Traição na Véspera
A enorme e pesada porta de mogno se abriu em um estrondo, dando passagem para os membros da associação de comerciantes de RoseWood.
Seis homens robustos e mal humorados se sentaram cada um em uma cadeira que fazia jogo com a mesa, uma mistura de madeira e ferro fundido, com os símbolos do reino: rosas que só haviam naquele lugar, entalhadas com perfeição em todos os seus detalhes.
O Rei Maximus esperou paciente a que todos se acomodassem, antes de começar a falar. Com apenas um olhar severo, coagiu o silêncio e todos ali presentes não ousaram dizer uma palavra sequer.
— Agradeço a presença de vocês no dia de hoje. A razão desta reunião extraordinária, é para informar-lhes que no dia de amanhã, aproveitarei a comemoração do natal, para liberar a todos os escravos do reino. - Nem bem terminou de falar, um burburinho se estendeu pelo lugar, alguns dos homens reclamaram com palavras inapropriadas, enquanto outros, apenas mantiveram sua expressão de raiva contida. — Silêncio! - gritou o rei.
— Não pode fazer isso, majestade! Os escravos são uma das principais fontes de renda de RoseWood! -Disse Elijah, o mais corajoso de todos e também um dos mais ricos.
— Não os chamei aqui para negociar, e sim para comunicar que a decisão já está tomada. Neste natal, reinará a liberdade, era um desejo de Elinor e agora o meu. - O barulho da enorme mão ao chocar contra a mesa, silenciou novamente a todos no lugar. A voz baixa, porém autoritária do rei, foi suficiente para dar o recado de que ele não mudaria de ideia.
— Com todo o respeito majestade, mas como ganharemos dinheiro para nossos gastos? - Dessa vez, quem se pronunciou foi Stefan, um revendedor de "mão de obra humana", como gostava de ser chamado.
— Por isso convoquei esta reunião, para que se preparem e possam conseguir outra fonte de renda. - Maximus explicou, olhando diretamente nos olhos de Stefan. O rei era conhecido por ser intimidante e causava medo na maioria das pessoas, no entanto, era um homem bom e justo. — Todos merecem ser livres, e não vejo dia melhor para comunicar minha decisão, senão amanhã. Farei questão também de exigir informação sobre os escravos libertos além de declarar culpado qualquer um que tente ir contra essa ordem, seja com "desaparecimento", "doença" ou qualquer outra razão que os impeça de serem livres. - Maximus se levantou ao pronunciar a última palavra, deixando claro que a reunião havia terminado.
Todos se levantaram em respeito e saíram um por um do enorme salão real.
Quando finalmente ficou sozinho, o rei caminhou até a lareira de pedras e segurou a urna com as cinzas da amada esposa nas mãos, enquanto uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, se perdendo na enorme barba castanha.
— Eu vou cumprir minha promessa querida, todos serão livres e algum dia, este reino voltará a ser o que era antes de partir. - sussurrou e selou o juramento com um beijo no recipiente de metal.
Respirou fundo e deixou o salão, com a certeza de que estava fazendo o correto.
Tinha muito o que fazer ainda, mas o principal era encontrar o presente perfeito para a sua única e amada filha.
— Princesa Winter, acorde! - Kira gritou do outro lado da porta do quarto da princesa, que já estava acordada e vestida a algum tempo, apenas esperando pela chegada da dama de companhia e ao mesmo tempo melhor amiga.
— Entre. - Respondeu simplesmente, enquanto procurava uma fita de cetim azul escura.
— Que bom que já está acordada, precisamos nos arrumar para o baile de natal que será daqui a algumas horas! - A animação evidente na voz da amiga fez Winter torcer o nariz. Conhecia Kira a vida toda, e sua alegria constante a deixava nauseada em certas ocasiões, principalmente no natal, onde sentia mais falta da mãe perdida para uma doença desconhecida a quase dez anos atrás.
— E se eu não for ao baile? - resmungou, amarrando uma fita vermelha no cabelo, irritada por não encontrar a que queria.
— Você sabe que tem que ir, além do mais, o rei ficaria muito chateado se não fosse. Ele adora passar o natal com você. - Aquelas palavras continham mais verdade do que Winter gostaria de admitir. Passar o natal com o pai, havia se tornado uma espécie de tradição desde que a mãe já não estava mais com eles.
— Argh, tudo bem! Mas saiba que se tentar me arranjar um pretendente outra vez, te jogarei no chiqueiro com os porcos. - Ameaçou e sorriu ao ver a expressão assustada de Kira. Tentou se manter séria por mais alguns segundos, porém uma gargalhada acabou escapando, evidenciando que tudo não passava de uma brincadeira tola.
— Engraçadinha... - murmurou Kira um pouco mais tranquila. — De todos modos, eu já desisti dessa ideia. Nenhum príncipe gosta de ser desafiado, e isso é o que você mais gosta de fazer. - Confessou e Winter sorriu satisfeita. Nunca havia gostado de ser oferecida como uma espécie de troféu para príncipes mimados em busca de uma serviçal. Se algum dia fosse se casar, queria que fosse por amor e não por obrigação, assim como os pais, que se casaram perdidamente apaixonados.
— Finalmente aprendeu a lição. - Brincou novamente antes de começar a sair do quarto.
— Onde pensa que vai?
— Irei desejar feliz natal a papai, e depois até a cozinha para comer algo, estou faminta.
E assim, as duas saíram porta afora, se aventurando pelo enorme castelo, antes de que tudo ficasse uma loucura pela preparação do grande baile natalino.
— Está linda, querida. - O elogio veio seguido de um abraço carinhoso do rei.
— Obrigada papai. - Winter deu um beijo no rosto de Maximus e logo se apoiou no braço do pai, para realizar a entrada real no salão de baile. Todos os convidados, eram pessoas importantes do reino, comerciantes, políticos e outros membros da realeza.
Winter não era de conversar e na maioria das vezes gostava apenas de observar os convidados e imaginar o que estariam pensando naquele momento.
Como era de costume, o rei e a princesa executaram a primeira dança, ao som das flautas, violinos e violas de arco.
Pai e filha se esqueceram por alguns minutos a importância das suas posições sociais e se divertiram com a música alegre. Dançaram em sincronia e se abraçaram ao som dos últimos acordes.
Com um sorriso sincero, Winter beijou o rosto do pai e voltaram cada um para o seu trono, deixando que os convidados assumissem a dança.
Uma hora depois e bastante entediada, o jantar finalmente foi servido e todos puderam se deliciar com as iguarias feitas por um dos melhores cozinheiros do castelo.
Havia uma enorme variedade de comidas para todos os gostos e preferências. O rei e a princesa comeram pouco e esperaram a que todos se fartassem, para servir a melhor parte: a sobremesa.
Os pratos vazios foram retirados da mesa, sendo substituídos por enormes bandejas com quitutes diversos.
Cada um serviu o que queria, incluindo a princesa e sua dama.
Para o rei, um prato distinto foi servido, com biscoitos de açúcar -seus preferidos-, manjar de leite e um doce de amoras silvestres que nunca haviam visto.
Curiosa, Winter provou um pouco do doce e fez uma careta ao sentir o sabor ácido da iguaria.
Terminaram de comer e foram todos até a enorme lareira, entoar cânticos natalinos e contar histórias para os mais pequeninos.
No entanto, quando estavam por chegar, Maximus sentiu uma fraqueza no corpo. Suas pernas não o obedeciam e um sabor amargo subiu por sua garganta, o deixando sem ar.
— Papai, está bem? - Perguntou Winter preocupada.
— N-não sei... a-algo está ac-contecendo c-comigo, eu... - A frase ficou perdida no ar quando o rei caiu seco no chão, convulsionando e soltando uma espuma branca pela boca.
— PAI! AJUDA! - Winter gritou a plenos pulmões, enquanto lágrimas espessas escorriam por sua face de porcelana. Sua voz foi roubada no momento em que percebeu que o amado pai, jazia já sem vida, bem ali na sua frente.
Sentindo seus joelhos fraquejarem, caiu ao lado do rei, e numa tentativa de abraçá-lo, foi puxada bruscamente por Kira.
— ME DEIXA KIRA! - Gritou novamente em prantos.
— Winter, o rei parece ter sido envenenado, pode acabar se contaminando, não o toque por favor! - Kira expressou, também em lágrimas, a razão de sua atitude.
A jovem dama havia visto muitos casos parecidos, de modo que temeu pela vida da amiga.
Minutos depois, quase toda a guarda real apareceu correndo e o rei foi retirado dali e levado para um lugar secreto, onde analisariam a causa da morte.
Winter não parou de chorar por um segundo sequer e depois de quase duas horas sem notícias, em um rompante de loucura, saiu correndo do castelo em direção ao bosque tenebroso. Precisava de ar, precisava sair dali para assimilar que outra vez perdia a quem mais amava. Para entender que dessa vez, estava sozinha.
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