Parte XV
POV Sebastian - Fôlego
Eu mal podia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Só esperava estar em um enorme pesadelo. Aquilo não era real. Não podia ser.
Ainda vi seus olhos cruzarem com os meus enquanto o carro caia. Podia jurar que Cassidy estava me agradecendo por tudo e sorrindo para mim. E ainda que a escutei dizer que eu cuidaria bem de Evelyn; mas talvez tenha sido só coisas da minha cabeça, porque nessa mesma altura o carro colidiu contra as rochas e explodiu.
Aquela imagem me deixou inerte.
Sem conseguir pensar.
Respirar.
Chorar.
Nenhuma lágrima caia, por mais que meus olhos estivessem marejados. Eu não conseguia chorar.
A dor era sufocante.
Entorpecedora.
Então sacrifique-se
E me deixe ficar com o que restou.
Eu sei que posso encontrar
O fogo em seus olhos.
Eu passarei por todo esse caminho
Vá embora, por favor.
Você tirou o fôlego de dentro de mim.
Você deixou um buraco onde meu coração deveria estar
Você devia lutar para ultrapassar,
Porque eu serei a sua morte.
Mas um relincho me trouxe à realidade.
O sol já começava despontando no horizonte em um crepúsculo sombrio. Nem vira o tempo passar, mas já se haviam passado várias horas.
Virei meu focinho na direção de Diana e a vi se empoleirando sobre Eve.
Havia esquecido completamente dela e quando a vi deitada naquele estado, inconsciente, uma aflição bem maior do que quando vi meu carro explodir se apoderou de mim. Eu não a podia perder também. Era minha obrigação salvar uma delas. Eu tinha de fazer algo!
Deixei que a transformação se revertesse em meu corpo, enquanto corria em seu encalço, e a peguei em meus braços afastando seus fios grossos e ondulados, de vários tons de castanho, de seu rosto ensanguentado. Eve havia batido com a cabeça e já tinha perdido muito sangue.
Me culpei por ter sido tão descuidado e esquecido daquela que eu mais queria proteger hoje mais cedo.
Como isso era possível?
Montei em Diana com Eve em meus braços e cavalguei o mais apressadamente possível em direção à cidade. Nem me importei se eu estava nu, se não tinha nenhuma roupa para vestir. Minha preocupação não era essa.
Em poucos minutos - pelo menos foi o que me pareceu - eu estava atravessando a praça da pequena cidade de Greenwich em Ohio buscando apressado por um hospital. Assim que avistei o pequeno edifício abrandei o galope de Diana para um trote apressado para por fim ela parar bem na entrada onde já um monte de pessoas me olhavam pasmadas e um pouco assustadas.
Desci cuidadosamente de Diana com Eve em meu colo e adentrei as urgências.
-Alguém socorre aqui! – Gritei sufocado apenas notando agora que chorava.
Sim, finalmente eu estava chorando, derramando lágrimas, sofrendo por completo. Eu não podia perdê-la.
O que eu sentia por Evelyn não era como a Epilégi. Era mais forte, mais verdadeiro.
Era algo que crescia por si próprio de uma forma consciente. Não era como quem liga o interruptor da luz. Era como quem regula a temperatura da água do chuveiro. Como quem espera que o calor te aqueça numa noite fria.
Eu tinha perdido minha Epilégetai, mas isso não me tirava a vontade de viver. Talvez se eu não tivesse Eve para me preocupar eu teria me atirado daquele penhasco junto com Cassie, mas meu dever de proteção com Evelyn não me permitiu.
Mas se eu amava tanto assim Evelyn, o que realmente significa a Epilégi?
A escolha da parceira feita para o lobo? Amor à primeira vista? A sua nova razão de viver? Instinto protetor? Uma ligação sobrenatural?
E então as sábias palavras do Velho Quil surgiram em minha mente enquanto eu via a maca do hospital com Eve sendo levada para a UTI.
"A Epilégi foi certa. A mulher é que não. Mas não se preocupe, meu filho. Logo tudo se resolverá. Você acha que algo está errado, mas tudo está certo. [...] Como os Cristão dizem, com certa razão, os Deuses escrevem certo por linhas tortas!"
Mas o que isso realmente significava?
POV Evelyn - Anjo meu
Meu único propósito era acabar com minha vida. Porque tudo o que eu tocava apodrecia, se tornava em pó. Era doloroso demais.
Por minha culpa meus pais tinham morrido. Por minha culpa Cassie sempre perdeu quem ela mais amou.
Eu não podia permitir que isso acontecesse de novo.
Mas ela também não queria permitir que eu tentasse de novo.
-PÁRE ! PÁRE AGORA! – Cassie gritou acelerando a picape para tentar me alcançar.
-ME DEIXA EM PAZ, CASSIE. EU NÃO MEREÇO VIVER. EU DESTRUI TUDO DE BOM QUE VOCÊ CONSTRUIU. – Respondi com o rosto inundado de lágrimas.
-POR FAVOR, IRMÃ. PÁRE ESSA ÉGUA! A CULPA NÃO FOI SUA, EU SEI DISSO... - Ela tentou falar, mas eu não permiti que ela me dissesse de novo que eu não tinha culpa.
Uma vez tentei a acusar de tudo, mas era inútil. Eu sabia no mais profundo do meu ser que a culpa tinha sido toda minha.
-ME DEIXA, CASSIE...
E então, de repente, já não estávamos mais correndo na floresta.
Diana relinchou e ergueu as patas no ar, me jogando no chão, mas ao invés de um chão duro eu fui recebida por um colchão macio.
Olhei para o lado e vi uma cortina feita de material hospitalar me separar de uma outra maca, onde, eu percebi, estavam operando outra pessoa. Como eu tinha vindo aqui parar?
-Carga! – Escutei um médico vozear e um som parecido com o de um choque soar em seguida, junto com o som de um corpo batendo contra a maca.
-Aumentem a voltagem para 250 volts. – O médico pediu. – Afastem-se. Carga! – Os sons anteriores se repetiram.
-Continua a zero. – Uma enfermeira comentou.
-300. – Pediu o médico sem querer desistir. – Carga! – E de novo os sons.
Depois de uns minutos de silêncio a enfermeira informou: - Hora de morte: 22h15. – Sua voz soava seca e pesarosa. Como se não quisesse admitir que, quem quer que fosse, tivesse morrido.
Então a cortina foi afastada e os meus olhos perderam o foco ao ficarem embaçados pelas lágrimas que culminaram. O meu coração, que estava fraco, deu um forte solavanco em meu peito e os soluços presos na garganta se tornaram audíveis.
-Não, não! Cassie não! NÃO! – Gritei me debatendo.
Mas ninguém me parecia escutar. Meus pulsos e meus tornozelos estavam presos com cordas nos ferros da cama. Eu não podia me mexer, mas eu continuava me debatendo, tentando acordar daquele pesadelo.
Fiquei chorando convulsivamente olhando o corpo inerte de minha irmã na cama ao lado da minha.
Eu não a podia perder também.
Mas então seus olhos se abriram e ela me olhou com um brilho doce e um sorriso carinhoso no rosto.
-Não deixe que a escuridão te arraste com ela. Você tem uma luz para te guiar. Siga ela, minha irmã. A culpa do que aconteceu não foi sua. Foi de Max. Não se culpe mais. Tire os espinhos que sangram seu coração. Deixe que ele cuide de você. E cuide dele também. – Sua voz ia ficando cada vez mais distante, bem como a sua imagem.
Mas eu ainda podia ver e sentir o calor do seu olhar e do seu sorriso.
-Não me deixe! Me leva contigo. Por favor. – Eu pedia choramingando.
-Não. Não vire as costas à felicidade. Ela está batendo à sua porta incessantemente. Deixe ela entrar. É tudo o que eu peço. Seja feliz por mim. – E então uma luz me cegou.
Seria aquele o paraíso? Seria aquela a minha felicidade? A minha morte?
*
-Ela está acordando. – Escutei uma voz desconhecida soar cada vez mais perto.
-Eve, querida, acorde. – Escutei a voz de Sam me acolher e eu obedeci, abrindo meus olhos e me deparando com um lugar alvo demais para os meus olhos.
Eles arderam e eu ergui custosamente uma de minhas mãos na altura de meus olhos.
-Feche as cortinas? – Sam pediu para alguém, que prontamente o fez. – Então querida, como você está?
Eu não sabia o que responder. Na verdade não conseguia responder. Minha voz não se projetava por minha boca por mais que me esforçasse.
-Desculpe, você ainda não está recuperada. Não se esforce. – Sam acariciou meus cabelos.
Várias perguntas estavam latentes em meu olhar e como se estivesse lendo o meu pensamento, Samantha sorriu e respondeu.
-Sebastian está preparando... - Sam travou a frase, sustendo uma careta triste.
-O enterro. – Por fim falei por mais que minha voz saísse num lamentável e frágil sussurro.
-Sim. – Ela confirmou. – Tessa foi pega pelas autoridades cruzando o Estado. Ela confessou tudo.
-Tessa? Confessou? O...o quê? – Gaguejei surpresa.
-Ela cortou os travões do carro do Bast. Descobriram um diário dela em que contava todos os seus crimes. Desde a morte dos seus pais até as suas tentativas de suicídio.
-As minhas...
-Ela provocou tudo. Ainda não se sabe bem como, mas uma equipa de peritos está investigando. Parece que os medicamentos que você tomava foram trocados por uns mais fortes que te causavam depressão e algumas alucinações.
-Ela quis nos matar? – Lamentei completamente atónita.
-A Cassie não. Parece que ela nutria uma paixão psicótica por sua irmã. Achava que ela era a sua filha morta e que tinha de acabar com todos os que a fizessem sofrer. Ela cortou os travões do carro para matar Sebastian...mas vou parar de te preocupar com tudo isso. Descanse. – Falou fazendo expressões dolorosas
-Quando é o funeral? – Perguntei num fio de voz.
-Amanhã.
-Eu quero ir. – Determinei firme mesmo fraquejando por dentro
-Não sei se os médicos te darão alta, Eve.
-Não me importo. Eu quero me despedir de minha irmã. – Decretei e Sam assentiu murmurando mais uma vez para eu descansar, enquanto acariciava meu rosto e meus cabelos.
Logo o sono me atingiu e pela primeira vez na vida eu tive um sono pacífico.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro