atingida por aquele montante de água e pingentes gélidos. Há quantos éons se embatia contra os Lirthua'shoa? Trocentos? Como podiam aqueles dois seguirem tão ignorantes quanto às suas habilidades?

Não preciso da visão para lutar, especialmente nesse universo frio, pensou, materializando dardos flamejantes e os atirou para além da névoa. A qualquer um pareceria que estava atirando às cegas, mas na verdade seguia os rastros de calor dos ataques lançados contra En, inferiores à temperatura ambiente. Os dardos interceptaram todos com precisão. Ao mesmo tempo, cedeu calor ao chão, transformando uma porção dele em um tapete fumegante que se desenrolou até o fim da área central da arena. A trilha enregelada do Fazr'sho da Geada morreu ao topar com ele.

"I'm so sick of this". Asha-Maiura intensificou a nuvem de calor ao seu redor até o nível plasmático, desintegrando a névoa de vapor superaquecido que o rodeava, e a expandiu, encerrando os Shoa da Água e da Geada e a si mesmo numa gaiola escaldante. Mesmo com a proteção que seu espírito conferia àquele corpo, sentiu vertigem e uma imediata pontada na cabeça.

Esse é o mais longe que vou chegar sem ajuda, concluiu, vendo o general dos Edoras'shoa tombar de joelhos, mesmo sob a influência dos poderes de Redish-Eo; a água da barreira que ele tentara erguer fumegava pelo piso, correndo ao ponto de ebulição. Os jatos congelantes que o Fazr'sho disparava em sua direção evaporavam antes de cobrir metade da distância. Como essas novas Crianças de Menora são problemáticas... Outra pontada, a vertigem piorou. Mesmo sendo Yaser'kyfieh, o Criador de Sóis, não teve escolha a não ser reduzir a temperatura das descargas plasmáticas que os rondavam, do contrário passaria a açúcar queimado. "I'm so sorry, but it's fake love".

O comandante dos Hagar de Akasha cuspiu sangue, seus olhos cresceram. Uma pontada. Tinha múltiplas agulhas de gelo cravadas no abdômen de seu hospedeiro; um artifício conjunto dos Shoa da Água e da Geada.

A tentativa falha do Senhor dos Edoras de materializar uma barreira era apenas uma desculpa para entapetar o chão com seu elemento. Havia percebido que a gaiola de plasma afetava Asha, e, apostando que ele baixaria a guarda ao vê-lo debilitado, o que de fato estava, resolveu arriscar seu recipiente para criar aquela abertura para Eo.

O Fazr'sho da Geada se permitiu sorrir ao vislumbrar a cor rufa de seu sucesso, mas não viu a expressão de sofrimento que esperava no rosto do serviçal de Ak'Mainor; esse apenas endureceu ainda mais seu semblante já sério. Necessário, Asha-Maiura era de ações enérgicas só quando necessário. Uma nova pontada, não poderia usar a Ressurreição no nível em que estava. Era o limite.

Neol wihaeseoramyeon nan / Por você, eu seria capaz de fingir

Seulpeodo gippeun cheok hal suga isseosseo / Estar feliz mesmo estando triste

O comandante dos Hagar de Akasha arremessou uma muralha de dardos chamejantes contra os adversários. Redish-Eo se pôs na frente do general dos Edoras - que ainda se achava prostrado -, refreando a ação das chamas com seu frio, mas não conseguiu vetar todos os disparos. Uma boa quantidade de chamas o dardejou, queimando suas roupas e flambando parte de seus braços e tronco.

Ele não percebeu a aproximação do inimigo até levar uma cotovelada na volta do pescoço e ser lançado ao ar inconsciente. As mãos de Maiura ardiam em chamas a poucos centímetros do rosto de Oaber-Rune, totalmente exposto desde que ele jogara a cabeça para trás há alguns instantes em busca de ar.

Neol wihaeseoramyeon nan / Por você, eu seria capaz de fingir...

- Se vai fazer isso, faça logo - o Edor'sho da Água o aconselhou. Os olhos dele, dois lagos de obscuras ondas, refletiam o fulgor do fogo. - Antes que Berat-Enira apareça para segurar sua mão.

- Você adoraria, não é?

...apado ganghan cheok / ser forte mesmo...

- Se tiver que retornar às portas da morte, melhor que seja para atravessá-las de vez. - ...hal suga isseosseo / ...estando machucado. Ele deu de ombros. - Ak'houan-a-rae não nos deixa viver nem nos deixa morrer. - Sarangi sarangmaneuro wanbyeokhagil / Eu queria que o amor fosse perfeito por si só... - A benevolência dele é o pior dos insultos, bem como o é a clausura a que sua divindade impõe à Sua Excelência. - Nae modeun yakjeomdeureun da sumgyeojigil / Queria que todas minhas fraquezas pudessem ser escondidas. - Claro que eu preferiria liquidá-lo - Irweojiji anneun kkumsogeseo / Eu plantei uma flor que não pode florescer... - a ser liquidado, mas... Sei que me entende. - ...Piul su eomneun kkocheul kiweosseo / Em um sonho que não pode se tornar real. Asha sentiu algo emergir do âmago de seu espírito. Era só sensação, terrível e esmagadora sensação, e era pior, deveras pior que a dor e o receio de seus ferimentos. Mais uma pontada. - Ou talvez seja só mais um dos tolos.

Oaber-Rune sorria.

Maiura dispersou suas chamas, socou a cara do Senhor dos Edoras, agarrou-o pelos cabelos, a Redish-Eo pelo tornozelo, e correu.

* * *

En-Ephir, comandante dos Hagar de Akisha, Hagar da Temperança e da Sabedoria, Arviehe'prabath.

- Em guarda, Ak'hagar.

Quando Berat-Enira deu voz de comando, En-Ephir não pensou duas vezes contra quem embater: Yazi-Larale, o Edor'sho do Fogo. Assim que deixou a barreira, o Sho liberou suas chamas contaminadas com a praga da morte em vida contra a plateia. Ele pretendia transformar todos aqueles quase dezessete mil Filhos de Menora em Edoras'sedoni, Espectros da Dávida, escravos do Cosmo e propagadores da Ordem de Larhen. O Hagar da Temperança não iria permitir que semelhante injustiça acontecesse bem diante de seus olhos.

- Love you so bad, love you so bad. - A voz de Hasa-Ithor se sobressaía à algazarra de sons que infestava o ambiente. Como sempre, nada abalava a confiança dele.

En-Ephir levitou para longe do palco, de encontro a Larale, atingindo-o com um tornado e erguendo uma parede de vácuo, bem a tempo de impedir que as labaredas absorvessem as primeiras vítimas.

- Saiam todos daqui, agora! - O comandante dos Hagar de Akisha abriu as portas da arena com lufadas de vento, intensificando as correntes de ar para guiar as jovens Crianças de Ak'Mainor rumo à saída. Um pilar de fogo, nascido do tornado que mandara contra Yazi, veio até ele, mas pouco se importou, não passaria pela zona de vácuo que mantinha a seu redor.

Antes que a defesa de En fosse atingida, Qenía-Araso fez um feixe de luz incidir contra o pilar, e o Edor'sho do Fogo foi expelido dentre as chamas, sendo lançado a vários metros, quase perpassando o paredão de vácuo à direita da arena e acertando um grupo retardatário de Filhos de Menora. Se ele passasse, não teriam adiantado de nada protegê-los até então. Sob a influência do comandante dos Hagar de Akisha, a camada de ar que acompanhava a face interna do paredão, voltada para o centro da arena, se agitou em fúria. Um chicote de vento açoitou violentamente o corpo de Yazi, impelindo-o de volta ao coração da seção central. O Sho teria sido feito em pedaços se não disparasse jatos de fogo contra o piso para diminuir sua velocidade.

- Love you so mad, love you so mad - Hasa seguia cantando, empolgado.

Ephir sentiu uma ventania hostil expulsar suas lufas de vento, a indicar as portas para que os Filhos de Menora pudessem escapar, girando em redemoinhos nauseantes. Soube que era ela, Edoras, antes que Araso gritasse:

- Hasa, as portas! - En, não podemos permitir que mais Crianças se transformem em Edoras'sedoni, a voz do Hagar do Amor falou direto na mente de seu comandante, as mandarei de volta a você. Proteja-as, por favor. - Voltem todos, voltem para perto do fogo!

As Crianças de Ak'Mainor recuaram acuadas o máximo que podiam, o mais rápido que podiam, e En ergueu um novo paredão, separando-as das infelizes que haviam sido corrompidas pela praga das pragas. Criou também uma camada de ar acima dos dois paredões, isolando os jovens Filhos de Menora, para evitar possíveis novos ataques dos Edoras'shoa, salvos os de Natrahe-Tacathie, o Sho do Atalho, porém Hasa-Ithor parecia tê-lo contido.

- Nal jiweo neoye inhyeongi doeryeo hae - Hasa cantava.

O Hagar da Temperança se colocou acima do tampão de vento e duas rajadas flamejantes vieram sem demora tentar derrubá-lo. Neutralizou-as, e a todas que as seguiram, ao acabar com o oxigênio que as alimentava. O Edor'sho do Fogo tentou ascender às alturas e teve todas as tentativas frustradas por suas chibatas e torvelinhos, ele tentou recuar para juntos dos companheiros e se viu mais uma vez impedido por seus ventos. En-Ephir o tinha onde queria e ali ele iria permanecer até que retornasse ao selo às portas da morte. Até que o próprio En pudesse voltar a dormir. Simples assim. Essa era a vontade de Akisha, e, se não se encontrassem, a teria cumprido com perfeição.

Neol wihaeseoramyeon nan

Seulpeodo gippeun cheok hal suga isseosseo

Ali do alto de sua vigília, a repelir os golpes de Larale e a mantê-lo sob o controle de seu poder, o comandante dos Hagar de Akisha se permitiu sondar os Filhos de Menora a estremecerem sob os pés suspensos de seu hospedeiro, apavorados, a cada ataque visível e som estridente que ultrapassava às barreiras de vento. Não tentavam fugir. Era a primeira vez que tinha contato com aquelas criaturas e as achou lamentavelmente frágeis, ainda que curiosamente intrigantes.

Arviehe'prabath - o Escriba Cósmico - gostaria de saber mais sobre elas, o desejo pelo saber era sua segunda natureza, pois saber o tornava melhor, mas não havia tempo, nada além daquele instante obtido às custas das flamas rancorosas de Yazi Larale, seu dever, o dever que Akisha lhe legara, vinha primeiro.

Neol wihaeseoramyeon nan

Apado ganghan cheok hal suga isseosseo

Por exemplo, o porquê de muitas delas possuírem fragmentos das almas de seus hospedeiros incrustradas nelas. O motivo de se abraçarem umas às outras em vez de ficarem sós, quando isso de nada serviria para resguardá-las da praga das pragas. A razão de olharem para cima como se esperassem que lhes disse mais alguma coisa. O que poderia ser? Apesar de ser servo do poder que concedera a capacidade da comunicação aos entes daquele universo, não tinha certeza. A causa de seu hospedeiro ter se fechado à sua presença em vez de aceitá-la, nem mesmo isso compreendia. Alguém dado ao conhecimento como ele não devia se fechar ao desconhecido, mas desbravá-lo atrás de respostas. Aquelas não eram as Crianças de Ak'Mainor mais evoluídas daquele mundo, entretanto eram as com maior acúmulo de sentimentos. Confusas, eram confusas.

Sarangi sarangmaneuro wanbyeokhagil... Berat-Enira estava prestes a selar Vog-Xau, agora não demoraria muito para que aquela batalha chegasse ao fim. Nesse ritmo, conseguiremos impedir que o Portal se abra. Não chegaremos a estar na presença dos Fragmentos de Ak'Mainor...

Mais e mais delas foram percebendo que as observava, e agora todas o encaravam de volta, todas a esperar que dissesse algo, mas o quê? Ephir se perguntou o que Qenía, Khro e Berat diriam, já que eram os Hagar agraciados com sentimentos empáticos, e disse:

- Não precisam temer, vai acabar logo. Estão seguros.

Nae modeun yakjeomdeureun da sumgyeojigil.

- Vocês também? - Alguma das Crianças indagou, e En-Ephir levou um centésimo de piscar de olhos para entender que ela se referia ao seu hospedeiro e aos dos demais Hagar.

Irweojiji anneun kkumsogeseo...

Os Ak'hagar eram as sentinelas encarregadas de lidar com os Lirthua'shoa. Logo, se eles estivessem inativos, não haveria razão alguma para que caminhassem entre os vivos. Não haveria. Bem, aquelas Crianças não os haviam aceitado. Desde que o último portão do espírito delas permanecesse lacrado...

Piul su eomneun kkocheul kiweosseo.

Sentiu uma pontada na cabeça. Seu espírito estremecera e com tanta força que provocou o rompimento do primeiro portão, porém isso era o de menos. Desde que o último portão do espírito permanecesse lacrado...

Ergueu Yazi-Larale do chão e o lançou com tudo contra a parede ao fundo do palco, retornando para lá sem demora, deixando aquela pergunta suspensa no ar. Agora conseguia compreender um pouco melhor aqueles seres, e lamentava. Mais uma pontada.

Era o limite.

* * *

Qenía-Araso, um dos Hagar de Akisha, Hagar do Amor e do Altruísmo, Menora'orphia

Admirava o caráter persistente de Hagar'miresa, embora também sentisse pena dele. Sempre estar disposto ao diálogo, sempre acreditar que a mudança é possível, sempre esperar que dias melhores virão... Era isso que significava ter a esperança por Escudo, e era por isso que Berat sempre sofria, por causa desse ciclo de batalhas que se repete e se repete desde que se iniciou há muitos éons, quando o espaço e o tempo ainda eram jovens.

Dessa vez não seria diferente, tinha plena consciência disso, pois os Lirthua'shoa lhe eram como livros abertos. Os pensamentos - eles seguiam obstinados, como sempre -, as intenções - e não iriam parar até retornar tudo ao silêncio -, tudo estava claro aos seus olhos. Tudo sempre era claro aos seus olhos, até mesmo Berat, que apesar de se mostrar firme por fora, tentava com todas as forças em seu âmago aceitar que as coisas eram como eram, para se livrar do nó que lhe fechava a garganta, quase o sufocando.

O Escudo dele havia se tornado um fardo através das Eras.

Tudo que podiam fazer por ele, tudo o que podia fazer era ajudá-lo a terminar com aquilo o quanto antes. Ocupou seu lugar à direita de En, e esperaram pelos Lirthua'shoa que vinham todos juntos por um dos acessos à esquerda da secção central da arena.

Mas o que eram aqueles pensamentos? Jin não sabia. Ainda estava atordoado demais com as fortes dores que havia sentido na cabeça e no peito ainda há pouco, no exato momento que se convenceu de que não deviam prosseguir com aquele fiasco. Parecia até que tinham acertado seu crânio com uma faca de churrasco, uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes, e espremido seu coração com dedos de ferro. Pensou que fosse morrer...

- Dando início às conversações... Típico de você, Maiura. - Essas palavras chamaram a atenção do idol para o que acontecia ao seu redor. Quem eram aquelas pessoas encapuzadas? Quem era Maiura? Aquilo era uma parede feita de água?!

- Hum. Como se vocês estivessem interessados em conversar. - Yoongi-ssi, conhece essas pessoas? Jin queria perguntar, mas sua voz não saía, sua boca não se movia. Suga segurava mesmo bolas de fogo sem se queimar?! Nada se encaixava com a realidade, com certeza estava sonhando, só não conseguia acordar.

- Não nos precipitemos, Asha. Muito sangue já foi derramado através dos éons por causa de nossa contenda. Ouviremos, se quiserem falar. - O que tinha acontecido com os olhos de J-Hope? Se aquilo eram lentes, eram as mais bizarras e realistas que já vira. Mas quando ele as colocara? Aliás, do que é que ele estava falando, afinal?!

- Só uma coisa deve ser dita aqui, Ak'houan-a-rae: faremos com que pague muito caro por ter se atrevido a nos afastar de Sua Excelência e de nosso dever por tanto tempo - falou o mesmo encapuzado de antes, o mais à frente do grupo de estranhos.

- Faremos, não. Farei. Encontrará seu fim por minhas mãos, Berat-Enira! - Um deles empurrou os companheiros e veio como um doido em direção ao palco, destruindo o chão enquanto corria, como se pesasse toneladas!

- Em guarda, Ak'hagar - disse J-Hope, e o corpo de Jin se moveu contra a vontade dele, abandonando o palco. Todos os seus amigos haviam feito o mesmo, indo até aqueles desconhecidos, e uma luta impossível (uma luta!), com manifestações da natureza voando para todos os lados em câmera lenta (era o único a não se mover em câmera lenta), explodiu a sua volta. Ele gritou mentalmente, não entendia o que se passava, não entendia porque seu corpo não o obedecia. Foi nessa hora que algo muito esquisito, mais esquisito do que tudo que se dera até ali, aconteceu.

Acalme-se, Seokjin. Uma voz que Jin mais sentiu do que ouviu lhe falou. Ela rondava sua mente, ele podia senti-la com mais clareza do que a seus próprios pensamentos.

Que- quem é você? Seu corpo começou a brilhar, como se agora corresse luz-líquida por suas veias em vez de sangue e, num passe de mágica, estava em um dos acessos que levavam às saídas da arena, diante de um dos estranhos de capuz que, de alguma forma, Jin sabia se chamar Gama-Tash, o Edor'sho do Vento. Seja lá o que isso quisesse dizer. Eram os mais afastados do palco. As pessoas que estavam por ali gritaram ao vê-lo surgir do nada, brilhando feito um vaga-lume. O que é você?!

Meu nome é Qenía-Araso. Respondeu a estranha voz-sensação dentro da cabeça de Jin, enquanto espirais que pareciam fumaça de gelo luminescente eram expelidas de suas mãos e de seus braços. Teria arregalado os olhos se pudesse. Ondas marrons-oliváceas repletas de partículas negras emergiam do corpo do homem de capa branca, Gama-Tash, devagar, muito devagar, tudo voltara a se mover em câmera lenta. Sou um Ak'hagar. Antes que Jin dissesse, ou melhor, pensasse que aquilo não lhe dizia absolutamente nada, a voz voltou a se pronunciar. Há muito para explicar e não dispomos de tempo agora. Basta que entenda que nós, os servos de Ak'Mainor-Menora, defendemos a vida. Não permitiremos que nenhum mal incorra sobre você ou sobre os demais Filhos de Menora.

A névoa de espirais luminescente os envolveu, a ele e ao encapuzado, e o tempo voltou a correr normalmente. As obscuras ondas irromperam do corpo de Gama-Tash em um jorro violento e arremeteram contra todos que estavam por perto, incluindo o próprio Jin. Ele quis gritar e correr o mais depressa para longe daquilo. Podia não saber o que era, mas nem precisava. Aquela aparência de bruma lodacenta bastava para esclarecer que coisa boa não era. Mas seus pés não se moveram um centímetro, sua boca permaneceu fechada e sua garganta muda.

Vamos fugir, por favor, me deixe fugir!

Acalme-se, Seokjin. Não precisamos fugir. Veja.

As ondas que avançavam para as pessoas da plateia se dispersavam em pleno ar ao se chocarem com as espirais luminescentes, o mesmo acontecia com as que o atingiam. Era como se a luz na névoa, a mesma a correr em suas veias, fosse um poderoso solvente.

- Menora'orphia - Gama-Tash chiou entre dentes, o que Jin estranhamente entendeu como "Profanação de Menora". Porém, não chegou a se ater a isso. Estava ocupado demais desejando poder sair correndo em disparada dali por conta das lâminas de vento que partiam em sua direção devagar.

Não, não eram elas que vinham devagar, era sua mente a processar tudo rápido demais. Não que se dar conta disso fosse tranquilizador. Aigoo, o que estava acontecendo? Outra vez, o Ak'hagar Qenía-Araso não recuou, ora bloqueando, ora partindo as lâminas de vento com os anéis de ondas que pulsavam de suas palmas abertas. Nenhuma rebarba de vento atingiu o corpo de Jin, tampouco ultrapassou a névoa luminescente, mesmo assim não pôde deixar de estremecer em seu íntimo, desejando se esconder nos próprios ossos, a cada novo ataque. Ninguém, não ouvia ninguém. Assim como aquela névoa de luz não deixava nada sair, também não deixava entrar. Estava só.

Um sonho, isso tem de ser um sonho.

Não é, Seokjin. Sei que está assustado, mas confie, Criança, está seguro comigo.

Não, isso não pode ser real. Tem que ter sido a Fanta, estou sob o efeito de alucinógenos!

O que é Fanta? Ah, sim...

Por que entrou em mim? O que quer de mim?

Explicarei tudo a você depois, prometo.

Por favor, vá embora! Me deixe em paz! Ah!

Fique calmo, eu peço. Eu o manterei vivo.

Quem são vocês? Quem são eles? O que eles querem? Por que estão tentando me matar e matar meus amigos?!

Porque é isso que os Lirthua'shoa fazem. É assim que eles escolhem ser, apesar das diversas chances que Berat já lhes concedeu. Pensar sobre isso agora não irá ajudar em nada, Seokjin. Aumente sua calma e deixe tudo em minhas mãos.

O duelo com Gama-Tash não durava há muito tempo. "Love you so bad, love you so bad. Neol wihae yeppeun geojiseul." Este era o tempo transcorrido desde que surgiram diante dele, e mesmo assim parecia uma eternidade desesperadora para Jin. Queria acordar daquele pesadelo, queria se ver livre daquele Escudo... Hagar. Escudo de Ak, era isso que "Ak'hagar" significava. Mas de que isso importava? Queria se ver livre dele, queria, até aquele sentimento invadir seu peito. Não era mais o medo do perigo, pressentia perigo. Ambos pressentiam.

- En.

- Namjoon-ssi.

E outra vez tudo desacelerou, o som que não ouvia era feito de uma única nota a perdurar. As lâminas de vento de Gama-Tash pareciam paradas, suspensas no ar como enfeites de papel atados por linhas de nylon.

Jin avistou RM no alto, pouco abaixo do teto da arena. Mesmo de longe, conseguia ver os olhos dele com clareza: um casal de ciclones cinzentos. A expressão séria não dizia nada... Se perguntou se a sua também não dizia, se seus olhos também pareciam feitos de fragmentos de sonhos. Ele também estava lutando, ou melhor, En-Ephir, o comandante dos Hagar de Akisha, lutava. Seu adversário era Yazi-Larale, o Edor'sho do Fogo.

Embora o vento soprasse forte ao redor dele, mantinha posição estável dentro de sua redoma: uma parede de vácuo que as chamas não podiam vencer, dando-lhe liberdade para guiar as pessoas para longe do perigo. Não parecia precisar de ajuda, era autossuficiente, então por que aquele mal pressentimento?

O pilar de chamas, disse Qenía-Araso. De fato, um imenso pilar de chamas se arrastava de encontro a ele.

Mas as chamas-

Não estão sós.

Era verdade. O Sho do Fogo estava no coração rodopiante do pilar. Jin podia vê-lo através das flamas, podia distinguir as labaredas da coluna das que recobriam a mão e antebraço direito de Yazi-Larale. O esperado seria que a barreira a vácuo as extinguisse, mas isso não aconteceria, porque o oxigênio que as alimentava não era o presente no ar, mas o do próprio sangue do hospedeiro de Yazi-Larale. Elas não eram geradas sobre sua pele, saltavam de dentro dela. A barreira de En-Ephir não seguraria aquilo, assim como não seguraria o resto do corpo do Edor'sho. Se as coisas continuassem como estavam, Rapmon teria o peito perpassado por aquela espada de fogo.

En sempre tão preocupado com o cumprimento do dever que se esquece que os Lirthua'shoa não prezam nada, além de Larhen e seus ideais... Diferente de nós, não se privariam da vitória para preservar um hospedeiro.

É, Namjoon-ssi também é muito correto e trabalha demais...

Jin sentiu um calor envolver seu coração, suave e nada desconfortável, e isso o desconcertou. Esperava o silêncio ou alguma palavra de concordância, não um sorriso imbuído de preocupação tanto para com o comandante dos Hagar de Akisha, quanto para com Leader Mon. Era estranho, mas podia sentir que Qenía-Araso não se preocupava mais com um do que com outro, mas sim com os dois e em igual medida.

Um feixe de luz, saído da mão que o Hagar do Amor - sim, do amor, Qenía não havia dito a Jin, mas esse era o Escudo dele - apontou na direção do pilar, trespassou as chamas e acertou o ombro do Edor'sho do Fogo em cheio, dissipando as flamas que bebiam do sangue do hospedeiro dele e o empurrando para fora do esconderijo.

Rapmon e o Hagar da Temperança estavam a salvos, e Qenía-Araso teria voltado sua atenção uma vez mais para Gama-Tash, contudo Jin queria ver se alguma reação se pintaria no rosto de RM quando En-Ephir percebesse que tinha sido salvo, queria tanto que conseguiu deter o Ak'hagar por um instante, somente três segundos após o tempo voltar a correr seu curso. Não foi muita coisa, um leve franzir de sobrancelhas, e ele voltou a se concentrar no Sho do Fogo. Aquela não era primeira vez que o Hagar do Amor livrava a pele de seu comandante em batalha - e não seria a última -, ambos sabiam disso e ambos eram gratos a sua maneira pela forma com que o outro tratava suas prioridades. Mas e RM? Estava incapacitado de esboçar qualquer reação? Não sabia como, mas tinha certeza de que conseguiria perceber qualquer sinal dele, mesmo que fosse apenas interno.

"...bijeonae

Love you so mad, love you so mad."

As ondas de luz a pulsarem da palma aberta que mantinha voltada para o Edor'sho do Vento se expandiram, formando um grande escudo que desintegrou as lâminas de vento ao menor contato, e isso não era nada para se comemorar. Antes elas o tivessem cortado em pedaços. Seria melhor do que ver o sorriso que rasgava os lábios de Gama-Tash, do que sentir a perplexidade de Qenía-Araso, do que ter de ouvir os gritos mesclados ao som da ventania impura.

Jin havia retomado o controle de seu corpo por três segundos, três, e foi o suficiente para que o Sho do Vento agisse, se aproveitando do buraco ainda aberto na névoa luminescente para soltar aqueles ventos sinistros contra as pessoas.

Jin ficou sem reação, e Qenía reassumiu o controle de seu corpo, convertendo o escudo de luz que ainda brilhava em sua mão em uma torrente e a fez incidir sobre o corpo do Edor'sho, imprensando-o contra o chão. Parte da névoa luminescente partiu atrás do que restava dos ventos de Gama-Tash, extinguindo-os antes que transpusessem as portas da arena. Também tapou os olhos de todos que foram beijados por aquelas ondas torpes, impedindo que se locomovessem rápido demais antes de pedir ajuda:

- Hasa, as portas! - En, não podemos permitir que mais Crianças se transformem em Edoras'sedoni, as mandarei de volta a você. Proteja-as, por favor. - Voltem todos, voltem para perto do fogo!

O comandante dos Hagar de Akisha não respondeu, só agiu. Não permitiria que mais nenhum Filho de Menora se corrompesse. E Jimin, que há pouco esganava, cantando aos risos, dois dos Lirthua'shoa - ele estava tão sorridente que parecia faiscar. Não, ele faiscava mesmo, especialmente nos olhos, um par de mantos azuis-escuros povoados por uma infinidade de raios a tragarem e serem tragados por vórtices vertiginosos -, lançou-os para longe, fazendo com que se tornassem imagens tremulantes e subiu as escadas pulando de três em três degraus, atendendo ao pedido de Qenía-Araso, impedindo que os recém-nascidos Filhos de Larhen irrompessem arena afora.

O Hagar do Amor se esforçava para não usar força demais contra Gama-Tash, seu intuito era contê-lo, não matar seu hospedeiro por esmagamento. Já bastava o sofrimento lhe infligido pelo próprio Tash. Já bastava de sangue derramado, já bastava. Já bastava a culpa que Seokjin sentia, a culpa que Qenía sentia... O Hagar do Amor estivera tão aliviado por aquela Criança tê-lo aceitado que havia baixado a guarda. Devia ter previsto aquele quadro, um em que os sentimentos dele sobrepujassem os seus, afinal só possuía dois e ele, muitos.

Devia ter se precavido, mantido certa distância até que ele estivesse devidamente entendido da situação na qual se encontravam, na qual o mundo se encontrava, até que ele entendesse com que tipo de seres estavam lidando. A inocência e a ignorância são gêmeas, afinal, mas isso não diminui a gravidade dos atos cometidos por suas mãos, nem ameniza suas consequências. Ainda assim, não era culpa de Seokjin, e sim sua. Havia prometido que nenhum mal recairia sobre ele e as demais Crianças de Ak'Mainor e falhara em manter sua palavra.

Araso seon- Seonsaeng-nim, Jin chamou pelo Ak'hagar, baixinho, encolhido, sentia-se o último dos homens, o miserável dos miseráveis, a escória das escórias, um homem sem honra, e indagou, querendo e não querendo ouvir a resposta dele, pode me dizer o que aconteceu com aquelas pessoas?

Elas foram imersas em Edoras, a praga das pragas, aquela que traz a morte em vida. Seus pensamentos, vontades, ideais, sentimentos... Tudo que fazia delas seres únicos se perdeu por causa da praga e, com o tempo, até mesmo a saúde e a aparência de seus corpos, bem como a singularidade de suas almas, se perderá. Considere um estado extremo do que você conhece por "alienação", seres sem qualquer traço de subjetividade ou diferença: é isso que Edoras cria. Ela se enquadraria bem ao conceito de vírus concebido por seu povo. É terrível, degradante e altamente contagiosa. Larhen-Edriza, o Senhor dos Lirthua'shoa, é sua fonte e os Edoras'shoa, seus principais transmissores, embora aqueles que foram infectados também possam espalhá-la por contato físico. Nós os chamamos de Edoras'sedoni, Espectros da Dádiva, pois se tornam marionetes de Larhen.

Há uma cura para isso, não é? Não é?

Sim, existe uma. Jin respirava aliviado, quando o Hagar acrescentou. Mas...

Mas?!

Qenía não chegou a responder. Os olhos dele, seus olhos, haviam se voltado a uma luz que não era sua. Uma luz que fazia algo que jamais faria. Não! Berrou Omma Jin horrorizado, Qenía compartilhava do terror dele. Chutaram o estômago de Tash e o arrastaram consigo através da luz até o início. Era o limite.

* * *

Hasa-Ithor, um dos Hagar de Akasha, Hagar da Confiança e da Carência, Deva'seyire


Hasa-Ithor nunca se sentira tão bem desde que pusera os pés naquele universo. Dentre a infinidade de hospedeiros que já tivera, Park Jimin era o menor e mais frágil, e isso era bom. Os anteriores, grande demais, atrapalhados demais e de couraças duras demais, não combinavam nada com seu senso de estética - muitos eram tão feinhos, feinhos, coitados. Jiminnie, sem dúvida, era o mais bonito e delicado deles, além de controversamente mais resistente ao seu poder. Agora poderia lutar com a mesma agilidade, precisão e graça que tinha no plano espiritual. Como será o hospedeiro de Akasha? Será tão bonito quanto o meu? Bem, se o assunto com os Lirthua'shoa não se resolvesse ali, saberia.

Aquela prometia ser a mais divertida de todas as guerras travadas contra os lacaios de Larhen-Edriza. E lá vinham eles, afobados e deselegantes como de praxe, ocultando as particularidades das pobres Crianças do Caos que os hospedavam sob aqueles panos tão descorados quanto seus espíritos insossos. Essas Forças de quinta categoria não mudam, não importando quanto tempo passe. Ai, ai...

Era um milagre o selo dessa vez ter durado tantos milênios, mas nem o santo Berat podia manter os Lirthua'shoa presos para sempre. Bem, pelo menos Hasa podia brincar com eles mais uma vez, fazê-los provar o gostinho da derrota mais uma vez ... Ah, a quem estava querendo enganar? Estava adorando essa situação: ficar adormecido por tanto tempo, sem fazer nada por tanto tempo, era um maldito porre. O despertar dos Shoa podia representar perigo para a existência de todo o universo, mas era como dois ditados que essas novas Crianças de Menora tinham na ponta da língua: "há males que vem para bem", "ruim com eles, pior sem eles".

Adeus aos dias de solidão. Olá, dias divertidos!

- Em guarda, Ak'hagar.

Vai ser incrível! Deva'seyire, o Andarilho Frenético, pensou, se movendo, e o espaço se estilhaçou feito cristal quebrado com a passagem de seu corpo. Ele queria ir direto em Natrahe-Tacathie, o Edor'sho do Atalho, seu principal rival entre os Lirthua'shoa, porém não iria com muita sede ao pote - que Natrahe viesse até ele. Por hora, se contentaria em dar um jeito no salva-pátria da equipe.

- Love you so bad... - cantarolando, Hasa surgiu atrás de Danae-Ie, o abraçando e já o puxando para dentro da dobra espacial. A invasão de seu espaço pessoal, a voz ao pé de seu ouvido, o movimento involuntário de seu corpo, tudo inesperado, a um só tempo; o Fazr'sho da Cura não pôde reagir, mal piscou e estava no centro da arena, sobre o ringue -, love you so bad!

Hasa o soltou, e Danae o atacou com as unhas, fazendo três pequenos arranhões em sua bochecha esquerda que se expandiram depressa, corroendo pele e carne e expondo os ossos. Ao mesmo tempo, Natrahe apareceu no ar, às costas do Hagar de Akasha, e o atingiu com um chute na base do pescoço, derrubando-o de bruços.

Danae engasgou e seus pés penderam agitados acima do chão. Natrahe, que caíra agachado, praguejou com a voz imprensada, vendo o Hasa-Ithor que beijava a lona se desfazer em estilhaços vítreos. O Hagar da Confiança real estava ali, de pé entre eles, sem chaga alguma na bela face escarnecedora. Com uma mão fechada no pescoço do Fazr'sho da Cura e a outra atando o colarinho da capa de Natrahe, cantava com muita expressividade:

- Neol wihae yeppeun geojiseul bijeonae...

Danae tentava arranhar e esmurrar seu braço, e o Edor'sho do Atalho tentava se teleportar para longe, mas era inútil. O espaço se rompia sob os golpes de Ie, deixando que encontrassem o nada. Natrahe se remexia tanto que parecia estar tendo convulsões, a fumaça preta que restava da dispersão de seu poder formava uma nuvem cada vez maior e mais densa, o engolfando. Estavam dominados, prestes a caírem outra vez na caminha.

Era verdade. Ambos, Hasa e Natrahe, podiam curvar o espaço, por isso sentiam um "carinho especial" um pelo outro. Só que o Hagar da Confiança era deveras superior. Natrahe ignora o espaço intermediário. Eu sou o mandachuva das distorções. Ele não tem chance contra mim, não se eu estiver esperando por ele. E estava, sabia que ele iria ao socorro do Fazr'sho da Cura e, ao simular uma abertura para o outro pela frente, restringiu o campo de ataque de Natrahe a sua retaguarda.

Um erro, o Edor'sho do Atalho havia cometido um erro ao não atacá-lo primeiro. Agora era obrigado a ver seu amiguinho estrebuchar, e de camarote!

- Love you so mad, love you so mad - Hasa cantou, agitando os cabelos sedosos de Jimin. Estava viciado naquela música! Música, essas novas Crianças de Ak'Mainor são adoravelmente criativas! Agitava os cabelos, rindo empolgado, seus olhos faiscavam eletrizados, faíscas escapavam dos poros de seu hospedeiro, esbanjava energia, enquanto Danae-Ie agitava os braços e pernas em desespero e Natrahe, o corpo inteiro. - Nal jiweo...

- Hasa, as portas! - As palavras de Qenía o alcançaram através da voz alarmada de Jin. O Hagar da Confiança nem precisava olhar para saber o que havia acontecido. Sempre tão covardes e deselegantes... - Voltem todos, voltem para perto do fogo!

- ...neoye...- Empurrou os corpos dos Lirthua'shoa para longe de si no exato instante que Qenía chamou seu nome. O espaço se partiu sob o peso deles, engolindo-os. Eles ainda podiam se ver e ser vistos, contudo suas imagens tremulavam embaçadas, como miragens no deserto encerradas no interior de uma caixa de vidro. - ...inhyeongi... - Hasa desceu do ringue, subindo aos saltitos até o acesso mais próximo. Suas mãos dançavam, em movimentos ondulantes, brincando com as chispas de energia a escaparem por seus dedos. - ...doeryeo hae...

Chegou o mais perto que pôde, parando a uma distância segura das chamas contaminadas que a muralha de vácuo de En barrava e começou a distorcer o espaço: as portas se fecharam com estrondos, para depois se encurvarem nas paredes, como tinta borrada numa pintura a óleo.

- Love you so bad, love you so bad. Neol wihae yeppeun geojiseul bijeonae.

O que acontecia na arena, ficaria na arena. O Ak'hagar soltava a voz, executando a coreografia de Fake Love como se dançar fosse sua segunda natureza. Dança. Aquelas pequenas Crianças de Ak'Mainor eram mesmo criativas.

- Love you so mad, love you so mad. Nal jiweo neoye inhyeongi doeryeo hae.

Enquanto Hasa-Ithor mitava, aprisionando os novos Filhos de Larhen na arena, partículas de uma luz verde-escura brotaram do corpo de Danae-Ie, golpeando tudo a seu redor como gotas de uma chuva ácida. Em sua infinita arrogância, o Hagar da Confiança não havia mandado os Shoa da Cura e do Atalho para nenhum lugar distante, preferindo separar duas pequenas porções daquela dimensão para confiná-los - a verdade era que embora não aparentasse, Hasa estava com bastantes limitações por conta da possessão forçada. No caso de Natrahe-Tacathie, ele até havia se precavido, distorcendo o senso de direção dele, o que fazia com que o Edor'sho se teleportasse sempre para o mesmo ponto. Entretanto, não havia tomado medidas contra Ie.

As partículas decompuseram a bolha dimensional. O Sho da Cura estava livre.

Receando ser enclausurado outra vez, ou pior, ele abandonou o ringue e se livrou da capa, logo depois de mandar suas partículas degradantes contra a prisão de Tacathie. Correu para as arquibancadas do lado direito do recinto sob a proteção das cadeiras tombadas na seção central, passando pela barreira de ar do comandante dos Hagar de Akisha e se misturando aos detestáveis Filhos de Menora.

A capa que fora largada nos degraus do ringue começou a manar uma aura dourado-clara - Danae a embebera com seu poder conforme destruía sua cela -, que se espraiou pelo ambiente, alcançando os demais Lirthua'shoa e revitalizando seus corpos.

A prisão de Natrahe se rompeu, e o Edor'sho não pensou duas vezes no que fazer.

Teletransportou-se para a frente de Hasa-Ithor. Suas mãos surgiram na nuca dele, trazendo a cabeça para baixo, de encontro ao seu joelho direito a levantar-se. Hasa ficou tão zonzo que não pode se defender das investidas seguintes, uma cascata incessante de porradas, mal conseguia manter as portas da arena seladas. E a contagem regressiva para o limite começou em sua cabeça...

Uma pontada, faltavam seis.

Dançava ao ritmo do ordinário servo de Larhen.

I'm so sick of this fake love

Socos, costelas esmigalhadas, costelas partidas, um órgão perfurado.

Uma pontada, faltavam cinco.

Fake love...

Pisada, joelho esquerdo esmagado. Chutes, perna e braço direitos inúteis.

Uma pontada, faltavam quatro.

...fake love

Chutes e socos, nariz e dentes quebrados. Mais costelas.

Uma pontada, faltavam três.

I'm so sorry but it's fake love

Natrahe o agarrou pelos cabelos e deu com sua testa na quina de um degrau, uma, duas, três, quatro... Quantas vezes mais? Muitas. Outra pontada, mais duas e seria o fim. Era o limite.

As paredes da arena tremulavam.

Fake love, fake love...

Natrahe gargalhou, içando o corpo molenga do Hagar de Akasha do chão e o prendeu numa gravata, sussurrando rente à sua orelha:

- Foi diversão o suficiente, Hasa? Sei o quanto detesta a calmaria da paz e ama a guerra, então quis caprichar. Afinal, estivemos afastados por tanto tempo... Espero que seu Escudo não esteja como seu recipiente. Por mais remotas que sejam as chances de vocês nos deterem dessa vez, eu odiaria não encontrá-lo no auge de seu esplendor na próxima encarnação. Diga-me, seu Escudo quebrou?

Mesmo lavado em sangue, Hasa sorriu. Surpresas, como adorava surpresas, especialmente se isso envolvia um dos bonequinhos do Destruidor perdendo a eterna pose de chuchu azedo. Além disso, jamais se rebaixaria gemendo ou pedindo clemência ou piedade a um escravo de Larhen. Ele cantou baixinho:

- Nae modeun yakjeomdeureun da sumgyeojigil... - "Queria que todas minhas fraquezas pudessem ser escondidas...".

- Hum. - Fez Natrahe contrariado, aquele Ak'hagar não havia lhe dirigido a palavra uma única vez, e segurou a cabeça dele, a um passo de quebrar seu pescoço. A mão esquerda de dedos frouxos de Ithor tateou o antebraço do Sho, que interpretou o gesto como uma última resistência. - Vá sofrendo.

O braço de Tacathie se abriu como uma flor, borrifando pólen sangrento para todos os lados. Seu urro de dor foi ensurdecedor, e urrando, largou o adversário. Ambos desabaram no carpete viscoso e assim quedaram por um momento, até que o Hasa-Ithor que jaziam sob grossa camada de sangue e dor desmoronou numa cachoeira de estilhaços de vidro. Outro, intacto dos ossos ao sorriso irritantemente confiante, emergiu de uma dobra no espaço, agachando perto do rival e respondeu à pergunta dele:

- Quebrou o que sempre quebra: você.

...kkocheul kiweosseo...

Mas do que a sensação que o suplício de ter seu corpo feito em frangalhos poderia lhe proporcionar, a de seu espírito sendo abalroado por uma explosão de dor infernal o paralisou. Aquilo, sim, ameaçou abalar sua confiança, aquela dor. Mais uma pontada, só mais uma. Era o limite.

Lá e de volta outra vez...

O chão se trincou e partiu em cacos sob seus pés, e Hasa e Natrahe, ainda a gritar, submergiram, de volta ao início.

* * *

Zaku-Zaoh, um dos Hagar de Akisha, Hagar da Orgulho e da Ira, Eoir'miresa


Zaku-Zaoh estava irritado.

Não estava acostumado a lidar com rebeldia, muito menos a ser deliberadamente contrariado. Para além do comando de Akisha, Berat e En, sua vontade era soberana. Sempre. Essa era a ordem natural das coisas, e nenhum Filho de Menora deveria questioná-la, quanto mais se opor a ela! Estava desperto há poucos minutos e não sabia quase nada dessas novas Crianças de Ak'Mainor, mas era certo que eram deveras emotivas e apegadas à ilusão egoísta que julgavam se tratar da individualidade.

Irritante.

Os instantes que perdeu por causa da resistência inútil de seu hospedeiro, os instantes que gastou para dominá-lo sem acabar com sua consciência permanentemente, não eram nada, além de perda de tempo e paciência. Não poderia usar nem um por cento de sua energia com aquela possessão forçada, e, só para completar a desgraça, havia se machucado no processo.

Frágil, aquele corpo era frágil demais.

Seu único consolo era que os dos Lirthua'shoa também o eram. Seu dia melhoraria, e muito, se esmagasse os ossos de um deles, juntamente com os devaneios de fundar uma utopia nesse universo caótico que acalentavam.

- Em guarda, Ak'hagar.

Era tudo que queria ouvir de seu general.

Pulou do palco e aterrissou, já correndo. Uma poça d'água se formava a cada vez que seus pés tocavam o piso escuro, chamando umas às outras e tecendo um tapete líquido por vários metros do lado esquerdo da seção central da arena, o que atraiu Maleeon-Hohi, o Fazr'sho do Raio.

- Saiam todos daqui, agora!

Gavinhas de energia se desprenderam do corpo do servo de Larhen e, ao entrarem em contato com o chão, correram, como fogo em material inflamável, eletrizando a água e a transformando numa armadilha mortal.

Zaku sorriu, arremessando a grande gota arredondada que enchia sua mão ao ar e saltando bem quando a onda de choque o alcançaria. Girou sobre o próprio eixo, ao passo que a gota se deformava, espalhando-se para todos os lados, como se tivesse acabado de se chocar com uma muralha invisível, e mergulhou na larga poça d'água flutuante, cuja superfície aplainada se assemelhava a um perfeito espelho, em que a gota havia se transformado. Apesar da fina espessura, o Hagar do Orgulho desapareceu para dentro dela, assim como o raio que Maleeon lançara para tentar interceptá-lo.

- Hasa, as portas! Voltem todos, voltem para perto do fogo!

Uma nota de desdém vibrou em uma sucessão de pequenas ondas pelo espelho, e do tapete aquoso veio uma porção de estalagmites rochosas, que perpassaram o corpo do Sho do Raio. O sangue escorreu dele como lágrimas, misturando-se às águas. Zaku emergiu do espelho d'água, caindo de pé a alguns passos do inimigo. Maleeon semicerrou os olhos, segurando-se para não expressar a dor que o afligia, advinda da carne lacerada de seu hospedeiro. Uma humilhação, estar atado a um corpo físico fadado à dor e ao sofrimento era uma humilhação. Zaku sabia que Hohi pensava isso, e concordava, aliás, estava detestando essa encarnação, mas pelo menos tinha a prerrogativa de ser um dos que escolheram a Prisão de Carne, de ser um dos que a impuseram aos escravos de Larhen-Edriza. Zaoh se limitou a sorrir cruelmente enquanto observava seu trabalho.

Ambos os pés, panturrilha e coxa esquerdas, joelho direito, ambos os braços, ombros e torso do hospedeiro do Fazr'sho do Raio... As estalagmites varavam todos esses lugares, sete delas - das mais finas - ao último. Além disso, outras mais, robustas e bem sólidas, o cercavam por todos os lados, roçando e arranhando a pele dele; o corpo emergia, imprensado, dentre elas. Estava total e completamente imobilizado. A capa branca se reduzira a frangalhos manchados de rubro.

Não havia necessidade de Zaku-Zaoh fazer mais nada, pois, além do corpo ferido e preso nas rochas, Maleeon se achava agora incapacitado de externar seu poder através de seu recipiente sem que isso o destruísse. Crédito do Hagar. Corpos físicos podiam ser reforçados pelos poderes espirituais, sim, era verdade, mas também era verdade que se podia reverter isso reduzindo a resistência natural deles a nível celular. Bastava conhecer o limite entre a fraqueza extrema e a morte, e o Hagar do Orgulho conhecia bem. As moléculas de água que compunham aquele corpo haviam lhe revelado.

Reiterando, poderia deixar tudo como estava até que Berat viesse selar Hohi. Mas a raiva a queimar dentro de seu peito por causa da ousadia de seu hospedeiro ainda era grande, porém não podia descarregá-la nele, então se contentaria com o sofrimento do servo de Larhen.

Zaku se postou diante dele, a uns dois metros, com um sorriso mínimo lhe marcando os lábios, e disse, aparentando gentileza:

- Vamos, Maleeon. Venha até mim. - O Fazr'sho do Raio gemeu de imediato, mordendo o lábio inferior para não gritar. O corpo dele tremia, convulso, lutando para sair dos espetos rochosos e só conseguindo piorar as extensões dos ferimentos. Mais sangue desceu às águas. - Venha até mim - Zaoh repetiu, quase com doçura. O corpo do Sho se sacudiu violentamente, e ele gritou. O sangue dele descia em filetes de perigosa abundância, os olhos a rebrilharem feridos na penumbra do capuz destilavam dor e ódio. - Vamos, estou esperando. - Um berro gutural escapou da boca do Fazr'sho, e o Hagar não pôde segurar o riso de regozijo que lhe galgou a garganta. - É isso que você merece, é isso que vocês todos merecem por terem me feito despertar nessa Era! Uma amostra do significado de ser amaldiçoado por Edoras, a perfeita obediência...

- Sua ignorância para com os desejos de Larhen faz de você, lacaio de Akisha, um imbecil sem salvação.

Zaku trincou os dentes e cerrou os punhos, aproximando-se devagar. Não pretendia colocar as mãos naquele ser digno de pena, mas agora pensava em quais ossos quebraria primeiro... Ele havia se atrevido a pronunciar o nome de sua divindade! A mandíbula seria uma boa opção, ergueu o punho...

E antes que pudesse socar a cara do serviçal d'Aquele que se Assenta no Trono das Infinitas Veredas, um raio cortou o espaço e o atingiu em cheio, dando-lhe uma descarga elétrica potente. Foi tão forte que chegaram a sair faíscas de seus olhos.

Uma pontada explodiu em sua cabeça, e outra e mais outra, eram os portões do espírito sendo escancarados.

Maleeon-Hohi realmente estava impedido de criar raios graças aos ardis de Eoir'miresa, porém ainda podia controlar os corpos elétricos do ambiente e, para além da eletricidade que alimentava a arena, podia contar com as faíscas produzidas pela fricção dos ventos causados por En-Ephir. Demorou alguns instantes para reuni-los, a condição debilitada de seu recipiente o estava atrapalhando um bocado, mas foi infalível. Ver aquele Ak'hagar insolente dançando conforme sua música foi a paga de toda a dor que ele havia lhe causado.

Mais uma pontada, mais um portão.

Fake love, fake love...

Outro raio incidiu contra as estalagmites, reduzindo-as a cacos azuis, que ao mergulharem no tapete líquido, se liquefizeram, voltando a fazer parte de suas ondas. O Fazr'sho do Raio estava livre, e Zaoh de joelhos, a face embasbacada e descorada.

Mesmo com o corpo ainda em frangalhos - embora o poder de Danae-Ie, o Fazr'sho da Cura, estivesse agindo sobre seus machucados, fazendo-os regredir, ainda sentia muitas dores -, o servo de Larhen não se tolheu de acertar um chute no rosto de Zaku, jogando-o de cara no chão alagado a sangrar pela boca e pelo nariz.

Outra pontada, outro portão.

Danae-Ie... Danae-Ie... Onde você está? Zaoh perguntou ao corpo do hospedeiro do Fazr'sho da Cura e logo soube a resposta. Também sabia que Khro era o Hagar mais próximo a ele, então enviou seu olhar, janelas para um oceano de ondas revoltosas, para onde ele estava, juntamente com toda carga de sentimentos que inundava seu peito. Khro retribuiu sua mirada, vórtices negros que levavam ao infinito vazio da destruição, no mesmo instante e desapareceu nas sombras.

- É isso que você merece, é isso que todos vocês merecem por terem despertado para nos perseguir nessa Era - Maleeon-Hohi devolveu sua provocação anterior. Os olhos dele brilhavam, soltando chispas de energia. A mão apontada para suas costas, na mira exata do coração, faiscava, enchendo o ar com som de estática. - Em nome de Larhen-Edriza, farei com que volte a dormir agora mes-!

- PARE! - Zaoh ordenou com um berro, e tudo em Hohi se deteve: sua voz, seus movimentos, até mesmo as emanações de seu poder. Por causa disso, o Fazr'sho foi incapaz de evitar tombar com a rasteira que o Ak'hagar lhe deu. Zaku-Zaoh se pôs de pé, e nesse momento era inteiramente o Hagar da Ira. Socou, chutou e pisou em um imóvel Maleeon, vez após vez, rápido e preciso, acertando-o em vários lugares, sem parar para se lembrar de que não devia matá-lo. Era o limite, o limite!

A única coisa que refreou a explosão de cólera do Hagar de Akisha foi a terrível sensação esmagadora que golpeou o cerne de sua existência, pondo mais um de seus portões abaixo. Por Ak'Mainor, era o limite!

Fez as águas soerguerem um pouco o corpo de Maleeon-Hohi e deu um último chute nele, no trapézio, com tanta força que o recipiente dele se envergou para trás com um som arrepiante de ruptura. É, um osso.

E afundou num espelho d'água, levando o corpo alquebrado junto.

* * *

Khro-Yehath, um dos Hagar de Akasha, Hagar da Amizade e do Medo, Mainor'dore

Khro-Yehath, um dos Hagar de Akasha, o Hagar da Amizade e do Medo,

Mainor'dore

Kim Taehyung, um dos BangTan Boys, cantor, ator, Mongtae,

V

Khro acordava de seu longo sono sem sonhos, e

V sonhava, imerso num oceano de sombras.

Música. O não-silêncio, o não-ruído, a não-palavra.

Era a primeira vez que Khro tinha contato com tais Filhos de Menora, e

Era a primeira vez que tinha contato com tal linguagem.

Seria bom conversar com alguém depois de tanto tempo, e

Seria bom sentir novamente. Provar um mundo de formas e cores.

Ak'Mainor-Menora. Fragmentos. Akasha. Desordem. Propósito. Lugar.

Larhen-Edriza. Prisão. Portal. Ordem. Despropósito. Utopia.

Berat-Enira.

Asha-Maiura. Hasa-Ithor.

En-Ephir. Zaku-Zaoh. Qenía-Araso.

Jung Hoseok.

Min Yoongi. Park Jimin.

Kim Namjoon. Jeon Jungkook. Kim Seokjin.

Berat. Asha. Hasa. En. Zaku. Qenía.

J-Hope. Suga. Jimin. RM. Jungkook. Jin.

Ak'hagar.

BTS.

Irmandade. Família. Lugar. Casa.

Lirthua'shoa.

Discórdia. Despertar. Selo. Dever.

Taehyung. Música. Akasha. Desordem. Propósito. Lugar.

Seria bom sentir novamente.

Palavras têm poder.

Emoções têm mais.

Uma linguagem de emoções.

Música.

Seria bom conversar com alguém depois de tanto tempo, e

Tecer sonhos cheios de formas e cores no oceano de sombras.

- Em guarda, Ak'hagar.

As trevas nos olhos de Taehyung transbordaram e o cobriram, e Khro sentiu tudo na arena. Quatro dos Edoras'shoa - Fogo, Vento, Atalho e Luz - liberariam a praga das pragas por sobre as Crianças de Ak'Mainor. En e Qenía deteriam dois deles, os primeiros, os demais, ninguém. Então, Khro os deteria.

Entrou nos corações de Natrahe-Tacathie e Pityu-Leviath e manipulou as emoções deles, fazendo da honra que sentiam por Larhen-Edriza tê-los feito portadores de Edoras egoísmo excessivo. O Sho do Atalho liberaria a praga das pragas ao deixar que a fumaça gerada por sua viagem interdimensional se dispersasse por entre os Filhos de Menora. O Sho da Luz a propagaria através das muitas fontes luminosas a brilharem no local. Ambos renunciaram ao seu propósito para manter o presente de Larhen consigo, apenas consigo.

Seguindo o comando de Berat, Khro e os demais Hagar deixaram o palco.

A sombra é ausência, por isso sua velocidade é nula. Ou instantânea, porque a sombra é, porque ela está. Khro-Yehath era a sombra, mas Taehyung, não. Taehyung dormira sem conversar, sem lhe dizer sim ou não, por isso não podia estar em toda escuridão. Moveu-se numa velocidade similar à da luz para o palco de premiações.

Os Edoras'shoa do Atalho e da Luz o interceptaram. Natrahe-Tacathie com uma rápida sequência de golpes marciais, e Pityu-Leviath com uma rajada de alva energia destrutiva. Khro correspondeu poder com poder; luz e trevas colidiram, explodindo entre os dois em equilíbrio perfeito. O Hagar da Amizade não se desviou dos ataques de Natrahe-Tacathie, foram os ataques a se desviarem dele. Àquela distância, bagunçar os sentidos do hospedeiro dele era algo quase imperceptível para o Hagar, como a respiração para os jovens Filhos de Menora.

O Sho do Atalho se afastou, desnorteado, e viu Danae-Ie cara a cara com Hasa-Ithor no ringue. Se ele acabasse selado - ou pior; afinal, Hasa se tornava mais e mais imprevisível a cada encarnação -, suas chances de enfim terminar a guerra contra os Ak'hagar de uma vez por todas diminuiriam muito.

- Vai - disse Pityu entredentes. Natrahe não discutiu.

Os guerreiros da luz e da sombra ficaram a sós no palco de premiações, ainda entretidos com sua acirrada disputa de poder. Para Khro, estaria bem se permanecessem daquele jeito, assim poderia dedicar mais atenção à música. Não cantaria como Hasa, não tinha a desenvoltura dele, só queria senti-la mais profundamente, mais, mais...

Infelizmente, Leviath não compartilhava de seu ponto de vista.

Uma chuva de feixes luminosos, advindos das lâmpadas do palco, desabou sobre a cabeça de Khro. Um jorro de energia negra emergiu de Taehyung e absorveu os feixes e a rajada que escapava das mãos do Sho da Luz, inundando o palco de breu.

Não era apenas ausência de luminosidade, era mais palpável que névoa e menos densa que qualquer corpo sólido ou líquido. Enroscava-se aos corpos, o roçar de um suave bafo a marcar a pele, viva; bebendo calor com sutileza, deixava a lembrança de uma sensação fria por onde passava, uma névoa de toques.

Pityu-Leviath se acendeu num clarão, sua luz entremeou o coração da escuridão, revelando e afastando um pouco as ondas de plasma negro que a compunham, serpentes efêmeras a bailarem um balé flutuante. Havia algo de lindo e medonho naquilo. O clarão durou só alguns instantes, e em instantes, o brilho começou a morrer. Escuridão, ausência de luminosidade, escuridão que absorve as cores e as almas, que traz o medo. Os buracos negros, portais extintos do universo, ao nada conduzem, carrascas sentinelas que com destruição presenteiam o que almeja o desconhecido. Sentinelas famintas e vivas, aquela escuridão estava viva e se alimentava de luz.

Os olhos do servo de Larhen se arregalaram. Por ser um dos Hagar de Akasha, Khro-Yehath costumava ser problema dos Fazrat'shoa, especialmente de Aevarast-Evanih, o Sho do Tempo. Jamais havia lidado com ele em separado, jamais havia sabido o quanto ele podia ser ameaçador. Esqueça a perda de um hospedeiro e o sono imposto pelo selo de Berat-Enira, era contra a extinção espiritual completa e definitiva que estava lidando. Para o Inferno com a sempre benevolente fraqueza de Ak'houan-a-rae, ele não estava ali para segurar a mão de Yehath. Aquele negror monstruoso devorava sua luz!

Precisava sair dali.

Apagou-se por completo, tornando-se invisível e disparou para fora do palco com velocidade máxima. Um passo. Um passo foi tudo que deu antes de cair. Tentou se levantar e não conseguiu. Um pé em suas costas o mantinha firme contra o chão.

- Não pode - disse Khro baixo, com a voz grave de V e seu ancestral tom monocórdio. Pityu-Leviath esticou o pescoço para ver o Hagar do Medo por cima do ombro. Medo eram aqueles olhos. As íris eram bocas negras escancaradas a tragar a luz das estrelas despedaçadas, atadas num último anseio de viver às gavinhas, fios do escuro manto primevo, que se espalhavam pelo branco de seus olhos.

Medo, repulsa, raiva e ferocidade. Khro não precisava ler pensamentos para saber o que aquele Edor'sho pretendia, as emoções a fervilharem no coração dele eram bastante claras. Ele desejava se retirar de sua presença a todo custo, já havia decidido qual seria o próximo passo a dar. Não era de seu feitio atacar primeiro, pois os Hagar são os baluartes que protegem a vida, toda ela, todavia havia um caso em que abria mão desse princípio: quando a integridade dos amigos que estavam sob sua proteção, e sob sua proteção apenas, era posta em risco. Nem um arranhão, não admitiria que Taehyung sofresse nem um arranhão. O negrume inundou os olhos dele.

A nuvem de trevas se contraiu e convergiu para o corpo de Pityu-Leviath, sufocando a explosão de ondas luminescentes que ele principiava a expelir. O Hagar de Akasha retirou o pé de cima dele e recuou alguns passos, limitando-se a observar. Ele gritava. Muito. Mas, era o único a escutá-lo, as trevas engoliam tudo, até o som. Doloroso, aquilo era doloroso, para ambos.

Ira desenfreada, desejo de vingança, gana de destruição, incapacidade de obliterar todos os alvos de tal gana, carência de atenção, sua atenção...

Olhou para a ala a esquerda da arena, deparando-se com os olhos de Jungkook a arderem à fúria líquida de Zaku, as ondas quebrando-se para a direita. Ele estava sob o jugo do Fazr'sho do Raio, que apesar de ter seu hospedeiro gravemente ferido, mantinha-se de pé. Danae-Ie... Entendi, Zaku.

Suspendeu o ataque a Pityu-Leviath - estava desmaiado e tanto as pernas quanto a espinha dorsal do hospedeiro dele estavam inutilizadas, e assim permaneceriam por algum tempo, pois o poder de Danae-Ie tentava ajudá-lo, mas era constantemente rechaçado pela marca fria a permanecer na carne dele - e se foi na velocidade da luz para as arquibancadas do lado direito da arena, para dentro da proteção dos paredões de vácuo de En, como os olhos de Jungkook haviam lhe indicado.

Khro parou o mais próximo possível do Fazr'sho da Cura, que se misturava a um grupo de Filhos de Menora. Mesmo que estivesse com restrições, àquela velocidade era como se todos ali tivessem parado no tempo, incluindo o servo de Larhen-Edriza. Uma a uma, foi retirando as Crianças de Ak'Mainor de perto dele, até que estivessem ambos cercados por um círculo vazio. Então, parou. Deixou que o vissem.

Um assombro coletivo, as pessoas se perguntavam o porquê de V estar ali.

Terror, Danae-Ie se arrependia de não ter ficado junto com Natrahe-Tacathie.

O Sho fez o primeiro movimento, liberando indiscriminadamente uma porção de aura deteriorante. Não funcionou. As ondas escuras de Khro a devoraram antes que se afastasse do corpo de seu conjurador e o encerraram dos pés aos ombros por entre suas brumas. Os Filhos de Menora gritaram, e ele ameaçou:

- Vai pagar caro por isso, Mainor'dore... Você e os Fragmentos de Ak'Mainor.

O Hagar da Amizade não se abalou, não pelo comentário. Uma vibração dolorosa o acometeu do imo espírito. Uma pontada, um portão, dor.

Levou as mãos à cabeça, uma emaranhando-se nos fios escuros e a outra colando-se à bochecha, o punho cerrado. O negrume ao redor de Danae-Ie se retraiu com esse movimento, ele gritou. Khro suavizou um pouco a pegada, não tão suave como no momento em que o prendeu, e retornou para os arredores do palco de premiações, arrastando o Fazr'sho consigo.

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