♪ - Wendy decide voltar ao começo
— E então você decidiu pegar um ônibus e ir até lá? — Mina me perguntou, enquanto acariciava meu gato em seu colo, logo depois que lhe expliquei o que havia acontecido. Pelo espelho do guarda-roupas, vi minha irmã mudar o olhar da mala aberta em cima da cama até mim. — A mamãe vai surtar.
— Ela não vai surtar, porque em algum momento ela vai entender que isso é um direito meu. — respondi, decidida.
Não era como se eu não fosse grata pelos Kang terem me criado desde criança, mas era no mínimo angustiante ter feito 19 na última semana e não saber absolutamente, NADA sobre minha própria história antes da adoção. Tipo, sei lá.
— Como será que está o tempo em Busan agora? — resmunguei colocando um casaco a frente do meu corpo, mudando de assunto e observando meu reflexo. Me sentei na cama logo depois, pegando o celular e digitando a dúvida no campo de busca do navegador.
— Sora, você tem certeza que isso não foi um trote?
— Absoluta! Não sou tão idiota assim, 'tá bom? Chequei na internet, o número e o endereço batem com o que estão nos papéis de adoção.
— Ah, claro! Se está na internet, então deve ser verdade, não é? — Mina rolou os olhos. Esperei ela me chamar de boba, como sempre, mas ela decidiu não o fazer. — Isso é perigoso demais, unnie. Meu Deus.
— Pode ser, mas... meio que... tanto faz. Eu não tenho mais nada a perder. Preciso arriscar. — dei de ombros, para desespero da minha irmã. Peguei um elástico de cabelo que estava sobre minha escrivaninha, o segurei com os lábios enquanto juntava os fios na minha cabeça antes de os amarrar.
— Será que você não está colocando expectativa demais? Você realmente acredita que vai encontrar algo sobre seus pais biológicos indo até lá? Já faz tanto tempo...
Suspirei.
Ok, ela até poderia ter razão, mas eu não podia mudar de ideia. Não com as passagens e a hospedagem já pagas. Gastei meus últimos centavos e nem tinha como pedir reembolso por ser promoção. Sim, talvez eu seja um pouquinho impulsiva.
— Eu não estou com expectativa de nada, Mina — minha irmã arqueou a sobrancelha como quem dizia "sério?" e eu tive que rir. Não dava para negar que era engraçado ver que apesar dos sete anos de diferença, minha irmãzinha pré adolescente parecia extremamente mais pé no chão do que eu. — Eu não quero descobrir nada sobre a minha família biológica. Só acho que não faz sentido eles me ligarem do abrigo em que eu estava, me avisarem que encontraram coisas que estavam comigo no dia que me levaram para lá e eu simplesmente deixar que eles joguem fora porque tive medo de ver o que é. Eu não vou ter outra oportunidade assim nunca mais.
— Você não tem medo do que pode ter lá? Eles poderiam ter avisado do que se tratava. Essa história está toda muito mal explicada.
— Talvez eles quisessem ter certeza se era eu mesmo.
— Minha nossa, Sora — rolou os olhos mais uma vez. — E quem iria ter interesse em umas coisas velhas encontradas em um orfanato, se não fosse mesmo o proprietário dessas coisas?
— ... ah, sei lá.
— Se fosse comigo, não veria problema nenhum em conviver com a dúvida de como fui parar lá. Eu teria medo de saber qualquer coisa sobre as pessoas que me abandonaram. Sei lá. O amor dos nossos pais, não foi o suficiente para você desistir dessa ideia maluca?
— Arg. Não é nada disso, Mina. E poxa, eu nem sei se eu fui realmente abandonada — respondi um pouco desorientada com o que ouvi.
Ninguém sabia muito bem como eu fui parar no orfanato e eu até tinha esperanças de que não foi do jeito que minha irmã acabou de falar. Ouvir aquilo ser dito daquela maneira doeu um pouquinho, não dava para negar.
— Sou realista sobre isso e tenho noção de que não fui parar lá de um jeito encantador, até porque, ninguém vai parar em um orfanato de uma forma bonita. Mas sei lá, isso não é mais sobre eu ir atrás da minha família biológica, é sobre eu ir atrás do que restou das memórias de como isso começou. É sobre mim. — ela me encarou sem concordar, mas também não parecia mais discordar. — Vocês são a minha família e a importância disso não vai ser menor só porque estou indo para Busan buscar uma caixa com coisas velhas, como você mesma disse.
— Não foi isso, Sora. É só que você não sabe o motivo. Nunca te passou pela cabeça que seus pais biológicos podem não ser pessoas tão boas? E, porque o resto da sua família biológica não quis te criar? Você pode acabar se decepcionando mais ainda com essa história.
Aquilo me fez parar por alguns segundos.
A observei enrolar os longos cabelos escuros e os deixar sobre um dos ombros. Meu gato ao se aproveitar do gesto, pulou graciosamente de seu colo para dentro da mala.
Foi só alguns segundos mesmo.
— Mas você entende que eu nunca vou saber se não for lá? — insisti. Vi minha irmã rolar os olhos pela vigésima vez, mas daquela tão forte, que não sei como eles não pularam rosto afora.
— Você sempre diz que o melhor dia da sua vida foi o dia da sua adoção, não é? Não pode considerar que sua história começou ali e só ignorar o resto?
Eu entendia o porquê dela achar aquilo. Eu compreendia e não a julgava.
Mas não era assim que as coisas funcionavam.
Mina nunca teve dúvidas sobre de onde ela veio ou do porquê ela gostava de algumas coisas e odiava outras. Era só ela olhar para nossos pais ou para as fotos enquanto pequena que ela entendia de onde vinha aquilo.
Mas eu, mesmo com todo o amor que eles me deram, às vezes eu ainda me sentia uma estranha no ninho. E não, querer entender aquilo não era questão de egoísmo.
Era questão de encontrar uma das peças do quebra-cabeças da minha vida, para enfim, seguir em frente.
Fiz carinho em Yepee, ele, que depois de um bom tempo afofando as roupas na mala, bocejou e se deitou tranquilo, enchendo meu vestido florido de pelos laranjas. Daquela vez quem rolou os olhos, fui eu. Gato folgado.
— Foi mesmo o melhor dia da minha vida. Onde foi que eu disse que deixou de ser? A maioria das crianças que aguardam pela adoção, não têm a sorte que eu tive de ser escolhida por uma família tão legal e principalmente por não ter sido devolvida pouco tempo depois, porque infelizmente é o que acontece na maioria das vezes. Mas, não Mina, eu não posso ignorar os meus primeiros anos de vida. Porque eu já tinha seis anos quando o papai e a mamãe me adotaram. Passei parte da minha infância lá. Seis anos sem informação nenhuma é bastante coisa, você não acha? — despejei. Mina assentiu.
— O que exatamente você quer encontrar lá?
— Eu ainda não sei. Pode ser qualquer coisa, por menor que seja — exclamei, mexendo as mãos, talvez um pouco de mais, pensando em todas as possibilidades. Caramba...
— Quando você dá esse sorriso do tamanho do seu rosto, eu fico até com medo — resmungou.
Sorri maior ainda para ela.
Eu sei que aquilo demonstrava expectativa demais para minha irmã. Todo mundo da nossa família era assim. Preferiam seguir a linha racional e não criar tanta expectativa em cima de algo que parecia ser incerto.
E eu, risos, era exatamente ao contrário.
— E o estágio? — Mina perguntou, enfim entendendo que não adiantaria tentar me fazer mudar de ideia. Fui até o banheiro, jogando algumas coisas que achei na bancada dentro da necessaire. Percebi que ela se sentiu ignorada, já que desligou a música que tocava em minha caixinha e gritou do quarto. — E como vão ficar suas aulas?
— O estágio eu consegui que me liberassem, mesmo que eu precise repor isso na semana seguinte — gritei de volta — E as aulas... eu já vou reprovar mesmo — ri desgostosa me lembrando do curso de Administração.
Curso que eu odiava e que só fazia por forte influência dos meus pais que desejavam alguém para cuidar do pequeno negócio deles quando quisessem se aposentar.
Se dependesse só de mim, nem faculdade eu estaria fazendo. Poderia muito bem me virar com meu violão, agora largado no canto do quarto, se me dedicasse melhor a ele.
— Já falei com à Gi e ela vai me passar os textos depois. Aff, Mi, não tem porque se preocupar assim! Vou ficar poucos dias em Busan, pegar o que tiver lá e vir embora. — expliquei, me aproximando dela e conectando meu celular novamente no alto-falante.
— Sora, eu te conheço! Duvido que você vai fazer só isso mesmo!
— Não precisa sentir saudades, logo eu volto — segurei minha irmã pela bochecha e lhe dei um beijinho na testa. Mina me empurrou e fez careta limpando o local. — A mamãe nem vai dar falta de mim também. Você só precisa a controlar para não vir aqui em casa enquanto eu não estiver.
E com casa eu quis dizer o quarto minúsculo de república que dividia com minha melhor amiga e meu gato que me odiava. Mas isso não vem ao caso.
— Por que você me enfiou nisso? — ela reclamou, fazendo um bico fofo. — Acho melhor você falar logo que vai viajar...
— Você lembra o que aconteceu da última vez que eu falei sobre querer saber dos meus pais biológicos? — perguntei. Mina fez careta.
Vou poupar de todos os detalhes, mas vou registrar aqui que teve minha mãe gritando pelos quatro ventos o quanto eu era egoísta e meu pai chorando se perguntando onde errou comigo.
— Ok, a mamãe pirou. Mas, porque também você teve a brilhante ideia de falar isso no seu aniversário de 15 anos com toda a festa que ela preparou para você, sua cabeçuda.
— Eu achei que eles iam ficar orgulhosos por eu querer conhecer minha história.
— Meu Deus, Sora.
Eu expirei uma vez, jogando o ar para fora dos pulmões. Sabia que se continuasse, logo estaríamos brigando. Era assim toda vez e hoje eu não estava muito a fim não.
— Preciso que alguém alimente o Yepee. Não é Yepee? A Gi mal fica aqui. — segurei o gato ranzinza no ar e o encarei. Como sempre, ele apenas me encarou como se eu tivesse algum problema e me ignorou. Entreguei o animal para Mina e voltei a ajeitar a bagagem. — Ele parece gostar mais de você mesmo, esse ingrato.
— Você não quer que eu vá com você? — ela perguntou de repente, me surpreendendo. Lhe sorri e balancei a cabeça de um lado para o outro. Apesar de eu estar com um friozinho na barriga, eu tinha na minha cabeça que eu deveria resolver aquilo sozinha.
— Nah, não precisa.
— Ok, já entendi que não adianta falar mais nada. Já usei todos os meus argumentos e voltei a estaca zero. — ela suspirou baixinho e rolou os olhos mais uma vez. Imitei o gesto e ela riu. — Se cuida, ok? Fighting, unnie.
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