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♪ - Ela lhe contou histórias, ele a ensinou a voar

Ao ser aberta, a porta da loja encostou no sininho no alto fazendo aquele clássico som que todo mundo conhece. Me virei na direção a tempo de ver Jimin, de blusa de mangas compridas, com listras brancas e azuis, calças jeans e tênis branco, ultrapassar o vão dela.

Putz. Meu coração ficou esquisito pra caramba.

Ele arqueou as sobrancelhas, parecendo surpreso ao me ver. Jimin sorriu e eu sorri também. Então ele sorriu maior ainda quase fechando os olhos e eu também. Aquilo já estava no automático, já.

— Sora! — ele disse alto, se aproximando. Depois olhou para trás de mim — Voltei, vovô.

— Estou vendo que voltou — o senhor riu e continuou mexendo no relógio. Mordi o canto dos lábios e fitei Jimin.

— Eu achei que tivesse desistido da fita — neguei rapidamente com a cabeça, o observando correr para trás do balcão. Jimin pegou um molho de chaves do bolso e abriu uma das gavetas do balcão tirando a caixinha com a fita dali.

Ele a empurrou com cuidado na minha direção.

— Quanto ficou? — perguntei, segurando.

— Por conta da casa — o senhor Park disse, me sorrindo. — Considera que o pagamento foi a história que você me contou mais cedo.

Abri a boca para negar, mas Jimin me interrompeu.

— Nem perde seu tempo, o vovô é meio cabeça dura. — Ele levou a mão ao lado da boca, resmungando. Sussurrei um agradecimento, guardando a fita no bolso do meu casaco, e o senhorzinho apenas assentiu.

Jimin contornou o balcão, me segurou de forma delicada pelo braço e me guiou até o lado de fora da loja.

Nós paramos um de frente para o outro e ele tirou do bolso o walkman amarelo. Segurou uma das minhas mãos, a levantando, e deixou o aparelho ali. Ainda a segurando ele me fitou sorrindo. Um pouquinho perto demais.

Dessa vez não só meu coração, mas também meu estômago, ficaram esquisitos.

— Quando você terminar de ouvir, é só levar lá dentro.

Mas antes que ele pudesse se afastar, e antes mesmo de eu perceber o que estava fazendo, segurei seu pulso com a outra mão e Jimin me encarou confuso.

— Hm... É... — soltei a mão dele e mexi na franja, sem jeito. Ele me encarou, arqueando as sobrancelhas, esperando uma resposta. — Você não quer ouvir também?

Ele pareceu surpreso, mas após olhar de soslaio na direção da loja e ainda ver o avô mexendo no tal relógio sobre o balcão, assentiu. Sorri agradecida e me virei, dando alguns passos pela calçada, com ele fazendo o mesmo ao meu lado.

Depois desses alguns passos, parei e fitei o walkman amarelo em minhas mãos. Amarelo era a cor favorita da minha mãe... pensar nela me deu um apertinho no coração. Respirei fundo quando senti meu nariz arder e passei a mão no rosto, bagunçando a franja. Fechei os olhos e olhei para cima. A culpa e o medo me acertando em cheio.

Eu era uma pessoa horrorosa. Sim, eu era.

Ao abrir meus olhos, vi que Jimin me olhou confuso, sem entender o que estava acontecendo. Se ele me achava doida, agora tinha certeza.

O senti me segurar com cuidado no braço e me puxar até a ponta da calçada, para sentarmos ali.

Parabéns, Sora. A um passo de ficar toda encatarrada na frente do carinha mais legal que você já conheceu. Demais. Top. Isso mesmo. Continua que tá pouco.

— Você está bem? — o ouvi perguntar. Assenti, mas a minha cara devia estar péssima, porque ele não pareceu acreditar não. — Tem a ver com o que meu avô disse? Sobre a história que você contou à ele?

Tentei sorrir em resposta, e aff, pela cara que Jimin fez, com toda certeza, saiu uma careta mais horrorosa ainda. Fitei a loja de conveniência do outro lado da rua e simplesmente desisti de esconder e contei à Jimin o que tinha me feito sair de Seul indo até Busan.

— Ele disse que precisou testar a fita e acabou ouvindo o começo. Que não têm só músicas aqui. — respirei fundo, já sentindo que poderia chorar a qualquer momento. Mina me chamava de manteiga derretida e eu tenho que concordar com ela. — Ele não me contou o que é, mas eu estou apavorada com o que pode ter aqui dentro.

— Você acha que pode estar traindo seus pais se fizer isso? — perguntou e eu assenti, fungando. — Sora, eu acho que uma coisa não tem nada a ver com outra. Não é como se o sentimento entre vocês fosse mudar porque você vai ouvir uma fita cassete.

— É que não é só isso. Eu vim escondida, Jimin. Eles não sabem que eu estou em Busan.

Jimin arregalou os olhos, e fez "oh" com a boca. Ele desviou o olhar do meu rosto, parecendo não saber o que falar, e foram tantas caretas em segundos, que mesmo em meio a toda aquela situação desastrosa, eu acabei rindo.

— Desculpa, é que... Caramba, Sora.

— Tudo bem, é complicado. Eu já aceitei que vou estar adulta, na minha casa, e meus pais ainda vão me ligar para me dar bronca por causa disso. Talvez eu fique de castigo pelo resto da minha vida.

— Eu acho que você vai mesmo — ele disse atrapalhado, e eu ri com a expressão que ele tinha no rosto. — Quantos anos você tem? Como você embarcou sozinha? Ninguém te impediu na rodoviária? Meu Deus...

— Eu fiz 19 na semana passada. E pela lei da Coreia, eu sou maior de idade. — ele assentiu, parecendo entender. Mas a real é que para meus pais aquilo não fazia diferença nenhuma e só agora a minha ficha estava caindo. Eu estava muito ferrada. — Quantos anos você tem, Jimin?

O Park encarou o chão, fez bico e não respondeu. Eu ri.

— Eu sou sua noona? — provoquei, mesmo secando as lágrimas que percebi só agora que rolaram nas minhas bochechas. Ai, eu era mesmo uma piada.

— Logo eu faço 19 também. Final do ano. — ele respondeu, meio indignado. — E não, não vou te chamar de noona, nem vem.

Eu ri mais uma vez com a cara que ele fez. E Jimin estava bem bonitinho todo encabulado. Não que ele não fosse bonitinho quando não estava com vergonha... No caso, é que ele estava mais bonitinho agora e... aff.

Senti meu rosto esquentar e me senti patética também. Eu estava toda confusa já.

Ficamos em silêncio por alguns minutos e depois eu respirei fundo, encarando o objeto nas minhas mãos. Olhei o walkman no meu colo e suspirei, talvez alto demais, já que chamei a atenção de Jimin. Olhei de volta, e ele assentiu uma vez, me incentivando a continuar de onde eu havia parado.

Gemi de nervoso olhando para as nuvens no céu e abaixei o olhar novamente. Abri o walkman e com cuidado, e enrolando bem mais do que o necessário, coloquei a fita no aparelho. Entreguei um fone a Jimin, e coloquei o outro na minha orelha.

Apertei o botão que ele tinha me indicado e esperei. 


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