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Written on the Napkin.



Eu estava demorando mais do que normalmente demoraria para escrever meu número. E não, não era por causa da luz escura, da caneta falhando e rasgando um pouco o guardanapo. Nem mesmo era a falta de apoio, já que ele havia me oferecido as próprias costas para isso. Era porque eu tentava me decidir se escrevia o número certo ou não para o rapaz tão prestativo à minha frente talvez me ligar. Minhas mãos estavam já suadas envoltas à caneta quando tive uma ideia covarde antes de lhe entregar o guardanapo.

- Ai, não - eu disse, levando minha mão à boca

- O que foi? - ele perguntou, ainda de costas

Eu o empurrei da minha frente, forçando um desespero para chegar ao banheiro. Fechei a porta com força, causando uma cena no meio de todos e fingi estar vomitando. Na realidade eu estava respirando forte, pensando em como me livraria dele agora, presa em um banheiro, fingindo estar passando mal. Abri a torneira, deixando a água escorrer, e lavei meu rosto com cuidado para não manchar toda a máscara de cílios.

- Está tudo bem? - ouvi a voz abafada do outro lado da porta

- Tudo, só me deixa sozinha por um tempo. Está tudo certo - menti, fingindo uma voz um pouco rouca

Esperei alguns minutos. Dei descarga e esperei mais um pouco até abrir a porta devagar, torcendo para que ele não estivesse ali, me esperando. Agradeci aos céus quando percebi que ele estava se dirigindo à cozinha. Enfiei o guardanapo no bolso da calça e andei rapidamente até a janela. Aproveitei para resgatar o copo que eu havia deixado para trás quando precisei escrever meu número. Atravessei a cortina e encontrei uma pequena varanda suspensa que eu já havia avistado quando cheguei ao endereço. Finalmente eu estava em paz. Sentei-me, encostando a cabeça e respirando o ar frio, mas fresco, do lado de fora da festa.

Meu momento de solidão não durou muito. Fiquei aflita quando vi uma sombra do outro lado da cortina abrindo-a. Para meu alívio, não era o sujeito do qual eu estava fugindo.

- Ops, foi mal. Achei que não tinha ninguém aqui - outra pessoa disse, pronta para ir embora

- Não, sem problema, tem espaço para nós dois aqui. Não vou te proibir de ter o prazer de sair um pouco dessa bagunça aí de dentro.

O homem estranhou minha resposta, mas adentrou à varanda. Cheguei-me um pouco para o lado e ele também se sentou.

- Não está gostando da festa? - ele perguntou depois de algum silêncio

- Não é que eu esteja odiando, mas eu fico pensando em como eu estaria feliz agora na minha cama, debaixo da coberta, vendo qualquer porcaria na TV e sem me preocupar com nada.

Ele deu uma meia risada.

- Eu entendo. Eu estava pensando agora mesmo que eu estou perdendo aquele programa de vida animal que passa sexta à noite.

Eu o encarei.

- Eles iam mostrar hoje a vida das cobras no deserto do Sahara! - ele disse, como se fosse algo óbvio e empolgante

Bom, era sim muito mais empolgante do que o que estava acontecendo do outro lado da janela.

- E você preferiu vir até aqui ver a vida animal e selvagem com seus próprios olhos? - eu brinquei e ele não demorou muito para entender

- É, mas o habitat natural dos burros e das antas não é tão emocionante.

Eu quase cuspi tudo o que eu havia bebido do meu copo de volta pelo mesmo canudinho, segurando uma risada.

Era uma noite quente para os padrões desta cidade, mas o vento leve que corria pela rua era refrescante. O céu estava limpo e mais estrelas eram visíveis do que o comum. Respiramos fundo e ficamos em silêncio de novo. Ele olhava para cima. Eu fechei os olhos, sentindo o vento. Era bom ter um momento de tranquilidade, sem interações forçadas e sem olhares de julgamento. 

- Ah, aí está você!

Abri os olhos, já pensando em como eu iria me livrar dele. Ele foi entrando. Nem perguntou se estava incomodando. Nem perguntou se podia adentrar à sacada.

Tive que me apertar mais para o indivíduo se sentar ao meu lado.

- Preciso te contar! Aconteceu uma coisa bizarra agora! - ele começou a tagarelar

Ele não havia nem mesmo perguntado se eu estava bem depois de presumidamente ter me trancado no banheiro passando mal.

- Um cara esbarrou aqui comigo na festa e acabou derrubando bebida no meu tênis, né... - ele continuou, não percebendo que eu não havia falado nada até agora

Eu não havia perguntado o que tinha acontecido. Eu não me importava nem um pouco com sua história.

- Daí ele parou e me olhou e perguntou se eu não era o primo de uma garota que ele havia ajudado depois de um acidente de carro, e, sim, ela é minha prima! Então, bizarro, né? Mas não foi só isso...

A voz incessante dele batia como um sino pesado em minha cabeça a cada palavra falada. Ele não havia percebido que eu estava olhando-o com meu olhar cerrado, cheio de raiva. Ele não havia notado minha boca se contorcendo e torcendo para que ele ficasse mudo pelo resto de sua vida.

Ele era tão cheio de si que continuava falando, falando e não percebia que eu não estava nem um pouco interessada.

Respirei fundo. Contei até 10 com os olhos fechados. Nem isso fez com que ele parasse.

Eu estava perdida em tanta raiva que não vi quando outro rapaz do meu lado saiu silenciosamente da sacada.

Levei meu copo à boca, fitando o tagarela firmemente. Suguei um pouco da bebida com o canudo antes de cuspir tudo em seu colo.

- Ai, de novo não - levei minha mão à boca, correndo para fora da sacada e fugindo daquele inferno

Tive que correr até a cozinha para não dar tempo dele ir atrás de mim e notar que eu não havia entrado no banheiro. Foi uma cena ridícula, mas não tanto quanto ele falando de assuntos irrelevantes com quem não estava nem aí.

Respirei fundo, encostando meu corpo já cansado daquela noite no balcão da pia. Enchi meu copo até a boca. Enquanto planejava como fugir dali, afinal o metrô só iria abrir em aproximadamente cinco horas, avistei um cômodo no qual não havia reparado antes, talvez porque estivesse com as luzes desligadas anteriormente.

Minha curiosidade me levou a chegar mais perto da porta mal encostada e eu a abri devagar até perceber que o desconhecido da sacada estava ali. Ele estava sentado no chão, com a cabeça encostada na máquina de lavar, de olhos fechados. Eu ia sair de fininho, mas, ao tentar encostar a porta de novo, ele se pronunciou.

- Pode entrar, não tem problema, estamos quites agora.

Eu parei por um segundo pensando se eu deveria ou não. Mas acabei decidindo que era um ótimo esconderijo para o resto da noite. Fechei a porta e me sentei encostada em um armário, ao seu lado, porém de frente a ele. O lugar era pequeno e, com nossas pernas esticadas, quase não se via mais o chão.

Ficamos em silêncio um pouco, ele de olhos fechados, eu olhando para cima, mas sem conseguir fechar as pálpebras.

- O que você está bebendo? 

Sua voz me assustou. Por um momento eu havia me transportado mentalmente para longe da festa. Demorei um pouco para responder.

- Coca. E uísque. Mais uísque do que coca, na verdade. Quer?

Ele aceitou e deu um gole, fazendo uma careta no começo.

- Então, como você descobriu esse esconderijo secreto nessa festa?

Ele me olhou um pouco sem entender.

- Não sabia que todas as pessoas descoladas vêm aqui cheirar um pouco de sabão em pó? Dizem que é dez vezes mais alucinógeno que LSD.

Foi a minha vez de encará-lo.

- Ah, é? Pois saiba que eu ouvi que injetar amaciante na veia é bem mais relaxante que um baseado - eu brinquei 

Ele riu, jogando sua cabeça para trás e a encostando de novo na máquina de lavar.

- Já sei o que eu vou fazer pra ganhar dinheiro. Abrir uma lavanderia de fachada.

Foi a minha vez de rir e jogar o pescoço para trás, tomando um gole da minha bebida.

- Meu primo mora aqui - ele respondeu à pergunta sem piadas - É por isso que eu conheço essa lavanderia. É por isso que eu estou aqui, na verdade.

- Bom, meu primo não mora aqui, mas infelizmente eu também tive que vir.

- Quem te obrigou? Não me diga que foi aquele imbecil da sacada? 

- Não, foi minha melhor amiga. Na verdade, ex-melhor amiga. Me colocar nessa fria de encontro duplo com aquele cara não é coisa que melhor amigo faria.

- É, eu realmente não entendo essa coisa de encontro duplo. Será que o relacionamento é tão ruim que precisam de outro casal pior ainda pra validarem alguma coisa?

- Eu não sei. Algumas pessoas têm medo de ficarem sozinhas, ainda mais sozinhas com outras pessoas em volta.

O silêncio voltou a reinar naquele pequeno cômodo.

- Você se importa se eu apagar a luz? - ele perguntou - Minha cabeça está estourando e parece que tá tudo brilhante demais.

- Sem problema. 

Ele se esticou e alcançou o interruptor. Pelo menos assim ia ser mais difícil do insuportável me encontrar, pensei eu.


Nós ficamos um pouco no escuro. O som abafado da festa na sala parecia cada vez mais distante. O silêncio ia ficando cada vez mais confortável. Até que meu estômago resolveu roncar alto.

- Isso tudo é fome? - ele perguntou

Eu não achava que tivesse sido tão forte, mas eu estava sem comer nada há mais de 5 horas e tudo o que descia pela minha garganta era álcool. Então sim, eu estava faminta. Um pouco bêbada também, consequentemente.

- Eu achei que ia ter alguma coisa para comer aqui. Sei lá, pelo menos uns petiscos.

Ele riu, talvez sem acreditar na minha ingenuidade.

- Tem um lugar que vende batata frita e kebab bem aqui na esquina e eles ficam abertos 24h no final de semana. Se quiser, podemos ir lá.

- Parece uma boa ideia... Antes que meu estômago ronque de novo, mas por causa da bebida rodando sozinha nele.

- Feito. Eu estou com saudades do molho de curry deles.

A luz do cômodo foi acesa e ele estendeu as mãos para me ajudar a levantar.

- Eu só preciso achar a minha ex-melhor amiga para dizer que eu vou sair - eu disse, pensando que ela talvez ficaria preocupada se não me visse mais na festa

Ele concordou com a cabeça. Atravessamos a cozinha escura e, na sala, havia menos gente, mas continuava um clima infernal. Tentei localizar Nina, mas ela não estava em nenhum lugar ali. Entretanto, o meu "encontro duplo" estava aos beijos com uma garota em um dos cantos. Bom, antes ela do que eu!

Não havia ninguém no banheiro e só havia mais dois cômodos no flat. Aproximei-me de uma das portas e, quando ia abri-la, um casal saiu de dentro dele. Dei uma boa olhada e não havia mais ninguém lá dentro. Eu me direcionei ao outro quarto, mas o rapaz que me acompanhava disse algo que me fez parar de virar a maçaneta.

- Sabe... Esse é o quarto do meu primo e ele só deixa a porta assim quando... Bem... Não quer ser incomodado. E sua amiga não está em nenhum outro lugar aqui...

Eu liguei os pontos. Ew.

- Espera, seu primo e minha amiga? Ugh - eu fiz uma careta

- É melhor a gente ir buscar comida antes que você vomite por outros motivos - ele comentou, me fazendo concordar 

Agarrei meu casaco do cabideiro sem olhar para trás. O rapaz junto a mim fez o mesmo e vestiu sua jaqueta. Só havia mais um casaco pendurado ali. Pelo visto, apenas nós dois e mais uma pessoa sabiam que não se dava para confiar no verão desta cidade.

Descemos as escadas até à entrada calados. Ele abriu a porta para mim e eu pude sentir a brisa gelada no ar.

- Não dá para sair sem casaco nessa cidade - ele comentou ao ver que eu cruzei os braços para fechar o casaco em meu peito

- Principalmente impermeáveis, porque já servem como capa de chuva - respondi

O rapaz riu de leve. Andávamos lado a lado pela rua até chegarmos em uma avenida mais movimentada. Tinha mais gente ali do que eu esperava para uma madrugada.

- É bem ali - ele apontou - O lugar que eu falei.

Havia uma pequena fila no Sahid's Chips & Kebab, o lugar que ele havia indicado, mas não tinha problema. Eu tinha tempo de sobra.

Atravessamos a rua e, em silêncio, entramos na fila. Havia uma discussão ao lado da lanchonete e, por mais que todos em volta parecessem estar tentando ignorá-la, cada vez mais as vozes ficavam mais altas. O rapaz ao meu lado também parecia estar prestando atenção disfarçadamente na confusão.

- E aí, o que você vai pedir? Uma porção de barraco com um pouco de gritos ou só vai esperar eles saírem no tapa daqui a pouco? - eu perguntei, nem um pouco delicadamente 

Ele me olhou, deve ter demorado uns 2 segundos para entender e deu uma risada.

- Tapas? Esses dois aí vão pedir um balde inteiro de socos com molho de sangue.

- É engraçado como todo mundo está fingindo não notar, mas todos os ouvidos estão ligados na discussão - comentei

- Sim, tipo quando você ia brincar na casa de um amigo e a mãe dele começava a dar um sermão nele na sua frente.

- E você fingia continuar jogando vídeo game mesmo com eles gritando do seu lado - concordei, andando junto com a fila

- Quem você acha que tem razão? - ele perguntou a mim olhando para a briga ao lado

- Não sei, pegamos a discussão no meio, né? Falta um pouco de contexto pro enredo, mas acho que não precisava criar tanta confusão por causa de uma carona.

- Mas o cara deu carona pra namorada do amigo sendo que ele ia levar ela pra casa. Estragou um pouco os planos, né?

- Ué, a namorada que pediu a carona pelo visto, por que não pediu pra ele e sim pro amigo? Tem mais coisa aí. Será que aconteceu alguma coisa mesmo ou só é ciúmes?

- Sei lá. Bom, a namorada deve ser ex-namorada agora, porque cadê ela?

- Vão pedir algo? - nós dois despertamos de nossos comentários ao vivo e vimos que, no lugar da fila, agora havia um espaço vazio entre nós e o balcão.

- Sim, uma porção de vergonha alheia por esses dois aí - ele comentou baixo e eu não pude deixar de rir

- Quê? - o atendente disse 

- Uma porção grande de batatas ao molho curry - eu pedi

- E um pouco de queijo também - ele complementou, me explicando - A combinação é muito boa, garanto.

Enquanto eu tirava uma nota do bolso de minha calça, ouvi um grande barulho e levei um susto. Todos se viraram para ver. A briga, antes verbal, virou uma sequência de empurrões e socos. Eu ainda estava tentando entender a cena quando houve um barulho ainda maior: um policial derrubou um dos homens ao chão e segurou suas mãos para trás de seu corpo. Outro oficial segurava o outro homem envolvido na confusão.

- Batata? 

Despertei do meu choque com uma bandeja de batatas à minha frente. 

- Bom, já que não tem pipoca, serve - eu ri e nós continuamos assistindo à cena lamentável encostados ao balcão de inox do lugar

- É sério que um deles perdeu o dente? Eu não vi esse detalhe.

- Sério, esse aqui da frente ainda - o homem me indicou usando seus dentes como exemplo

O "show" tinha acabado e nós decidimos terminar as batatas sentados em um banco, em uma área movimentada dali.

- Caramba, foi daí que veio o sangue que eu vi espirrado no vidro?

- Possivelmente. O outro deve ter saído com algumas lesões menores. 

- Espera, o que perdeu o dente foi o namorado corno ou o amigo traidor?

- O namorado.

- É, talvez ele merecesse. Se a namorada queria ir embora e ele não quis, o problema é dele que deixou a chance passar.

- Mas você não acha que o amigo foi bem sacana também?

- Bom, talvez seja só invenção da cabeça do namorado ciumento, talvez nem tenha acontecido nada.

- Céus, será que eu vou ter que ir na delegacia matar minha curiosidade? - ele comentou

Nós suspiramos, rindo e balançando a cabeça.

- Confesso que isso valeu eu ter vindo à festa. Ah, e claro, essas batatas com esse molho também - eu disse, de boca cheia

- Eu falei que eram boas, principalmente depois de ficar bêbado em festas ruins.

- Você já ficou bêbado muitas vezes em festas ruins?

- Meu primo costuma me obrigar a ir às festas ruins dele, então sim. E você costuma ficar bêbada em encontros duplos ruins em festas piores ainda?

- Não, primeira e única vez! - eu sorri, confiante e ele balançou a cabeça rindo

Eram quase duas da manhã mas o movimento continuava grande nas boates e pubs em volta. Estávamos sentados no mesmo banco observando quem passava, sem vontade de voltarmos à festa.

- O que você faz quando não está em festas ruins? - sua pergunta me pegou de surpresa

- Hum, você diz quando eu estou... Trabalhando?

- É, acho que seria melhor perguntar com o que você trabalha.

- Bom, eu sou jornalista. Na verdade, mais para assistente do que jornalista.

- Como assim?

- A editora-chefe simplesmente me adotou como assistente dela e agora eu quase não escrevo, só reviso as ideias dela, busco café, levo as roupas dela pra lavar, o cachorro dela pra tomar banho...

Ele demorou um pouco para falar de novo.

- Desculpa se eu toquei em um assunto desagradável.

- Não, não precisa se preocupar. Infelizmente, eu já estou acostumada a essa rotina.

- Pelo menos o salário é bom?

- Dá pra me virar, mas dinheiro não pode ser o único incentivo.

- Sim, concordo. E em um mundo paralelo onde tudo fosse perfeito, você ainda trabalharia como jornalista?

- Sim. E viajaria o mundo escrevendo sobre diferentes culturas, costumes e pessoas - eu sorri - Mas por enquanto sou só estagiária em uma revista de estilo de vida e decoração.

- Você já deu alguns textos seus para sua chefe ler?

- Eu corrijo os textos dela e às vezes adiciono algumas coisas minhas.

- Mas o nome que sai na revista é sempre o dela, não é? - ele perguntou e eu dei os ombros - Um dia você deveria reescrever um texto todo dela e mandarem imprimir com o seu nome... Assim, sem querer.

- E ser demitida e nunca mais conseguir emprego em lugar nenhum porque ela deve conhecer todas as editoras dessa cidade? - ironizei

- Mas, e se for a melhor matéria que você já escreveu e fizer um grande sucesso? Todos iam querer te contratar!

Eu rolei os olhos, rindo.

- E você, o que faz no mundo real e não nesse universo paralelo onde tudo é perfeito e eu conseguiria um emprego depois de fazer o que você propôs?

Foi sua vez e rolar os olhos.

- Sou técnico de informática, trabalho em um banco e também informalmente quando posso.

- E você está falando disso com tanta tranquilidade quando faltam menos de seis meses para o fim do mundo digital?

- O bug do milênio? - o homem gargalhou - Por que as pessoas estão surtando por causa disso? Nada demais vai acontecer.

- Nada demais? Já ouvi comentários dignos de apocalipse. Quer dizer que os aviões não vão cair do céu por causa de alguma pane dos controles de vôo? O mercado de ações não vai quebrar? E os aparelhos vitais nos hospitais?

- Você vai ver que essa histeria vai parecer ridícula quando der meia noite. Sério. Todos os sistemas já estão sendo atualizados e tudo o que pode acontecer é algum relógio digital marcar primeiro de janeiro de 1900 e não 2000. Nada demais.

Eu cerrei meus olhos.

- Você está falando isso só para me acalmar diante da possibilidade do fim do mundo? Só para que eu viva meus últimos seis meses de vida em paz?

- Talvez. Mas você só vai descobrir daqui a seis meses.

O rapaz piscou para mim, caindo em uma risada alta. Eu apenas dei um tapa sem força em seu braço enquanto balançava a cabeça.

- Não é estranho? Parece que são duas cidades em uma.

Nós estávamos andando para outro bairro, já que o movimento onde estávamos sentados começou a perder nosso interesse.

- Eu não sei, eu quase não ando por aqui à noite, eu só devo conhecer uma dessas cidades.

- Por exemplo, tem um bar por aqui que o pessoal onde trabalho sempre comenta e vem, mas como eu só venho aqui de dia, eu mal sei onde é. Será que eu estou perdendo toda a parte divertida da cidade?

- Ou quem sabe você está vivendo a parte adulta da cidade, na qual você está dormindo essa hora da noite porque precisa trabalhar cedo no outro dia? - eu ironizei

- Não sei. Às vezes eu acho que estou ficando mais velho mais rápido do que os outros.

- Bom, você trocaria uma festa por um programa de vida animal em um sábado à noite, então a resposta é sim.

- Há. E pelo o que você trocaria a festa horrível de hoje? - ele me perguntou, levantando a sobrancelha

- Um bom livro, uma música boa no rádio e uma xícara de chá.

Ele caiu na gargalhada.

- Eu que sou velho ou você acabou de descrever a rotina de sábado da sua vó?

Cerrei meus olhos a ele, deixando o comentário para lá, quando era a mais pura verdade. 

- Bom, pelo menos eu não estaria andando sem rumo com um desconhecido enquanto eu espero o metrô abrir, né?

- Ah, não está sendo tão ruim assim. Quer saber, que tal a gente agir como se tivéssemos a idade que temos?

- Como assim?

Eu continuei andando pela calçada, mas ele havia parado.

- O que foi? - indaguei-o

- É aquele! Aquele é o bar que o pessoal tanto fala. Vamos?

Dei uma olhada para o outro lado da rua. Eu nunca entraria ali por conta própria, mas meus pés estavam cansados de tanto andar. 

- É sério? - eu perguntei, observando a fachada do lugar enquanto as poucas pessoas fumando encostadas à porta nos olhavam com desdém 

- Vamos, vai ser divertido! - ele riu, eu rolei os olhos, mas acabei aceitando

Havia uma fumaça densa no local e aos poucos fui distinguindo paredes e mesas. Havia algumas pessoas sentadas em cantos, outras em pé no meio do caminho. Segui minha companhia até um balcão de bar onde tinham alguns lugares vagos.

- Que música horrível é essa tocando? - eu perguntei, me sentando, sem saber se ele estava conseguindo me ouvir

O rapaz olhou por cima da fumaça, tentando enxergar algo.

- Eu realmente acho que é alguém cantando karaokê.

- Karaokê? - eu expressei alto demais - Por que essa pessoa está cantando como se tivesse morrendo e por que ninguém está fazendo nada para que essa tortura acabe?

Ele gargalhou ao ouvir meu comentário.

- O que vai ser? - disse um bartender, que surgiu praticamente do nada do outro lado do balcão

- Qualquer coisa menos o que aquele cara cantando tomou! - o homem ao meu lado disse

Eu acabei rindo, mas o bartender entendeu a resposta literalmente. Colocou dois copos pequenos em cima do balcão e os encheu com algo que eu não consegui identificar. 

Levei o meu perto de meu nariz, mas não reconheci o cheiro.

- O que é isso?

- Sei lá. Saúde! - o homem brindou encostando seu copo ao meu e o virou de uma só vez

Decidi virar o copo também antes de ver sua careta.

- Até que não é tão ruim depois que desce a garganta.

- Você quer dizer depois que o gosto passa? - rebati

- Ei, amigo, mais uma dose! - ele gritou e eu ia impedi-lo, mas não tive a coragem. 

Assistimos novamente ao bartender derramar a bebida em nosso copos mas desta vez os viramos juntos... E acabamos caindo em uma risada sem sentido.

O música do karaokê parou e eu pude ouvir poucos aplausos. Todo mundo estava feliz por ter acabado.

- Quer saber? Segunda-feira eu finalmente vou poder dizer ao pessoal do banco que o gosto deles é péssimo. Pelo menos no quesito bares.

- E eu provavelmente vou ter que colocar esse bar aqui na lista negra de lugares onde nunca ir da minha chefe.

- O quê? Ela te faz escrever listas pessoais pra ela?

- E ainda me culpa quando fez algo e não gostou.

- Por que você ainda trabalha pra ela? 

Ele estava falando alto demais e eu mal havia percebido que ele já estava na terceira dose de sei lá o que havíamos tomado.

- Porque eu tenho um aluguel para pagar e porque eu não quero morrer de fome - eu dei meus ombros

- Você não me disse que quer viajar o mundo e escrever sobre tudo? Por que não começa por aqui?

- Quê?

- É sério! Tem gente de todo lugar aqui nessa cidade, provavelmente você vai encontrar umas dez nacionalidades diferentes só nesse bar esquisito! 

Eu ia responder algo, mas ele me cortou com um "já sei", como se tivesse acabado de descobrir a solução de um enigma milenar.

- Você poderia escrever na internet! Ter uma página pessoal para você escrever sobre as culturas aqui na cidade! E daí você poderia colocar o endereço dessa página no seu currículo, começar a espalhar ele por aí, assim você vai fazer algo que gosta e as pessoas vão saber do que você é capaz! Não seria legal? Se quiser eu te ajudo!

- O que tinha nessa bebida? Ecstasy?

- Não, é sério. Eu sei que eu estou animado demais, mas seria uma grande oportunidade! Você seria pioneira, escreveria conteúdo interessante ao invés de páginas pessoais sem sentido, o que eu mais vejo por aí. 

- Tá. Primeiro que deve ser uma fortuna ter uma página minha na internet. Segundo, imagina o absurdo da minha conta de telefone? Terceiro, quem vai ler?

- Ok, você está sendo super negativa sobre isso. Pode ser sua resolução de ano novo. Começar a fazer o que gosta e assim se livrar do seu emprego!

- Só pra você saber, eu nunca cumpro as minhas resoluções.

- Mas vai ser a virada do milênio. As resoluções tem duas vezes mais importância!

Eu gargalhei.

- De onde você tirou isso?

- Devia realmente ter algo nessa bebida - ele pareceu preocupado - Mas anota a minha ideia. Você ainda vai ficar rica!

- Isso se o mundo não acabar daqui a seis meses.

- Bom, só faz as resoluções serem mais importantes ainda - ele sorriu e eu não discuti mais

Nós decidimos deixar o bar antes que a bebida nos fizesse subir no palco para cantar a música mais brega do catálogo do karaokê. Estávamos um pouco cambaleantes, talvez por isso o ritmo da nossa caminhada diminuiu, me fazendo reparar mais à minha volta.

- Você estava certo quando disse que tem duas cidades em uma aqui. Esse bairro mesmo... Eu tô com a impressão de que nunca nem passei perto daqui. Aquele prédio enorme estava sempre ali e eu nunca reparei? - falei, olhando pra cima

- Eu não sei. Já reparou que demora uns 6 meses para construir um arranha céu desses? O que que esses caras fazem? Eu não consigo nem construir uma torre de cartas com mais de três andares que fique em pé!

Eu gargalhei ao ouvir sua comparação.

- Imagina o que eles vão conseguir fazer no século 21!

- Carros voadores?

- Teletransporte?

- Não duvido, já que aquele prédio ali provavelmente se teletransportou pra cá - ele apontou para uma construção à frente de nós - Eu passo todo dia por aqui e eu nunca vi ele.

- Passa todo dia por aqui?

- Sim, eu trabalho em um banco a algumas quadras daqui e na rua de trás dessa aqui fica minha cafeteria favorita. É parte da minha rotina fazer esse caminho... Mas não às quatro da manhã, quando tudo parece um deserto urbano cheio de luz artificial.

- Você tem uma cafeteria favorita?

- Você não? - o homem me olhou com certa surpresa

- Acho que não, nunca parei para pensar.

- Sério? Eu até vou em outras cafeterias, mas eu me sinto traindo ela - ele riu consigo mesmo - É idiota, mas é verdade.

- Eu não acho idiota - sorri - Mas o que tem de tão especial nessa cafeteria que as outras não tem?

- O café é sempre feito no ponto certo e é sempre fresco, com um aroma inconfundível. O muffin deles é espetacular, eu nunca vou me cansar de comer. Sem falar no bolo de cenoura. Ah, e tem sempre uma poltrona confortável vaga. É bem aconchegante e eu me sinto em casa lá.

O rapaz comentou tudo isso olhando para baixo, para o asfalto, como se estivesse com vergonha de admitir.

- Que pena que não está aberta agora. Fiquei curiosa. Eu queria ter esse sentimento com algum lugar, mas eu fico presa o dia todo no escritório preparando café e não o bebendo.

- Mas você não tem esse sentimento com alguma outra coisa? Algo que te faz feliz, que sempre é a mesma coisa, mas da qual você nunca se cansa?

Eu tive que parar um pouco e pensar nisso, até mesmo parei de andar para tentar buscar em minha mente algo que me desse tanta felicidade.

- Bom, acho que para mim seria o fim da noite, quando eu preparo meu chá e sento na beirada da janela, às vezes olhando a vista, às vezes lendo algum livro. Eu fico um pouco chateada quando chego em casa tarde demais e não consigo fazer isso.

- E aposto que você não trocaria esse momento por uma festa horrível, mas mesmo assim o trocou hoje, certo?

- Corretíssimo. Mas hoje eu não estou muito arrependida.

Mal acreditei que eu havia dito aquilo tão naturalmente. Ele olhou para baixo com as mãos no bolso, diminuindo o passo.

- É, eu também não.

Começou a chover, para nenhuma surpresa nossa. Era uma chuva fina que batia em meu rosto fazendo meu nariz ficar gelado. Continuávamos andando pela ruas desertas, mas iluminadas. Eu teria medo de andar ali tão tarde, mas medo era o menor sentimento dentro de mim naquela noite.

- Você por acaso não tem um celular com você, né? - ele perguntou, pra minha confusão

Estávamos debaixo de uma marquise, esperando a chuva, agora mais grossa, passar.

- Você não ouviu quando eu disse que era assistente em uma editora? É claro que eu não tenho um celular, eu não sou bilionária ainda.

- Deixa pra lá, foi uma pergunta idiota.

- Por quê? Você precisa ligar para alguém?

- Ah, na verdade sim, mas não tem problema. Não era urgente.

O silêncio entre nós e as gotas caindo em minha frente me forçaram a matar minha curiosidade.

- A gente pode procurar um telefone público. Deve ter um aqui perto. Só precisamos ter a sorte de acharmos um que não cheire a mijo.

- Não, não tem problema. Daqui a pouco já vou estar em casa mesmo.

Eu o observei de lado. Não sabia se eu continuava perguntando ou não.

- É que... Eu achei que ia estar na festa a noite toda e poderia ligar de lá - ele começou a se explicar sem que eu precisasse perguntar - Eu moro com meu pai, minha mãe faleceu há um tempo atrás em um acidente. E meu pai de um tempo para cá começou a desenvolver Alzheimer e acorda às vezes à noite, desorientado, sem saber onde está minha mãe e acaba se desesperando. Quando eu estou lá eu o acalmo, mas quando não estou eu ligo para garantir que tudo está bem.

O rapaz falou tudo aquilo olhando para os pés.

- Você quer achar um telefone público? Eu não me importo em me molhar.

Foi o máximo que consegui dizer sem o deixar desconfortável. Eu sorri a ele e fomos em busca de uma cabine de telefone.


Acabamos encontrando uma não muito longe dali. Meu cabelo já deveria estar duas vezes o seu tamanho normal por causa da umidade e eu tentava não pisar em nenhuma poça que se formava rapidamente no asfalto. Ele, antes de entrar na cabine, conferiu se não havia nada no chão e depois analisou bem o telefone antes de levá-lo à sua orelha.

Enquanto discava, me puxou para dentro. Eu queria dar privacidade à sua ligação, mas ele não quis que eu ficasse na chuva. Encarei as gotas de água descendo pelo lado de fora da cabine enquanto ele discava, tentando não encostar muito no telefone. 

"Oi, pai. Te acordei? Desculpa. Não, tá tudo bem aqui. E o senhor? Sim. Sim. Sem problemas. Pode voltar a dormir. Não vou demorar para chegar. Ok. Também te amo. Tchau." 

A conversa foi rápida, talvez por vergonha, talvez por eu estar ali ouvindo tudo sem poder fingir que não estava.

- Às vezes é melhor quando eu o acordo ligando. Melhor do que ser acordado no meio da noite e por um segundo acreditar que a sua falecida mãe realmente desapareceu.

O rapaz comentou dentro da pequena cabine e eu não soube o que responder. Meus problemas ficaram insignificantes naquele momento.

A chuva diminuiu depois de alguns segundos e nós saímos da cabine abafada e suja, voltando nossos pés ao asfalto molhado da rua.

- Tenho certeza que seu pai tem muito orgulho por ter um filho como você.

Falei olhando para o chão, quebrando o silêncio e resgatando o assunto de minutos atrás.

- É que... É raro para mim até pensar em ligar pros meus pais. Às vezes passo semanas sem fazer contato. E eles estão bem, lembram de mim, sabe? Sei lá, acho que acabei de perceber que sou uma péssima filha - eu disse, me explicando já que ele havia ficado quieto

- Não se preocupe. Eu também era assim antes da doença. E é triste demais ter que ligar para ele todas as noites e acabar me lembrando de que minha mãe não existe mais. E meu pai ainda lembra da voz dela, ainda lembra da presença dela, mesmo se esquecendo dos fatos. Eu já não sei o que é memória ou não. Para falar a verdade, a doença nos fez ficar mais unidos.

Eu respirei fundo, pensando e andando, e mal percebi que ele havia parado um pouco atrás de mim. Virei-me e ele apenas apontou para cima, para a placa da estação de metrô. As portas ainda estavam fechadas. Olhei no meu relógio e faltava uma hora pra elas se abrirem e os trens começarem suas jornadas. Ficamos sentados do lado de fora, olhando o pouco movimento da rua naquela hora da madrugada. Eu ia quebrar o silêncio falando algo, mas considerei estúpido, então abri a boca, mas voltei a fechá-la. Achei que ele não tinha percebido, mas me enganei.

- O que você ia falar? 

- Nada. Coisa tonta.

- Eu gosto de coisas tontas - ele sorriu

- Eu ia te perguntar algo bem estúpido e óbvio na verdade, coisa de quem nem imagina a realidade do outro.

- Agora você vai ter que falar, porque fiquei curioso.

Eu respirei fundo.

- Eu ia te perguntar se você sente falta da sua mãe, mas é óbvio que você sente. É que deve fazer, sei lá, uns belos meses que não vejo a minha e ouvir sua história me fez perceber que sinto falta dela.

- Bom, confesso que cuidar do meu pai me fez ficar ocupado demais para sentir a falta dela como eu sentia antes, logo após o acidente. A dor vai ficando menos ardida no peito, sabe? Mas continua lá e às vezes te visita de vez em quando. 

- Desculpa por te fazer falar nisso, eu disse que era uma pergunta idiota.

- Não tem problema. Não vou falar que estou acostumado, porque raramente compartilho isso com alguém.

Voltamos a encarar o outro lado da rua, em silêncio por alguns segundos.

- Por que faz meses que você não vê sua mãe? Ela mora muito longe? - ele quem me perguntou dessa vez

- Não muito. Uma hora de trem daqui, no litoral. Mas eu não tenho arranjado tempo pra fazer essa viagem, e sempre que eu consigo visitá-la acabo voltando de lá mais cansada. É horrível admitir isso, mas eu acabo não tendo muito sossego quando a visito.

- Por que não?

- Porque ela se casou de novo e teve um outro filho, de 9 anos, que é uma peste. Então toda a vez que vou lá eu passo mais tempo sendo babá do que realmente matando as saudades dela.

Ele riu com a situação.

- Se ela se casou de novo, seus pais se divorciaram? Então você vê mais o seu pai ou ele também te deu um pestinha de meio-irmão?

- Eu vejo meu pai às vezes. Ele fica mudando muito de lugar, depois do divórcio ele foi morar em um barco e é difícil encontrá-lo fixo em um lugar, mas sempre que consigo a gente sai pra tomar um café ou mesmo passear pelo canal.

- Uau, isso na verdade é bem interessante. Deve ser legal morar em um barco.

- Depois que você acostuma a pisar em um chão de madeira cambaleante é até ok, mas meio baixo e apertado demais pra mim.

- Às vezes eu acho que eu deveria mudar também, não para um barco, mas pra outro lugar. Eu sempre morei na mesma casa, às vezes eu queria morar mais pra cidade e não ter que pegar o trem pra trabalhar.

- Eu queria ter a desculpa de não morar a 20 minutos do trabalho. Seria ótimo! Nossa chefe, não posso ficar aqui até às 11 da noite revisando seus textos e te ajudando a escolher a roupinha do seu cachorro porque afinal meu trem sai às 9:30, né? 

Ele riu, balançando a cabeça.

- Ela provavelmente iria te fazer dormir na empresa. Você poderia muito bem denunciá-la por trabalho escravo, ein?

Eu também ri, mas sabia que era exatamente isso que a minha chefe faria.

- Você mora sozinha então?

- Praticamente. Quer dizer, eu divido um apartamento minúsculo no leste da cidade com uma outra garota, mas nossas rotinas são inversas, então quase não a vejo. É como se eu fizesse o turno do dia e ela da noite.

- É uma boa vantagem então. Metade do aluguel por um apartamento inteiro.

- Sim, a sorte é que nos fins de semana ela também acaba saindo. É maravilhoso não brigar pra usar o único banheiro.

- Só estou vendo vantagens - ele riu - Você devia aproveitar mais seu apartamento. Quer saber, você deveria trabalhar de casa... Escrevendo o seu próprio website sobre pessoas, culturais e viagens, que tal?

Eu rolei os olhos.

- Esse assunto absurdo de novo?

- Sua chefe tem um website?

- Hum... Tem o site da empresa...

- Não, tô dizendo site dela, uma página pessoal, onde ela escreve sem precisar de alguém pra revisar os textos?

Balancei a cabeça negativamente.

- Que eu saiba não.

- Está resolvido então. Você faz o website, larga o emprego e vira uma jornalista-barra-escritora mais famosa que sua chefe.

- Isso se o mundo não acabar no dia primeiro de janeiro.

- Se não acabar, você me promete que vai me deixar te ajudar a criar o website?

- Ok, combinado.

Nós rimos de leve e voltamos a encarar o outro lado da rua. Não demorou muito para que o o portão da estação abrisse. Assistimos às luzes do local se acenderem uma a uma e fiquei na fila, esperando que alguém aparecesse na bilheteria para que eu pudesse comprar uma passagem.

Passei pela catraca e ele me acompanhou. Eu tinha que analisar o mapa para ver para qual direção ia, mas ele sabia exatamente a direção dele.

- Pelo visto você vai ter que pegar essa linha aqui sul e depois trocar e ir pro leste - ele falou, fazendo o caminho no mapa com o dedo

- Sim, não tinha percebido que tínhamos andado tanto, na minha cabeça eu teria que só pegar a linha pro leste e fim.

- Bom, mas pelo menos você vai ter certeza de que vai sentada, se fosse na estação perto da casa do meu primo ia ser mais complicado, até mesmo nessa hora.

Ele falou "casa do meu primo" e eu demorei um tempo para lembrar que essa noite tinha começado comigo sendo arrastada pra uma festa em uma casa desconhecida. Descemos as escadas em silêncio para alcançar as plataformas e, logo após chegarmos em uma bifurcação de caminhos, ele se pronunciou.

- Bom, você vai pro sul, eu vou na direção norte - ele disse, quase mordendo seus lábios

- Foi bom te conhecer - eu falei - A festa acabou não sendo tão ruim quanto eu achei que fosse.

- Você diz a after-party, né? Porque a festa estava sim horrível.

Eu ri com sua sinceridade.

- Então, tchau - falei, dando um abraço meio sem graça e rápido nele

- Boa noite! Ou bom dia, não sei mais - ele sorriu sem mostrar o dente e foi se afastando aos poucos

Eu me virei para andar até a minha plataforma com uma sensação estranha no peito. Eu deveria ter me despedido de outra forma? Eu vou vê-lo de novo? E por que o pensamento de não vê-lo de novo esta me deixando angustiada?

Estava quase alcançando a plataforma quando ouvi um "ei" forte, aguçado pelo túnel que acabei de percorrer. Virei-me e o vi correndo em minha direção. Ele parou perto de mim um pouco esbaforido.

- Eu esqueci de perguntar uma coisa.

Ele havia parado para tomar um golpe de ar no meio da frase, mas eu não deixei com que ele terminasse sua fala. Lancei minhas mãos em seu pescoço e deixei meus lábios encostarem nos seus sem cuidado. Seu corpo demorou alguns segundos para responder, talvez por surpresa ou falta de ar, mas logo suas mãos estavam em minha cintura. Eu estava nas pontas dos pés e só larguei sua boca quando consegui fazer algo que ele já já descobriria que fiz. Ouvi o barulho do trem se aproximando atrás de mim na hora.

- Seu nome - ele falou com os olhos ainda meio fechados - Esqueci de perguntar seu nome.

Meus pés voltaram a tocar o chão por completo e eu me afastei dele andando para trás, sorrindo.

- Holly. O seu?

- Connor.

Eu apenas sorri e aproveitei que as portas do trem estavam abertas. Não havia mais ninguém no vagão. Sentei-me, de frente à plataforma e a ele e somente vi seu rosto sorrindo ainda em choque quando a porta se fechou e o trem partiu, fazendo com que a minha visão da janela se transformasse em um borrão preto.

Ainda bem que não havia mais ninguém no vagão, pois eu estava em êxtase pelos momentos anteriores. Eu mal podia esperar pela hora em que ele buscasse em seu bolso sua passagem pra sair da estação e encontrasse um guardanapo amassado, escrito à caneta, que passou a noite toda em meu bolso esperando para que fosse colocado em sua jaqueta sem que ele percebesse durante um beijo planejado segundos antes. E eu não poderia estar mais feliz por ter escrito, naquele frágil papel quase entregue para a pessoa errada, o número certo.


F I M

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