
v. kenna
— uma nova vida;
A semana seguinte pareceu passar rápido demais. Kenna sentia como se estivesse assistindo à passagem do tempo à distância, como se outra pessoa estivesse vivendo sua vida por ela enquanto tudo o que poderia fazer era sentar e observar. Quase desejou que fosse verdade.
Seguia quase a mesma rotina de sempre; acordar, cumprir quaisquer que fossem as tarefas do dia — geralmente lições com a Septã Mordane ou Elinora — e treinar o manejo da espada com Jon no tempo livre, que era seu mais novo hábito. Não que parecesse estar fazendo qualquer progresso neste último, mas ela se negava a parar com o treinamento assim mesmo. Além disso, este era geralmente o ponto alto de seu dia. A conversa com Lorde Eddard apenas evidenciara a sensação.
A cada dia que passava, aproximava-se a hora de tomar uma decisão. Kenna sempre soubera que teria de se casar, mais cedo ou mais tarde, mas agora tinha um prazo. Agora, era definitivo. E, se não escolhesse um marido, Lorde Eddard escolheria por ela...ou pior, Robert Baratheon, que, pelo que ouvira, odiava-a quase tanto quanto ao homem que matara no Tridente anos antes, um homem que carregava o mesmo sangue que ela...mesmo que ela nada tivesse a ver com ele além disso.
Outra pessoa já tem o meu afeto.
Aquelas palavras, palavras que ela mesma tinha dito, soavam todas as noites em seus ouvidos antes que ela conseguisse dormir. Não sabia por que as tinha dito, de onde tinham vindo, ou se eram realmente verdadeiras...mas as tinha dito mesmo assim, sem nem perceber, e agora assombrava-a a possibilidade de ter falando a verdade. Pior, assombrava-lhe saber a quem se referia quando as palavras escaparam de sua boca...alguém que ela não poderia ter. Nunca. Especialmente não agora.
Quando a porta do aposento se abriu naquela manhã e Estelle entrou para prepará-la para o dia, Kenna estava sentada na cama, o baú da mãe aberto diante dela e o ovo branco aninhado em seu colo como um pequeno animal. Tocar os ovos parecia, de alguma forma, acalmá-la todas as vezes.
— Kenna? — chamou a aia com incerteza. Ela, ao contrário de sua mãe, não via problema em chamá-la pelo primeiro nome, embora só o fizesse quando as duas estavam sozinhas. Kenna a considerava uma verdadeira amiga. Tinham crescido juntas, como família, e assim não havia ninguém em quem confiava mais para contar as coisas que não se atrevia a contar a mais ninguém. Estelle fechou a porta atrás de si quando entrou, aproximando-se.
Kenna passou a mão sobre a superfície escamosa do ovo, quase uma carícia delicada. Obviamente, nada aconteceu, mas ainda assim...
— Estão mornos — disse em uma voz ansiosa, feliz por ter alguém com quem compartilhar. Estendeu um ovo para Estelle, que tocou-o com a ponta dos dedos. — Sente?
Estelle recolheu os dedos devagar e ofereceu um sorriso solidário. Ela, Ragnor e Elinora eram as únicas três pessoas que sabiam daquele segredo; eles também sabiam perfeitamente que o último dragão morrera muitos anos atrás, e aqueles ovos não eram mais do que pedra morta.
— Sim, estão mornos — Estelle concordou. — O sol deve tê-los aquecido.
Quando ela apontou a direção da janela, onde um filete de luz solar se derramava no ponto exato onde os ovos ficavam escondidos, Kenna tentou não se sentir como um barco furado em alto mar.
— É claro — murmurou, como se não estivesse esperando uma resposta diferente. Colocou o ovo branco junto a seu irmão negro e guardou o baú trancado de volta onde pertencia. É apenas o sol. Como já estava vestida, sentou-se em frente à penteadeira, e Estelle começou a remover gentilmente os nós de seu longo cabelo castanho.
— E então, está perto de tomar uma decisão? — perguntou em tom descontraído enquanto trabalhava. Kenna não precisava que ela dissesse à que se referia. Era óbvio.
No fundo, Kenna sabia que era afortunada à sua maneira. Lorde Eddard não tinha qualquer razão para acolhê-la como tinha feito, muito menos para dar a ela a liberdade que dava, mas ele o fazia mesmo assim e por isso ela lhe seria eternamente grata...mas, nos dias que se seguiram à chegada da carta de Porto Real, não conseguiu não guardar um vestígio de rancor em seu coração pelo que ele a estava forçando a fazer. Sabia que eventualmente a mágoa se dissiparia, mas, por hora, permitiu que ela ali permanecesse, junto as palavras que segredara à Lorde Eddard naquela manhã contra a sua vontade, que insistiam em lhe tirar o sono: alguém já tem o meu afeto.
— Não — respondeu languidamente, balançando a cabeça como se assim fosse capaz de se livrar do pensamento anterior. — Não acho...não acho que quero escolher qualquer um deles, Elle. Você me entende, não entende?
O tom era de súplica. Na noite anterior, Kenna tivera uma longa conversa com a mãe de Estelle, Elinora, sobre o casamento que deveria tomar parte nos meses seguintes, o mais tardar. Conversa não era bem a palavra; era mais um discurso longo o suficiente para eternizar em um livro, sobre honra, gratidão e dever, e outras coisas mais às quais Kenna não tinha se forçado a prestar atenção. Esperava que Estelle fosse mais capaz de entender como se sentia, já que possuíam idades próximas.
Mas em vez de responder, a aia começou a trançar seus cabelos com dedos habilidosos e perguntou com curiosidade genuína:
— Por que não quer se casar?
— Ora, por que haveria de querer? — um riso nervoso seguiu as palavras. — Gosto de morar aqui, em Winterfell, e se casasse teria de ir embora.
Estelle piscou, refletindo sobre alguma coisa. Seu cabelo louro brilhava, impecável, sob a luz do sol.
— Éramos crianças quando partimos de Ponta Tempestade para cá, lembra-se? — recordou suavemente, quase com carinho. — Você amava aquele lugar, e aprendeu a amar este ainda mais.
— É diferente — insistiu Kenna, mais infantilmente do que gostaria de admitir. Era apenas um pouco mais nova do que Estelle, mas não era raro se sentir como uma criança perto dela. A aia parecia sempre muito tranquila com o que quer que o mundo lhe reservasse, vendo a tudo e a todos com nada menos do que gentileza. Kenna invejava sua paciência.
Viu pelo espelho quando Estelle sorriu com bondade.
— Certamente é — concordou a serva, passando uma mecha de cabelo castanho de um dedo para o outro mecanicamente, como já fizera outras centenas de vezes. Um brilho diferente passou por seus olhos azuis. — Acho que sei qual é o problema.
— E qual seria?
— Você não ama Winterfell realmente, Kenna.
Kenna endireitou-se no assento e virou a cabeça para ver o rosto de Estelle com tanta rapidez que o pescoço protestou. A trança por fazer escapou dos dedos da aia, mas ela não reclamou; a expressão no rosto ainda era de tranquilidade.
— Amo Winterfell, amo sim — não conseguia entender o que faria a outra dizer que não, mas a tinha magoado profundamente ouvir. — Por que acha que não amo?
Estelle olhou-a do mesmo jeito que Jon às vezes olhava para Arya, quando a estava ensinando alguma coisa.
— Se Lorde Eddard fosse senhor de Correrio e todos aqui lá morassem, ainda assim ia querer viver em Winterfell?
Quando Kenna não respondeu, o sorriso de Estelle se manteve, benevolente como o sol no inverno rigoroso.
— Não. Porque são as pessoas que ama, e não o lugar — Kenna só conseguiu ficar em silêncio. Não parecia justo que alguém tão jovem pudesse ser tão sábia. — Viveria feliz em qualquer outra terra, se a pessoa que ama fosse com você.
— As pessoas que amo, você quer dizer — Sentiu a necessidade de frisar. Kenna virou-se de volta para frente e fingiu analisar um prendedor de cabelo sobre a penteadeira. — Os Starks, e...
— Jon? — ofereceu Estelle. Tinha apenas a mais sutil nota de presunção na voz, mas foi o suficiente para fazer o coração saltar no peito de Kenna. Ela tentou abrir a boca para dizer alguma coisa, mas descobriu-se incapaz de pensar em uma resposta.
Por que ela tem que saber de tudo?
Jon era o único assunto sobre o qual ela não conversava com ninguém, nem mesmo Estelle. Em parte era porque nem ela mesma conseguia entender o que sentia...mas, de algum modo, tinha a sensação de que a serva entendia.
— Do que você tem medo? — continuou ela, retomando o trançar dos cabelos de Kenna. — De que a rejeite?
— Sim...não! Eu nunca...quero dizer, eu jamais... — as palavras se embaralharam antes de sair. — Jon é...
O quê? Um amigo? Família? Pensar em Sansa, por exemplo, e pensar em Jon evocava sentimentos completamente diferentes.
— O que estou tentando dizer é que você não toma uma decisão porque seu coração já a tomou por você.
— Isso não é...eu não posso.
— Pode, sim. Por que não poderia?
Era razoável perguntar. Estavam conversando sobre algo bem específico, sem nunca dizer exatamente o que em voz alta, e Kenna encontrou certo conforto nisso. Era um tipo de segredo...um que precisariam guardar muito bem.
Deve ter havido silêncio entre elas por um longo momento, porque Estelle só voltou a falar quando terminou com o cabelo de Kenna. Estava em uma trança elegante que caía entre as omoplatas.
— Minha mãe nunca me contou sobre quem era o meu pai, sabia? Ela só diz que era um amor impossível — quando se virou para olhá-la, Estelle tinha uma expressão diferente, quase triste, que não combinava em nada com seu rosto normalmente cheio de vida. — Mas amores impossíveis não existem, não se duas pessoas realmente quiserem e estiverem dispostas a fazer sacrifícios. Meu pai não estava, eu acho. Mas, se você estiver... — enquanto as palavras se arrastavam pelo ar, Kenna sentiu o peso delas quando Estelle olhou diretamente para o ponto perto da janela, onde seu maior segredo se escondia. — Você é como família para mim, minha senhora. Eu quero que seja feliz.
Venda-os, criança. Poderia ser capaz de começar uma nova vida com o que alguns mercadores pagariam por eles.
—
N/A: Não se esqueçam de clicar na estrelinha! ♥
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